quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Um Barco Apodrece no Cais

Geraldo Borges


Recordando meus passeios pelo cais do rio Parnaíba, vi muitas coisas do cotidiano da cidade, que eu poderia contar, ou melhor, fotografar. Por exemplo: barqueiros atravessando passageiros em suas canoas, à vara e a remo para a vizinha cidade de Timon, entre eles, Mano Velho, com seu chapéu de marujo, branco, bem engomado, sorriso constante no rosto, praticando o seu ofício na popa da canoa; meninos pulando do cais dentro da água barrenta do rio; mulheres meio despidas, com os peitos, que tanto amamentaram, caídos, batendo roupa na rampa. E ali mesmo estendendo-as no cimento para o quaradouro; balsas cheias de potes vindas de alguma olaria distante, à beira do rio. Havia muitas outras coisas que olhos atentos poderiam distinguir.
No momento, quero me ater a um fato que presenciei à beira do cais e me chamou muita à atenção. Vi um barco. Para que serve um barco? Para navegar. É claro. Talvez se estivesse navegando teria me chamado menos à atenção.
O porto seria apenas uma trégua.
Só que o barco que eu vi estava afundando, ancorado no cais, um barco sem bússola, sem norte. Ver um barco afundando em qualquer porto nos dá uma sensação nauseante de abandono, de desamparo. Era o que eu estava sentindo. O barco adornava na frente da Capitania dos Portos, que ficava na Avenida Maranhão. O seu casco estava cada vez mais afundando. Apodrecendo. A água lambendo os beiços das coxias. Via - se as palavras ENDEMIAS RURAIS no costado do barco, desaparecendo.
Imagino-o navegando rumo O barco entrou água.
Depois que a água tomou de conta do barco, a última coisa que afundou foi o mastro, onde tremulava uma bandeira do Brasil, esfarrapada, escorrida, que apanhou muito vento, muita chuva, sol, e com uma faixa escrita: ordem e progresso.
Aquele barco que eu vi durante um passeio pela beira do cais do rio Parnaíba, nunca saiu da minha lembrança. Ele sempre aparece na minha memória, nos meus sonhos, e em meus pesadelos, como se eu fizesse parte de sua tripulação impedida de embarcar. E fico triste, muito triste, sabendo que os nossos barcos continuam afundando, desaparecendo, apodrecendo. E que mesmo assim navegar é preciso... Nesse país de tantos caminhos fluviais, onde naufragam as naus dos insensatos. às cidades ribeirinhas, sendo esperado, com ansiedade, para acudir a população. Foi para isto que o Estado o adquiriu. Quando o barco chegou a Teresina, algum político, de nome já esquecido, fez a viagem de inauguração. Deve ter feito um grande discurso, cheio de gestos inúteis e ridículos. O barco, com certeza, serviu durante algum tempo, é o que presumo. Ou quem sabe, nunca saiu do cais. Mal –entendidos políticos, disputas eleitorais, fazem muitas vezes o povo pagar o pato.

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