quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Dobra do Tempo



O Piauinauta, tomando uma dobra no tempo, voltou à Livraria do Nobre, ponto do pessoal que gostava de trocar palavra na Teresina de então. Em pé: o proprietário Nobre com a mão na cabeça e Cinéas Santos (a moça, entre os dois, não sei quem é). Sentados: O. G. Rego de Carvalho, Herculano de Moraes e o professor Didácio.

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foto original subtraida do blog do Kenard que você pode visitar clicando no pé da página.

FAZENDO BRINQUEDO

Edmar Oliveira

Um amigo meu sonhou que atirava de baladeira num gavião e acordou culpado, lembrando que a única coisa que acertara com o estilingue foi o dedão da mão, que segurava o cabo. E não dormiu mais. Passou por sua cabeça um inventário de brinquedos que animaram sua infância e levantou da cama decidido a fazer um Museu da Criança. E o cara é o maior fazedor de sonho que eu conheço. Portanto, o Museu vai sair. Quero apenas contribuir por lembrar de três brinquedos que agregaram tecnologia na invencionice dos meninos de então.




Primeiro a "Caixa de Cinema": de uma lâmpada transparente (dessas que quase não existem mais, a maioria agora é leitosa) tirava-se o filamento com cuidado e se colocava água. Com isso se fabricava uma lente de aumento necessária ao empreendimento. Essa lente era colocada dentro de uma caixa de sapatos, bem no meio, e se abriam duas janelas na caixa, na sua parte anterior e posterior. Nas laterais da caixa era feita uma fenda para passar um papelão, no qual estavam presos fotogramas de cinema de verdade.(Estes fotogramas eram fáceis de encontrar se você fosse amigo do técnico que passava os filmes. Ele os obtinha na emenda de filmes que naquele tempo quebravam muito, lembram?). Um outro ponto importante para o funcionamento do invento era uma casa de telhas com goteiras por onde passava um raio de luz. Pronto: um espelho pequeno desviava a luz para dentro da caixa, pela janela posterior, atravessava a lente e a película na frente desta e saia pela janela anterior projetando a imagem na parede. Era uma sensação fantástica ver a Maureen O'Sullivan com aquele vestido preto muito curto na Jane da floresta, na parede do quarto. Ou quando Johnny Weissmuller se pendurava no cipó a gente tinha certeza de ouvir seus gritos de Tarzan. A "Caixa de Cinema" foi um dos inventos mais fantásticos de que me lembro.




Depois tinha o "Caminhão de Carga": uma lata quadrada de óleo de cozinha (Depois elas ficaram redondas e agora são de plástico, aí adeus caminhão!). Uma tábua maior que a lata, mas da mesma largura. Pregos, tachinhas, arame, cordão, algodão, arco de barrica e tampinhas de vidro de penicilina. A lata era aberta nos três lados da parte maior, ficando presa numa extremidade. Rebatia-se a tampa, que deixava livre a carroceria do caminhão, e com a tampa rebatida era feita a cabine. A carroceria e a cabine (lembre-se que era um monobloco) eram presas na madeira, que justo a parte que ultrapassava o tamanho da lata era pra receber a cabine. Com os arcos de barrica (material muito comum nas caixas de madeiras de então) eram feitos os feixes de mola traseiros e dianteiros. Os traseiros eram independentes. No dianteiro um arco era preso apenas com um prego para que o giro permitisse a direção real do caminhão. As rodas, feitas das tampinhas de borracha dos vidros de penicilina, eram presas a dois eixos de arame que eram, por sua vez, presos aos arcos de barrica transformados em feixes de mola, amortecedores e direção. Tachinhas eram presas à madeira de suporte da carroceria. O algodão socado (1) e coberto por um pequeno pano, que se fazia de lona, era amarrado ao cordão que ia de um lado a outro prendendo nas tachinhas qual cadarço de sapatos. Estava pronto um caminhão de carga com feixes de mola de verdade e dirigível por um cordão duplo amarrado ao arco de barrica dianteiro, fazendo manobras reais. Com um caminhão desses, que fazia as curvas de verdade, e podia vencer riachos de mentira com suas molas, confesso que fiquei decepcionado quando comecei a ganhar carrinhos de plásticos das lojas de brinquedo da capital. Não faziam curvas, não tinham feixes de molas e eram muito leves para a gravidade relativa, que os faziam tombar muito mais que meu caminhão de verdade feito de lata de óleo...



Por fim, me lembro de um brinquedo sofisticado que mais se parecia de verdade que de brinquedo. A "radiola": um eixo para receber um disco de verdade era adaptado numa base com uma rodinha de rolimã deitada. De modo que as engrenagens do rolimã é que seriam usadas. Um pedaço de couro redondo ficava entre as engrenagens e o disco para que este pudesse rodar na velocidade que nosso dedo impusesse. Deu pra imaginar? Agora vamos construir o alto-falante da radiola: uma caixa de buriti era feita de forma retangular, em três lados (pra quem não conhece, buriti é o miolo da palmeira, que tem a consistência de isopor). O quarto lado era coberto com um pano, de modo que a caixinha ficasse parecida com uma real caixa de som. Uma agulha de máquina de costura vazava a caixa na parte retangular menor. O objetivo era que a ponta da agulha ficasse pra fora e o fundo no interior da caixa. Com a mão direita se colocava a agulha no sulco do disco, no começo de uma música, de forma suave, mas firme. A outra mão rodava o disco sobre a engrenagem de rolimã. Escutava-se o som da música, qual nós imaginávamos o som de um gramofone, que só conhecíamos em gravuras de revista. O problema deste brinquedo era que nós tínhamos de roubar os discos de verdade das nossas casas e a agulha da máquina de costura estragava o disco em duas, três ou quatro audições. Mas o prazer de fazer funcionar um invento era a melhor parte da brincadeira.





Eu fico olhando os brinquedos eletrônicos de agora e sinto saudade da imaginação. Quando ficar grande, o menino que tem um carro eletrônico por controle remoto vai lembrar apenas que apertava um botão e ele fazia curvas. Mas não tem as histórias pra contar de como fazer um brinquedo. Tá mesmo na hora de um museu da criança...
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(1) vale dizer que este algodão não "dava" em farmácia como agora. A gente colhia na roça, com caroços, ou pegava em pequenas manufaturas, antes de ser beneficiado. Era muito algodão. Não um tantim assim. Sei que para algumas pessoas, que chegaram recentemente ao planeta, isto pode parecer estranho...

Brincando de casinha...



O Piauinauta foi brincar de "casinha" com as meninas de sua infância...


Inventário de Brinquedos

Geraldo Borges

Não consigo me lembrar do meu primeiro brinquedo. Mas deve ter sido a chupeta, o maracá, e concomitantemente os dedos dos meus pés. Um salto nas lembranças e me vejo no pátio da fazenda de meus pais brincando com um cavalo de pau feito de um galho de palha de carnaubeira. A idéia deste brinquedo saiu da cabeça do menino João, agregado de nossa casa, menino habilidoso que sabia fazer muitos tipos de brinquedos. Alguns exemplos: arapuca de taboca para pegar rolinha, badogue para atirar pedra em passarinhos, besta com arco e flecha,.vapor gaiola de talo de buriti para a gente brincar dentro do riacho, gaiolas, bainha de faca feita com pedaços de arco de barrica que vinham reforçando as caixas de mercadorias que meu pai comprava nas casas de exportação. Ele passava um pedaço de arco de barrica em uma pedra de amolar até fazer um gume na lamina. João era um artista, para não dizer artífice. Ia me esquecendo da baladeira, que depois fiquei sabendo que também pode ser chamada de estilingue. As nossas eram feitas de elástico. Mas funcionavam muito bem. Como morávamos no mato quase todos estes brinquedos derivavam da nossa paisagem. As minhas irmãs brincavam com bonecas feitas de ossos de boi ou de sabugo de milho. E viva a imaginação. Jogávamos bola com bexigas de boi.



Claro que havia outras brincadeiras das quais participávamos como expectadores: o reisado, o bumba meu boi, as festas de São João. As desobrigas. Isto era coisa organizada por adultos. Tinha um tempo marcado no calendário. Não era brincadeira de menino. Mas mesmo assim nos divertíamos.

Na cidade fui apresentado a novos brinquedos. Uma vez ganhei um pião de metal todo colorido, que tinha um barulho esquisito, parecia que estava roncando enquanto rodava. Fiquei encantado com o equilíbrio do pião. Ganhei até revolver. Aprendi a jogar ioiô..Mas quando vinha as férias eu voltava para a fazenda e de novo caia no mundo encantado dos brinquedos do João. Mas como nem sempre voltava à fazenda aos poucos os brinquedos da cidade foram tomando conta do meu espírito. Ganhei uma bola de borracha e comecei a jogar pelada, a jogar time de botão, peteca, triângulo, amarelinha, que a gente dava o nome de cancão, rodava pneu pelas ruas. Brincava de guerra, uma rua contra outra; Tomava banho no rio Poti. Brincava de galinha gorda: Dizia os seguintes versos:
- Galinha gorda
- Gorda é ela
- Vamos comê-la
- Vamos a ela!


Para quem não conhece a brincadeira. Galinha gorda e jogar uma pedra dentro do rio e mergulhar para ver quem pega a pedra lá embaixo.


Às vezes quando chovia eu fazia um barquinho de papel e jogava no rego da calçada, ele terminava adornando e era levado pela correnteza. Fazia também aviãozinho, empinava papagaios, com gilete no rabo, ou cerol na linha. Minhas irmãs faziam sombras com as mãos nas paredes, figuras chinesas, e falavam uma língua estranha,que só elas compreendiam Eu nunca consegui entrar no mundo encantado de minhas irmãs e primas. Uma vez vi um menino pobre, rico de imaginação inventar um brinquedo. Ele pegou uma lata de sardinha seca, fez um buraco com um prego e enfiou um cordão na lata e saiu arrastando o seu carrinho pelas calçadas. Vi também na cidade durante o Natal muitas árvores carregadas de brinquedo. Cheguei a pensar. Teria o menino Jesus fabricado pequenos brinquedos de madeira para seus irmãos?


Hoje muitos brinquedos estão fora da moda, descartados, caíram no esquecimento, são peças de museu e não nos distrai mais da realidade do cotidiano, até por que os brinquedos acompanham o desenvolvimento tecnológico. E estamos em outros tempos, globalizados. Mas cada vez mais acuados. Nos velhos tempos as brincadeiras precisavam das ruas como cenários. Cadeiras nas portas. Cirandas.


Os meus brinquedos eram do tempo dos dinossauros. Os meninos de hoje podem até ter curiosidade por eles. Apenas curiosidade de turista do tempo descendo galerias do passado. Se bem que atualmente os dinossauros são um tipo de brinquedo do mundo animal, graça a importância de Holywood na formação do imaginário infantil ocidental.Os brinquedos estão nas telas dos computadores, da televisão e adquiriram dimensão global.



Acredito que os tipos de brinquedo e brincadeira do século passado que nos divertia plasmou as nossas biografias. O brinquedo educa. Hoje as diversões são outras, os mitos mudaram os ritos se esfacelaram Os brinquedos antigos falavam uma língua bem diferente. Pergunte a um menino de hoje se ele conhece a tabuada. Não conhece. Ele prefere brincar com a máquina de calcular. Claro. A máquina não precisa das provas dos nove. Mas saber a tabuada de cor é uma das bonitas brincadeiras da matemática. Para terminar meu jogo de palavras cito Ítalo Calvino. “ Não devemos esquecer que os jogos, dos infantis aos dos adultos, têm sempre um fundamento sério: são sobretudo técnicas para treinamento de faculdades e atitudes que serão necessárias na vida.” E isso aí.

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Geraldo Borges contribuindo para o Museu da Criança, invenção do Cinéas Santos.

Passatempo


Fisgar piabas no Parnaíba

É como costurar o tempo

Que faz o sol se derreter nas águas

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Brinquedo de poema e efeitos na foto de Edmar, em foto poética de verdadeira brincadeira de Jairo Felipe.

CAYMMI




Nara Canta Caymmi

Everi Rudinei Carrara


voces se lembram de Nara cantando Caymmi, no disco O CANTO LIVRE DE NARA/1965...pois é, assim que fiquei sabendo da morte de Dorival Caymmi,coloquei esse disco em vinil pra ouvir em meu quarto. Dorival Caymmi sempre cantou a Bahia,era doce, um homem que eu via pela televisão,sempre falando calmamente,com gestos moderados,parecia conhecer a vida lindamente,ensinava enquanto dizia coisas e seusilêncio também era fonte de aprendizado.
Nara e Caymmi pareciam ter muita coisa em comum:
talento, meiguice, sabedoria. Eu deveria ter ouvido o excelente GAL CANTA CAYMMI, em vinil,que guardo com elevada estima em minha discoteca, mas minha alma quis ouvir o canto livre de NARA cantando Caymmi; acho que foi a primeira música de Caymmi que conheci na voz de uma cantora, ainda no final dos anos 70, depois, muito tempo depois, ouvi GAL, Betania e outros artistas cantando Caymmi.

No disco, a NARA interpeta a suite dos pescadores,uma das obras de Caymmi, que amava o mar, e dele retirava lições de poesia e vida.
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everi rudinei carrara: consul dos poetas del mundo em araçatuba/sp . editor do site http://www.telescopio.vze.com/ músico , escritor, agente cultural.
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Assim se apresenta o cara, que no luto de Dorival, encheu a cara com o licor de Jenipapo do Neto de Deus, lhe permitindo poetar Nara, Caymmi e Gal. Visitem o site do Everi. O Telescópio enxerga longe na terras brasilis...
E a capa de Maracangaha é do LAN. Cangalha!!!!

São Francisco

1000ton


Bunda

Juarez Montenegro Cavalcanti



Bumbum!... Assim peguei-a pela bunda,

aos elogios mais sofisticados...

Bons tempos de esconder a minha funda

acima dos tapetes... nos tablados...



Luares para a mente mais fecunda,

outeiros semi-esféricos tunados -

afresco harmonizando a mais rotundadas

nádegas, aos tons cadenciados!...



Agora exulto, atento à passarela:

Lá vai a comoção!... fiquei sem ela...

insisto em contemplar d'outra maneira...



Então vibrei, fincando os meus artelhos

para ver-la inteirinha nos espelhos

destes olhos molhados de cegueira...

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Juarez Montenegro Cavalcanti, franciscano militar, é um astronauta das Alagoas. Trabalhei com ele no passado. E não sabia desta veia bilaquiana erótica. Palmas para o poeta do quartel e do convento... E os passáros do São Francisco do 1000ton trazem paz do santo à guerra do militar...

Espelhos



Luciane Ribeiro, fotógrafa. Tendo outras me mande. Bela foto de cima do viaduto da Perimetral, Rio, Rj.

Um Mandarim na China

Geraldo Borges




Nos matamos um mandarim na china
e herdamos quase todo o seu cabedal
terracota chá seda porcelana uma mina
e agora somos donos de sua grande capital
pequim uma grande cidade que se destina
a impressionar o vasto mundo ocidental
nos matamos o mandarim e abrirmos a
CORTINA
de um novo mundo que tem praça celestial
lá tudo é espaçoso e repleto de grandeza
suas muralha são torres para o mundo além
e Confúcio é o filosofo da arte de compreender
um mandarim está morto grande proeza
mas como administrar a sua riqueza?

Túnel do Tempo



Esta foto circula na Internet em uma das muitas homenagens ao poetinha. Mas retrata um momento e tanto: na esquerda, meio fora de foco, o ministro Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso e Torquato Neto. A moça, de costas, posso apostar ser a Betânia. E o cara da direita é o Hélio Peregrino? Que fazia lá o psicanalista tropicalista?

O dia em que matei um sanfoneiro

Cineas Santos


Menino, como todos os moleques da minha aldeia, eu tinha um sonho recorrente: arribar para São Paulo, ganhar dinheiro graúdo, botar um dente de ouro, comprar uma sanfona vistosa e regressar à terrinha falando o dialeto “paulistês”. Na verdade, o que eu queria mesmo era encontrar um meio de chamar a atenção das mulheres, ariscas como juritis novas. Com o tempo, o irmão mais velho foi, os primos foram, os amigos foram, e eu, cada vez mais fincado em minha aldeia, não fui. Descobri minha indeclinável vocação para pedra, pedra recoberta de limo de tanto não rolar. Os outros iam e voltavam, trazendo ou não sanfona. Eu, a exemplo de seu Liberato, irremovível, permanecia na aldeia. Havia entre mim e o chão um grude, um visgo que me impediam de alçar vôo...


Um belo dia, o irmão regressou trazendo uma sanfona Scandalli, vermelha como brasa de angico; fogosa como uma potranca no cio. O irmão não tinha dente de ouro, mas usava um bigodinho atrevido, empapava o cabelo de Quina-Petróleo e conquistava as mulheres com a mesma facilidade com eu fisgava piabas no velho açude da Aldeia. Decidi, então, tornar-me sanfoneiro. Abarquei a sanfona, judiei dela por duas ou três semanas e não saí do dó. Uma noite, ouvi, no rádio de um vizinho, o Sivuca executar um frevo. Morreu ali o sanfoneiro que despontava em mim. Desacorçoado, percebi que, por mais que eu tentasse, não chegaria àquele nível de excelência e menos que aquilo não me interessava.


Antes que me perguntem por que estou me lembrando dessas bobagens agora, explico: na semana passada, por muito pouco, não matei um velho e querido sanfoneiro, o Hermínio Moraes. Se vocês ainda se lembram, publiquei, neste espaço, uma crônica “sentimentosa” sobre alguns amigos são-raimundenses que, sem minha permissão, partiram para o reino do Benvirá. Dois deles – o Egídio Nascimento e o Hamilton Barreto – eram músicos. Quando a crônica foi publicada, descobri que esquecera justamente o Hermínio, um cabra da peste que, escorraçado de Pernambuco, perambulou pelo mundo afora até aportar em São Raimundo Nonato. Não me lembro quem prestou o desserviço de avisar-me que o velho sanfoneiro morrera no final do ano passado. Se bem me lembro, mandei até rezar missa pela alma do infeliz.


Chego a São Raimundo e a primeira notícia que recebo do Jorginho França é a de que o Hermínio, depois de uma cirurgia de catarata, já está pronto para fazer o que mais sabe: tocar bem. Fiquei tão feliz que mal me contive. O Hermínio é nosso parceiro há muito tempo. Em Teresina, num show inesquecível, tocou o “Brasileirinho” com o violonista Erisvaldo Borges, coisa de saltar faíscas no ar... O Hermínio, antes que eu o “matasse”, estava escalado para gravar conosco o CD “A Cara Alegre do Piauí”, que deve sair no segundo semestre deste ano.


Incontinenti, saí com o Jorginho à caça do cabra. Encontrei-o meio baleado, mas vivo e lampeiro. Magro como um cancão depenado, com uns óculos de cego de feira, Hermínio me prometeu que não morrerá antes de gravar o CD e ouvir “sua” música na Rádio Alternativa. Se ele descumprir o que prometeu, aí eu volto a São Raimundo acabo com a raça dele.

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Tirado do "Oficina da Palavra", espaço que você pode visitar clicando ali embaixo.

POEMINHA

1000ton

AMOR É DIA

PAIXÃO É NOITE

A LUA SE PÕE ?

EU NÃO SABIA...

A Teoria do Big Boot

Edmar Oliveira

Um cientista americano (sempre eles!) anuncia uma nova teoria sobre o Universo. Para o novo teórico o Cosmo foi organizado a partir das leis de informação digital. Ou seja, as leis do Universo são funcionais como um sistema digital e virtual, tal como acontece no seu computador. Para o moço isto explicaria a desavenças entre as leis da relatividade e as leis da quântica, harmonizado a física de modo a ser compreensível como um sistema possível. Até o “Big Bang” seria um “Big Boot”, o que explicaria a não existência do Universo anteriormente, se ele fosse um computador desligado. Deus, então, seria uma espécie de Bill Gates que organizou tudo que existe a partir do seu PC ou Notebook, sei lá.


O perigo de “teorias definitivas” é o deslumbramento de que não existia nada antes e nem existirá depois. Parece que o tal cientista vive no universo virtual de Matrix. E a informática, pelo conteúdo excepcional de conhecimento posto à disposição, parece destruir o tempo antes e depois dela. Já, já será decretado que quem não entende de informática não existe.Economicamente isto já é verdade. Mas na existência, existência mesma? Será posto pra fora da realidade quem não freqüenta o mundo virtual? Vamos devagar com este deslumbre. Pelo andar da carruagem, este computador aí na sua frente não vai passar da invenção da roda ou da descoberta do fogo.
Quem merece um “big boot” é a teoria deste cientista por querer crer na existência de Gates, acima de todas as coisas...

"Seu" Menino e Dona Menina



Foto em preto-e-branco numa AssaiPentax de Assaí Campelo...

Posted by Picasa

domingo, 10 de agosto de 2008

Intransitivo

Paulo José Cunha

o silêncio
não existe



existe
sobre
as coisas

do mesmo fio
de que se tece
o Deus vivo,

o silêncio é,

como Deus,
intransitivo

vôo leve
de ave
no céu lento
pétala
amputada
ao catavento

o silêncio

elipse do som
eclipse do tempo

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

na madrugada



Essa é a Teresina, de madrugada. O Piauinauta, sozinho, caminha na falta da gravidade. Sob a luz mortiça do poste no subúrbio, o Piauinauta aguada a aparição da Num-se-pode. E a partir daí tudo pode acontecer...

Num-se-Pode



Edmar Oliveira

Quando eu cheguei na Teresina da minha meninice a luz elétrica já iluminava a cidade. Não cheguei a ver os lampiões de gás que clareavam as ruas do passado. Mas eu me lembro da "Num-se-pode". Na praça Saraiva, nas ruas do Barrocão, quando a noite caía, ela podia estar por perto. Qualquer vulto branco no lusco-fusco das esquinas podia ser a assombração. E certamente acontecia assim: ela chegava como moça bonita, vestida de branco e se aproximava pedindo um cigarro. Pegava o cigarro e crescia para acendê-lo no lampião, enquanto gritava "num-se-pode, num-se-pode, num-se-pode!!!" - e diante do assombrado petrificado pelo medo, desaparecia na noite escura. E embora já não existissem os lampiões e nem eu fumasse, morria de medo de acontecer comigo.

O fantástico da lenda era a sua não explicação misteriosa. Não se pode saber de nada que aconteceu com a moça. Não se pode perguntar, que o mistério é ser oculto. Não se pode falar nada, apenas oferecer um cigarro. Não se pode saber nem o que motivou a lenda. Ela acontecia naquele instante e pronto. Era um medo do imediato que não tinha prenúncio, a não ser o próprio medo acontecido. Não se pode não acontecer com você também...

Lembro que quando comecei a fumar, nas noites escuras, sob a mortiça luz da rua, nos desenhos feitos na etérea fumaça do cigarro, que se enrolava no branco transparente do vestido e subia em direção a luz do poste, eu sentia a "Num-se-pode". E me assustava sem nunca a ter visto...

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ilustração: Cibelli Rocha para Fundação Monsenhor Chaves, Pi.

Não se Pode (do Geraldo)

Geraldo Borges



Era uma vez na antiga Teresina

Uma mulher Não Se Pode um fantasma

De aparição em aparição sua sina

De tanto fumar morreu de asma.





De noite aparecia em um quarteirão

Pedindo cigarro a um desacompanhado

E se esticava para acendê-lo no lampião

Deixando o transeunte muito assustado.



Às vezes pelas noites em solidão

Acendo um cigarro em meu apartamento

E sinto na fumaça a sua aproximação.



E espio a rua pela janela na ilusão

De quem sabe na magia do momento

Eu coloque um cigarro em sua mão.

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republicado pela oportunidade e beleza...

Não-se-Pode

Zé Rodrigues e Rubeni Miranda





À meia-noite sem ser lobisomem


Não-Se-Pode é assombração


Ela me pede um cigarro sorrindo


Como quem quer pegar na minha mão


Ela me pede o meu fogo sorrindo


Mas eu não quero aproximação





No pé do poste é moça bonita


Mas se estica até o lampião


Assusta até o cabra macho do sertão



Não-Se-Pode pode ser que seja


Uma donzela de bom coração


Não-Se-Pode pode ser que seja


Desencantada por uma paixão


Não-Se-Pode pode ser que seja


Talvez a dona do meu coração

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Esta letra do cancioneiro piauiense fala da lenda de um jeito que é só nosso: a Assombração, a donzela de bom coração, pode ser que seja a dona do meu coração...

Luiza Baldan



Luiza Baldan é uma fotógrafa. A imagem diz. Precisa qualquer palavra? (Edmar)

SEMPRE



Cineas Santos

1000ton (dando as cartas)



Alô Albert Piauí: quando estive aí, da última vez, você perguntou quem era o cara cheio de números que publicava cartoons no meu blog. O Miltão esteve aí no salão de humor em 2006 e vocês nem perceberam. O cara é bom. Fica de olho...(Edmar, pro Salão de Humor do Piauí, que vai acontecer de novo, por obra, graça e muito esforço do Albert Piauí e sua equipe. Já estou na divulgação. mande as datas...)

O Trem de Ferro

Geraldo Borges

Luiz Gonzaga e João do Vale, se não me engano, falam do trem Maira Fumaça, que fazia linha de São Luis a Teresina. Viajar nesse trem era uma aventura. Tanto queimava como atrasava. O passageiro botava o relógio para despertar de madrugada. E não sabia que hora da noite estaria chegando a capital do Maranhão. Bastava atravessar a ponte de ferro João Luis Ferreira o trem atracava em Timon. Embarcavam mais passageiros. Depois vinha a estação de Caxias. Quando o trem chegava lá, parava para descer passageiro e mercadorias. A meninada gritava anunciando roletes de cana, bolo-frito, laranja, milho verde... A estação parecia uma feira.. Muitos meninos ficavam com o troco do freguês porque não dava tempo entregar o dinheiro pela janela na hora que o trem dava a partida.





O trem tinha duas classes de passageiros: primeira e segunda. Isso funcionava no preço das passagens, que o empregado da estrada de ferro saia picotando dentro dos velhos vagões. Na verdade as acomodações de uma classe ou de outra era quase a mesma coisa. Todo mundo chegava a São Luis queimado de fuligem e de brasa, que espirrava da chaminé do trem. Mesmo assim era bom viajar rebocado pela locomotiva.

Eu mesmo viajei diversas vezes. Gostava de ouvir o chiado das rodas nos trilhos e o apito do trem de ferro. Isto me fazia lembrar a poesia de Castro Alves que dizia: “Agora que o trem de ferro acorda o tigre no cerro e espanta os caboclos nus”... Gostava de ficar ao lado de uma janela. O que me encantava era o movimento das árvores correndo, lá fora, juntamente com os bois e as aves. Tudo parecia um presépio em movimento. Quintais com bananeiras e mamoeiros, roupas nos varais, mulheres nas janelas.

Lembro-me de algumas cidades por onde o trem passava. Depois de Caxias vinha Codó, logo mais em frente Iparema, onde se fazia uma farinha d’água muita boa. Especial para se comer com carne seca. A última cidade antes de se chegar a São Luis era Rosário. O vai e vem do trem de São Luis a Teresina desenvolvia grande atividade comercial e cultural entre os dois estados do Meio Norte. Eu tinha um amigo que toda a semana levava verduras para a capital do Maranhão. Comprava as verduras no fomento Agrícola de Teresina. Chegando a São Luis vendia tudo no mercado do bairro João Paulo. No outro dia voltava trazendo outros tipos de mercadorias. Trazia também a farinha de Iparema que tinha freguesia certa.

Havia um maquinista de trem que tinha uma esposa em São Luis e uma amante em Teresina. E de viagem em viagem fazia as suas aventuras. Acontecia também que ladrões vinham de São Luis roubar e furtar em Teresina, de noite. E aproveitavam para fugir no trem de madrugada. De forma que o trem era um elemento muito importante na comunicação entre os dois estados.

O trem era a nossa ligação com o mundo. Trazia muitas mercadorias do litoral importadas da Europa. Vinham também os Circos importantes. Os que tinham no seu elenco: atores palhaços, trapezistas engolidores de fogo, mulher barbada, os que se apresentavam no globo da morte. Traziam muitos animais amestrados: zebras, elefantes, girafas, leão, macaco. Só faltava mesmo o Tarzam. Toda aquele beleza circense vinha nos vagões do trem Maria Fumaça. Depois o Circo desaparecia após quase um mês de espetáculo, deixando um estranho vazio na cidade.

Minha residência não ficava muito longe dos trilhos da estrada de ferro, e, também, não ficava longe da estação. Uma das primeiras coisas que notei ao viajar de trem foi a semelhança arquitetônica das estações: os mesmos arcos e a mesma cor nos rebocos. Havia em cada estação um telegrafista, para avisar os horários e outros acontecimentos imprevistos.

Houve uma época em que o estado do Piauí estava bem servido de ferrovias. Havia estrada de ferro de Teresina a Parnaíba, até o Ceará e Pernambuco. Mas as rodovias aos pouco foram acabando com os projetos das ferrovias. Todas as velhas ferrovias viraram sucatas, ruínas. O trem Maria Fumaça que deixou de usar lenhas ainda funcionou a óleo diesel por algum tempo. A ponte metálica de Teresina quando foi inaugurada não tinha estrado para passar carro. Possuía apenas a rede de dormente. E de cima da ponte podia ver -se lá embaixo as águas represadas em redor das pilastras. Mais tarde com o advento dos automóveis a ponte foi assoalhada para este tipo de veiculo passar.

Não demorou muito e as viagens regulares de trem entre Teresina e São Luis foram escasseando até desaparecerem por completo. Às vezes a gente via nos trilhos um trole solitário, empurrado geralmente por dois empregados da estrada de ferro. Ninguém sabia ao certo qual a sua missão. Pareciam até que estavam perdidos. A linha férrea ficou ociosa.

No Piauí um governador, engenheiro entusiasmado, deu na telha de aproveitar os trilhos e construir um metrô de superfície comprando velho vagões na Europa. Sofreu oposição de alguns setores da sociedade. Mas obstinado conduziu seu projeto até o fim.

O certo é que a estrada de ferro São Luis - Teresina tem uma história. E já houve pessoas que estando em São Luis sem dinheiro no bolso e precisando voltar para Teresina meteram os pés na linha do trem e atravessaram cidades à beira da ferrovia, cruzaram pontes estreitas, e desembocaram em Teresina. Com os pés inchados e as canelas doendo.
Com certeza, durante tanto tempo que o trem Maria fumaça, rodou, bufou, apitou, acordou o tigre no cerro e espantou os caboclos nus, deve ter criado em torno das cidades por onde passou algum folclore. Não é possível que esteja registrado apenas na música de Luiz Gonzaga e João do Vele. Talvez existam outras expressões culturais por aí ligada ao nosso trem de ferro Maria Fumaça. Como por exemplo: Tem boi na linha... Pois bem. Cheguei ao fim da linha. Vou abandonar este trem. Até a próxima viagem.
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o trem da foto é de Tiradentes,-Mg , que é parecido com o trem da lembrança do Geraldo. Os trens da memórias do Geraldo corriam no Mafuá e seus apitos nos acordava na cama, na rua Campos Sales de quando meninos sonhávamos...

a canção de que fala Geraldo

De Teresina a São Luís
Luíz Gonzaga
Composição: João do Vale / Helena Gonzaga





Peguei o trem em Teresina

Pra São Luiz do Maranhão

Atravessei o Parnaíba

Ai, ai que dor no coração



O trem danou-se naquelas brenhas

Soltando brasa, comendo lenha

Comendo lenha e soltando brasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa



Bom dia Caxias

Terra morena de Gonçalves Dias

Dona Sinhá avisa pra seu Dá

Que eu tô muito avexado

Dessa vez não vou ficar



O trem danou-se naquelas brenhas

Soltando brasa, comendo lenha

Comendo lenha e soltando brasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa



Boa tarde Codó, do folclore e do catimbó

Gostei de ver cabroxas de bom trato

Vendendo aos passageiros

"De comer" mostrando o prato



O trem danou-se naquelas brenhas

Soltando brasa, comendo lenha

Comendo lenha e soltando brasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa



Alô Coroatá,

Os cearenses acabaram de chegar

Meus irmãos, uma safra bem feliz

Vocês vão para a Pedreira

Que eu vou pra São Luiz



O trem danou-se naquelas brenhas

Soltando brasa, comendo lenha

Comendo lenha e soltando brasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa



Peguei o trem em Teresina

Pra São Luiz do Maranhão

Atravessei o Parnaíba

Ai, ai que dor no coração

O trem danou-se naquelas brenhas

Soltando brasa, comendo lenha

Comendo lenha e soltando brasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa



Alberoni Lemos Filho





O BECO


Alberoni Lemos Filho .

O Beco tem cinco bares, uma sapataria, uma relojoaria, três ou quatro escritórios de representação comercial, duas lojas de passarinhos, um depósito de tomates, outro de frutas e um jornal. O Beco tem comerciantes, cambistas, corretores, meninas de todos os tipos para todos os gostos, cachaceiros, oficiais de justiça, agiotas e mais alguns. O Beco tem mais: tem caloteiros, tem filantes de cigarros e cachaça, jornalistas, operários, o Beco tem tudo – o Beco tem alma, tem vida.


Parece até que o Beco é uma entidade à parte, algo com vida independente, alheio ao drama comum dos mortais. Os dramas do Beco são só deles, sem nada a ver com o que se passa no resto da cidade. Assim também são suas alegrias, compartilhadas por todos, por toda essa irmandade que tem no Beco um segundo lar, ou quase isso - e quantos só tem como lar o próprio Beco?


Tristes dos que não conhecem o Beco. Tristes também daqueles que não conheceram os mais gloriosos dias desse pequeno trecho de rua, época em que reinavam figuras humanas do porte de Juraci, do Pedro Pereira de Sá (que alguns conhecem como Pedro Pombo), da Zelinda e até do Milady.


É bem verdade que ainda há muitos remanescentes. Freqüentadores fieis do Beco ainda aí estão, firmes fregueses do Tião, pioneiros do Beco. Temos Rui Taqui - Ema, o imortal Comandante, o onipresente João Candido, seu Cardoso, o Carrapeta, seu Moura, sem esquecer o Biá, o Jesus, o César, o Pinheiro, o coronel Heitor, também conhecido por Parente, tantos, tantos.


O Beco ainda é bom, embora lhe faltem certos ingredientes: cadê a Osmarina, fonte de intermináveis debates, pivô de fúrias e ciúmes? Sumiu a Osmarina, restam coisas outras que ainda fazem palpitar o Beco. Pois não temos seu Benedito dos tomates, fanático flamenguista? E o seu Sampaio, coração enorme pronto a arrebentar os dentes dos fregueses que abusam de sua paciência? E o Tião, homem de paciência infinita, a suportar bêbados e fiados?

Resta - nos irmãos, muito ainda do Beco.

E mais: os que chegaram agora e se maravilham com a alegria das pessoas do Beco, com o canto de mil e um pássaros que dão mais vida e colorido ao Beco. E bem pertinho, a presença da Justiça, materializada pelo Tribunal, e também o parque das crianças, que é o Parque da Bandeira, onde a inocência, longe de fazer contraste com o ambiente do Beco, dá-lhe mais vida ainda. Entre os que chegaram agora temos seu Eliseu dono do bar que hoje ocupa o precioso espaço da velha boate Senzala, de saudosa memória. Quem mais? Ora, seu Nonato. Tolo como tantos outros simpaticamente dão crédito à velha guarda do Beco.

Puxa. Não há jornal que agüente todas as pessoas do Beco. Imaginem as histórias.
Uma delas repetidas quase todos os dias: o comandante pede ao Tião o crédito de uma cachaça, o que é recusado. Inútil: a cachaça é servida, para nunca dos nunca ser paga.

Há histórias outras, muitas, envolvendo quase todos os nomes do Beco, mesmo aqueles que o abandonaram, como a Osmarina, já citada, Dr. Ribamar, o também doutor Victor Aguiar. Mas restam muitos dos antigos, aos quais se juntaram os novos, como o já citado seu Nonato, misto de quitandeiro e boêmio, e o também citado seu Eliseu, aborrecido com o cheiro de fuçuras deixadas na rua. Outros: a Marlene, simpática garçonete de seu Eliseu: o deputado Nogueira filho, dono do jornal, mas infelizmente ainda não contaminado pelo espírito do Beco: Vanderley Barbosa, já quase diplomado na escola que é o Beco.

Há mais E Menos.

Há mais histórias – histórias de brigas e amor, pintadas de cachaça, e cerveja sinuca e dominó. De menos, a presenças dos que abandonaram o Beco.

Conheça o Beco, irmão. Mas vá devagar, olhando apenas. Não se atreva a pedir fiado logo de saída. Nem olhe para as pessoas do Beco como gente de outro mundo. São pessoas comuns, que só querem viver em paz. E acima de tudo não olhe para o beco com os olhos de turista. O Beco, irmão, é apenas um lugar onde as pessoas são humanas.
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O Piauinauta, vez por outra dá pra topar com essas preciosidades. O Espaço Sideral tem desses mistérios.
Crônica de Alberoni Lemos Filho do arquivo litrário de Geraldo Borges.
Desenho: Alberoni by Arnaldo Albuquerque
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Alberoni foi um dos talentosos jornalistas do Piauí da Geração de 70. Como se pode perceber nesta belíssima crônica, estilo impecável, descrição limabarretiana da urbana Teresina de então. Morreu jovem, vítima de ser avançado no seu tempo. Era um enorme prazer ouvi-lo, mesmo depois da voz enrolada por várias cachaças que nunca, testemunhei, atingiam a lucidez das idéias.
O Beco ficava por trás do Mercado Velho, numa rua em que se vendiam gaiolas e passarinhos. lembro do Bar do Tião, no qual tive um dia desses com Geraldo Borges, ouvindo Alberoni. Mais velho do que eu, na época, era muito parecido com o desenho feito pelo Arnaldo. (Edmar)

Alberoni: a foto



No espaço sideral é assim. A dobra do tempo é uma forma de viagem. Depois de postar a matéria acima, me chega uma foto do Alberoni e seu inseparável cigarro.

Foto: não-sei-de-quem.

Fonte: Arquivos Implacáveis de Kenard Kruel. Assim como o desenho da crônica. Tenho uma linha direta com a Kenard Kaverna...

USINA ONÍRICA

Cineas Santos
Consta que, no Piauí, houve um governador – o nome não me ocorre agora - que não podia dormir sem que isso acarretasse despesas extras para os contribuintes.O homem, atestam alguns, sofria de megalomania galopante. Mal madornava, já sonhava com projetos faraônicos, que seriam risíveis não sangrassem as burras do Estado.Eram iniciativas mirabolantes: navios para navegar rios secos, máquinas de arrancar toco, hortas em telhados, caiação de asfalto ou elevados ligando a prepotência ao populismo desenfreado. Mas deixemos isso ao julgamento da história, que o objeto dessa arenga é outro.
Peço permissão aos meus três leitores para relatar um sonho, nada grandioso, mas, ainda assim, capaz de gerar conseqüências. Noite dessas, sonhei que atirava uma pedra com um prosaico bodoque (alguém aí ainda se lembra disso?) e derrubava um gavião que planava livre nas alturas. Sonho tolo, politicamente incorreto e improvável: as poucas vezes em que atirei pedras com bodoque, que nós chamávamos “badogue”, o máximo que consegui foi acertar o dedão da mão direita, experiência bastante dolorosa. Ao acordar, me dei conta de que faz uns cinqüenta que não vejo um bodoque. Naquela madrugada não consegui mais dormir pensando nos badulaques, brinquedos, brincadeiras e práticas que, em menos de meio século, saíram de circulação. Foi aí que me ocorreu a idéia de arrebanhar o maior número possível de parceiros e criar o MUSEU DA CRIANÇA PIAUIENSE. Na manhã seguinte, disparei telefonemas em todas as direções e a idéia começou a ganhar corpo.
Paulo José Cunha, mestre Santana, João Cláudio, Zózimo Tavares, Cláudia Brandão, Isabel Cardoso, Biá, Amaral, Gabriel, Graça Vilhena, Edivaldo Nunes e todos os companheiros do projeto “ A Cara Alegre do Piauí” foram acionados em tempo recorde. Para nós, o Museu passou a ser prioridade. O alcaide Sílvio Mendes comprometeu-se a apoiar o projeto, independentemente do resultado da eleição.
O MUSEU DA CRIANÇA não será, como pode parecer à primeira vista, um simples depósito de brinquedos antigos ou bugigangas imprestáveis. Será algo vivo, dinâmico, vibrante e interativo. A molecada terá acesso não apenas aos brinquedos, mas às práticas, aos costumes e tradições das crianças do Piauí, da alimentação às mezinhas, passando pelas cantigas de roda, histórias de trancoso e tudo mais. O espaço será equipado com uma biblioteca temática: livros sobre o lúdico. Colocaremos à disposição de professores e alunos de Teresina toda a bibliografia disponível sobre o assunto. No espaço haverá também lugar para oficinas, cursos, práticas recreativas e, principalmente, brincadeiras, muitas brincadeiras.
Irmãos e irmãzinhas, está lançada a idéia. Quem tiver, em casa, algum brinquedo antigo, quem souber a letra de uma cantiga de roda, quem tiver disposição para ajudar que se credencie. O Museu terá o tamanho da nossa disposição para realizá-lo. Será a nossa contribuição para que essa geração, que dorme e acorda mergulhada nas salas de bate-papo , nos vídeo games, nos jogos eletrônicos, tome conhecimento de uma época em que brincar não era necessariamente sinônimo de consumir. Mãos à obra, irmãos
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Mestre Cineas brincando de sonhar. Mas aposto, com quem valer, que ele ganha a brincadeira...(Edmar)

astronauta seresteiro

Edmar Oliveira


Sabem daquela canção do Gil?: "Poetas, seresteiros, namorados, correi / É chegada a hora de escrever e cantar / Talvez as derradeiras noites de luar..." Armstrong tinha acabado de pisar na lua e Gil previa o início da pós-modernidade, onde já não teria lugar para os sonhos dos românticos. A tomada da lua pelos homens no espaço arrancava das liras dos poetas aquele luar que embalava a poesia.
O ministro tinha razão: "Momento histórico / Simples resultado / Do desenvolvimento da ciência viva / Afirmação do homem..." Anunciava assim o fim as grandes narrativas que constituíam o homem moderno. A natureza deu lugar aos deuses, que se fizeram um só no monoteísmo, deus que se tornou rei na monarquia, rei que foi destronado pelo povo na república, povo que ficou egoísta nas nacionalidades e no racismo, raça que se ergueu classe no proletariado, movimento abalado na derrubada do muro de Berlim. E perdidas as grandes narrativas que balizavam o homem moderno, na afirmação do homem na pós-modernidade ficamos sós...
E nesta solidão do individualismo pós-moderno nos assalta a dúvida da encruzilhada. Seguir em frente significa a barbárie. No desvio do caminho podemos tentar sonhar alguns momentos diferentes.

Juro a vocês que olho pra lua e vejo o Piauinauta tocando banjo.
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endereço da imagem sem indicação de autoria

by Latuff


endurecer sem perder a ternura





desenho e foto de Latuff: o político e o poeta em dois tempos

canto em teresinês



Edmar Oliveira


das carnaúbas da minha terra

quase em disco de cera escutei

minha bandeira verdamarela

carnaubei palmeira bela

no porenquanto dos meus momentos

morrurubú de tantos ventos

gregoriei de água e vela

aprofundei minh'alma nela

cidade em rio mergulharei

crispim do mar que nunca erra...


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não é neologismo, é dialeto....