quinta-feira, 30 de outubro de 2008

o Piauinauta e as Irmãs

O Piauinauta sobrevoa o Colégio das Irmãs, recordando que, no passado, ia de tardinha ver as pernas das meninas, que quando saiam da aula enrolavam o cós da saia 3/4 para que ficasse mini. E que saudades das pernas das meninas das Irmãs...





O Casamento da Raposa

Edmar Oliveira





Vez por outra, quando dava de acontecer chover com o sol no céu, se dizia ser o “casamento da raposa”. Interpretando os fatos do meu jeito, achei, a princípio, ser um fenômeno daquele nordeste seco onde nasci, que o sol não dava licença nem em dia de chuva. Se ela não fosse demorar muito, o sol nem se dava ao trabalho de sair do céu, já que é comum sua soberania nos tempos em que nem uma gota d’água se atreve a pingar. E a raposa com o caso? Cheguei a achar que a ladrona dos galinheiros aproveitava o fenômeno para roubar o banquete do seu casamento. Num dia de sol ela não se atrevia porque estávamos vigilantes, tinha que esperar a noite para enfrentar nossos cachorros. Num dia de chuva ela não saia da toca. Na chuva com sol, com os cachorros dentro de casa, a festa era feita. Se imaginava coisas assim para explicar o que eu não entendia, certamente seria um bom contador de lorotas...



Só bem mais tarde, lendo os contos do folclore brasileiro, me dei com a história muito melhor que a minha: a raposa, pretendendo casar com o lobo, ia dar uma festa e o rei leão perguntou se ela queria um dia de sol ou de chuva. A bicharada falava que o casamento de dois eternos inimigos não ia durar muito. A raposa sabia que casar num dia de chuva trazia felicidade, mas num dia de sol a festa era melhor, e assim querendo ter as duas coisas solicitou ao rei a façanha de ter chuva e sol no seu casamento. Como palavra de rei não volta atrás e ele tinha prometido o presente que a raposa quisesse, fez chuva e sol no casamento da raposa. Assim toda vez que chove com sol o povo lembra deste enlace. Mas a função da lenda é chamar a atenção para a pouca duração do fenômeno: chuva com sol dura pouco tempo, assim como se espera do casamento de uma raposa com o lobo...



Mas como toda fábula tem exceção, vamos fabular em regime de exceção. O casamento do Lobo com a Raposa no Rio e Janeiro já dura muito tempo. Fora as brigas de marido e mulher pra ver quem manda no quintal, este casamento de interesse fez ampliar os territórios nos quais o rei leão não tem mais jurisdição. Os galinheiros da cidade foram ocupados pela raposa ou pelo lobo e o rei leão não manda mais nestes domínios. A raposa assalta, trafica, mata e assusta as galinhas que nem mais cacarejam. O lobo faz o papel da milícia, extorque, mata e assusta as galinhas que nem mais esboçam reação. Os pintos já nascem assustados. As balas perdidas já mataram macacos, marrecos, capivaras e a bicharada corre, assustada, de um lado pro outro da floresta da tijuca. O lobo às vezes aparece em pele de cordeiro, mas não dá pra confiar. A raposa finge proteger o galinheiro e as galinhas acreditam por medo. O rei leão não consegue botar ordem na casa e ninguém acredita nos seus rugidos. E chove e faz sol no Rio de Janeiro faz é tempo...

Garrincha e Carlos Said



Tem mais cara de Teresina que isso?

O Motorista Gregório

Geraldo Borges


Eu não estou nem um pingo arrependido de ter matado aquele sujeito. Veja o que ele fez. Era motorista de um padre, não sei se isto teve alguma coisa a ver com o seu futuro, depois de morto. Tudo começou em uma cidade do interior. O motorista ia passando correndo em frente da minha casa. Dirigia um carro velho sem freios. De repente meu filho sai desembestado de dentro de casa, atravessa a rua. Coisa de menino. O certo é que a gente tem de tomar cuidado. Foi uma coisa que ninguém esperava, principalmente no interior.

Aí aconteceu o desastre.. O motorista tentou desviar a direção. Já estava em cima da criança. O menino foi atropelado. Ficou correndo risco de vida. Eu fiquei com uma raiva danada do motorista. Teria que correr depressa para a capital em busca de socorro. Vocês nem imaginam a angústia apertando o meu peito. A criança gemendo olhando para mim com os olhos de cachorro ferido.

E certo que cometi arbitrariedades. Estava cego de raiva. Mas nem por isso estou arrependido. Disse para mim mesmo que se meu filho escapasse, se Deus fizesse um milagre, melhor para o motorista, se meu filho morresse Gregório não escaparia. Eu sabia que o desgraçado também estava sofrendo. Mas pai é pai e filho é filho.

A viagem por mais rápida que fosse parecia muito demorada. A viatura sacudia muito na estrada esburacada e machucava ainda mais o corpo franzino da criança, debilitado pelo acidente. A esperança parece que ia se acabando. Meu filho chegou sem vida na cidade. Meu rosto nublou-se de tristeza que vinha de dentro do meu coração.

O carro ficou estacionado na beira do rio Poty. Atravessamos em uma canoa conduzida por um barqueiro para o lado de Teresina. Do lado de cá amarrei o Gregório no tronco de uma gameleira Eu era a lei, tenente delegado. O povinho descalço, esfarrapado, viu tudo, de boca aberta e queixo caído. Só Deus sabe o terror pelo qual eles também passaram. Não moveram uma palha. Gregório, quase um menino. Não tinha mais futuro na vida.

E como eu disse no começo. Não me arrependi de ter dado cabo de sua vida. Primeiro deixei que ele sofresse bastante. Passasse fome, ardesse a garganta de sede, vendo as águas do rio rolar em sua frente, Disparei um tiro em sua cabeça a queima roupa. O disparo assustou um gavião que estava por perto, no galho de uma árvore. A ave deu um grito que chegou a me impressionar. Só isso. Mas foi rápido. Passou logo. Eu tinha tomado uma decisão e estava comprida. Aí meu peito se abriu e fiquei aliviado.

Daí por diante ele passou a ser um mártir, e virou santo.

Os jornais, principalmente os da oposição anunciaram que eu tinha cometido um crime monstruoso. Fui preso. Mas por pouco tempo. Não demorou muito cruzei os portões do presídio montado num jegue. Todo mundo viu. Ninguém disse nada. Meu processo foi esquecido.



Quanto ao meu filho ninguém sabe sequer o nome dele. O meu, poucas pessoas se lembram, a não ser alguns pesquisadores que se preocupam em estudar os fenômenos religiosos no seio do povo. Este sim o finado Gregório é quem está vivo, bem vivo. Acabei prestando um serviço à comunidade. E além do mais o santo motorista já fez milagres até para pessoas da minha família. Queira a Deus que ele me favoreça com mais alguns anos de vida. Acho até mesmo que no que depender dele eu estou completamente perdoado.

ERRO & ACERTO

Climério Ferreira



Não creia em mim

Nada faço de certo

Mesmo quando acerto no fim



DE DENTRO DA GUERRA



Edmilson Vieira




Você chega em Recife, admira prédios e monumentos antigos, sabe que eles têm história, e aí tenta entender através dos livros, mas geralmente a leitura cozinha a cabeça com datas e termos impessoais, repetindo o mesmo cerimonial de aulas irritantes de história. Assim fica o dito pelo não dito. O objetivo deste texto não é pra você entender o que aconteceu em Pernambuco e a partir desse momento passar em qualquer concurso ou vestibular, mas sim, pintar um quadro da pirâmide brasileira de antigamente.



O lugar onde quase tudo começou foi na cidade de Tordesilhas no norte da Espanha em 1494. Os dois países Espanha e Portugal, especializados em viagens marítimas, depois de tremendo bate-boca, chegaram a um acordo sem comparação no mundo. O rei da Espanha marcou uma linha divisória no mapa mundi começando numa ilha chamada Cabo Verde, perto do continente africano. Mostrou o mapa para o rei de Portugal e disse: “saindo daqui dessa ilha, na beira da África, vou passar uma linha reta em direção a outra ilha que futuramente vai se chamar Cuba. E veja, vou indo com ela, até atingir a distância de 370 léguas, o limite chega aqui e pára. Agora, preste atenção que vai ficar excelente para vossa alteza. Para finalizar, farei outra linha descendo no globo terrestre, não vai ficar bonito esteticamente, mas todas as terras que forem encontradas do lado de cá deste traço, serão de seu país e as do lado de lá, pertencerão a minha Espanha”. O monstro espanhol nem perguntou ao outro se estava tudo OK. Parece que ele não era bom desenhista e puxou mais para o seu lado. Essa criação genuína ficou chamada como Tratado de Tordesilhas.



Depois desse acontecimento o Brasil foi invadido pelos portugueses e eles conseguiram ocupar Pernambuco aos poucos. Era a região que mais dava certo, não era estado ainda, se chamava capitania. Mas tinha um dono, o rei de Portugal. Ele na verdade não queria perder o país para os franceses, e aí se prestou a dividir o Brasil em 15 partes. Na porta do castelo formou-se uma fila indiana para receber essas fatias chamadas de Capitanias Hereditárias. Esse nome era porque os donos prometiam ao rei que iam passar de pai pra filho, hereditariamente. As únicas que progrediram foram as de Pernambuco e de São Vicente, mas vale lembrar que os donatários cruzaram o atlântico para monopolizar e até hoje são as mesmas famílias donas das terras e do poder político.



Com a chegada desses homens os índios passaram por uma prova de fogo: os que conseguiam sobreviver, viravam escravos nos engenhos de cana-de-açúcar. Antes de tudo, os donatários funcionavam como atravessadores mandando pra Portugal, o pau-brasil que os nativos cortavam em troca de espelhos. Quem estava em Portugal recebia um bom presente, já que a madeira dessa região era a melhor do Brasil. A essa altura do campeonato, é conveniente dizer que os índios perderam as terras, a língua e a paz. Deve ter baixado um espírito de depressão geral nas tribos, um horror sem precedentes. Mas para os senhores de engenho, a estratégia não estava dando certo e a opção foi ameaçar a vida de outros povos, em outro continente: na África.
As caravelas partiram em direção à Guiné e depois ao Congo. O saldo de quem conseguiu sobreviver à viagem, era de ser coadjuvante com os índios no trabalho da cana-de-açúcar no novo endereço na América do Sul.



Para completar a intervenção, chegou a equipe da Igreja. O mundo certo era o deles, e de boca-em-boca, foram dizendo que índios e africanos estavam errados e que deveriam se manter longe dos seus costumes. A partir daquela época, os eventos foram proibidos.



Mas uns cem anos depois, o sol da ciência raiou em Pernambuco, quando os holandeses fascinados pelo comércio do açúcar, enviaram Maurício de Nassau. Ele fez verdadeira revolução no pedaço de mangue que se constituía o centro do Recife. Saneou as ruas e os conflitos, trouxe especialistas pra pintar o exotismo do povo, fez leitura da vida pernambucana com dimensões magníficas, deu liberdade pras religiões se desenvolverem e acabou o duelo das classes. É certo que os trabalhos de Frans Post e Alberto Eckhout abismaram a Europa. O progresso cresceu a perder de vista em Paranã buka,(mar furado), como chamavam os índios.



Chega! Guerra nunca mais. Mas inveja é uma desgraça e o conde alemão foi chamado de volta ao país laranja. O desfecho foi cruel, o comandante Von Schkoppe que ficou no seu lugar deu um golpe nas liberdades e a cortina de fumaça voltou para Pernambuco. Em cada esquina o povo falava mal da figura do comandante. Dessa vez a luta foi chamada de Insurreição Pernambucana, se encerrando com a expulsão dos holandeses na Batalha dos Guararapes.



Passados uma quantidade de décadas depois dos holandeses, os moradores de Recife e Olinda não conseguiam viver em paz. Quem morava em Recife eram os imigrantes de Portugal, negociantes endinheirados que ofereciam seus produtos de porta em porta. Por causa dessa cena, foram apelidados de mascates. Os moradores de Olinda eram senhores de engenho endividados que viviam de aparências e também de pedir dinheiro emprestado aos mascates. Os portugueses de Recife aproveitaram pra carregar nas tintas e passaram a chamar os olindenses de “pé-rapado”.



Com o clima elevado entre as duas cidades, a situação piorou quando o capitão governante achou que estava na hora fantástica de transformar Recife numa vila, e pra isso conseguiu a ordem do rei de Portugal. Os homens-bomba de Olinda invadiram Recife e foram à guerra contra os imigrantes portugueses. Esse evento ficou presente na história como Guerra dos Mascates. Se tivesse demorado mais um pouco, quem sabe, poderia ter se transformado na Primeira Guerra Mundial. Ah, mas como deveria ser feia uma guerra naquela época, sem americano nem Rede Globo para escolher as cenas que devem ir ao ar e fazer o conflito virar espetáculo.



Esse é um perfil do estado que sempre protestou, e paramos aqui. A continuidade evidente é esperar que o escritor tenha lhe dado o recado certo, em relação à história.


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Edmilson Vieira é artista plástico e escreve crônicas. dnv01@hotmail.com


Esta pequena história de Recife e Olinda me chegou assim. Até o curto crédito. Não conheço o Edmilson. Mas a crônica é boa. Da próxima vez se apresente mais. És pernambucano, astronauta?

Verdade Absoluta

Keula Araújo

Eu canto na direção
Eu leio no vaso
Em minha cama dormem
palavras que não
alcançarão a claridade
ou despertarão poemas.

Eu suo a camisa
Coço a cabeça
Sondo mistérios
E o meu sorriso não
esconde
nada.

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Se você não sabe quem é, deixe a sua seta virar alvo no nome Keula.

Luiza Baldan



Luiza e a Luz

MARCAS DO QUE SE FOI

1000TON



O mundo nunca teve, desde o advento do capitalismo moderno até a atual globalização, uma oportunidade tão favorável de refletir sobre os rumos a serem tomados em prol da humanidade, com infinitas possibilidades de passar a limpo todo um passado anacrônico no que tange à complexa economia internacional.
Afinal temos experiências acumuladas ao longo desses séculos, além de uma tecnologia avançada, com rede de informações interligadas, possibilitando, a qualquer momento, a correção de rota que nos levará certamente a um porto seguro.
Todas as nações mais poderosas do mundo estarão irmanadas num esforço concentrado, em busca de soluções que, não só venham a estagnar a enxurrada de problemas emergenciais, como também pavimentar os caminhos futuros para o fortalecimento das relações comerciais do planeta.
Inúmeras reuniões internacionais deverão ser agendadas, com a intensa cobertura de todos os veículos de comunicação, onde personalidades de notório saber debruçar-se-ão sobre números, realizando um balanço rigoroso de todas as baixas sofridas pelos bancos, instituições financeiras, grandes empresas, governos, para responder à embaraçosa pergunta que não quer se calar: “ Onde foi que nós erramos ?”.
Outras indagações, tão pertinentes e enigmáticas, farão também parte desse imenso rol de incertezas, tais como:
“ Quanto perdemos?”
“Quanto podemos recuperar ?”
“Quanto precisamos ganhar?”
“Em quanto tempo?”
“A que custos ? “
Nenhuma consideração será feita sobre os temas seguintes, atinentes ao planeta e a populações de baixa renda, nem prazos serão estabelecidos para sua execução:
Como enfrentar o problema do fome e do desemprego ?
Como cuidar das reservas naturais do planeta ?
Como oferecer água potável e condições sanitárias satisfatórias ?
Como construir moradias decentes ?
Como disseminar a saúde pública ?
Como reduzir drasticamente a poluição ambiental ?
Como defender a fauna e a flora ?

Ah ! Se todas as religiões do mundo se unissem num grande momento de reflexão , de autoconhecimento, de orações e cânticos uníssonos, mãos dadas celebrando a união de todos os berços, das raças e etnias do mundo inteiro !...
.......... “marcas do que se foi, sonhos que vamos ter”............

Ah ! Se todos os sindicatos, associações de trabalhadores do mundo fizessem uma passeata monstra pela paz, pelo fim da exploração do homem pelo homem, pela abolição de todo o trabalho escravo ou desumano, pelo fim da exploração infanto-juvenil, por novas oportunidades de emprego!...
.......... “ imagine there’s no countries “,

Ah! Se todos os fóruns populares internacionais organizassem, cada vez mais, congressos e manifestações pacíficas contra a homofobia, condenando a discriminação e o racismo, combatendo a concentração dos desfavorecidos ou marginalizados em guetos, denunciando tantas injustiças sociais !...
............” como todo o dia nasce novo em cada amanhecer”...........

Ah ! Se todos os países se preocupassem menos com o crescimento econômico e redimensionassem o seu consumo, e se os países ricos se contentassem em não mais explorar e sufocar os países mais pobres e não sugassem com tanta avidez as reservas vitais do planeta!...
............” no hell below us, above is only sky”...........

(Estou deveras emocionado !)... “Dom & Ravel, esse aqui é o John Lennon, é motivo de muito orgulho e satisfação pra mim encontrar vocês dois aqui nesse...........................................................”
“ACORDA OTÁRIO !
VAI TRABALHAR VAGABUNDO !
AFINAL, COMO ELES VÃO PODER ACUMULAR AINDA MAIS RIQUEZAS, SE VOCÊ NÃO SE MEXER, Ô BABACA ! “

....E Aquela importantíssima reunião das grandes potências internacionais está “pegando fogo”!
Finalmente, as questões mais importantes estão sendo colocadas para debate, ouçamos:
“Qual será o próximo país que iremos quebrar para sobrevivermos a todas essas intempéries ?
... E onde fica o próximo cassino?...”

Um Barco Apodrece no Cais

Geraldo Borges


Recordando meus passeios pelo cais do rio Parnaíba, vi muitas coisas do cotidiano da cidade, que eu poderia contar, ou melhor, fotografar. Por exemplo: barqueiros atravessando passageiros em suas canoas, à vara e a remo para a vizinha cidade de Timon, entre eles, Mano Velho, com seu chapéu de marujo, branco, bem engomado, sorriso constante no rosto, praticando o seu ofício na popa da canoa; meninos pulando do cais dentro da água barrenta do rio; mulheres meio despidas, com os peitos, que tanto amamentaram, caídos, batendo roupa na rampa. E ali mesmo estendendo-as no cimento para o quaradouro; balsas cheias de potes vindas de alguma olaria distante, à beira do rio. Havia muitas outras coisas que olhos atentos poderiam distinguir.
No momento, quero me ater a um fato que presenciei à beira do cais e me chamou muita à atenção. Vi um barco. Para que serve um barco? Para navegar. É claro. Talvez se estivesse navegando teria me chamado menos à atenção.
O porto seria apenas uma trégua.
Só que o barco que eu vi estava afundando, ancorado no cais, um barco sem bússola, sem norte. Ver um barco afundando em qualquer porto nos dá uma sensação nauseante de abandono, de desamparo. Era o que eu estava sentindo. O barco adornava na frente da Capitania dos Portos, que ficava na Avenida Maranhão. O seu casco estava cada vez mais afundando. Apodrecendo. A água lambendo os beiços das coxias. Via - se as palavras ENDEMIAS RURAIS no costado do barco, desaparecendo.
Imagino-o navegando rumo O barco entrou água.
Depois que a água tomou de conta do barco, a última coisa que afundou foi o mastro, onde tremulava uma bandeira do Brasil, esfarrapada, escorrida, que apanhou muito vento, muita chuva, sol, e com uma faixa escrita: ordem e progresso.
Aquele barco que eu vi durante um passeio pela beira do cais do rio Parnaíba, nunca saiu da minha lembrança. Ele sempre aparece na minha memória, nos meus sonhos, e em meus pesadelos, como se eu fizesse parte de sua tripulação impedida de embarcar. E fico triste, muito triste, sabendo que os nossos barcos continuam afundando, desaparecendo, apodrecendo. E que mesmo assim navegar é preciso... Nesse país de tantos caminhos fluviais, onde naufragam as naus dos insensatos. às cidades ribeirinhas, sendo esperado, com ansiedade, para acudir a população. Foi para isto que o Estado o adquiriu. Quando o barco chegou a Teresina, algum político, de nome já esquecido, fez a viagem de inauguração. Deve ter feito um grande discurso, cheio de gestos inúteis e ridículos. O barco, com certeza, serviu durante algum tempo, é o que presumo. Ou quem sabe, nunca saiu do cais. Mal –entendidos políticos, disputas eleitorais, fazem muitas vezes o povo pagar o pato.

Vaqueiro do Boi




Esse vaqueiro é do Bumba-meu-Boi, dos fandangos da dança do Boi-do-Piauí. E não é que não é tal-e-qual o vaqueiro das brenhas atrás do boi de verdade? Mas qual verdade é da lenda?


Foto de Assaí Campelo, em magistral preto-e-branco da década de 70.

ESTAMIRA, o filme



Edmar Oliveira

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“O cinema é arte em que o homem se reconhece de maneira mais imediata: um espelho no qual deveríamos ter coragem para descobrir nossa alma”. (Frederico Fellini)
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Imagens granuladas de câmera super-8 fazem a composição de um lugar insólito. Na longa estrada que um ônibus percorre, Estamira anda num lugar sem fim. O planeta Gramacho é revelado em imagens rarefeitas de uma outra atmosfera. De repente as cores e a nitidez estonteante. Na composição digital de imagens exuberantes agora revelam o aterro sanitário de Gramacho, em Caxias, Rio de Janeiro, e apresentam o vento, a chuva, o vôo preciso dos urubus e os detalhes de objetos jogados no lixo, num cenário de um planeta que não nos pertence. E nesse fim de mundo de um outro mundo reina Estamira, bela como uma princesa de uma galáxia distante, entre seus súditos bizarros de catadores do lixo que o planeta terra deposita todos os dias. Corta. As imagens do final, quando Estamira é apresentada ao mar da civilização urbana, revelam Iemanjá que descarrega todos os poderes que a heroína demonstra ao longo de um longa-metragem que parece um curta de tão preciso. Um filme de ficção?
Marcos Prado é fotógrafo de raro talento. Seu primeiro longa[1] é um documentário sobre Estamira. Catadora do lixo que o Rio de Janeiro joga todos os dias no aterro sanitário de Gramacho. Ali ela reina absoluta e é líder dos outros habitantes do lixão. Marcos deixa-se enfeitiçar por seu personagem para poder captar beleza interior, quer seja na história de uma vida sofrida, quer nos ensinamentos filosóficos de Estamira. E Estamira cresce quadro a quadro como uma pessoa forte, bela, cheia de vida, que nos ensina e mostra como é muito superior a toda a realidade que a cerca. E como é capaz de transformar esta triste e podre realidade num reino de encantamentos. Marcos, ao mesmo tempo enfeitiça Estamira e pode apresentá-la como deusa de um monte Olimpo em que transforma, com sua magia fotográfica, a podridão do mundo. Não há dúvidas quanto a Estamira ser um deus mitológico disfarçado em catadora de lixo, como também não se pode duvidar que a mão do fotógrafo foi guiada pelos deuses...
No entanto é um documentário cinematográfico que estamos tentando descrever. Um documento real sobre uma louca que vive e se reproduz no lixo. Uma mulher que ouve vozes, que fala sozinha, que blasfema contra Deus, que os filhos tratam como louca, que toma remédios psiquiátricos, que bebe cachaça, que, em momentos extremamente delicados do filme, expõe sua loucura, sua nudez ... Mas o que o trabalho de Marcos Prado extrai desta realidade é o outro lado da moeda. Ao lapidar sua bruta pedra, Marcos mostra a composição de imagens, reveladas pelo prisma do filme em rara sensibilidade. Estamira contracena com a função mítica e mística das vozes; no falar para si mesma nos encanta e inquieta com os ensinamentos e interpretações filosóficas; não há como, juntos com ela, não detestarmos um deus injusto na sua elaboração de mundo e de vidas; ela “prova”, com seus argumentos, a “loucura” do filho religioso; acusa, com a razão, a médica que repete os mesmo remédios, em vão; mostra, no encontro com o outro, nos seus momentos festivos, o uso tão legítimo do néctar de Baco; questiona em quais momentos de lucidez existe loucura ou seu contrário, ou ainda nos apresenta, de modo convincente, a “União das Coisas Contrárias”.[2]
E no centro das coisas contrárias está Estamira: “eu sou esta mira”, exclama, tornando-se o alvo. A mira de disparo da câmara de Marcos Prado. O mito do herói se revela na construção dos doze trabalhos de Hércules. Em Estamira que, com certeza, é também filha de Júpiter, os trabalhos são mais numerosos e diários na construção e resignificação da sua vida com ensinamentos a nós, homens e mulheres comuns. E não se duvida que o filme de Marcos Prado coloque, pelas mãos dos deuses, Estamira em alguma constelação no firmamento...
Como afirmou Rogério Sganzerla citando o mestre Godart: “os grandes filmes de ficção tendem ao documentário assim como todos os grandes documentários dirigem-se à ficção.(...) Quem opta por uma tendência necessariamente acha a outra no fim do caminho”.[3] O problema é que o filme de Marcos Prado é muito bom...
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[1] No longa “ônibus 174” , documentário sobre aquele seqüestro de um ônibus na zona sul do Rio que terminou em morte de uma passageira, ele já tinha participado na produção do filme.
[2] Livro de Poesias de Joe Romano, impresso nas oficias do “Espaço Aberto ao Tempo”,, no antigo Centro Psiquiátrico Pedro II, Rio de Janeiro.
[3] Sganzerla, R. “Por um cinema sem limite”, Azougue Editorial, RJ, 2001.


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Tive o prazer de ser convidado por Marcos Prado para debater o filme na sua estréia. Na época fiz este texto. Divulgo agora porque o filme já está bastante conhecido. Originalmente este texto foi publicado no site www.estamira.com.br




A FÉ & A MOTANHA

Climério Ferreira



Que coisa estranha

Por mais que eu acredite

A fé não remove minhas montanhas

capivaras



Edmar Oliveira

Andavam à solta nas chapadas
Se enfurnavam nas matas de buritizais
E chafurdavam nos riachos e nascentes
Cabeças de fora nas águas do Parnaíba


Pele ruiva, rabo curto, focinho arisco
Sobre a mesa um guisado de aromas
Que transmitia à cuia de farinha
E aos sabores dos fogões do sertão

Trempe no fogo, panela de ferro...
E hoje só te temos nas figuras rupestres
Que o homem primitivo conservou


Primitivo fomos nós que te fizemos em extinção...

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Pintura rupestre, símbolo da Fundação Museu do Homem Americano, São Raimundo Nonato, Piauí.



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Minha Escola




Ascenso Ferreira



A escola que eu freqüentava era cheia de grades como as prisões.

E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;

Complicado como as Matemáticas;

Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...

De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:

Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...

Vôos de trapézio à sombra da mangueira!

Saltos da ingazeira pra dentro do rio...

Jogos de castanhas...

— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:

"As armas e os barões assinalados!"

— Quantas orações?

— Qual é o maior rio da China?

— A 2 + 2 A B = quanto?

— Que é curvilíneo, convexo?

— Menino, venha dar sua lição de retórica!

— "Eu começo, atenienses, invocandoa proteção dos deuses do Olimpo

para os destinos da Grécia!"

— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!

— Agora, a de francês:

— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."

— Basta

— Hoje temos sabatina...

— O argumento é a bolo!

— Qual é a distância da Terra ao Sol?

— ?!!

— Não sabe? Passe a mão à palmatória!

— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,

eu tinha uma velha que me contava histórias...

Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...

E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.

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Publicado no livro Catimbó (1927).

In: FERREIRA, Ascenso. Poemas: Catimbó, Cana Caiana, Xenhenhém. Il. por 20 artistas plásticos pernambucanos. Recife: Nordestal, 1981.


quinta-feira, 16 de outubro de 2008

piauinauta no pôr-do-sol



Dia desses, voltando de Timon naquele barquinho "toc-toc", num pôr-de-sol monumental, o piauinauta boiava ali por cima do Parnaíba...

CARTA ÀS URNAS




Edmar Oliveira

Não tem mais tanta emoção. Quando cheguei em casa, domingo, após ter digitado meu voto na urna, o resultado já tinha sido publicado. E se eu nunca estou com a maioria, o errado sou eu. As pesquisas até anunciam com antecedência como será o resultado de uma votação que ainda vai acontecer. Se erram na véspera, acertam na boca de urna, o que traduz uma indiscrição do voto secreto.
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Muita saudade do tempo em que os institutos de pesquisas não tinham uma precisão assim tão próxima ao dedo de quem aperta a tecla. Era que a gente tinha que escrever o nome do candidato e podia mudar na hora, riscar tudo, colocar mensagens irônicas para chatear o apurador e os ficais do partido e até eleger o macaco Tião. Ou mandar todo mundo para onde bem se queria. E esses desvios da intenção do voto, que de qualquer forma traduzia a nossa manifestação democrática, foram trocados por uma urna fria, um terminal burro de computador que só aceita um número decorado. Pra votar nulo se tem de digitar um número que não corresponde a nenhum partido inscrito, o que é quase impossível fazer, pois a legislação democrática permite a inscrição de mais partidos do que a combinação de dois números. E pode ser confundido com um erro de digitação e não um protesto esculachado que fazíamos por escrito. Tiraram a possibilidade da gente poder fazer um manifesto.
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Posso até pensar que as pesquisas só acertam mais agora porque induzem o eleitor a escolher o cardápio apresentado. E vontade apontada, mais voto digital, mais apuração virtual, somam um resultado fatal. Se não houver qualquer comoção de última hora, fica parecendo que nem precisava ter eleição. A pesquisa já traduz as intenções.
.
A eleição era uma festa cívica que se prorrogava por vários dias de contagem, de suspense, de tentativas de manipulação, de denúncias. Isso só traduzia a natureza humana com seus defeitos e os acertos combinados com a expressão de uma maioria. Hoje não é mais assim. Nem há tempo de raciocínio. O agraciado é anunciado de estalo. Quase ao mesmo tempo do fim da votação. Não se tem tempo nem para uma discussão.
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No dia que este sistema entrar em pane fica tudo anulado. Mas não tem problemas. Voltaremos ao voto em papel. Meu medo é a evolução tecnológica implantar um chip eleitoral na cabeça de cada um...


Seta


Keula Araújo

Querer te ver
de prazer
virou risco

Primeiro
aceitei balançar
nessa corda-bamba

Depois fui clareando
e mirando
e entendendo

que eu não sou alvo
e sim
seta


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A moça já esteve aqui no espaço. De novo, porque bela. Se você não sabe quem é, deixe a sua seta virar alvo no nome Keula. Verás de quem se trata. Na primeira publicação uma pequena biografia e a foto para acreditar que a beleza não é só nas letras...

Uma Prova de Composição

Geraldo Borges

Quando menino, fiz a minha primeira prova de composição literária ao prestar exame de admissão para o ginásio no Liceu, baseada em um quadro que mostrava uma paisagem rural. O quadro estava aberto. Pendurado no quadro negro da sala de aula. Para os alunos candidatos ao exame observarem-no, e, dizerem o que se encontrava nele, de uma forma simples e legível. Era um quadro familiar para os meus olhos de menino que tinha vindo do interior; com certeza eu já havia me encontrado naquela situação. Não havia nada de extraordinário naquele quadro que não me tocasse de perto. Era um lago, e na beira do lago um homem pescando ao lado de um cachorro, debaixo da sombra de uma árvore, onde cantavam alguns pássaros.


Então comecei a desdobrar o quadro na minha imaginação. A parti daí não obedeci mais a ordem do quadro. No lugar do cachorro coloquei um gato que comia quase todos os peixes, que o pescador pescava. Acrescentei uma mulher e uma leve brisa que soprava nos seus cabelos compridos, despenteados. A mulher pegava uns gravetos, fazia uma fogueira e começava assar umas piabas. Eliminei o homem, e fiz de conta que era eu, um menino, que estava pescando. Puxei o anzol de dentro do lago e trouxe fisgado um beija - flor, que logo dei para o gato comer.
O professor anunciou que faltavam cinco minutos para terminar a redação. Alguns colegas já haviam terminado. Eu pensei em rasgar a minha redação e começar de novo. Mas achei que não dava mais tempo. Estava gostando do que estava escrevendo, sem me enquadrar, continuei inventando. Era um impulso que eu não podia dominar, como se eu tivesse nadando no leito do lago, que, nessa altura, não era mais lago, era um açude.

De repente olhei para o céu azul do quadro pendurado no quadro – negro, clareado por um sol bonito, como se anunciasse chuva. Inventei uma chuva, uma tormenta. O menino, a mulher, o gato, resolveram voltar correndo para casa, que eu construíra em cima de uma colina, quer dizer de um morro no meio de um bosque, digo floresta...

De repente, não mais que de súbito, começou a chover de verdade. Um temporal.
Logo mais os retardatários estavam entregando as suas redações. Fomos para casa.
No outro dia teríamos que voltar ao Liceu para sabermos o resultado de nossa prova de composição literária. Voltei. Entramos na sala e esperamos com o coração batendo. Não sei por que cargas d’água o quadro da composição ainda estava na sala pendurado no quadro – negro. Um quadro que tinham muito pouco a ver com a minha composição. Eu gostaria que ele não estivesse mais ali.

O professor começou a distribuir as notas para os. alunos. Eu bastante ansioso esperava a minha vez. Quando o professor disse o meu nome fiquei em suspense. Ele olhou par mim como se eu fosse um estrangeiro, e disse:


- Seu Geraldo o senhor tirou zero. Está reprovado. Volte no ano que vem.

Minha Redação

Edmar Oliveira

Sempre tive inveja desses meninos rebeldes que bem faziam o que queriam. Usava duma esperteza para me sair bem. Só fazia o que queria, enviesado. Estudado. Quando a professora pedia uma redação, lá ia eu resolver como ela queria. Coisas de duas laudas sobre as férias, viagem de trem ou coisa quase igual, qualquer tema assim e me atrevia a fazer um poema. Não que fosse mais trabalhoso. Pelo contrário, duas rimas em ão, duas em dor, davam um soneto quatro, quatro, três, três, que nem escalação de pelada com muita gente. Fiquei tão metido nesta tal de composição, que me viciei. Foi duro partir pruns pés quadrados quando conheci o modernismo.

Sétimas, decassílabos, eram de uma facilidade que passei a falar cantando. Aliás, descobri, logo depois, que nordestino fala em sétimas. Por isso canta. Conte ai: "nordestino fala em sétimas". Quantas as sílabas métricas? Contam sete. E quantas sílabas métricas. Sete de novo. Sete de novo, rapaz. Mais sete! Se houver acordes de viola, é cantoria. Juro que me esforçarei para deixar vocês livres do falar cantado das sétimas.

Mas volto à minha composição. Fazia dos sonetos quase uma filosofia. Tanto, que minhas idéias passaram a ter quatro partes de argumentos: duas exposições de quatro versos e duas conclusões de três versos com rimas entre eles. Quase como se o conteúdo ficasse preso à forma. Pior, para minha mania; melhor, para minhas notas. É que me davam a nota máxima. Achei até que era poeta, por puro equivoco da professora. Logo depois vi a mediocridade em que estava metido! Invejava as pedras de Drummond, os poemas longos de João Cabral. Nunca passei nem perto.

Vida que segue. Deixei disto. Desisti dos versos e desaprendi. Nem sei mais fazer poemas. E hoje, na idade de quem criticou tudo, sinto uma terrível inveja do Olavo Bilac. Ora, direis, quantas bobagens! Nem bobo fui...

INVEJA BILAQUIANA

Edmar Oliveira

Ora, falais de inveja
De ouvir assim as estrelas
Bilaquiano, que seja
Poema em vão me atrelas

Infância quase sonhei
Inspiração me acalma
Filosofia ocultei
Gramática de minh'alma

Fazendo da matemática
Já removendo montanha
Em cada um, cada qual

Mar revolvendo sem sal
Na dor no peito, tamanha
Beleza d’alma da estética

Lima Barreto



Queimei os meus navios,

queimei tudo, tudo, por essas coisas de letras

Mulheres ao Vento


Geraldo Borges

Na esquina do prédio do velho IAPC
Ao lado da Praça João Luis Ferreira
Um torto zéfiro ri da brincadeira
De levantar as saias das mulheres.

Eu fico sentado num banco da praça
Olhando com lirismo esta atração
Muita gente surpreendida achando graça
Naquela manhã ensolarada de verão

As mulheres não esperavam tal surpresa
E também riam meio despudoradas
E achavam que exibiam sua beleza

Depois o vento se aquietou, e a passarela
De mulheres continuou nas calçadas,
Mas sem vento ninguém olha para elas.


___________________

Naquele tempo cada uma delas se achava Marylin. Eu via Marylin na João Luiz Ferreira. O Lima Barreto não sabe o que perdeu.

Luz e Luiza



Luiza Baldan

Desafio

Juarez Montenegro


Não quero ser contador,
exímio contabilista...
Desejo ser um artista,
um poeta cantador!...
Um veio ao mundo, cantor,
e, quando conta vanglória,
dá a mão à palmatória...
outro só conta dinheiro...
Sendo um lorde cavalheiro,
faço do canto uma historia!...

Era uma vez um Império
onde a vida sobejava,
o sorriso debruçava
seus limites no sidéreo ...
Ao desvendar o mistério,
cultivei minha memória
para o mito e para a glória...
Nesse clima afetuoso
já nasci vitorioso...
Faço do canto uma história!...

Lá vivia uma princesa,
encantada num jasmim...
Era um cheiro para mim,
qual fascínio pra beleza...
Inspirou-me a natureza
uma façanha ilusória,
de versão encantatória –
a diva desencantei...
Assim, num sonho, fui rei...
Faço do canto uma história!...


Um belo dia chuvoso
(pro vate, a chuva é lindeza...)
encantou-se a doce Alteza,
num sono fantasioso,
deixando pra seu esposo,
numa desdita simplória,
uma baita promissória...
Mas, se foi ao Paraíso,
vale a pena o prejuízo...
Faço do canto uma história!...

A fantasia é finita,
como tudo que fascina.
Assim, também, é a sina,
seja inditosa ou bendita...
Quimera é canto pra dita,
a dita é conta irrisória...
Na verve da oratória,
a morte não é sanção,
é a própria solução...
Faço do canto uma história!...
_________________

Trabalhei com Juarez nos anos 80. O cabra era um diretor de hospício, misto de militar e franciscano. Quem diria que era um poeta nortestino das alagoas...

IF2

Climério Ferreira



E se ser magro ou gordo fosse algo natural

E se qualquer sonho pudesse ser sonhado

E se ser negro ou pobre não fosse mancha social

E se deus olhasse a terra e visse meu estado

Imagem, Televisão e Psicanálise

Ana Cecília Álvares Salis

Estava eu vendo televisão quando apareceu a propaganda de um carro. Pois bem, imaginem que ela se inicia com a mãe de uma criança oferecendo para o seu bebê no berço, duas mamadeiras. Ao oferecê-las, a criança alegremente pega as duas de sua mão. Logo após, aparece a mesma criança um pouco mais velha que, diante de duas escolhas, não se furta, mais uma vez, a ficar com as duas opções. Desta forma, o comercial vai mostrando o crescimento deste sujeito. Com ele já adulto, suas "dúvidas" vão sendo demonstradas nos movimentos de seus olhos. Entre uma coisa e outra, ele continua não precisando fazer ”escolhas” porque lhe estão garantidas as duas opções. Já no fim da propaganda ficamos sabendo o seu propósito: é que oferecendo um carro bi-combustível, o sujeito não precisa escolher entre álcool ou gasolina, pois o carro oferece as duas possibilidades. E mais, ao sair do posto de gasolina (e álcool), o sujeito a se ver diante de uma bifurcação na estrada, não toma nem à direita, nem à esquerda, segue em frente atravessando um matagal. Já isto acontece porque afinal de contas, sua nova aquisição lhe permite, enfim, escolher um caminho inteiramente novo, mesmo que alheio às regras de trânsito. Autorizado na e pela propaganda, o sujeito faz “o que lhe dá na telha”.

Pois bem, a que isto nos remete? A reconhecer que a “dúvida” é o ponto alto da propaganda, o que se observa é um sujeito que, sem utilizar uma única palavra, vai-se apossando dos objetos que “vê” sem ter que renunciar a nada e sem aparentar nenhum constrangimento ou qualquer manifestação de conflito. A "dúvida", que para a psicanálise pode ser um sintoma angustiante e por vezes até incapacitante da neurose obsessiva, pode antes, ser um orientador para a uma escolha que implica em uma renúncia. Esta, se inexoravelmente traz em si uma cota de desconforto é também condição para o bom andamento das relações sociais. Contudo, a dúvida nesta propaganda é explorada como um motivo para “vender” mais do que um carro, uma outra idéia: uma idéia de “consumo” desmedido onde é possível, desde o “berço” e incentivado pela mamãe, o sujeito não necessitar fazer escolhas. A renúncia implicada em qualquer escolha é tratada aqui como algo desnecessário. E mais, vá lá que você tenha que passar pelo constrangimento de ter que fazer uma escolha, (representada pelo atravessamento do matagal), mas ainda assim restará a você, desde que de posse de um determinado novo produto, fazer o que “lhe der na telha” renunciando apenas à “regra” simbólica e socialmente compartilhada, nos caminhos indicados pela bifurcação.

Como mãe e psicanalista, não pude silenciar diante do espanto que tem me causado a “naturalização” deste tipo de propaganda. Passamos por um momento de um “fecundo” investimento no consumo desmedido de produtos-idéias mediatizados pelo espetáculo da “Imagem” difundido pela televisão.

Enquanto psicanalista penso se não está na profusão destes excessos de ofertas e promessas ambíguas de que tudo é possível, a causa do aumento progressivo da demanda por atendimento a sujeitos deprimidos e fóbicos. Como mãe e cidadã preocupa-me a exposição de nossos filhos a esta violência televisiva que silencia a fala e instiga o ato, o atalho em direção a uma satisfação imediata que obstrui as vias de acesso à dignidade da escolha.

Mas não se trata aqui, apenas de responsabilizarmos os meios de comunicação que produzem, mas também reproduzem demandas sociais. A tarefa é árdua justamente por contemplar o conjunto da sociedade no chamamento à revisão dos parâmetros que norteiam os modos de vinculação social na contemporaneidade. A se ter na “Imagem” televisiva o mais poderoso orientador do comportamento do homem moderno, resta-nos, talvez, a tarefa urgente de resgatar na potência das palavras, sua capacidade plural de recriar sentidos, de restituir aos processos psíquicos e sociais a capacidade de simbolização. E desta forma, resgatar as condições necessárias para que o pensamento possa se efetuar na dúvida, na reflexão e no diálogo.
___________________________

Ana Cecília Álvares Salis, psicanalista. O artigo está reproduzido aqui por representar uma visão, mesmo que por um prisma do olhar, com a preocupação do Piauinauta com o entendimento do século XXI. Dinossauros são uns, etc, como diz o editorial da folha...


Relogiatividade

1000TON

Galope

Paulo José Cunha

Para José Castello

Ao contrário de escrevê-lo
e cavalgá-lo,
um poema me incorpora
e me domina
como uma entidade a seu cavalo

Fustigado ao chicote e às esporas
de um cavaleiro que me ordenamas me deixa a rédea solta,
lá vou eu, cavalo de poema,
neste galope à beira dos abismos.

Um poema me cavalga.
E alguém me diz versos ao ouvido.

You Are Here

O Piauinauta recomenda você perder alguns minutos com este vídeo. "Um Pálido Ponto Azul": instigantes imagens com texto de CARL SAGAN. Filme de David Fu. Pra quem gosta de cinema, tem o jogo de adivinhar de que filmes as imagens foram tiradas.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Encontro das Águas



Num pôr-de-sol assombroso, no encontro das águas do Parnaíba e do Poty, o Piauinauta levitou na beleza da cena. Pena que foto foi feita com um celular...

DOMINGO EU VOU À MISSA

Edmar Oliveira


Eu tinha que prometer. Minha mãe ficava cobrando desde sábado. E, no domingo, enquanto não fosse, ouvia a cobrança, quantas badaladas o sino dobrava. E, naqueles tempos – não sei se agora –, o domingo era dado às missas o dia todo. De forma que eu só ficava livre das badaladas e de minha mãe a cobrar, depois de ter ido à missa. Portanto, desenvolvi um hábito, que conservo até hoje, de acordar cedo no domingo, muito cedo. Naquele tempo era para ir logo à missa, de cinco ou seis horas da manhã, e ficar com um domingo espichado pra fazer as brincadeiras que só existem hoje na minha imaginação: jogar futebol, banhar no rio, caçar passarinho com baladeira, jogar pião, triângulo (só quando chovia e a terra ficava molhada), banhar na chuva (quando tinha), subir no pé de pitomba da dona Zelina e fazer a festa, brincar de pique-esconde, de bombaquim, ir ter com as meninas na pracinha, de tardinha. Hoje, não sei porque acordo cedo. Nem vou a missa, nem brinco mais. Daquela obrigação só ficou o acordar cedo.

Pensava nisso, depois de lembrar que no domingo vou, como todo mundo, às urnas. Confesso que desta vez vou como quando ia pra missa. Meio que na obrigação. É dessa sensação que quero falar, talvez com meus botões.

Me fiz militante da esquerda que na ditadura constituiu minha formação democrática. Gritei pelas liberdades nas diretas já, ansiei pela democracia como que para respirar. Participei das campanhas embandeiradas dos primeiros momentos da democracia reconstituída, senti uma sensação de embriaguez cívica na primeira eleição do Lula. E o que aconteceu comigo, após apenas vinte e poucos anos da jovem democracia? O problema, se fosse só comigo, não tinha a mínima importância. Mas olho ao lado e eu não vejo mais ninguém embandeirado daquelas eleições, que marcavam o matiz ideológico nas defesas de propostas. Os meninos e meninas que seguram os galhardetes dos candidatos são os mesmos que distribuem panfletos de lançamentos imobiliários nos sinais. Como as propagandas só podem ser afixadas nas fachadas das casas, vi uma, no subúrbio, com dois candidatos a prefeito de partidos diferentes. Numa clara alusão ao aluguel comercial do espaço e não na proposta dos simpatizantes, imaginada pelo Tribunal Regional Eleitoral.

A democracia virou uma mercadoria, como outra qualquer, no neolib
eralismo. Os interesses das corporações são os definitivos, no jogo eleitoral. Fica parecendo tudo igual, apesar das preferências de uns e outros. E é claro que sou uns e prefiro outros. Continuo defendendo um rumo melhor para a humanidade, mesmo nessa democracia esmaecida no arco-íris ideológico.

A social-democracia brasileira fez uma opção preferencial numa aliança com a direita, herdeira da ditadura. O partido de esquerda, para enfrentar a força avassaladora do seu contrário, aliou-se aos não-ideológicos, que se apropriaram da máquina corruptora, também herança da ditadura. A diferença vai diminuindo. E isso é ruim. Daqui a pouco teremos um elefante e um jegue, que representam o fim da democracia nos EEUU.


Quero errar nessas conjecturas. Espero uma análise política que me devolva o ânimo perdido. Mas que nesta eleição vou como ia à missa, ah, isso eu vou! E cedo, para que o domingo fique maior, que eu vou inventar umas brincadeiras...




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A igreja do Amparo, onde o Piauinauta ia votar na fé que acabou na urna...

Mistérios do Amor

Climério Ferreira

Comigo já foi assim:

O amor tinha tantos mistérios

Que se escondia de mim

O Choro do Menino

Geraldo Borges


O menino chorava.
- Rosa vai ver o inocente.
- Deixa chorar.
- Não, meu bem, vá, Eu fico esperando.
A mulher estava sentada comigo à beira da cama. Já eu tinha tirado a camisa e os sapatos. Ela a blusa. Era uma jovem. Ainda adolescente.
- Por que você não fica alegre?
Nem sempre temos noção de nossa falta de tato. Eu estava fazendo uma pergunta estúpida. Qual seria o motivo de ela estar contente? Não seria por estar comigo, ali ao seu lado.
- Pode ir, meu bem. Eu te espero - repeti.
Um estranho, como todos os demais que a procuravam. O menino, recém-nascido que estava no quarto de sua prima, berrava nos cueiros. Quem era o pai, não sabia.
- Rosa. Vai ver o menino.

Ela levantou-se. Vestiu a blusa. O rosto tranqüilo, mas triste. Uma tristeza de ser obrigada a aceitar o seu destino. Saiu. E fechou a porta atrás de si. Eu fiquei só, dentro do quarto. Só, não. Fiquei com os meus pensamentos, fantasmas da concupiscência, que logo tomaram outras dimensões, entrando em novos planos. O calor aumentava. Através do telhado vinham raios de sol, focalizando por cima da cama. Observei o quarto, um guarda-roupa, vestidos pendurados num cabide, uma penteadeira, cosméticos, pente e outros objetos de maquilagem. Em cima do guarda-roupa, uma banheira para criança. Parece que eu já estava cochilando. A porta rangeu e o aposento ficou mais claro. A mulher entrou, apanhou a banheira, disse:
- Vou banhar o menino – falou sorrindo e saiu de novo.

Seu sorriso me deixou mais compreensivo. Talvez mais humano. Comecei a gostar da prostituta. Uma onde de ternura invadiu-me. Havia uma nova mulher no seu rosto. O menino, ela me havia dito antes, ainda não tinha nome. Veio-me a vontade de pedir que desse o meu nome à criança. Eu queria deixar aquele momento com uma lembrança inesquecível.

Por fim, eis que Rosa está de volta. Para o sacrifício, para ficar debaixo do homem, o holocausto voluptuoso que se sucede noite após noite, na vã esperança que sua vida oferece. Sentou - se à beira da cama. A mesma imagem de tristeza. Parece que estava ali há muito tempo e eu nem mesmo o passado recente acontecera. Era quase uma estatua... Tentei dar-lhe um beijo na boca. Ela olhou mansamente, virando a cabeça para um lado: a parede. Era como se já me conhecesse de muito tempo e soubesse que eu não valia nada; mas, de qualquer maneira, infelizmente, precisava de mim. Beijei-a de leve apenas nas faces e nos ombros magros um pouco caídos. Ela não sentiu repulsa. Mas, em verdade, havia uma grande indiferença, tão grande que me deixava ainda mais triste. A única coisa que nos aproximara, por alguns momentos fugitivos, fora mesmo a criança.

Tirou de novo a blusa. Abriu o ri-ri da saia, deixando ver a calcinha de seda preta. Passei o meu rosto pelo bico dos seus seis, estes inflaram-se. Ela tinha pressa em desnudar-se Tirou a saia. Ficou esperando que eu tirasse a minha calça. Via-se que não era ainda bem acostumada no oficio. Havia vestígios de pudor nos seus gestos quase de menina. Esperava talvez, que eu ficasse pelado completamente, que tirasse a última peça do corpo. Como eu demorasse, atinou:
- Vamos depressa, por que a criança pode chorar.
Ela estava preocupada com o menino. Havia deixado no quarto da prima.
- Meu bem, vamos deixar pra outro dia, sim? Guarde este dinheiro para você. Não repare. A criança pode começar a chorar a qualquer momento. Não é mesmo? Eu apareço por aqui outro dia. De noite.
- Sim. De noite a criança não acorda.
Levantei-me. Vesti-me e calcei os sapatos.

Saí pensando em retornar ao quarto de rosa. Acho, porém, que é melhor não ir mais lá.

________________________
Do livro "Ô de Casa", Teresina 1977.


Este conto, com que tive contato em 70, marcou na minh'alma a sensibilidade do Geraldo Borges, coisa não muito comum nos companheiros de aventura na terra. Se hoje ele parece anacrônico, de fato está enterrado no passado, os da minha geração sabem ao que me refiro. Mas o Piauinauta, no seu lugar sideral, numa dobra do tempo, rememora a beleza de uma época dura para nossa sexualidade. A droga e rock eram mais acessíveis...


A foto é Geraldo nos 70 e poucos. Assai Campelo na sua Assai Pentax fez o flagrante. Não sei se Geraldo escreve ou vive o conto. A rede pode ser percebida, o choro do menino não... (Edmar)

O Enforcado

1000ton

A Latinha de Costura

Keula Araújo

Na latinha verde
dos apetrechos de costura
as flores apagadas pelo tempo
como não se apaga sua lembrança em mim

De cada carretel
desfio uma cor
num jeito de te rebordar
ponto a ponto
aqui de novo

A latinha sobre a mesa
tristeza minha

Triste, triste de não
ter remendo!



________________




Keula Araújo nasceu em Teresina, no dia 14 de julho de 1976. Formou-se em Arquitetura em 2005 e logo em seguida começou a fazer parte da organização do sarau literário "Sarau do Cineas". Gradativamente assumiu sua paixão pelas palavras, abandonando o trabalho como arquiteta e enveredando pelo caminho das Letras, na Universidade Estadual do Piauí, onde também faz especialização em Literatura e Práticas Culturais. Participou da coletânea de poemas eróticos piauienses "Essas flores de lascivo arabesco (2008)" e publicará, ainda este ano, seu primeiro livro de poemas: Terreiros.
_________________

Cinéas me mandou essa menina. Nome estranho, beleza que fere, poesia demais. O Piauinauta se põe no espaço para colher suas flores, Keula.

Cem anos Sem Machado

Chico Salles

Elevo o meu pensamento
Para o nosso Criador
Busco sua proteção
Sua benção, seu fervor
Pra colocar no papel
Esse meu novo cordel
Com as Graças do Meu Senhor.

Sei, não será nada fácil,
Falar deste brasileiro
Por tantos biografado
Talentoso e pioneiro
Mestre da literatura
Expoente da cultura
E do Rio de Janeiro.

Um Fluminense Carioca
Do Morro do Livramento
Homem de família simples
Inicio de sofrimento
Foi doceiro de escola
Tinha na sua cachola
Capacidade e talento.



Nascido em trinta e nove
Da era Imperiana
Sua saúde era frágil
Origem luso-africana
Foi gago, foi epilético
Teve um tino poético
De grandeza soberana.

Tinha o poder da escrita
Machado no sobrenome
Se alimentava de livros
Pelo saber tinha fome
Homem franzino e pequeno
Severo, astuto e sereno
Joaquim Maria o seu nome.

Eu vou falar do maior
Do Machado de Assis
Autodidata confesso
Professor e aprendiz
Jovem falava francês
Aprendeu também inglês
Deu aula para juíz.





Escreveu para o teatro
Foi tradutor e cronista
Crítico de literatura
Nosso maior romancista
Um esmerado poeta
Imaginário profeta
E incomparável contista.

Criado pela madrasta
Sua mãe morreu bem cedo
No seu primeiro poema
“Ela” foi o seu enredo
Ali já foi premiado
Passou a ser empregado
Foi um tipógrafo ledo.

Nos seus primeiros escritos
Já tinham sua grandeza
Foi descobrindo a vida
Fez das palavras riqueza
E nesse seu caminhar
Viu em José de Alencar
Um escritor de firmeza.





Dele foi se aproximando
Por ser um jovem atento
Era José de Alencar
O escritor do momento
Daí pra frente Machado
Teve o seu nome marcado
Neste nobre movimento.

Freqüentou O Fluminense
Em encontros regulares
Foi conhecendo os meandros
Respirando outros ares
Sempre se desenvolvendo
Com os sábios aprendendo
A velejar noutros mares.

Conheceu Gonçalves Dias
E o mundo literário
Trabalhando na imprensa
Amplia o vocabulário
Nesse aprende e ensina
Conheceu a Carolina
Deixou de ser solitário.





Casou-se aos trinta anos
Com Carolina Augusta
Mas, nunca tiveram filhos
E isto pouco lhes custa
Uma mulher verdadeira
Dedicada e companheira
De convivência robusta.

Muito bem conceituado
Nas letras bem sucedido
Vem sua fase romântica
Dando asas ao cupido
Escreveu “A mão e a luva”
Feito rio com a chuva
Obra de muito sentido.

“História da meia noite”
Outro texto desta fase
“Helena” e “Iaiá Garcia”
Mantendo a mesma base
Em “Os contos fluminenses”
Malabarismos circenses
Usando letras e frase.





Na fase do realismo
Amadureceu total
Criatividade aflora
De maneira genial
Acende assim “As Memórias”
Escreve “Várias Histórias”
Também o “Memorial”.

“Relíquias da Casa Velha”
Enorme realidade
“Dom Casmurro” e “Quincas Borba”
Mostra a genialidade
Para o teatro também
Escreveu como ninguém
“Desencantos”, é verdade.

Tenho que falar dos contos
Do contista Machadão
Aqui no aumentativo
Pela sua expressão
De corpo pequeno e fraco
Mas, a mente feito um taco
De enorme precisão.





“Teoria do medalhão”
Para começar a lista
Também tem “Um apóstolo”
“O enfermeiro”, “O alienista”
“O espelho”, “A cartomante”
A “Noite de Almirante”
E outras tantas na pista.

Quando já no século vinte
E em plena atividade
Já era reconhecido
Grande personalidade
Juntou-se a outros autores
Jornalistas e escritores
Membros da sociedade.

Com regulares encontros
Agradável companhia
Descrição inteligência
Bate papo e alegria
O grupo com segurança
Inspirados lá na França
Fundam nossa Academia.





A ABL surgiu
Com o Machado na frente
Pra preservar o acervo
De maneira coerente
Um lugar bem arejado
Assim foi logo indicado
O primeiro presidente.

Foi grande Servidor Público
De conceito graduado
Honrava suas funções
Competente, abnegado
Depois, na Academia
A todos sempre atendia
Mesmo o não convidado.

A morte de Carolina
Deixou-lhe bem abatido
Foram mais de trinta anos
Com ela tendo vivido
Ficou morando sozinho
Com saudades do carinho
Daquele romance bonito.





É estudado no mundo
Estrategista em xadrez
Sempre muito elogiado
Por tudo que ele fez
É considerado o melhor
Como escritor o maior
Pela sua lucidez.

Mil novecentos e oito
No Cosme Velho morreu
Foi grande a comoção
Que em todos se abateu
De lá pra cá desenganos
Agora fazem cem anos
O Mestre não se vendeu.

Se vivo fosse estaria
De certo muito zangado
Os rumos da Academia
Pra onde tem caminhado
O sistema capitalista
Lança mão de alquimista
Para o seu colegiado.





Os poderosos políticos
Tomaram conta da Casa
Vivem puxando sardinha
Cada um pra sua brasa
Bem fez Drumonnd de Andrade
Que teve a capacidade
De não voar nessa asa.

Hoje sei que não são todos
Pois existe a competência
Ta lá a nossa cultura
Também nossa inteligência
Vários são capacitados
Escudeiros abnegados
Hombridade e coerência.


Cem anos sem Machado
Sem a foice o martelo

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Ouso publicar aqui a primeira versão de Chico Salles, para o primoroso cordel que está sendo lançado na Academia Brasileira de Letras, nas comemorações dos 100 anos da morte de Machado, aqui no Rio e em Brasília. São duas edições de um cuidado fascinante e ilustrações do mago da xilogravura, Ciro Fernandes.

Machado de Assis



Todos os homens devem ter uma lira no coração, - ou não sejam homens. Que a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o digo eu; mas de longe em longe,

e por algumas reminiscências particulares...

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"A desejada das gentes", Várias Histórias

ETERNO LUAR DOS PALMEIRAIS

Edmar Oliveira

Por trás da folha da palmeira, que com o vento borrava seus contornos, a lua em prata atravessava as palmas para estampar no terreiro a luminosidade do sol da noite. A noite clara da lua cheia do limpo céu das estrelas.


Que cintilavam quais vaga-lumes das constelações etéreas. Repentinamente a noite era clara na luminosidade em falso, que na verdade era o dia da revelação do que se insinuava no clarão do dia.

Mas quase assim preferível do que se fosse em sol.

Por mais verdade ser.

Moça bonita tuas feições são mais. O brilho do teu olhar se faz muito mais intenso sob o luar. O tremor dos lábios teus se faz carmim no acariciar dos meus desejos. Do teu nariz respira quase entrecortar dos suspiros que imagino no oculto. E não faz assim de me olhar desta maneira em lua prateada. Borra os contornos do teu sorriso triste, desta lágrima gema de um rubi que cai do canto deste olhar. Como se mercúrio escorre na tua pele e fere o destino de não se poder mudar. Envenenado me encontro neste eterno luar dos palmeirais....

Terminamos Mal, Fauto Wolff!

Luíz Horácio



"Começamos mal, Luíz Horácio." Essas foram as primeiras palavras que Fausto Wolff me destinou graças ao meu atraso de dez minutos para uma entrevista marcada por telefone.A seguir quis saber das razões do meu interesse em entrevistá-lo e quais informações a seu respeito eu trazia.Disse-lhe que tanto me interessava sua obra como suas posições pessoais. "Mas o que dizem de mim, que tipos de informações você recebeu?" Com a sinceridade temerosa respondi: "Disseram que você é a pessoa mais grosseira do Rio de Janeiro, um jogador, um viciado, mais fácil marcar entrevista no jóquei, e bêbado".

Encheu um copo com uísque e gelo e começamos a entrevista. Tensa a princípio, ele parecia contrariado, prazerosa logo a seguir.

Ao terminarmos a garrafa de uísque jazia sem utilidade. Nos despedimos e antes que eu alcançasse a porta de seu apartamento em Copacabana ele me chamou: "Espera! E agora o que você tem a dizer a meu respeito?" Novamente assaltado pela sinceridade temerosa, respondi; " Digo que você é bêbado apenas". E nos abraçamos num abraço que ainda hoje me envolve. Assim era o Fausto que me permitiu várias palavras, algumas nas orelhas de dois de seus livros; Um lobo atrás do espelho e A milésima segunda noite. A meu respeito disse algumas frases no Pasquim e no JB, lembro que na época, eu vivia meu terceiro casamento, disse a minha mulher que colocaria num quadro, e ela: "deixa de bobagem, pra que tanta vaidade?"

Os jornais estão comigo. Vivo meu quarto e derradeiro casamento e já mandei emoldurar os jornais. Em meu primeiro romance, Perciliana e o pássaro com alma de cão, está um dos maiores presentes que Fausto me deu, o prefácio, mas eu, aluno torto, abusei e o transformei em personagem desse mesmo romance. Ele nunca reclamou.

Um dia, eu queria guardar aquele Fausto para mim, decidi gravar um documentário com ele, sobre ele. Coincidentemente demos inicio a gravação em 01/08/2003, aniversário de dez anos de minha filha Thamara. Dias antes ao perguntar o que ela queria de presente, respondeu: "quero um presente vivo". Imaginei um ramster. "Pai, ramster é coisa de viado". Um presente vivo, logo me veio uma tartaruga, eram vendidas na Siqueira Campos entre Tonelero e Barata Ribeiro. "Cara, não vai me dar uma tartaruga, tartaruga nunca vale quando se examina possibilidades. Tartaruga é um tijolo atrevido, um tijolo com excesso de personalidade, não é um bicho."Antes da hora marcada estávamos no Fausto, ou melhor, o encontramos quando entrava num táxi, pegamos carona, chegamos juntos. No elevador ele perguntou a idade de Thamara e ela informou que naquele dia completava dez anos. "Então temos que comemorar".

Enquanto gravávamos Thamara dividia sua atenção entre os potes e potes de sorvete e o olhar atento ao Fausto. Naquela manhã /tarde todos nós tivemos uma grande aula de sinceridade, acima de tudo. Terminada a gravação, minha filha mereceu ainda mais atenção de Fausto. Ele pedira a Cláudia, sua incansável secretária, que providenciasse um bolo. E o bolo foi providenciado, como vela e o parabéns que o coro dos desafinados cometeu."Cara este é o meu melhor aniversário" ouvi de minha filha enquanto nossas lágrimas escorriam. E Fausto inventou uma desculpa para se afastar da sala e "fugiu" pelos fundos, tinha um páreo que ele não podia perder. Foi Cláudia que informou: "Seu Fausto pede desculpas, foi ao jóquei, disse que não se despediu porque não agüentaria, mas fiquem à vontade, dona Mônica já ligou, está chegando. "Saímos e logo paramos no bar Lucas, na Av. Atlântica; Marcelo, Nina, Saraiva,Santarosa, Luciano, Tanussi, foi lá que Thamara falou: "Obrigado, pai. Foi o presente mais vivo que você podia ter me dado." Ela se enganava, aquele presente não fora dado por mim, era obra da amizade.

E assim era Fausto , não apenas com minha filha, mas com todas as crianças. E agora Fausto? Lembra que no final de 2006 você me chamou de traidor porque você não identificava entre seus e-mails um conto que eu enviara repetidas vezes, lembra? Pois é, você me chamou de traidor e quis saber se o que eu queria era grana, lembra? E por isso deixei de procurá-lo por mais de ano? Não sou bêbado, mas você sequer desconfiava que ainda sou muito mais burro que você. Pois é Fausto, chegou a minha vez de acusá-lo de traição. Você me traiu, Fausto, que merda Fausto, nunca é hora de morrer Fausto, porra Fausto!

Confesso: não tenho traços de espiritualidade e não acredito em vida depois da morte. Morreu acabou, uma merda, mas é assim. Ontem uma amiga escreveu para mim dizendo que Fausto tinha nos deixado, detesto esses eufemismos. Fausto não nos deixou, Fausto morreu. Alguma coisa matou o Fausto. O Fausto que me deu de presente um time de pessoas que fazem a vida valer a pena, talvez eu esqueça alguns, agora lembro do Marcelo Backes e a Nina, do Ziraldo, do André Seffrin, do Luís Pimentel, da Rosemary Alves, a Rose da Bertrand e seu filho Rafael, do Jean Scharlau, da Mariana Roiler, do Renato da ed. Revan, do Antonio Lobo, do Chico Caruso, da Denise da Toscographic. Não preciso incluir a Mônica, antes de ser mulher do Fausto, a fada que o protegia. Fausto gostava de reunir seus amigos em seu amplo apartamento da Atlântica, certa vez, casa lotada, antes do seu primeiro discurso; geralmente ele proferia três, mandou essa: "Que maravilha, tanta gente e nenhum filho da puta!" Mas o que era um filho da puta para o Fausto? Todo aquele que desrespeitasse o ser humano, sobretudo os mais humildes.Fausto também assustava, gerava antipatia, sobretudo naqueles que não o conheciam muito bem. Assim se deu com um casal de amigos, o Ronaldo Amaral e a Marília, que convidei para comemorar uma passagem de ano no apartamento de Fausto. Lá pelas tantas Fausto, sério e bêbado, deu uma ordem e disse que todos teriam de obedecer pois ele estava pagando tudo. Brincadeira que meu amigo não entendeu assim e aqui publicamente peço desculpas em nome do Fausto.

Mas quem de seus amigos não teve de um dia pedir desculpas em nome do Fausto? Fausto nos colocava em seu barco, ser amigo de Fausto sempre teve seus prós e seus contras, mas era daquelas pessoas que eu gostaria que morassem no ap. ao lado do meu, assim como meu pai e meus filhos.

Por um tempo fundamental em minha formação de escritor e de homem, trabalhei como seu secretário. Costumava chegar por volta de oito horas e já encontrava o Fausto escrevendo, sem camisa, só de cuecas "ao lado do mar" de Copacabana. E para quem não sabe ou desconfiava do contrário, revelo; o Fausto não bebia uma gota de álcool enquanto escrevia. Nessa época quando escrevia Olympia que fiz, com ele, meu curso de Literatura . O da universidade não acrescentou nado ao que meu pai e Fausto já tinham me ensinado.

Por volta de meio-dia ele parava de escrever e me chamava: "Meu filho, quer ouvir?" E lia a sua produção. Perdi as contas de quantas vezes chorei ouvindo Fausto.

É por tudo isso, Fausto, que "to puto contigo", traidor, fujão. Você traiu a mim, Thamara, Mônica e mais uma porrada de amigos, não tínhamos combinado essa palhaçada de você morrer.

"Terminamos mal, Fausto Wolff!"

Mas você se engana, não serão essas minhas últimas palavras para você, prometo incomodá-lo até enquanto essa maldita morte não me transformar também num traidor.

Eu te amo Fausto Wolff. Sempre te amei.

Ia esquecendo; quando eu lia O lobo atrás do espelho ainda no disquete e me emocionava liguei para o Fausto para saber como ler chorando. Agora, Fausto, queria ligar para perguntar a você como escrever chorando. Não foi fácil, Fausto, você me paga...
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Luíz Horácio, Escritor, autor de Perciliana e o pássaro com alma de cão, ed. Conex e Nenhum pássaro no céu, ed. Fábrica de Leitura. Professor, coordenador do curso de pós-graduação, latu sensu, Literatura-Produção Literária da Faculdade Monteiro Lobato-FATO-Porto Alegre.
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Esta texto foi me mandado por Paulo José Cunha, que assim me enviou:

Luiz Horácio é meu amigo, e amigão do Fausto. Tínhamos planos de trazer o Fausto a Brasília, para uma boa entrevista, e depois para rodar com ele por Brasília, ouvindo suas observações (imagina como seriam ótimas!), e gravando tudo em vídeo.
Não deu.
O cara cancelou tudo sem dar satisfação, bem no estilo dele.
O texto aí, apaixonado, saiu da alma do Luiz quando recebeu a notícia. Só agora é que ele está divulgando, in clusive pra Mônica, a viúva.
Abraços.
PJ

Quituteira

EXEQUIAS


EZEQUIAS – Ezequias é um dos maiores representantes da nossa pintura primitiva e ingênua e que não pára de nos surpreender com suas mulheres redondas e fortalecidas pela labuta, com seus colhedores de bananas e com os manguezais que desde cedo, lá nas Alagoas, foram se revelando em traços fortes e coloridos nas suas telas. (Luiz Carlos Pires)
(Mais pituras do Exequias no site da Casa de Lima Barreto, ali embaixo).

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subtraído do site da Casa de Lima Barreto. Exequias pode ser melhor visto no site da casa, ali no pé de página.