domingo, 23 de agosto de 2015

APARTHEID CARIOCA




(Edmar Oliveira)

A prefeitura do Rio resolveu tirar 700 ônibus, que trafegam pela zona sul do Rio de Janeiro, de circulação. Que na zona sul há uma quantidade muito grande de ônibus circulando, quem mora aqui já sabia há muito tempo. Contra a escassez do subúrbio, onde num ponto de ônibus se espera uma eternidade, é notória a quantidade excessiva de ônibus circulando com um confortável vazio na privilegiada zona sul. O subsídio do governo, para compensar prejuízos, colocam os ônibus para rodar. Qualquer aplicativo mostra que os ônibus que circulam dentro da zona sul não demoram cinco minutos de intervalo entre eles. Portanto, nesses não se tem quase tempo de espera. Que o excesso de ônibus atrapalham o fluir do trânsito também já se sabe. Até aqui embarcou Neves. A princípio concordei com a diminuição dos ônibus.

Mas examinando o plano da prefeitura fica mais claro o motivo de tirar os 700 ônibus de circulação. Não vão diminuir a frotas dos ônibus circulares internos que, como supus no início, aumentaria a espera para dez, quinze minutos razoáveis. Não senhor! Esses continuarão excedendo! O plano da prefeitura pretende acabar com 70 linhas de ônibus, que ligam o subúrbio a zona sul, ou passam pela zona sul para ir ao centro da cidade.

Isso mesmo, com a desculpa de melhorar o trânsito e melhorar a circulação de carros e de bicicletas, o que se esconde é o ISOLAMENTO maior da zona sul do resto da cidade. Reparem que a proposta coloca os pontos finais da zona sul na Central do Brasil, no Maracanã, na Rodoviária, por exemplo. Quem mora no subúrbio terá que fazer baldeação para entrar na maravilhosa orla da zona sul. Quem sabe não se está pensando em diminuir os arrastões e a frequência de suburbanos na praia já para o próximo verão e nas olimpíadas? E a polícia ainda pode montar uma barreira nos pontos de baldeação para fazer uma “triagem” de “potenciais” criminosos.

Esta é uma nova proposta de “apartheid” do nosso alcaide. No Porto Maravilha circulará os Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs). Do centro para a zona sul algumas linhas de ligação. E a Cidade Maravilhosa será resumida no acontecimento da revitalização do Porto Maravilha somada com sua integração à zona sul. No Porto o processo de gentrificação já expulsou os antigos moradores para a revitalização de um centro comercial e de novas moradias (o velho edifício de “A Noite”, na Praça Mauá será um hotel ou moradias de luxo). Na zona sul os alugueis e operações de compra e venda subiram tanto, que se torna proibido para novos ascendentes do subúrbios. Como em Paris, quem está dentro não sai, quem está fora não entra mais. E o resto da cidade pode ficar no abandono que ninguém quer ver.

Lembrei da inauguração da Linha Amarela, que liga o subúrbio à Barra da Tijuca. Tem um caríssimo pedágio, único pedágio urbano do país, para dificultar a entrada dos suburbanos na Praia da Barra. E na época, uma socialite (diabo é isso?) reclamou do preço: estava muito barato para impedir a invasão da praia dela no final de semana.


Enfim, a atual prefeitura capricha no "apartheid" da Cidade Maravilhosa. Ela fica menor e separada. O resto é Cidade Horrorosa! E como disse o poeta: para o subúrbio até o Cristo Redentor está de costas.





Salgado Maranhão

desenho: Gabriel Archanjo

21)
É a bravura de tuas ancas que poliniza 
os olhares; que acende a cidade e seus
corações em farrapos. Na claridade que

se desnuda para assaltar teus tesouros.
Tudo que vive te revida. Até mesmo os
náufragos com os mastros de suas 
embarcações afundadas. Não chamarei 
a noite para te vestir de recato. Antes,
venderei meu grito à tua seita de orgasmos;
antes, virão convergir em tuas ancas
todos os que respiram fogo. Para que
teu atávico exale em mim.


SALGADO MARANHÃO
(Do livro Avessos Avulsos).

Piada pronta

(Edmar Oliveira)

Um parlamentar estadual fluminense tentou passar um projeto que punia, com altas multas em dinheiro, a quem fizesse pilhéria com assuntos da religião. Chegou a citar o caso da travesti que se fez crucificar na parada gay e o massacre do jornal francês Hebdo Charlie por fanáticos muçulmanos. Ou seja, o nosso fundamentalista tupiniquim sinalizou que, com a índole do nosso povo, não mataremos, mas penalizamos em dinheiro as nossas ofensas, assim como eles não tem perdoado o dízimo dos seus fiéis.

Chega a ser bizarra a política em nosso país. Elegemos bancadas evangélicas fundamentalistas que querem instituir as suas crenças nas legislações para tornar o comportamento social de uns poucos em regras sociais, afrontando de forma imbecil o estado laico. No caso do fundamentalista carioca temos a impropriedade de uma lei estadual ferir a constituição do país, assumindo na legislação local competências da legislação federal.

O que passa na cabeça do fundamentalista religioso como homem público? Confundir Assembleia Legislativa com Assembleia de Deus?, sem aqui querer me referir à religião com esse nome e já correr o risco de ser multado. A cabeça do pastor só pensa no dízimo, quando propõe uma pesada multa para evitar as atrocidades cometidas por radicais muçulmanos no atentado francês? Os cartunistas, que ganham tão pouco ou nada quase, seriam multados por fazer uma charge em que satirizam uma religião? Não vou contar aqui aquela do padre, por que a Guarda Estadual pode me multar!


Tenhamos a santa paciência, mas esse parlamentar perdeu o decoro na casa do povo. E Deus tá vendo, ele usar seu santo nome em vão. Ou será loucura de Deus deixar solto um parlamentar assim? Ops, se o projeto fosse aprovado eu poderia ser multado em 270 mil reais por ter proposto botar esse Deus numa camisa de força. Se eu não tenho esse dinheiro, seria preso? Tudo para escapar dos muçulmanos que chacinaram os piadistas do Charlie Hebdo? O parlamentar insinua que o nosso pastor não mata em nome da fé, mas aceita propina!  

__________________
Charge de Iotti em http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2014/09/iotti-politica-e-religiao-4588972.html

Antônio Máximo e a lei abortada do parlamentar fundamentalista:


CAVALGADA


Quando a crina do animal 
Encrespa-se ao vento morno
Há a certeza de possuir-se

As rédeas do mundo

O mundo sobe e desce 
Levando consigo paisagem e gente
No quadro completo que se vê
Sob o ritmo preciso do trotar

Os pés contornam o vazio
Mantendo o montante preso ao montado
Ambos unidos num equilíbrio
Efêmero e arriscado

As coisas são ultrapassadas
Ao sabor dos passos compassados
Do animal sob a provocação
Do cavaleiro ao sacudir as bridas


(Climério Ferreira)

Vaqueiros do Piauí

Paulo Barros abrilhanta o Piauinauta com novo ensaio fotográfico. Desta feita ele fotograva o vaqueiro do Piauí. Um documento especial de uma profissão em extinção. Mas a couraça resiste ao tempo, aos espinhos à chuva, ao calor. O cavalo é a extensão do cavaleiro encouraçado. Os detalhes dessa vestimenta primorosa estão nos lances que só um fotógrafo é capaz de captar. Muito bom o trabalho, Paulo! (Edmar)














Código de Doenças de Nordestinos

Recebi dos meus irmãos, que não saíram de Teresina, uma relação de doenças que só acometem aos nordestinos. Uma espécie de catalogação, tipo um CID 10 (Código Internacional de Doenças – décima edição). O CID 10 cataloga as doenças de todos os viventes deste planeta, mas não abarca as enfermidades que só acometem aos nordestinos. Como esta é uma folha bairrista não vou fazer uma tradução mais literal para o entendimento de quem não é nordestino. Mas se você souber o que significa pelo menos três ou quatro diagnósticos dessa lista das doenças dos nordestinos, possa ser que você tenha condições de se comunicar no nosso idioma, que fica muitas léguas de distâncias do português brasileiro. Mas num arrepare nas doenças da gota serena, que só alcançam o cristão batizado em cuia de padre da quermesse.

Sem encompridamentos, nem falatório de força maior, passemos ao jaculatório do Código de Doenças de Nordestino, o nosso CDN para o conhecimento geral:


 CDN- CÓDIGO DE DOENÇAS DE NORDESTINO:

ISPINHELA CAÍDA
DOR NOS QUARTOS
PÉ DISMINTIDO
MOLEIRA MOLE
QUEBRANTO
TOSSE DE CACHORRO
DOR NO ESTOMBO
FARNIZIM
PASSAMENTO
CACHINGAR
FRIEIRA
COBREIRO DE PÉ
PEREBA
CURUBA
REMELA NO ZÓI
DORDÓI
GASTURA
MARIA PRETA
TERSOL
DOR NO PÉ DA BARRIGA
DOR DE VIADO
BODE
MORRÓIDIA
IMPINGE
PILÔRA
PANO BRANCO
XANHA
CATARRO NOS PEITO
ESTALICIDO
BICHEIRA
FININHA
ALÔJO
ÍNGUA
COCEIRA NAS VIRIA
BICHO DE PÉ
EMPACHADO
FASTIO
DOR NO ESPINHAÇO
BUCHO QUEBRADO
DENTIQUÊRO
CALO SECO
UNHA FOFA
PÉ INCHADO
PAPOQUINHA
CORPO REIMOSO
MUCUIM
ZOVIDO ESTOURADO
ÁGUA NA PLEURA
BERRUGA
OLHO DE PEIXE  
SETE COURO
CORPO MUÍDO
BARRIGA FAROSA
DIFRUÇO  
GÔTO   
ENTÔJO
DENTE PÔDI
MÔCO
PÁ QUEBRADA
CADUQUICE
VISTA CANSADA
OS QUARTO ARRIADO
ESPINHA CARNAL
PAPÊRA
CATAPORA
BARRIGA D'ÁGUA
BROXADA
FRANZINO
IMPALUDISSE
ISQUISITISSE
DOENÇA DOS NERVO
OMBRO DISMINTIDO
QUEIMA NO ESTOMBO
ESTOMBO IMBRUIADO
JUÍZO INCRIZIADO
FERVIÃO NO CORPO
CAMPANHIA CAÍDA
ESMORECIMENTO NO CORPO
BROTOEJA
DESENCHAVIDO
PITO FROUXO
ISCURICIMENTO DE VISTA
RACHADURA NOS PÉ
PAPOCA ROXA
OS PEITO ABERTO
LÊNDEA
PIOLHO
PIRA
TISGA
INFRAQUICIDA
VENTO CAÍDO
FRACO DOS NERVO
ESPORÃO DE GALO
BICO DE PAPAGAIO
LANDRA INCHADA
DOR NAS COSTAS QUE RESPONDE NA PERNA
PAPOCA D’ÁGUA
DOR NAS TÁBUA DOS QUEIXO
DOR NAS CRUZ
DOR NOS BRUGUMI
MAL JEITO NO ESPINHAÇO
INTALO
INTANGUIDA
DIFULUÇO
DOR NAS CADEIRA
SAPIRANGA NOS ÓI
RUÇARA
DOR NA JUNTA
MONDRONGO
INQUIZILA
PÉ DURMENTE  
ESQUENTAMENTO
VERMÊIA
CESÃO
CARNE TRIADA
NERVO TORTO
DOR NO MUCUMBÚ
SOLITÁRIA
TOSSE DE CACHORRO DOIDO
CARAOLHO
ESQUECIMENTO
ASTROSE E ASTRITE
SAPINHO
ENTOJO
PAPEIRA
TIRISSA
LUNDU
COQUELUCHE
COBREIRO
ISCOLIOSE
NÓ NAS TRIPA
ALGUEIRO
ESTOPOR
GÔGO
UNHEIRO
BOQUEIRA
CALOMBO
DORMÊNCIA NUMA BANDA DO CORPO
ZÔVO GÔRO
MURRINHA
CANSAÇO NO CORAÇÃO
JUÊI DISMANTELADO
ZÓIO NUVIADO
VAZAMENTO (CAGANEIRA)
ÁGUA NAS JUNTA
RESGUARDO
ZUMBIDO NO ZOVIDO
INTUPIDO 
MUFUMBA
SOLUÇO
FÍGO OFENDIDO
VÊIA QUEBRADA
CHABOQUE DO JOELHO ARRANCADO
QUEBRANTE
VENTO CAIDO
OVO VIRADO
CUSTIPIU
CUSTIPIU DE PINOTE
NELVO A FLÔ DO PÉ

Se você já foi acometido por três ou quatro dessas enfermidades, com certeza você nasceu no nordeste e sobreviveu porque é um cabra da peste!




Deoclécio Dantas

(Geraldo Borges)

Deoclécio  Dantas está morto, não obstante ser imortal. Agora vai entrar para o reino da ficção, ser lembrado com saudade pelos seus pares da Academia, amigos da infância, parentes e familiares.

Aproveito esta crônica para recordar o nosso tempo de menino na Rua Campos Sales  Éramos amigos de infância,.amigos de tomar banho no rio Poti: no Porto do Gregório, no porto do Meduna. Um luxo que os meninos de hoje não se dão ao prazer, amigo de jogar bola, pelada, na rua Palmeirinha, perto da avenida Miguel Rosa, próximo do corte do trem de ferro.Deoclécio Dantas era o dono da bola, no sentido literal, denotativo, e era quem nomeava o time.

Time esse que não existe mais,  está desfalcado. Pois a maioria  dos jogadores, nossos velhos amigos da infância já viraram ficção, memórias póstumas. Por enquanto, restam alguns,  que estão assistindo os seus companheiro saírem de campo. O pior e que esse time não tem reserva; um por um, vamos dizendo adeus à torcida. Uma vez por outra me assusto com a noticia  de um companheiro, que recebeu cartão vermelho.

Foi o que aconteceu  no dia 10 de agosto desse ano com a morte de meu amigo Deoclécio Dantas. De súbito o seu passamento me fez retornar à infância, à velha Rua Campos Sales de uma arquitetura tão diferente de hoje, onde as casas eram apenas de residências, com quintais cheios de arvores frutífera, cadeiras nas calçadas, e aqui e ali, em uma esquina, havia uma quitanda, ou um quiosque, com uma garapeira. E  se ouvia de madrugada o apito do trem. A rua ficava repleta de vozes infantis, meninos  empinando pipas, papagaios .Deoclécio era um pouco mais velho do que o resto da meninada.As vezes chegava dirigindo um  caminhão de seu pai,  e nos levava a passear. Teresina ainda não   estava organizada com  sinais de trânsito; tinha mais burros e carroças do que carro. Lembro – me que o motor do carro de seu pai pegava à manivela, era um velho GMC. A Rua  Campos Sales mudou, nos também mudamos através das estações da vida. Pelos jornais fui acompanhando a biografia do Deoclécio, até a sua entrada para a Academia Piauiense de Letras, na sua luta pela imortalidade. E o resto e silêncio nesse mundo de som e fúria.


Cantiga para Teresina



me abraças e tremes

como pássaro ferido
e balouças
ramagem ao mais leve vento.
ouço teu coração
ou será o meu?
com passos naturais e definitivos,
vejo-te vagar em campos florescentes
na primavera de um cartão-postal
que nunca recebi.
ofereço a ti
a canção solitária
e solidária
dos que não sabem cantar
só sentir
só lutar.

(Carvalho Neto)

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domingo passado (16 de agosto) Teresina fez 163 anos. Cinéas Santos mandou essa singela homenagem do poeta Carvalho Neto. Foto de Aureliano Müller.

CHUVA


(Natan Sousa)
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do livro Mosteiros (Penalux, 2015)

domingo, 9 de agosto de 2015

Morreu na via férrea atrapalhando o tráfego...

desenho: Antônio Máximo

(Edmar Oliveira)

Adílio, 33 anos, uma detenção por furto, estava tentando mudar de vida e não sabia que iria ocupar o noticiário do dia quando resolveu pular o muro da Estação de Madureira, como fazem muitos, para não pagar a passagem. Apressado, não viu uma composição que o atropelou. O corpo ficou na via férrea, atrapalhando o tráfego – como diz o verso do poeta. Era tardinha do intenso movimento da volta pra casa. Os bombeiros demoram muito mais para aparecer no subúrbio. A empresa que administra os trens deu autorização para que o maquinista passasse por cima do corpo de Adílio para não haver atrasos piores do que já tinha sido causado pelo atropelamento. Por força desses hábitos modernos de filmagens com celulares, as imagens foram ao ar e “virulizaram” nas redes sociais, não podendo ser ignoradas na televisão em cadeia nacional.

Os estômagos embrulharam no jantar daquela noite, nos lares da zona sul, onde o trânsito para por atropelamento de cachorro. A empresa soltou uma nota em que garantia que o espaço entre o trilho e a composição permitia ao cadáver não ser incomodado. A desculpa era muito cínica para ser engolida após o jantar. O secretário de Transportes deu entrevista, indignado, numa atuação convincente frente às câmaras (embora no dia seguinte dissesse que a punição era da agência reguladora – essa excrecência que nada regulam – e que o governo era interessado no melhor serviço prestado, etc. e tal, conversa pra boi dormir como convém aos governantes).

Enquanto o vídeo feito por acaso circulava, mostrando o absurdo de um segundo atropelamento consentido, um jornal popular fazia uma enquete sobre o acontecimento. 60% dos populares entrevistados aprovavam a atitude da empresa para liberar o tráfego. Às favas com os escrúpulos, numa vida apressada, dos que querem chegar em casa para descansar um pouco e voltar ao batente. Dos que assistem a justiceiros em programas de televisão, pedindo o sangue de quem tem passagem pela polícia e está solto. Justiceiros que, travestidos de moral e ética duvidosa, amalgamam o pão do ódio de classe contra os pobres e pretos da periferia. Muitos concordam com eles para escapar da vala comum dos bandidos. Os homens da TV trabalham a perigosa separação entre homens de bem e do mal. Criam a permissão para a polícia matar sem necessário julgamento. Talvez o próprio Adílio estivesse nestes 60 % que aprovaram o atropelamento, se a vítima não tivesse sido ele. O jornal conclui que 39 % dos entrevistados não “concordavam com a atitude de passar por cima dele com um trem, mesmo com altura para não atingi-lo, por ser desrespeitoso”. A mim parece que desrespeitosa foi essa pergunta absurda.

E os trabalhos sociais concluem que temos uma população conservadora. Nada surpreende se entendermos que as concessões de TV estão entregues a apresentadores sensacionalistas, tresloucados e aprovando o comportamento absurdo de uma polícia fascista; a pastores que tiram os demônios das pessoas e vendem vaga no céu tomando dízimo de um minguado salário menor que o mínimo; de economistas liberais que atacam a distribuição de renda e incitam a competição com um prêmio inalcançável para a grande maioria; âncoras de noticiários tendenciosos, que tecem loas ao liberalismo e pregam uma diminuição do Estado, ainda o único instrumento que - quando em boas mãos - consegue prover saúde, e uma mínima educação a quem não tem nada. E teriam menos ainda com um Estado menor.

Foi por este conjunto de formadores de opinião que Adílio foi atropelado. E sabedora de que a mídia assim age, foi que a concessionária de trens soltou aquela nota. Acontece Adílios todo dia. Neste caso teve uma câmara indiscreta que “virulizou” nas redes sociais. Foi essa nova realidade das redes sociais que forçou o caso de Adílio virar notícia. Mas aconteceu semana passada. Já não é mais notícia, a concessionária não foi punida, o Estado se eximiu, a agência reguladora se fez de mouca. E a vida segue seu curso, como os trens o seu percurso.   






     

Naquele dia soube que o mundo acabara

Naquele dia soube que o mundo acabara
Não havia mais necessidade de vaqueiros
Os tratores arrastavam arados mecânicos
Máquinas espalhavam grãos automaticamente
De repente jarros de águas surgiam do nada
E os guinchos d`água rodavam enlouquecidos
As violas calaram para ouvir os discos
Os contadores de histórias silenciaram
Olhos e ouvidos voltaram-se para a televisão
Os cavalos pouco a pouco foram desaparecendo
Carros cortavam céleres as distâncias
As veredas iam ganhando asfalto
E as pessoas foram se mudando pra cidade
Pitando ele viu tranquilamente o fim do mundo
(Climério Ferreira)

TEMPOS MODERNOS

(Edmar Oliveira)

Acerca da polêmica do Uber, lembrei um episódio que me aconteceu. Desembarquei um dia no Santos Dumont e pequei um taxi. Durante a corrida o motorista tentou me vender CDs de bossa nova e sambas que ele gravava. Na oportunidade me dizia que as gravações, que vendia a turistas que chegavam ao Rio, lhe davam um lucro até maior que as corridas. Ele se orgulhava de apresentar a alma carioca aos turistas que chegavam. E não via nenhum problema na pirataria que fazia das músicas sem pagar direitos autorais. Deve ser um dos que protestam agora contra o aplicativo que tenta desregulamentar a profissão de taxista.

Aqui não quero ser contra nem a favor. Mas a desregulamentação do Estado é uma ambição predadora do liberalismo em última instância. As lojas de discos já fecharam, as livrarias estão fechando. O direito autoral do autor intelectual já acabou nessa desregulamentação pretendida pela internet. Já as carrocinhas gourmet fecham algumas lanchonetes. Vi numa reportagem que os americanos já inventaram um jantar particular. O dono da casa faz um jantar e aceita convites pré-pagos para a ceia com a bebida escolhida. E você janta com pessoas que nunca viu, na casa de quem também não conhece. A desregulamentação dos restaurantes virou moda por lá. Lojas de departamento cada vez mais atendem pela internet em detrimento das filiais físicas, que correm o risco de fecharem. Não é nenhuma surpresa que a desregulamentação atinja os serviços de taxis.

Não querendo estar na contramão do progresso, nem também apoiando os taxistas que prometem quebrar os carros que operam com aplicativo da Uber, como os operários fizeram com as máquinas no começo da revolução industrial, tenho minhas preferências, apesar de não serem tão modernas assim.

Não quero jantar na casa de ninguém. Quando saio da minha, prefiro um bom restaurante. Para bebericar ainda gosto das mesas na calçada, venda as modas passarem. Não sei ler livro ou jornais em tabletes ou celulares. Gosto do cheiro do jornal e de passar as páginas de um livro. Já tentei mudar esses hábitos, sem sucesso. Não gosto de baixar música na internet e ouvir num pen drive. Gosto da capa do disco, do encarte, de saber quem tá tocando ou quem fez os arranjos. Ainda uso e-mail, apesar de conhecer o facebook, o watsapp. Na cidade em que vivo não preciso de qualquer aplicativo para chamar um taxi. Chego à rua e estendo a mão. Brigam pra me levarem.

E gostaria que as coisas continuassem assim, pelo menos no pouco tempo que me resta. Ah, e este blog é para protestar contra os blogs.





Salgado Maranhão



19)
Seguir respirando o que o amor
não doou aos cupins.Eu que reino
inquilino de artérias e relentos,abro
essa constelação de sons e assins,
no lado onde a flor é fábula. E sigo
os corredores da cidade de palavras,
como se em mim fosse o nome das
coisas: o azeite e a costura que
torna o à parte, partiner. Porém,não
sei onde estocar a solidão dos sábados,
o grão ferido dos resistentes; também
o bem tem seus dentes.

SALGADO MARANHÃO
(Do livro Avessos Avulsos).

Conde Crápula por Gervásio


A mulher do olho de vidro

(Geraldo Borges)

Eu estava à porta da rua, em minha  casa, olhando as poucas  pessoas que passavam, esperando que alguma coisa acontecesse Nesse momento alguém atravessou a rua, e subiu a minha calçada tropeando nos buracos, e se aproximou de mim. Era uma mulher ordinária, suja, desgrenhada, usando óculos escuros. Pensei  em entrar em casa e fechar a minha porta. Mas, movido pela curiosidade, fiquei. Ela dirigiu – se a mim dizendo que ia me contar uma história.

Quem não gosta de ouvir uma história?

Pois não.

Começou dizendo que tinha um namorado. E que no começo tudo era um mar de rosas. Depois veio a procela. E claro que não usou  essas  metáforas . Na  linguagem oral.sempre se é mais direto Chamou o namorado de traidor, bandido. Antes ele era o mocinho. Dava – lhe  abraços e beijos, e a levava ao cinema e a outros lugares.

Agora lhe dera um murro na cara, bem num olho e a deixara  meio cega.

Dito isso,  levou a mão ao rosto,tirou os óculos e em seguida arrancou da cara um olho de vidro, e me mostrou  com a maior naturalidade.

Mais que de repente eu deixei a mulher com o seu olho na mão falando sozinha, e tranquei a  minha porta atrás de mim.

Com certeza, ela deve a essa hora, está abordando mais alguém, ao pé de uma porta dessa mesma rua solitária. Talvez contando a mesma história, ou  uma versão diferente.






Cercas do Piauí

Paulo Barros, fotógrafo piauiense, está fazendo um belo ensaio sobre as cercas que dividiram as propriedades, os limites de cada um, a vergonha de outros. Andando por esse imenso território, que começa bojudo no planalto central e se estreita em quase uma nesga para respirar o mar, Paulo mostra no seu trabalho as diferentes cercas que nos cercam nos quintais de nossa memória. Como ele vem publicando na internet algumas fotos do seu trabalho, trago aqui, mesmo sem pedir permissão, algumas fotos. O belo é pra quem precisa. (Edmar)












Oppenheimer por Máximo


O 18 Brumário de Oppenheimer
Robert Oppenheimer, judeu nova-iorquino, físico e pai do Projeto Manhattan. Resultado: Hiroshima, a 6 de agosto de 1945, e Nagasaki, três dias depois.
Há exatos 70 anos, portanto, Truman - que havia assumido a presidência dos EUA em abril daquele mesmo nome, em virtude da morte de Roosevelt, executor do projeto da bomba, estimulado por uma carta de Einstein que alegava temer que os alemães a produzissem primeiro – dizimava a cidade de Hiroshima. 
Não cabe o cinismo político. Ao que interessa, aqui nesta postagem, é o que Marx escreveu em “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, na análise do golpe de Estado do sobrinho de Napoleão na França de meados do século XIX. É um texto de referência com várias conseqüências, entre às quais o papel do indivíduo na História. E ninguém mais, na data de hoje, do que o físico Robert Oppenheimer encarnou o que escreveu um outro judeu, igualmente brilhante, também filho de alemães:
“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram.”
E a História que Oppenheimer fez, sob as circunstâncias da II Guerra, segundo suas próprias palavras – “tenho as mãos sujas de sangue” - o atormentou o resto da vida, a ponto de em 1954, no auge da caça às bruxas da era McCarthy, ter perdido a licença para trabalhar em programas secretos do governo Eisenhower, sob suspeição de comunismo. 
(Antônio Máximo)

Carlos Nascimento

Exibindo Poema Cor e Dor.jpg

THELMA


O Piauinauta compareceu ao lançamento de THELMA, novo romance de Luiz Horácio, no Rio de Janeiro. Horácio mora atualmente em Florianópolis, onde faz doutorado em literatura, e frequentemente colabora com esta folha digital.