quinta-feira, 30 de julho de 2009

floriano


Esta edição sai com o atraso de uma semana por motivo de força maior. O Piauinauta, entrando numa dobra do tempo, ficou retido em Floriano, Piauí, na companhia de Flávia Regina, Michelãngela e Aldemis. Na foto, o rio Parnaíba em Floriano e o restaurante Flutuante, onde jantamos neste dia...



SEM SERVENTIA

Edmar Oliveira




Desde o princípio a fecundidade se fazia pelo masculino na fertilidade, no totem e no tabu. Desde as primeiras inscrições rupestres o homem da caverna destacava o pênis como símbolo da reprodução da vida. Freud criou quase que toda sua teoria em torno dele. A herança se organizou pelo masculino e possuir mulheres era a certeza da prole na transmissão do patrimônio. E assim se constituía o mundo com desvios machistas da pior qualidade. Mas era assim e não assado a organização jurídica, executiva e judiciária. As mulheres brigaram pelo voto, queimaram o sutiã em praça pública, galgaram profissões antes masculinas e partiram para a igualdade com os homens, até lhes suplantando em várias frentes. Mas nós, machos, ainda tínhamos o princípio da organização da vida com a nossa participação XY, com a qual éramos fazedores de homens e mulheres com o XX delas.





Mas os cientistas vivem de sacanagem – e aqui pra mim foram as cientistas – e fizeram, em laboratório, qualquer célula tronco (deles ou delas) produzirem o espermatozóide! Já não é da nossa exclusividade esse mistério que nos faziam importantes diante delas. Daqui a muito pouco tempo – anunciam – o esperma masculino não será necessário para produzir a vida.





Eu não sei como ficam Freud, a igreja, a organização civizatória das teorias sociológicas, com essa novidade escandalosa. Eu, que já dobrei o Cabo da Boa Esperança, mas ainda provo das especiarias, já fiz minha parte na responsabilidade dos meus filhos. Mas eles ou meus netos, os masculinos, vão se sentir um pouco sem serventia num futuro próximo...

Fim de mundo




Graça Vilhena




Dentro das casas

humildemente

o dia se dissolve

no bico das chaleiras




cadeiras obedientes

ensaiam danças

nas calçadas

e a moça espalha

sobre um bordado

uma possível felicidade.

O homem e o menino

Geraldo Borges





O homem caminhava por uma calçada de uma cidade grande, iluminada, cheia de vitrinas. E de sombras. Era uma noite de frio. Estava sem agasalho, sem luvas, sem chapéu, exposto ao inverno. Tremia.



De repente virou o rosto para o lado da rua e viu um carro vermelho estacionado, sem ninguém dentro, no meio de tantos outros carros de várias cores. Aproximou-se dele e enxergou pela janela, em cima do banco da trás, um agasalho. Por que aquele objeto estava ali se não tinha ninguém dentro do carro. Nesse caso estaria sobrando. Olhou para um lado e outro. Luz e sombra. Pessoas apressadas dirigiam-se para suas casas, corriam para pegar ônibus. Vitrines piscando os preços das mercadorias. O agasalho piscou.



O homem de repente ouviu uma voz dentro dele. Pega uma pedra, um tijolo e quebra a vidraça da janela do carro, apanha o agasalho, teu corpo está precisando dele. Não fica tremendo deste jeito. Seja homem.



O homem vacilou. Deu um passo em frente. A voz insistiu. Deixa de covardia, homem de Deus. Olha aí um tijolo. O homem olhou e viu um tijolo, uma pedra de bom tamanho. Curvou-se e agarrou-a com firmeza. E com força quebrou a vidraça da janela do carro e a luz se fez. Pegou o agasalho. E com um gesto calmo, sem culpa, cobriu-se. Ninguém viu. Eu vi. Mas não disse nada. Eu estava sonhando. Ele também me viu e pensou em correr.. Ouviu sua voz dizer, não corra. Continue calmo como se não tivesse culpa de nada.



Lá na frente ao dobrar a esquina viu um menino de rua, maltrapilho, deitado, tiritando em cima de velhos jornais. Nesse momento o homem ouviu a sirene da Policia. Longe. Mas não se abalou Na cidade toda hora a sereia da Policia dispara. Olhou de novo para o menino e viu seus olhos verdes, como os dele e não se conteve. Tirou o casaco de lá e o cobriu com todo o cuidado e desvelo. O som da Policia cresceu em seus ouvidos, Ele pensou em correr. A voz disse, não corra. O que aconteceu já aconteceu. Uma sirena passou em minha rua e eu acordei.

BODE BIKE






Climério Ferreira




O homem leva o almoço
Para um passeio na ponte
O pré-churrasco em alvoroço
Se encanta com o horizonte

Bandeiras...

Ana Cecília Salis




Vou sim,
Vou-me embora para Pasárgada..
Vou atrás dos sonhos inocentes de Bandeira
E vou levar a minha...
Tão colorida quanto dessa mesma inocência...

Vou-me embora,
Vou para lá...
E vou deixar-me por aqui,
Para só levar o que em mim insiste em sonhar...

Vou para Pasárgada
Vou catar pedras à luz do dia...
só as que brilharem,
Vou correr, sem nenhuma pressa, por todos os verdejantes
pastos que encontrar...
Vou beber água...
Lá vou beber água.

Vou para Pasárgada,
E vou dar risada do burro brabo de Bandeira,
Vou rir um dia inteiro!
Vou colocar meus pés no chão descalço...
E vou respirar fundo...

Vou para lá...
Vou amar um homem
E não vai doer...
Vou mirar-me no espelho olhar desse homem
E vou me reconhecer...
Vou vestir-me de seu olhar
E enfeitar a minha alegria
Vou nele acreditar,
Vou sim...
E que seja lindo por um único dia...

Lá vou dormir serena...

Vou plantar a lua

E vê-la cair do pé, em pencas...

Com elas,
Vou saciar a fome,
Mordê-las à exaustão
E enxugar a boca
Com as folhas de uma palmeira

Vou para Pasárgada
Tocar muros castelos,
Encostar-me às úmidas paredes
E fazer-me princesa...
Filha do rei...
Lá também vou ser a filha de um rei!
Um qualquer soberano senhor de si mesmo.

Vou para Pasárgada
E cobrir-me a alma
De sossego
E vou despir-me de qualquer dúvida
Vou curar-me a dor...

Vou à Pasárgada
Lá,
Vou chutar baldes...
Cuspir marimbondos...
Lavar-me a mágoa...
E não vou ferir ninguém.

Vou para Pasárgada,
Com Bandeira vou atrás...
Aprender as flores
E das cores,
Juntar-me à líria paz...

1000TON


Participação de 1000TON no Salão de Humor do Piauí.

Amizade

Juarez Montenegro


Cheguei sem avisar, exausto, em sua casa...
a fome era maior que a trouxa da viajem –
um pássaro sem céu por falta duma asa,
um bolso sem tostão, um talo sem ramagem!

Cheguei para ficar! Tão só e sem coragem –
um vil celibatário ao certo não se casa...
A rabugenta fé despiu-me de bagagem...
voltei sem levitar... inválido pra NASA!

Mas logo se me fez a cálida leveza
da santa piedade e casta realeza
pilastras e umbrais da hospitalidade...

Aceito como sou, cuidado pelo amigo,
abri meu coração... curei-me dum castigo –
perdi, na exaustão, o medo da amizade!

o meu amor pelo sertão


Teresa Cristina


Era pela manhã... Eu olhei as flores de uma rama de maracujá que subia numa latada bem em frente a minha casa. Estive em silêncio, só conhecendo o tom das cores.
E uma felicidade brotou em mim; não careço definir o que senti. Não tenho porque gritar que amo! Há em meu espírito, uma cor de flores, de sabores matutinos dentro de mim, apesar de ser quase entardecer. Não namoro o tempo.
Quero é gritar ao mundo da primavera no sertão. É tanta poesia na natureza que ela só pode estar em festa. Mas sei que não há primavera aqui... Há apenas um doce sabor no ar... de flores dos cajus vingando... de brotos de manga... de goiabas maduras... do cheiro da terra em minha alma.
Que me digam do mistério da música dos canários, dos sabiás, dos bem-te-vis... Até do canto do riacho quando suas águas descem nas encostas dos morros. Como irei pedir uma explicação da mata ser tão verde a meus olhos?
Estou a alguns passos da serenidade da vida. Tenho certeza! Meu corpo já singrou mares, percorreu estradas, cruzou ruas, dobrou esquinas que nos separam da maioria de nossos sonhos e me encontro bem frente à porta da entrada de minha casa... Em meus olhos há toda essa beleza de meu sertão.
Venho ao raiar do dia falar de amor... do meu amor... do nosso amor pela vida.
Mas algo preciso dizer: Ama o sertão que ele vai abrigar teu olhar a cada amanhecer...

Perfume de Resedá

Paulo José Cunha



"naquele tempo

a cidade ria

e acolhia o delírio de seus doidos de estimação

zé honório jaime-doido paca-preto nicinha

manelavião joaninha dondon

doidos respeitados e queridos

doidos mansos

bem assentados

na sala de minha avó

comendo pão com café

e contando histórias fabulosas"



..........



"e foi deste sangue

deitado no chão

de são pedro a jerumenha

pelas bibocas de morros

e brocotós de serras

que se moldou uma nação

agora apascentada

uma nação

de homens simples

mulheres de voz alta

e poetas suicidas



e miram-me desde ontem

os matutos rebeldes do jenipapo

os seus cajados e foices

machados e lazarinas

facões de arrasto e coragem"



_______________

Estes dois fragmentos acima foram retirados de "Perfume de Resetá", uma poesia épica que conta a estória afetiva da Nação do Phyauí. O livro, em edição primorosa da Oficina da Palavra do mestre Cinéas, contém as lembranças de nós piauizeiros, de um tempo já perdido que só na memória pode reativar a existência legítima de todos nós. Digo que, por obrigação, o povo da nação de Mandu tem de ir ao encontro do seu passado nas deliciosas páginas deste livro. Leitura obrigatória. Quero agradecer ao meu irmão Paulo José por fuxicar minhas memórias e fazer sangrar os olhos da emoção. (Edmar)

SUBMUNDOS

Keula Araújo

Uns submundos meus
Ainda os desconheço
Uns medos, uns rancores
Uns receios
Uma lembrança vívida
De um passado morto

Onde enterro, Deus? Onde
Enterro
Que não me saia essa mão
Embolorada
A me agarrar os tornozelos?

tunel do tempo



Quando conheci, pessoalmente, o Netto de Deus, em Curitiba, descobri como a nação Phyauí era pequena. Ele me disse que morou ao lado da casa do Dr. Solfieri (que viria a ser meu sogro) e conhecia as famosas filhas do médico e professor do Liceu. Disse mais: que minha futura cunhada Teresa passava as férias na sua casa em Campo Maior (era a primeira amiga de sua irmã Rosângela). E para provar o que disse, indo ao SALIPI deste ano, deu um pulo até Campo Maior e sacou essa foto do álbum de família. O tempo passa rápido, mas a fotografia segura nossa memória...

Canção Ecológica Infantil





Edmar Oliveira


A princesa do Greenpeace
Povoou o brejo e o charco
Sempre que beijava um príncipe
O transformava num sapo

Em cada beijo um sapinho
Sassaricava no brejo
Um coaxar ecológico

E a princesa feliz
No seu fazer natureza
Cuidava dos homens sapos
Felicidade em beleza

Como os sapos todos
Eram machos e sempre mais
Sem a fêmea não faziam
Brejo habitado por moças

Foi um príncipe habilidoso
No seu fazer amoroso
Quem mudou toda essa história

No momento em que virava
De homem, já quase um sapo
Sua língua, sendo de sapo
Encantou tanto a princesa
Num beijo que demorou
Mais muito tempo que outros
De modo que o encantamento
Fez da princesa sapinha

Para o encanto e coaxar
De todo sapo do brejo...

Joga tudo na Geni





1000TON









BUANA! BUANA!Depois de 25 anos de Ditadura militar até nossos dias, esta era a saudação dirigida a Sarney, em Brasília, principalmente pela, hoje, oposição.



Representada pelos demotucaníacos, essa nau dos desesperados, permanece sem propostas e sem discurso, naufragando-se em acusações e crises fabricadas, que acabam enlameando eles próprios.



Então (olha só a sacação, heim?), vislumbrando uma grande virada, talvez mesmo um golpe, resolveram apresentar para os brasileiros, quem ? Nada mais, nada menos, do que aquela “desconhecida” figura, que todo mundo conhecia... Este mesmíssimo Sarney que aí está: o coronel latifundiário, o aristocrata fisiológico, o lobista em causa própria, o mama-nas tetas-do-poder, o guloso distribuidor de privilégios para familiares e apaniguados... Ham-ham! Ham-ham!



Cáspite! Lamentável! Que horror! Como chegamos a esse ponto?



Na porno-mídia-chanchada, estampado está, nas manchetes dos Globo, Veja, Folha, Estadão e quejandos, todo o passado ignóbil desse ilustre cidadão, que privava da intimidade do finado-patife Roberto Marinho.



Engrossando o caldo, na tentativa de derrubada da Múmia Maranhense, atualmente nos braços da situação, a elite sanguessuga-azul, tenta, a todo custo, até agora sem sucesso, triscar na barriga polpuda, digo, na popularidade barriguda do nosso Lulinha, esse arrogante-pau-de-arara-ignorante-fanfarrão, que teima em aparecer para o mundo, representando a nossa raça amada brasileira, da qual ele não é, e nunca foi, um fidalgo.



Já antevejo o medo que a Regina Duarte voltará a sentir com a proximidade das eleições, acompanhada pela Ana Maria Brega, a Hebotox Camargo, a Dora Kramer e a Lúcia Hipólito:



“Ai, que meda!” Gritarão em uníssono, soltando um traque molhado, borrando as calcinhas. Isto acontecerá num programa do Jô, é claro, o qual, ao sentir o cheiro, exclamará para a platéia:



“Quem aí está com a mão amarela ? Eu não estou !... “



Tudo bem, o Marajá do Maranhão, o Estado mais pobre do país, era UDN, apoiou a Ditadura, virou ARENA, virou PDS, virou PFL, apoiou o Collor, apoiou o Itamar, apoiou o FHC, apoiou a reeleição do “Iluminado”, faltou pouco parar no DEMO, virou PMDB, e hoje caiu no colo dos partidos que apóiam o governo.



Agora, a demotucanada que provou, e continua provando da rapadura do Sarney, sentindo-se corneada, cuspir, jogar pedra, jogar bosta no coitado do Bigodudo, eu até entendo...



Mas, setores do PT, tratá-lo, como aquela Senhora da conhecida anedota, assim também é demais !...



Vamos a ela:



Um cara, depois de tomar todas, resolveu dar uma passadinha na zona. Porém estava tão mamado, que acabou batendo na porta da casa de um amigão dele, morador próximo das casas de mulheres da difícil-vida-fácil.



A mãe do amigo veio abrir a porta e ouviu do pinguço:



Putz! Que puta mais velha e feia, sô ! O amigo, que estava em casa, escutando aquilo e reconhecendo a voz do outro, exclama:



Pô ! Mas essa aí é a minha mãe!



Ah, é !? Então eu só vou comer em consideração...



Pano rápido.

o bom, o mau e o feio



The Good, the Bad and the Ugly (Il Buono, il Brutto, il Cattivo) Clássico bang bang spaghettii dirigido por Sergio Leone, estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach. Três homens em conflito com trilha sonora de Ennio Morricone. Interpretado pela Ukulele Orchestra of GB. Essa é pra ficar o dia inteiro assoviando.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Química do Amor



Edmar Oliveira

Esses cientistas maravilhosos e suas descobertas voadoras aprontaram mais uma. Publicaram em revistas científicas de crédito acertado que, no nível bioquímico, secretamos substâncias da paixão. A descoberta da ocitocina num ser, combinada a lá-não-sei-o-quê do outro provocam paixões furiosas. Insinuam mesmo que, num futuro próximo, comerciaremos a paixão nas farmácias, que já nos fornecem um comprimido “azul-da-cor-do-mar” se uma outra deficiência erétil se apresenta. O problema é que a minha paixão por aquela morena só se concretiza se ela também tomar da droga prescrita no consultório do Dr. Love. Ou a gente toma um chope e pergunta ao que seria nossa cara metade: - “vamos tomar uns comprimidos de paixão antes de pedir outro?”
Eu não sou de duvidar das vantagens das pílulas da facilidade. Pelo menos ao que diz respeito à pílula azul o desembaraço pode facilitar, se já deixamos de ser comandados pelos nossos corpos cavernosos. A fúria dos vinte não chega aos sessenta. Mas se precisa de vontade e muita. É essa parte, que não tá no controle da pílula, que mais comanda o ser humano numa pequena diferença ao animal. Por mais que a neuroquímica evolua não deposito minha fé nas moléculas milagrosas. Antes delas, ou melhor, elas só fazem efeito na minha vontade em que os acontecimentos são provocados. E não adianta tomar pílula quem não tem vontade de namorar. Essa coisa de um gostar do outro não está nos manuais da neurociência. Tá inscrito naquele canto de olho, num “em comum” que nem se sabe o quê, até mesmo escrito nas estrelas. Essa magia da paixão não se encontra nas pílulas, mas nas vontades das emoções que salta de um para o outro sem controle algum...

Monark


Graça Vilhena



aquele menino
na sua Monark
um craque

andava soltando as mãos
só com a roda traseira
um pé na sela
e os olhos em mim

foram as primeiras lições
sobre os perigos do amor


___________
foto: Wilker Marques

O sonho de um soldado

Geraldo Borges




Sonhei que tinha completado dezoito anos. E estava na idade de ir para a guerra, Vestia uma farda verde oliva, calçava botinas reúnas, que no principio me fez muitos calos. Entregaram-me uma metralhadora, um bussola, uma mochila, cheia, estufada, um cantil e uma pá para eu cavar uma trincheira. Eu olhava de lado, pedindo ajuda e não via ninguém. Nem um companheiro, para comigo formarmos uma dupla, diminuirmos o abandono e a solidão.

De repente vi um soldado. Olhei melhor, era um capitão, de bigode, pêra, e chapéu de três bicos e estrelas bordadas nas ombreiras. Ele começou a me dar ordens. Dizia, você vai abrir uma trincheira, vai ter de ser aqui à margem desta estrada. Quando o exército do inimigo passar você abre fogo. Eu respondia, sim, meu capitão. E como nos sonhos pouco se pensa. Perguntei, e o senhor o que vai fazer? Ele disse, eu vou ficar de olho com o meu binóculo, vendo o movimento do exercito inimigo, lá de cima do morro, debaixo de uma árvore frondosa. Cada inimigo que você matar eu registrarei nesta caderneta de campanha para depois registrar no meu diário.Quanto mais inimigos matar mais medalhas você ganhará. É isto aí. Comece a cavar que eu estou indo para cima do morro.

Parecia um pesadelo. Como é que eu ia cavar naquele chão duro, sozinho, apenas com uma pá. O capitão começou a subir o morro. Desesperado, comecei a cavar pensando que estava cavando a minha própria sepultura, um tumulo para um soldado desconhecido. Um soldado só contra uma companhia. Eu daria apenas o primeiro tiro. Logo eles saberiam a minha posição, e eu estaria frito, um tatu morto dentro do buraco... Como é que eu ia cavar naquele chão duro cheio de pedregulhos nas terras da Itália. Comecei a ouvir o som das botas dos passos dos soldados inimigos, e tive mais medo ainda. Mas continuei cavando, pensando em me esconder dentro do buraco, e desobedecer as ordens do meu capitão. Dei vontade de despertar. Este negócio de estar dormindo não é bom. Mas eu não conseguia. Meus pais sempre me falavam você já está na hora de sair de casa, cuidar de sua vida. Pelo menos sentar praça, depois se engajar, passar no quartel o máximo de tempo que puder, e se especializar em alguma coisa. Depois quando der baixa ter ao menos uma profissão para viver. E agora eu ia morrer. O exército pode nos oferecer muitas profissões, mas parece que a profissão principal do soldado é aprender a matar sem remorso, basta acertar na mosca.

Continuou cavando. Estou com a farda toda molhada, o corpo ensopado. Tive que beber toda a água de meu cantil. Os passos das botas dos meus inimigos estão cada vez mais próximos. Olho para cima do morro aqui de baixo. Lá está o meu capitão de binóculo em punho na frente dos olhos azuis, parecendo uma pintura me vigiando. Por que diabo ele não está aqui ao meu lado? Eu sei que vou morrer. Não era isso que minha mãe queria. Sim. Sei que vou morrer. Mas, com certeza, antes daria alguns tiros. Vou matar algumas criaturas de Deus antes de me mandarem para o inferno. Ou quem sabe posso até escapar, acordar com o estampido dos primeiro disparos. E me livrar deste pesadelo. O exército inimigo está em minha frente. Engraçado, a farda deles também é verde-oliva. Deu-me uma profunda impressão, que somos aliados, que eu sou um deles. Apenas me desgarrei, e eles estão me procurando. Embora já esteja instalado em minha trincheira não tenho coragem de disparar a minha metralhadora neles. É suicídio na certa.

O que vou fazer? Já estou decidido. Vou atirar no meu capitão que me deixou aqui sozinho. Deponho as armas e me entrego ao inimigo. Esta é a melhor opção que eu faço enquanto não acordo. Apoio a minha metralhadora na beira da trincheira, ajeito a alça de mira e aponto para o morro. Ouço uma voz de comando dizer no meu ouvido. Fogo. O alvo é a cabeça do meu capitão. Estilhaço o binóculo e o crânio dele. E acordo com o coração pulando, aliviado de ter escapado de uma guerra.

+ 2 Quadrinhas

Climério Ferreira





A PONTE DO DESEJO

O querer constrói um arco
Sobre o abismo do nada
Onde navega de barco
Uma paixão inventada






HAJA VISTA

Ávida de olhares
A pétala da flor
Espalha pelos ares
Cheiro e cor




da dor

Ana Cecília Salis

Indecência...

A dor que sinto
não é humana...
E só porque não consigo
fazê-la falar.

hai-kai

Teresa Cristina

Povoa o agreste
Logo nas primeiras chuvas
Quando já morria

Plebéia

Keula Araújo

Princesa de coisa nenhuma
Anda nua pelos terreiros
Onde algum herói ou algoz
Virá te seduzir

Princesa de ninguém
Do carinho falso e barato
A que se entrega

Vende teu reino
A preço de banana
E foge ainda a tempo
De consumir o pouco
(em delírios)
Desta vida que te resta

NO DIA QUE MICHAEL JACKSON MORREU EU ME IMOLEI NAS RUAS DE TERESINA



Durvalino Couto


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A morte de Michael Jackson me arrebatou de tal forma que só fui senti-la no dia seguinte.

Trabalhei feito o cão no dia seguinte à morte de Michael. Um trabalho gostoso. Desde 9 da manhã até o final da tarde saí com a equipe de externa da agência de propaganda onde trabalho e mais dois casais de modelos lindos, eles e elas. Um filme de uma ótica e de oferta de óculos esportivos. Uma das modelos era particularmente linda e fiquei me divertindo dirigindo-a no meio da rua, enquanto carros passavam e olhavam, invejosos, para o que fazíamos. Lembrei de Ezra Pound e do "ronronar das antenas sensíveis". Mas queria ficar logo à frente da tela de um computador para ver os desdobramentos da morte de Michael Jackson all over the world, coisa que só consegui fazer quando o dia já era noite.

Coisas previsíveis: salvei algumas fotos, como a do cover de Michael em Pequim, fãs colocando flores na porta da embaixada dos States em Moscou ou crianças da cidade onde ele nasceu, em Indiana, colocando singelos ursinhos de pelúcia na porta da casa onde ele passou a infeliz infância. Fui ficando comovido. Chorei ao ouvir um trecho de Music And Me, e a coisa foi pegando.

Tinha o aniversário de um velho amigo para ir. A festa ia ser na casa de minha filha e minha ex. Mas quando vi um pessoal dizendo bobagens, minha filha se aprontando para ir ao show de Ivete Sangalo logo mais, fui me sentindo estranhamente sozinho, o homem mais sozinho do mundo. Minha filha, de repente, não tem nada com isso e os interesses dela são outros, tudo bem.

Saí à francesa e vim para casa, antes passando numa revenda de cerveja para comprar umas três. Cheguei lá e o rapaz que toma conta estava chorando. Pensei que era por causa de Michael, mas ele tinha acabado de ser assaltado. Um menino que não parecia pobre desceu de um carro e botou um revólver nos peitos dele. Levou pouco mais de cem reais. O rapaz do depósito, antes de ligar para o patrão, teve a dignidade de ir à farmácia ao lado e depositou a quantia roubada na conta do chefe – daí ligou para o tal, que o reembolsou. Fiz um discurso: por que esse filho da puta não bota um segurança armado aqui e lhe deixa sozinho assim? Ele botou a mão no meu ombro, chorou mais um pouco e me agradeceu.

Aí fui para um bar-lanchonete do tipo trailler que costumo ir, tem uma garçonete que espero comer, ela é linda e espero que me perceba. Cheguei lá e estava passando o Globo Repórter Especial sobre Jackson. Aí eu já estava bêbado mesmo e comecei a vociferar. Coisas como Sarney deve estar soltando rojões, só assim a nação esquece dele. Berrei que Michael morreu porque foi a maneira mais rápida que encontrou para pagar todas as dívidas. As pessoas começaram a ficar irritadas. Insisti e berrei sou mais o Ronaldinho, filho de pobre come tudo. Um cara começou a berrar também e passou a rebater minhas loucuras. Berrei que quando Michael veio ao Brasil não foi para os Jardins em Sampa ou a Lagoa no Rio, mas para o Pelourinho na Bahia e para o Morro de Santa Marta, favelão carioca; até o tráfico parou. Percebi que o cara estava num pé e noutro para levantar de onde estava e me dar uns sopapos. Paulo, o garçom, ao trazer mais uma, segredou só pra mim, por que você não leva essa pra tomar em casa?, você está queimadão. Parece que acordei, paguei e me mandei.

Em casa percebi que lá dentro, dentro do mais profundo de nós, sabemos de todos os impulsos que levaram Michael ao fim, nós sabemos, chegamos mesmo a conhecer intimamente. Mas não somos nenhum Kubla Khan do show bizz. Um Cidadão Kane. Chaplin pelo menos gostava muito de mulher e se divertiu a balde durante toda a vida. Ele ficou puto porque não conseguiu arrastar para a cama a atriz que fez a cega em Luzes da Cidade, chegou a ensaiar várias atrizes para substituí-la.

Daí fui ouvir a música que mais gosto do disco Thriller, que é justamente a última, a baladona The Lady in My Life.

There'll Be No Darkness Tonight
Lady Our Love Will Shine
Just Put Your Trust In My Heart
And Meet Me In Paradise, Girl
You're Every Wonder In This World To Me
A Treasure Time Won't Steal Away

So Listen To My Heart
Lay Your Body Close To Mine
Let Me Fill You With My Dreams
I Can Make You Feel Alright
And Baby Through The Years
Gonna Love You More Each Day
So I Promise You Tonight
That You'll Always Be The Lady In My Life

Lay Back In My Tenderness
Let's Make This A Night We Won't Forget
Girl, I Need Your Sweet Caress
Reach Out To A Fantasy
Two Hearts In The Beat Of Ecstasy
Come To Me, Girl

And I Will Keep You Warm
Through The Shadows Of The Night
Let Me Touch You With My Love
I Can Make You Feel So Right
And Baby Through The Years


Even When We're Old And Gray
I Will Love You More Each Day
'Cause You Will Always Be The Lady In My Life
Stay With Me
I Want You To Stay With Me...

Ouvi meio que chorando até dormir. O cara era um puta músico, como um bom músico pode perceber. O cara era um músico divino e maravilhoso. Cada arranjo do Quincy Jones em Thriller é de uma precisão avassaladora, não é à-toa que é o disco mais vendido no mundo. O cara é apenas uma grande vítima do produssumo de que fala Décio Pignatari (estudem), quantidade é qualidade, etc.

Ainda assim, não teria coragem de comprar uma camiseta preta com a silhueta de Michael Jackson e a frase A LEGEND NEVER DIES. Não consola, não diz tudo. E isso é tudo.

Gravura

Ricardo Borges


"A" Michel não foi só um monstro



Aderval Borges




O alto mercado de artistas que se expõem o tempo todo é cruel, vampiresco. Não só nos isteitis, mas principalmente lá. Temos agora o desfecho final de mais um dentre tantos: "a" Michael. Na verdade, já estava morto há um bocado de tempo. O coração ter apitado ontem foi para ele - e para o público de maneira geral - um alívio. Incrível pensar que aquele monstro mórbido dos últimos tempos, tão parecido com os personagens dos contos de Lovecraft e de Poe, dos filmes expressionistas de Murnau e Robert Wiene ou com a figura do quadro "O Grito", do Edvard Munch, tenha sido, há coisa de 20 anos, um dos mais completos artistas de palco da música popular norte-americana. Sua transformação autodestrutiva se deu publicamente, passo a passo, constituindo-se no derradeiro e indefinido espetáculo sem direito a repeteco. Entre os mais novos, ninguém é capaz de associá-lo às belas canções que compôs. A que ficou de maneira mais marcante talvez tenha sido Thriller, espécie de autoironia à própria transformação de pretenso Peter Pan embranquiçado em um monstro deformado e de rosto encoberto.

São numerosos os casos dos que embarcaram na síndrome autodestrutiva do mercadão: Chet Backer, Hendrix, Joplin, Corbain, etc. Incluem-se nessa vasta lista também nossa multitalentosa Carmem Miranda e Prince, o sucedâneo de Michael Jackson, que ainda não morreu mas se tornou uma ameba. Me vem à cabeça uma revista - não sei se já era a Rolling Stone nacional - do final dos anos 60, na qual li uma entrevista com Jim Morrisson que muito me impressionou. Ele era então um o jovem cantor/letrista de uma nova banda, cujos integrantes ainda nem tinham o rock como prioridade e cujo único sucesso, até aquele momento, era o compacto Light my fire, que tocava muito nas inocentes brincadeiras dançantes nas garagens das casas. Morrisson dizia, com convicção, que os Doors durariam, quando muito, uns dois anos e, tão logo acabasse, voltaria a fazer o que mais gostava: cinema.


Dois anos depois, os Doors acabaram, sim, porque Morrisson se acabou. Daquele sujeito novinho com repertório acima da média dos roqueiros, cuja entrevista ponderada e equilibrada eu lera dois anos antes, sobrara o cadáver de um sujeito inchado e sem voz, cujas últimas exibições foram mijar em público sobre as mesas dos restaurantes de Paris. Quando concedeu a entrevista, tenho certeza de que não planejara para ele próprio tal desfecho.

Desencontro

Edmar Oliveira

Não farei castelos
Embora um fosso se faça
Neste território

um soneto

Geraldo Borges



Soneto não é dor de cotovelo
Muito menos uma emoção qualquer
Embora elabore-se com zelo
Não precisa paixão e nem mulher.

Basta um lápis papel e uma mesa
E uma palavra tece outra palavra
E um pouco de talento e sutileza
Vai o poeta cultivando a sua lavra.

Pode falar de azul e de horizonte
Uma aldeia perdida ao pé da serra
Olhar de perto o que se vê distante.

Fingi que o mar é um céu estrelado
Não ser herói porem amar a guerra
E com um soneto ser condecorado.

cláudia & bianca



Vi no Espaço Rio Carioca a apresentação deliciosa de Cláudia Castelo Branco e Bianca Gismonti. Duas pianistas que se completam de forma maravilhosa. No fim uma canja do Chico César. As meninas são demais... O disco chama-se "Gizbranco".

REX

Paulo Tabatinga


Rex

Era muita putaria

Mas ficava sério

Para passar filme de semana santa.

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só quem viveu Teresina entende o Paulo...

Túnel do Tempo



Av. Antonino Freire,Teresina, em 1942(A Igreja São Benedito já se destacava na sua imponência). Flagrante da passagem do dirigível Zepelim usado no patrulhamento da costa brasileira na Segunda Guerra Mundial. O quê ele fazia tão dentro do interior do Estado não se sabe. Subiu o Parnaíba pelo delta na trilha dos feníncios(depois eu conto essa história)...
Foto: Guilerme Müller. Acervo: Aureliano Müller. Subtraído do blog "Algumas Leituras" de Fernanda Dino.