quinta-feira, 9 de julho de 2009

O sonho de um soldado

Geraldo Borges




Sonhei que tinha completado dezoito anos. E estava na idade de ir para a guerra, Vestia uma farda verde oliva, calçava botinas reúnas, que no principio me fez muitos calos. Entregaram-me uma metralhadora, um bussola, uma mochila, cheia, estufada, um cantil e uma pá para eu cavar uma trincheira. Eu olhava de lado, pedindo ajuda e não via ninguém. Nem um companheiro, para comigo formarmos uma dupla, diminuirmos o abandono e a solidão.

De repente vi um soldado. Olhei melhor, era um capitão, de bigode, pêra, e chapéu de três bicos e estrelas bordadas nas ombreiras. Ele começou a me dar ordens. Dizia, você vai abrir uma trincheira, vai ter de ser aqui à margem desta estrada. Quando o exército do inimigo passar você abre fogo. Eu respondia, sim, meu capitão. E como nos sonhos pouco se pensa. Perguntei, e o senhor o que vai fazer? Ele disse, eu vou ficar de olho com o meu binóculo, vendo o movimento do exercito inimigo, lá de cima do morro, debaixo de uma árvore frondosa. Cada inimigo que você matar eu registrarei nesta caderneta de campanha para depois registrar no meu diário.Quanto mais inimigos matar mais medalhas você ganhará. É isto aí. Comece a cavar que eu estou indo para cima do morro.

Parecia um pesadelo. Como é que eu ia cavar naquele chão duro, sozinho, apenas com uma pá. O capitão começou a subir o morro. Desesperado, comecei a cavar pensando que estava cavando a minha própria sepultura, um tumulo para um soldado desconhecido. Um soldado só contra uma companhia. Eu daria apenas o primeiro tiro. Logo eles saberiam a minha posição, e eu estaria frito, um tatu morto dentro do buraco... Como é que eu ia cavar naquele chão duro cheio de pedregulhos nas terras da Itália. Comecei a ouvir o som das botas dos passos dos soldados inimigos, e tive mais medo ainda. Mas continuei cavando, pensando em me esconder dentro do buraco, e desobedecer as ordens do meu capitão. Dei vontade de despertar. Este negócio de estar dormindo não é bom. Mas eu não conseguia. Meus pais sempre me falavam você já está na hora de sair de casa, cuidar de sua vida. Pelo menos sentar praça, depois se engajar, passar no quartel o máximo de tempo que puder, e se especializar em alguma coisa. Depois quando der baixa ter ao menos uma profissão para viver. E agora eu ia morrer. O exército pode nos oferecer muitas profissões, mas parece que a profissão principal do soldado é aprender a matar sem remorso, basta acertar na mosca.

Continuou cavando. Estou com a farda toda molhada, o corpo ensopado. Tive que beber toda a água de meu cantil. Os passos das botas dos meus inimigos estão cada vez mais próximos. Olho para cima do morro aqui de baixo. Lá está o meu capitão de binóculo em punho na frente dos olhos azuis, parecendo uma pintura me vigiando. Por que diabo ele não está aqui ao meu lado? Eu sei que vou morrer. Não era isso que minha mãe queria. Sim. Sei que vou morrer. Mas, com certeza, antes daria alguns tiros. Vou matar algumas criaturas de Deus antes de me mandarem para o inferno. Ou quem sabe posso até escapar, acordar com o estampido dos primeiro disparos. E me livrar deste pesadelo. O exército inimigo está em minha frente. Engraçado, a farda deles também é verde-oliva. Deu-me uma profunda impressão, que somos aliados, que eu sou um deles. Apenas me desgarrei, e eles estão me procurando. Embora já esteja instalado em minha trincheira não tenho coragem de disparar a minha metralhadora neles. É suicídio na certa.

O que vou fazer? Já estou decidido. Vou atirar no meu capitão que me deixou aqui sozinho. Deponho as armas e me entrego ao inimigo. Esta é a melhor opção que eu faço enquanto não acordo. Apoio a minha metralhadora na beira da trincheira, ajeito a alça de mira e aponto para o morro. Ouço uma voz de comando dizer no meu ouvido. Fogo. O alvo é a cabeça do meu capitão. Estilhaço o binóculo e o crânio dele. E acordo com o coração pulando, aliviado de ter escapado de uma guerra.

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