domingo, 24 de outubro de 2010

Arre égua!





Edmar Oliveira



Mais uma vez fui à Teresina pelo entroncamento de Brasília. Aquele aeroporto parece a Estaca Zero da canção do poeta. Jogaram a gente por um portão A, onde um ônibus nos levava taxiando pela pista comprida até a aeronave estacionada. Cheguei com os primeiros passageiros e aí começou o martírio. Esperamos quase uma hora pelo embarque de outros ônibus, que chegavam conforme o tempo da conexão de São Paulo, Goiânia, Campo Grande e de outras paragens.


Dentro do avião as caras conhecidas dos conterrâneos e o sotaque inconfundível, além do falar alto e fazer graça com tudo, transformou a espera num perfeito mercado do Mafuá. A aeromoça distribuía um panfleto convocando a um Concurso Cultural chamado “Meu Amigo Golfinho”. Solicitava um texto, sugestão de nomes para o bebê golfinho e premiava com uma viagem a Orlando. Meu vizinho de cadeira reclamou da temática, sugerindo que se fizesse um concurso “Meu Amigo Calango”, que era a possibilidade dos conterrâneos participarem. Quando a moça distribuiu umas balas, outro reclamou que na vinda deram um bom-bom mais pretinho e não esse amarelado que parecia um cearense. A moça perguntou se a outra bala era petit gateau.” Era esse francês afrescalhado mesmo” – respondeu o passageiro.


Finalmente os ônibus chegados lotaram a aeronave e a decolagem se fez. Quando começaram a servir o pobre lanche das viagens de hoje, outro conterrâneo comentou que quando começou a viajar nem tinha coragem de falar com a aeromoça, tão arrumada que a moça era e que serviam o “de comer” numa bacia de inox. “Agora era aquela porcaria de sanduba que parecia o pão massa fina da garapa do Caçula”.


Tinha um vaqueiro do sertão vestido de texano e falando um inglês com sotaque de São Raimundo Nonato. Seu interlocutor só falava “hã-hã”, me parecendo não entender a língua de filme americano cantada pelo outro.


Uma senhorinha, de um metro e meio, cabelo ondulado e brilhante, parecendo penteado com azeite de mamona, foi na casinha do avião e se esqueceu de passar a tramela na porta. Um outro conterrâneo interrompeu os afazeres da tia e falou alto que não era aquela a intenção. Típica desculpa de piauiense.


O comandante anunciou o tempo de vôo e a temperatura esperada pra Teresina já quase à meia-noite: 30º C.! Todo mundo começou a imaginar o sol nascendo e a temperatura subindo, devendo chegar aos quarenta e poucos pelo meio dia. “Arre égua!” – um conterrâneo interjeitou por todos nós...


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ilustração do grande Gervásio

o espelho

Ana Cecilia Salis



Pois hoje...

No mais austero exercício de reflexão matutina...

No lampejo de sobriedade e clareza
refletido em minha face
diante do espelho,

Não me pude ludibriar...

Gostei de me sentir ridícula
por te amar tanto...

1000TON






BENTO QUE BENTO É O FRADE...FRADE!


NA BOCA DO FORNO...FORNO!


FARÃO TUDO O QUE SEU MESTRE MANDAR?...FAREMOS TODOS!



Lá pelos anos 2080 e tantos, seguindo a receita dos grandes banqueiros e especuladores, foi constatado que o bolo de dinheiro no mundo cresceu descontroladamente, e não ia ser distribuído mesmo, muito pelo contrário. A concentração brutal de renda de um lado contrastava com a miséria absoluta do outro lado. A pobreza grassava, qual praga, pela humanidade inteira. Do verde sobravam apenas os vorazes gafanhotos. O verde do dinheiro era escasso no bolso da grande maioria. E o verde das folhas das plantas ia sumindo, sumindo...


Alimentos, assim como terras agricultáveis, estavam desaparecendo, a água era muito pouco encontrada e passou a ser disputadíssima. Mares, rios, lagos, até grandes aquíferos estavam comprometidamente poluídos e cada vez mais escassos. Do ar vinha uma chuva ácida, ao invés de irrigar as plantas, asfixiava-as.


Foi por essa época que os senhores das finanças e da guerra tiveram a brilhante ideia: os seres humanos inúteis deveriam ser eliminados drasticamente. A água e a comida do mundo não seriam suficientes para todos. Assim, desempregados, pobres, mestiços, doentes, aleijados e idosos deveriam desaparecer da face da terra.


Mas, peraí! Os idosos ainda não poderiam ser eliminados não. Pelo menos assim tão rápido. O mundo ainda não possuía um banco de dados, tão completo e tão vasto, que abrigasse todo o saber acumulado da humanidade. Os velhinhos mais especiais, aqueles superdotados, seriam necessários, antes de morrer, para transferir toda a sua experiência, cultura e sabedoria, desenvolvidas ao longo de anos e anos.


Isso foi conseguido com a preparação intensiva de seres humanos, treinados para conversar, inquirir, ouvir com muita atenção, e gravar todas as preciosas informações. Para tanto, obrigaram todos os idosos a ficar confinados em spas muito confortáveis, adjacentes a hotéis luxuosíssimos e bem equipados, com atendimento médico-hospitalar de excelência.


As famílias desconfiavam que os seus patriarcas e suas matriarcas não mais voltariam, porém, conformados, acabavam por aceitar essa internação para uma “morte assistida”, até porque, com a pesada crise instalada no mundo, assolados por um atroz desemprego, vinham passando extrema dificuldade para sobreviver. Os mais “afortunados”, uma minoria, contavam com baixíssimos salários e aposentadorias irrisórias.


Aos velhinhos mais renitentes, ou seja, a maioria, que não estava muito a fim de “colaborar”, os enfermeiros ministravam o GHB-ácido gama-hidroxibutírico, tomando todos os cuidados com os efeitos colaterais da droga, com o objetivo de “arrancar” tudo nos depoimentos, puxando pela memória do paciente, antes de “suicidá-lo”.


Foi assim que os denominados “saca-rolhas-do-saber”, como ficaram, então, conhecidos, passaram a dominar a terra, controladores, agora, de todos os segredos da humanidade. Conceberam e construíram uma poderosa mega central de informações, rigorosamente protegida com segurança máxima, a qual abrigava desde os mais preciosos arquivos científicos, passando pelo domínio da mais avançada tecnologia, até o controle total de todos os perigosos armamentos com altíssimo poder de destruição.


As pesquisas científicas e a produção de livros e publicações sofriam rigorosa censura prévia. Inúmeras universidades foram fechadas. Todos os meios de comunicação passaram a ser monitorados com mão-de-ferro.


Protestos e manifestações quase não existiam mais. As revoltas eram truculentamente dissolvidas. Brigadas de patrulheiros e policiais, fortemente armados, circulavam constantemente pelas cidades. Toda a população da Terra estava angustiada, desiludida, anestesiada, exaurida...


Tudo e todos estavam massacrados pelas botas ensanguentadas dos novos senhores do mundo. Controlavam toda a economia mundial, as indústrias, o comércio, o sistema educacional, a produção e distribuição de alimentos, os combustíveis, os transportes, os hospitais e maternidades, determinavam quem ia nascer, quem ia morrer e quem ia deixar de viver...


Mesmo com todo esse poder sobre a humanidade, os poderosos controladores do mundo, apesar de fortemente protegidos das outras criaturas inferiores, estavam prevendo exaurir-se todas as condições mínimas de sobrevivência na Terra, já quase completamente devastada, poluída e extremamente sujeita a pesadas intempéries atmosféricas, eis que o clima estava perigosamente imprevisível e fora de qualquer controle.


Antecipando-se ao dramático futuro, investimentos brutais estavam sendo canalizados para a produção de giga-naves espaciais para transportar os “escolhidos” até a lua e a partir dali, aportar em outros planetas................................................................................................


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GRAVITANDO PELO ESPAÇO SIDERAL, ENCAPSULADO NO SEU LABOR-OBSERVATORIUM,


GRYEK , JÁ BASTANTE FATIGADO, HAVIA ENCERRADO A SUA BIO-ANÁLYSIS COM AS MICRO-CRIATURAS “HOMO SAPIENS” E DIRIGIU-SE PARA A SUA HIBERNEM-BOLHA PARA SE CYBER-RECICLAR.




MUITO PERPLEXO, ELE TELEPATIZOU ESSA MENSAGEM:



“NENHUMA OUTRA MICRO-CRIATURA CONHECIDA FOI CAPAZ DE ANIQUILAR O SEU


ORIGIN-HABITAT EM TÃO POUCO TEMPO : EM, APENAS, 3,5 BILHÕES DE ANOS !”




(Na ilustração foram utilizadas tiras de Moebius e outros fragmentos)


1000TON


O Piauí e seu porto marítimo

Geraldo Borges



Amarração era o nome de um município que o Piauí ganhou em troca de dois de seus municípios, chamados: Príncipe Imperial e Independência, o mar custou caro, com certeza os cearenses saíram ganhando. Amarração, bonito nome, o nome já indica que poderia ser um grande porto. Mas os políticos mudaram o nome do município para Luis Correia. E até hoje ainda não se construiu um porto na antiga cidade de Amarração. Ou, melhor, sua construção nunca foi terminada.



Desde o começo da década de vinte do século passado que os notáveis interessados pelo progresso do município se reúnem para tratar da construção do Porto, aproveitar o esboço de atracadouro, que os cearenses haviam construindo quando ainda eram donos da cidade a partir de 1820 Como se pode ver, há quase dois séculos se luta pela construção deste porto e nada..O Ceará com a sua grande faixa de litoral de verdes mares bravios construiu o seu porto em tempo hábil. .



No Maranhão, o Porto de Itaqui se projeta no Meio Norte ligado a estrada de ferro, para a exportação de minério de Carajás. O porto de Pernambuco e o da Bahia foi uma necessidade econômica de duas cidades litorâneas responsáveis pelo desenvolvimento colonial do Brasil no Nordeste. Se a colonização e povoamento do Piauí tivesse se dado a partir do litoral para o interior, com certeza o seu porto não seria apenas uma promessa, já estaria a muito tempo consolidado.



O Piauí ficava muito longe do mar, no interior, ficou mais próximo quando mudou sua capital para à margem do rio Parnaíba. Para se chegar a Teresina o passageiro que vinha do Rio de Janeiro, por exemplo, teria de viajar ate ao porto de São Luiz, Baia de são Marcos, e dali pegar um trem para Teresina.Ou chegar ao porto de Tutuia perto de Parnaíba,e embarcar em um vapor, e subir o rio até Teresina. Haja enjôo. A nossa dependência do Maranhão era gritante.



Pensando bem. Sem querer atravancar o progresso, o Piauí não precisa mais de porto. Demorou tanto a construí-lo que agora é quase dispensável. Basta uma marina para o prazer dos turistas.A falta de um porto não vai afetar o comercio piauiense que pode importar e exportar os seus produtos por outros caminhos. Precisamos é de aeroportos. O progresso esta voando. Mas os ufanistas da província, os políticos de plantão vão dizer que o porto é uma necessidade urgente.. É mesmo? E por que ainda não o fizeram?



Em 1976, estive em Parnaíba dando aulas de história para a Universidade Federal Piauiense, e tive a oportunidade de presenciar muito movimento de carro caçamba conduzindo material para a construção do porto. Faz mais de trinta anos e cadê o porto? O gato comeu. “ O porto continua lá, abandonado. Os últimos investimentos na obra foram feitos há quase 30 anos.” Zozimo Tavares. Não me deixa mentir. Tudo bem. O melhor momento para a construção do porto já passou, que foi no tempo do Ministro Petrônio Portella,do ministro Reis Veloso que é Parnaibano, por que não dizer do grande tocador de obra que era o coronel Andreazza. Tempo em que a ditadura construiu grandes monumentos, estádios Albertao, Castelão. O Piauí atolado em sua pobreza não passa de um apêndice dos outros estados Nordestinos.



Torno a repetir, se o Piauí fosse um estado litorâneo por origem e não uma fazenda de gado se expandindo no interior entre as fronteiras da Bahia e Pernambuco, já teria seu porto de Amarração. Digo Amarração. Porque Amarração seria um lindo nome para um porto. Mais de duzentos anos de luta por um porto, e nada. Onde estão as amarras? Onde está Amarração. A obra está em ruína, abandonada. Mas, por incrível que parece existe um farol ao largo do mar, chamado Farol da Amarração. Assim está registrado no mapa do Piauí. É como se ele estivesse esperando a inauguração do porto. Um farol. Uma esperança.





Causa Mortis



Nelsinho em Paris

Nelson Angelo



Musique du Brésil






Chanteur, compositeur, Nelson Angelo est l’un des musiciens les plus créatifs et les plus respectés de la musique brésilienne contemporaine. Né à Belo Horizonte en 1949, il n’avait que 10 ans lorsqu’il prit ses premiers cours de guitare. Au début des années 60 et commence à se présenter dans de petits bars dd Belo Horizonte sa ville natal. Dès 1963 il se lie d’amitié avec Milton Nacimento avec qui il va composer un certain nombre de morceaux qui sont maintenant connus comme “movimento” Clube da Esquina.Il va alors partir s’installer à Rio où il continue à étudier la musique. En 1969 il est invité par la chanteur Geraldo Vandré a rejoindre le groupe Quarteto Live avec Franklin da Flauta, Geraldo Azevedo e Nana Vasconcelos, groupe avec lequel il va participer aux grands festivals de la (TV Record), faire de longues tournées dans tout le Brésil et prendre part aux représentations du (Teatro Opinião, Rio de Janeiro). Puis il rejoint Milton Nascimento et son groupe avec qui il va interpréter la chanson Sentinela (de Milton/Marcio Borges), au festival de la TV Record de 1968 et aux côtés duquel il va jouer pendant 10 ans. Parallèlement il va aussi accompagner Marcos Vale, Edu Lobo, Francis Hime, Elis Regina (pendant 2 ans), João do Vale, Clementina de Jesus, Nana Caymmi, Chico Buarque, Egberto Gismonti, qu’il va accompagneer en studio et sur scène lors de grande tournées. Puis il rejoint le groupe de pianiste et compositeur luiz Eça « A Sagrada Familia », avec qui il va se présenter sur plusieurs scènes Mexicaine et participer à divers de programmes de la télévision Mexicaine.





Em 1971,il forme la tribu, un nouveau groupe, avec Nana Vasconcelos (ensuite remplacé par Realcino “Nene" Lima aussi batteur d’Hermetto Paschoal e de Pau Brasil), Joyce, Novelli et Toninho Horta. Em 1973, il s’embraque pour l’a France pour y enregistre le LP “Nana, Nelson Angelo et Novelli”, sorti sous le label de Pierre Barough, Saravah. Il ensuite revenir sporadiquement à Paris où il va enregistrer le LP “Mineiro pau”, puis participer à l’enregistrement de disque de plusieurs artistes résident en ranc comme : Pierre Akendengue, Teca e Ricardo, Les Etoiles, Marcia Maria entre autres).

Julinho de Adelaide



Houve um tempo em que qualquer música do Chico Buarque era censurada. Esta, de 1971, para a voz de Mário Reis, foi vetada porque o censor achava que o autor não respeitava a Bolsa de Valores, nem as mulheres. Pode?

As caliandras de fogo

Paulo José Cunha









Nos quintais daqui, principalmente nos abandonados, ou no meio do cerradão goiano, é tempo de surgirem as caliandras. A variedade de cor vermelha floresce em qualquer lugar, quando quer florescer, no meio do mato, nos depósitos de lixo, na terra seca. Conheço gente que já colheu com todo o carinho um pé de caliandra, plantou num jarro e a planta morreu ou não foi pra frente. Já nos quintais abandonados, sem cuidado algum, a danada da florzinha se dá muito bem, fica linda...





Um poema dedicado a essa moça bonita que recusa o cativeiro dos jarros e celebra a liberdade de espalhar sua beleza onde quer e entende. Nos anexos, algumas fotos pra quem não a conhece.





Abraços, boa semana!







As caliandras de fogo


.


Sinhô diga, por favor:


esses incêndios no mato


devastando bicho e gente


será que seijem por obra


das tochas das caliandras?


.


E o vermelhão no poente


mesmo que o céu fosse fogo


seria, sinhô me aclare,


via o vapor que alevanta


do sangue das caliandras?


.


E essa terra encarnada


do cerradão planaltino,


será se sêsse do sumo


vertido das caliandras


na lida de seu destino?


.


Por derradeiro, me avie:


será coisa do feitiço


ou praga das salamandras


meus olhos se desatarem


num estropiço de pranto


quando avisto as caliandras?

poemicro

*A VISITA DA AUSÊNCIA*



A lembrança preenche o vazio
Que a saudade provoca




(*Climério Ferreira*)

O Novo Manifesto




Eu também sou candidato a deputado. Nada mais justo. Primeiro: eu não pretendo fazer coisa alguma pela Pátria, pela família, pela humanidade.

Um deputado que quisesse fazer qualquer coisa dessas, ver-se-ia bambo, pois teria, certamente, os duzentos e tantos espíritos dos seus colegas contra ele.

Contra suas idéias levantar-se-iam duas centenas de pessoas do mais profundo bom senso.

Assim, para poder fazer alguma coisa útil, não farei coisa alguma, a não ser receber o subsídio.

Eis aí em que vai consistir o máximo da minha ação parlamentar, caso o preclaro eleitorado sufrague o meu nome nas urnas.

Recebendo os três contos mensais, darei mais conforto à mulher e aos filhos, ficando mais generoso nas “facadas” aos amigos.

Desde que minha mulher e os meus filhos passem melhor de cama, mesa e roupas, a humanidade ganha. Ganha, porque, sendo eles parcela da humanidade, a sua situação melhorando, essa melhoria reflete sobre o todo de que fazem parte.

Concordarão os nossos leitores e prováveis eleitores que o meu propósito é lógico e as razões apontadas para justificar a minha candidatura são bastante ponderosas.

De resto, acresce que nada sei da história social, política e intelectual do país; que nada sei da sua geografia; que nada entendo de ciências sociais e próximas, para que o nobre eleitorado veja bem que vou dar um excelente deputado.

Há ainda um poderoso motivo, que, na minha consciência, pesa para dar este cansado passo de vir solicitar dos meus compatriotas, atenção para o meu obscuro nome

Ando mal vestido e tenho uma grande vocação para elegâncias.

O subsídio, meus senhores, viria dar-me elementos para realizar essa minha velha aspiração de emparelhar-me com a deschanelesca elegância do senhor Carlos Peixoto.

Confesso também que, quando passo pela Rua do Passeio e outras do Catete, alta noite, a minha modesta vagabundagem é atraída para certas casas cheias de luzes, com carros e automóveis à porta, janelas com cortinas ricas, de onde jorram gargalhadas femininas, mais ou menos falsas.

Tal espetáculo é por demais tentador, para a minha imaginação; e eu desejo ser deputado para gozar esse paraíso de Maomé sem passar pela algidez da sepultura.

Razões tão ponderosas e justas, creio, até agora, nenhum candidato apresentou, e espero da clarividência dos homens livres e orientados o sufrágio do meu humilde nome, para ocupar uma cadeira de deputado, por qualquer Estado, província ou emirado, porque, nesse ponto, não faço questão alguma.

Às urnas!



Correio da Noite, 16 de janeiro de 1915.


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Mandado por Simão Curuca com o seguinte comentário:


Para quem diz: "Que saudade dos políticos de antigamente!"
Leiam esse texto de Lima Barreto, um irônico cronista da época.

E a ilustração, já publicada aqui é do Netto.

contraste



Paulo Tabatinga

LOWCURA



O lançamento foi ontem. Vas vale ler a partir de hoje...

Ícaro II

Edmar Oliveira



Quase cheguei ao teu céu, minha deusa


Teu porteiro Pedro demorou-se em abrir a caixa dos meus desejos


Na espera, a cera de minhas asas derreteu-se ao calor da solidão


.


Despenquei


Em queda livre


Das amarras desejantes da paixão


Que podiam me sustentar ao ar


.


Amar-te ou a morte


Em sina e queda

Torquato por Calcanhoto e Kassim


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Bronca e o Elogio do Simão da Casa Lima Barreto

Uns são incapazes de chegar ao segundo parágrafo de qualquer texto,
embora atinjam, sem desconforto, a oitava dose de uma caninha da
roça. Outros sobrevivem até o terceiro verso de um soneto de Vinícius,
mas 'sob-vivem' à última faixa do CD da Tati Quebra-Barraco.
Tant'outros varam madrugadas com o par de orelhas colado em disputas
destes sofríveis sambas de enredo, mas cochilam ao terceiro acorde de
um Chopin. Assim caminha a porra da humanidade e poucos abrirão o
pauinauta do Edmar. E eu nem lamento...Egoisticamente, curto a
prosa&verso do véio do piau, da ternura incômoda de Ana Cecília, do
perfurar até os ossos do "mau" Climério, da indignação sujamente
límpida do 1000Ton (ratificando a proposta de paz de Monteiro
Lobato:bomba atômica para todos), das "fotografias" de Netto...
É, assim caminha...
simao

domingo, 10 de outubro de 2010

Os novos surdos




Edmar Oliveira



Engraçado. Antigamente quando a gente via alguém com um aparelho no ouvido era porque a pessoa devia ser surda. E aquele troço enfiado orelha a dentro era para fazer uma conexão com o mundo. Agora muita gente anda com uma coisa enfiada no ouvido, às vezes nos dois, é para se apartar do mundo. Deve ser um MP3, um iPod, ou um celular desses que já não servem só pra falar, mas tem música, rádio, cinema, TV, e-mail e outras funções de redes sociais, twitter e o diabo a quatro. E o sujeito sai lá desligadão, cantarolando, falando sozinho ou com alguém muito longe dali. Mas completamente surdo ao seu entorno.


Você já cruzou com alguém assim? Não há possibilidade de comunicação. O cara tá lá longe, pra dentro do seu mundo virtual, completamente absorvido por informações que não estão ao seu redor. Se faz de surdo para o mundo real e abre as asas para se transportar pra muito longe de onde se encontra. E perde o contorno com tudo que pode estar ao seu alcance.


Deve ser o mesmo cara que em casa entra dentro do computador e passa a interagir com o mundo virtual da internet, nas redes de comunicação, escrevendo numa língua estranha e abreviada que não se assemelha a nada que aprendemos na escola.


E os computadores portáteis ficaram menores e são carregados a tiracolo para restaurantes, bares, shoppings, aviões, onde a pessoa fica surda ao seu redor e passa a se comunicar com aquela maquininha de fazer doido. Já vi um cara tomando um chopp num bar enquanto conversava com seu computador. Só faltou pedir um chopp para a máquina, sua companheira de mesa de bar. Modernos celulares já vêm também com internet e o cara fica conectado vinte e quatro horas com os seus e-mails, youtube, facebook, orkutt a quatro.
.
Tem algum sentido de vez em quando a gente se apartar do mundo. Lembro da minha mãe, que usara um aparelho de surdez durante a maior parte de sua vida. Quando descobri que era uma surdez capaz de ser corrigida cirurgicamente convenci a velha de fazer uma operação para se ver livre daquele troço enfiado no ouvido. Perguntando pelo resultado da cirurgia ouvia a reclamação de mãe: “menino, agora estou condenada a ouvir tudo. Uma droga. Antigamente quando não queria assunto com ninguém bastava desligar o aparelho”.
.
Mas hoje em dia não se desliga do que está em volta para ficar surdo por completo. Não se escuta o ambiente e vai se escutar muito mais longe numa conversa com a máquina e não com gente. A propósito, este texto foi feito numa viagem de avião, onde não encontrei ninguém com quem conversar...
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ilustração: Gervásio Castro

+poemação

A PAISAGEM & SEU REFLEXO
Climério Ferrreira

Para Edmar Oliveira


Quando na água, a paisagem é trêmula
Vulnerável ao círculo que provoca qualquer mergulho
Da pedra atirada ao pouso macio da gaivota
E, assim, de ponta cabeça as coisas mudam de lado

Uma coisa é a coisa e outra coisa é seu reflexo
O modo de ver é determinado pelo ângulo
Pelo lugar nenhum de cada um ao ver
E a mesma coisa vira seu oposto, se afirma ou nega

A mirada é informada e se produz pelo conceito
Pelo preconceito, pelo preceito, pelo efeito
Pelo aceito, pelo eleito, pelo defeito, pelo afeito
Pelo trejeito, pelo pleito, pelo direito, pelo suspeito

É que a paisagem nunca se impõe por si
É tida porque lida e declarada ao ser descrita
E passa a ser a descrição de si mesma
Mais do que o fato de ser o que de fato é

A paisagem, não se engane quem a olha:
É o cenário que a cultura crê
Que a história retém em seus períodos
E que a gente julga enxergar ao vê-la

Extravio

Ana Cecília Salis

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Não assimilei a tua morte...

Como não velei teu corpo...

Como não juntei minhas mãos a rezar por tuas lembranças...

* *

Faltou-me o que deixei para ti...

* *

Qualquer palavrinha boa

que te descanse em paz

ao chamar teu nome...

* *

Me roubaste a tua ausência...

* *

Manoel de Barros



No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

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deseho: Netto no Picinez

DEIXE DE MUGANGA E NUM FAÇA PANTIM, SE NÃO EU TE RÉIO TODIM



1000TON



Ou se tira a bomba de todos ou se dá uma bomba para todo mundo. Eu sei, eu sei, melhor e mais correto seria o desarmamento total, mas isso é impossível, porque as grandes arrogantes potências não iam se mexer para desativar os seus assassinos arsenais e indústrias de “matamento” (armamentos que matam).


Então a solução é dar uma bomba para todo o mundo. Tudo bem, é sabido que aquele japa, lá da Coréia do Norte, é meio matusquela, ele poderia ser capaz de cometer algum desatino bélico. Sabe-se também, que a ultra direita terrorista de Israel, que não tem sequer maioria folgada no seu país, poderia querer mandar pra cucúia todos os palestinos. Mas, pensa bem, são casos esporádicos e toda regra tem exceção mesmo.


Os EUA encheram a burra de dinheiro à custa da desgraça da Europa, na segunda guerra, e pensaram que iam se dar bem para sempre. Moveram uma guerra sangrenta e covarde contra o Vietnam, assassinaram um monte de gente inocente e tiveram que sair de lá com o rabo entre as pernas, pressionados que foram pela opinião pública de dentro e de fora do país. Urdiram uma tramóia sórdida em torno de armas químicas e lançaram-se noutra guerra cruel, bombardeando impiedosamente o Iraque, para esfregar na cara do mundo todo, o seu macabro poderio bélico!...


Vão tomar jeito agora? Claro que não! Bem fez o nosso arrogante- analfabeto pau-de-arara e molusco presidente, em tentar frear toda a empáfia belicosa dos ianques, dando força internacional para os países que ainda não têm o pleno domínio da tecnologia atômica.


Se a gente fosse esperar a ONU tomar alguma providência, “xará... Já viu, né? “Os países do primeiro mundo estão “ONGando e andado” pros outros. Sim, porque o que é a ONU, de fato, senão uma imensa ONG internacional a serviço dos poderosos?


E depois, tem o seguinte: ninguém vai se meter a besta de jogar uma bomba nos “córnos” do outro, já sabendo que o seu ‘fiofó” estará, também,”na reta, e aí, babau!”


Tem mais, todos iriam para uma conferência internacional com vez e com voz. Isso mesmo, com voz até para blasfemar: “Deixe de muganga e num faça pantim, se não eu te réio todim!” (tem ”tradução” no final)(*).


Utilizo, agora, esta expressão, que pego emprestada de um amigo potiguar, bom contador de causos, para ilustrar a minha proposta de “paz-belicosa”. Ela serve como símbolo de uma bravata da ralé submissa, contra todas as truculências impostas pelos “bomberosos”, quero dizer, poderosos.


Uma ameaça assim, tão “perigosa”, poderia ser usada no plenário dum imaginário debate entre os povos do mundo, caso os ânimos estivessem muito exaltados, e, tenho absoluta certeza, todos ririam dessa gostosa galhofa.



E a paz, finalmente, reinaria na Terra.


Per omnia secula seculorum, Ahmadinejad, amém !”




(*)“Tradução”:


Muganga: careta, trejeito.


Pantim; boato, espalhar boatos.


Réio, o mesmo que “relho”, primeira pessoa do presente do indicativo do verbo relhar, que significa: golpear com relho, açoitar.



sinal fechado



Luzes e Lua



Gisleno Feitosa

Luzes varam a noite deixando um rastro de vida e energia
Sob a anuência da lua que asperge romance e paz

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foto de Gisleno da varanda de seu apartamento em Teresina

Profissão: poeta

Eu vivo de coser palavras
costurar ideias e cerzir fonemas:
sou um simples alfaiate de poemas.


( Sérgio Natureza - O Surfista do dilúvio - Sete Letras)

Paulo Tabatinga



poemicro para Angical



*QUANDO APARTADO*



Longe de Teresina é distância

Longe de Angical é lonjura


(*Climério Ferreira*)




BEETHOVEN ERA 1:16 NEGRO

Luíz Horácio



Representar o real e o imaginado. Isso é literatura. As literaturas africanas não cansam de representar o papel de criticas do real. Violência e miséria dão o tom.Haja paciência para encarar o mesmo cenário, as mesmas personagens e o surrado figurino. No entanto não se pode desfazer da imaginação dos escritores africanos, nisso eles são bons, o problema é a repetição. Ora a natureza, quando não é a seca é a chuva no papel de algoz; ora o ocidental invadindo território e cultura, e nesse passo tenta se mover a literatura africana, sem sair do lugar, indecisa entre o maravilhoso, o fantástico e o real. Mas nunca negando a imaginação desse grupo imenso de escritores africanos. A massa de adoradores é imensa, os africanos acumulam três prêmios Nobel, o de Nadine ninguém me convence do contrário, razões políticas em primeiro lugar; mas a este aprendiz essa literatura não comove. Temos, em nosso literatura, tudo que eles alardeiam como o seu melhor, dos grandes escritores às nossas misérias maquiadas.



Atenção: o espaço destinado ao fel do resenhista acabou. Ou não, tudo vai depender...



Beethoven era 1/16 negro, livro de contos da prezadíssima Nadine Gordimer, é de uma irregularidade invejável. Apresenta contos primorosos e alguns constrangedores. Mas tão constrangedores que o leitor não acredita sejam todos da mesma autora, larga o livro e se perde elucubrando metáforas que quem sabe numa releitura consigam justificar o lamentável conto.



Exemplos, exemplos, você deve estar exigindo, e com razão, bravo leitor. A eles então.



Na categoria conto primoroso,aquele que empresta nome ao livro.



O apresentador de rádio de um programa de música clássica anuncia: Beethoven era 1/16 negro.



Pronto! É dada a largada à corrida de africanos em busca de uma identidade.



"Houve tempo em que tinha negro querendo ser branco.



Agora tem branco querendo ser negro.



O segredo é o mesmo."



O conto traz a sinfonia da desordem social africana. Um professor universitário londrino viaja a uma cidade sul-africana em busca de eventuais parentes. Seu bisavô explorara minas de diamante em Kimberley e agora o professor voa em busca de sua porção negra. O leitor se verá frente ao vai e vem da vida do bisavô do professor. Este se depara com o enigma inventado por ele mesmo na tentativa de tentar ser um pouco negro: "E então eu venho de onde.O que é mesmo tudo isso".



Se você sentiu falta de uma interrogação saiba que não foi vacilo deste aprendiz. É assim que você encontrará no livro.



Mas por que esse conto é primoroso? Sei que você fez essa pergunta. Porque é repleto de simbolismo, de criatividade, um vôo suave da imaginação sobre um continente contraditório.



Agora, mas com todo respeito, paciente leitor, é chegado o momento do conto constrangedor. Solitária é o título. Você encontrará coisas assim: "Meu começo é a ingestão… Posso ter sido ingerida numa folha de alface, ou numa iguaria de carne crua moída que atende, acho eu, pelo nome de steak tartare… Às vezes, durante minha longa estada ali, havia a descida de algum líquido poderoso que se espichava prazerosamente por todo meu comprimento….Ondulando, estou partindo num elemento que também o faz, estou partindo para onde essa vastidão líquida poderosa vai - a natureza imbuiu em mim o conhecimento de que tudo se move para algum lugar - e talvez lá, onde essa força chegar, um de meus ovos ( todos nós temos um estoque dentro de nós, ainda que sejamos sozinha e nossa fertilização um segredo) encontre uma mosca transmissora que pouse numa folha de alface ou num belo pedaço de carne de um steak tartare."



Sinceramente, já corrigi redações de alunos do ensino médio, sim eles conseguem, que não ficam nada a dever.



Mas há que se buscar metáforas que legitimem o conto. Uma voz do além me avisa. Pois estou buscando…estou buscando.



Resumo da ópera: Beethoven era 1/16 negro é um livro de contos onde o apartheid está em primeiro plano. Do mesmo modo que a escravidão no Brasil não teve seu final com a assinatura da lei, e o preconceito, contra os pobres de todas as cores, é cada vez mais visível, na África o fim do regime racista deixou negros e brancos perguntando: "E então eu venho de onde? O que é mesmo tudo isso? ". Agora sim, com interrogação.



Quase encerro sem citar outro momento extremamente desagradável, primário, Gregor é o título do conto que apresenta uma barata como protagonista. Temos Nadine buscando seu momento Kafka e chega a Clarice Lispector. A Clarice e todo o tédio que essa enigmática e incensada autora de A paixão segundo G. H. consegue desfiar. Inimitável. Lamentar ou não? Eis a questão.

Nelsinho in New York



Amigos queridos,

O show do Nelson Angelo no ZINC foi emocionante.
Ele estava soltinho no palco,feliz.
Parecia que em vez de Minas,nasceu no Village,NY.

Casa cheia e uma plateia carinhosa e receptiva.
Sempre aplaudindo muito ,ajudaram a criar na atmosfera neste Bar tipico do Village um clima muito aconchegante,fazendo a mocada se soltar.
Musicos de alto nivel formaram uma banda com grandes momentos de improvisacao a partir dos temas de Mr.Angelo.

Agora,quando Nelson sozinho no palco cantou Manha de Carnaval do Antonio Maria e Bomfa,numa interpretacao primorosa,impecavel,confesso que as lagrimas vieram.

Pra mim ja estava otimo quando aconteceu a canja de Mauricio Maestro e Kay Lira dando um show a parte.
A Kay Lira cantou muito enquanto o Mauricio destruia o violao.

O Nelson apresentou tambem uma parceria nova com Jassvan de lima,alias uma musica incrivel" Nada mudou" .
O Jassvam,pelo que entendi,tem um programa de musica brasileira em uma radio em NY chamado "Som do brasil" .
Neste programa,ele apresenta e entrevista ha mais de 20 anos,musicos brasileirosl que se apresentam em NY,alem de ser professor titular de Comunicacao na Columbia University,onde leciona RADIO.

Foi uma noite para se guardar naquela gaveta da memoria,tao especial que a gente so abre de vez em quando pra nao sentir muita saudade.
Estou mandando algumas fotos.
Abraco fraterno,
rg.

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Ricardo Guinsburg, de Nova Iorque, para o Piauinauta.

Patativa do Assaré por Netto



ver Picinez

dobras




Dobras vulvares
De uma rosa
Pequenas pétalas
Grandes lábios
De um beijo
No desdobrar do prazer




(edmar)

Saga da Amazônia




Garimpada por Carlinhos Nascimento da Casa Lima Barreto