domingo, 29 de janeiro de 2017

O Campo e a Cidade

Desenho: Amaral

(Geraldo Borges)
                                                                                                            
Está no DNA a visceral inclinação para voltarmos para  o campo. E claro que saímos do campo. E quem vai volta. E a lei do retorno. No principio fomos todo camponeses. Depois, com o desenvolvimento do comercio e o aparecimento das cidades, a corrida para as metrópoles se acentuou. Na cidade você tinha uma sensação de maior liberdade. Não via o patrão. Mesmo assim não esquecia o interior. A nossa literatura romântica e moderna cheia de louvação a natureza. Descrição de lindos por do sol. Na poesia nem se fala. Na verdade, o Brasil durante o período romântico era uma vasta fazenda com seu engenhos e plantações de café.

A nossa literatura vai marcando no seu texto como uma espécie de rodapé cronológico   todos as etapas da evolução da nossa vida no campo e a ponte para a cidade.

Vidas Secas, por exemplo, termina com a família de Fabiano chegando a cidade, na esperança de ter uma vida melhor. Em Angustia, o personagem principal, Luís da Silva, veio do campo. O romance quase todo gira em torno da angustiante lembrança do seu tempo de menino na fazenda de seus avos.  O personagem tem uma experiência da vida na cidade, vivendo com um salário miserável, cheio de dividas, e uma vida sentimental destruída. Voltar ao campo não podia mais A cidade já tratara de degenerá-lo a ponto de tornar-se um assassino. Matou um representante do Poder.

Hoje não se distingue mais o campo da cidade. Tudo que está no campo está na cidade. A tecnologia é onipresente. Quem tem um pedaço de terra aqui no Nordeste, chama-o de sitio. Lugar na beira a estrada, ou dentro do mato, onde você pode chegar por uma estrada vicinal. Geralmente o sitio tem riacho ou poço, até mesmo piscina, televisão, geladeira, bar. E ali se ritualiza os mesmos prazeres da cidade. Muito churrasco e cerveja, mulheres bonitas, e o mesmo papo superficial de sempre. O sitio é para fim de semana. Nele não existe nenhuma unidade de produção, a não ser fruta silvestres que muitas vezes apodrecem ou são comidas por passarinhos. Para se manter um sítio tem que se contratar um caseiro, Segurança. Mas o caseiro termina sendo experto. E o dono do sitio sente-se lesado. No começo tudo é uma beleza. Convidam-se os amigos. Bebe-se muita cachaça. Tudo isso passa rápido. E me faz recordar um amigo meu que caiu nessa de comprar um sitio depois vendeu. Ele dizia.


Só tem dois dias felizes para o dono de um sitio: o dia que comprou e o dia em que vendeu. Vendi o meu. E se um dia tiver de voltar para o campo, voltarei para o campo santo ou para a cidade dos pés juntos, o que é tudo a mesma coisa.





o sertão

Desenho: Ciro de Uiaruna


O sertão areia em minha boca
Gosto amargo de fel no coração
Uma enxada na terra gleba pouca
E não é minha a minha plantação

O sertão é joelho no lajedo
E tirar o chapéu para o patrão
Não poder falar suor e medo
De encontrar barata no gibão

O sertão veredas no caminho
Por desvios de morte e  solidão
Uma agreste ferida de punhal

O sertão servil ser tão mesquinho
Já não posso aguentar esse surrão
Nas minhas costas vou pro litoral

(Geraldo Borges)




domingo, 15 de janeiro de 2017

Antigamente e hoje



(Geraldo Borges)


Antigamente eu sabia fazer uso de muitas coisas. Hoje não sei fazer uso de quase nada que está por aí, e representa o pós-moderno. Alcancei muita coisa do tempo de meus avós, que foram responsáveis pelo meu patrimônio cultura, a formação da minha personalidade.
A revolução tecnológica foi aos poucos mudando os nossos hábitos. E mexendo em nossa postura física e moral. No tempo de meus avós a gente defecava de cócoras, dentro de um buraco, em uma sentina, no fundo do quintal. Tomava banho de cuia tirando água de um tanque.
Hoje tomo banho quente ou frio dependendo da situação climática. Antigamente banhava no rio Poty ou Parnaíba sem medo da poluição. Hoje se quiser nadar terei de me associar a um clube ou fazer um passeio ao litoral, ou ir aos riachos do interior do Maranhão.
Antigamente quase todo mundo andava a pé, as cidades eram pequenas. O conjunto arquitetônico constituía-se de poucas ruas, uma igreja, uma praça, com um coreto, para a banda tocar, e casario de alvenaria, portas e janelas. Vizinhos bisbilhoteiros. Não existia imprensa. Tudo era perto. Todo mundo se conhecia. Os vizinhos eram como se fossem irmãos.
Hoje caminhar parece até que não é mais uma necessidade biológica. Virou apenas esporte. Tem tênis apropriado para tal ginástica recomendado pela NASA. Tudo está sob o comando da tecnologia. Quando a luz falta o homem faz uma viagem no túnel do tempo. Cai no reino da escuridão. E como fica alegre quando a luz elétrica volta. E como a luz de sua alma ressuscitasse. Fiat. A luz de vela é coisa para defuntos e pessoas romântica. Mas já teve outras serventias nas tarefas do cotidiano, serve ainda para encomendar almas de falecidos.
Na linguagem, patrimônio cultural que evidencia a singularidade de uma nação, muita coisa mudou aqui. Podemos dizer que as palavras também envelhecem, se aposentam no dicionário, e dão lugar no palco da vida para outros personagens. Isso faz me lembrar de meu avô, que se sentava à cabeceira da mesa; naquele tempo de antigamente existia essa hierarquia. Hoje o velho não sabe mais qual é seu lugar. Mas voltando ao velho, quer dizer ao meu avô. Ele tinha uma palavra, ou melhor, uma frase para excomungar os maus exemplos dos netos. Dizia casmurro: eu arrenego de tu moral. Ou então reclamava: na hora da mesa não se fala.
Hoje as nossas palavras perdem o fôlego e se entocam dentro dos dicionários, tímidas, com medo de concorrer com neologismo, anglicismo, galicismos. Ficaram opacas.  A sensação é que estamos perdendo o domínio de nossa língua, que ela está virando uma colcha de retalho. Com certeza não é mais o idioma de meus avós, uma linguagem muito mais rural que propriamente urbana. É isso memo. O processo e irreversível.
A tecnologia, o mundo pós-moderno vai criando uma nova paisagem para o seu espetáculo, com seus novos deuses que dão novos nomes as coisas. Inclusive um novo nome para nos mesmo, já que não somos mais simplesmente humanos. E precisamos de votos virtuais para um Feliz Ano Novo. E de muita tecnologia.

Guerra






A guerra maior
E mais feroz
É a que está
Dentro de nós
E é preciso ser
Super herói
Para desamarrar
Os nossos nós.

(Geraldo Borges)