domingo, 24 de abril de 2016

Edição especial




desenho: Odyr
O Piauinauta, em sua órbita observadora, sente em informar aos seus contatos aí na Terra que a Constituição Brasileira foi violada na votação de admissibilidade do processo de impeachment da presidente do país. O Piauinauda declara que não está defendendo a Presidente Dilma, que não está entrando no mérito dos que gostam ou detestam o seu governo. Apenas afirmando, aqui de cima, que a Constituição Cidadã está sendo maculada. E a violação constitucional, por mínima que seja, pode resultar em situações que não se pode prever.

Na dobra do tempo, assim aconteceu em 1964 e isto pode ser muito bem acompanhado daqui. A marcha por Deus, pela família e pela propriedade aconteceram na mesma dobra espacial lá no passado e agora. Impediram um presidente sem respaldo constitucional lá como agora. Até um golpista foi cuspido lá atrás como agora. Lá foram duas cusparadas. Daqui de cima mando uma outra pra empatar. Todo cuidado é pouco com o que virá a acontecer. No passado, um pouco mais à frente ao golpe, um ministro mandou “às favas todos os escrúpulos” e a ditadura ficou escancarada. O que começou com um pequeno arranhão à constituição feito em nome da democracia virou anos de chumbo. Logo ela, a democracia, maior vítima desse buraco negro.

Dedico esse espaço do Piauinauta desta quinzena, aos cartunistas, profetas e tradutores de uma situação complexa, onde faltam palavras.

Aos conterrâneos eu diria que uma brechinha no arcabouço constitucional para tirar a presidente, pode funcionar como aquela velha promessa de “só botar a cabecinha”. Grosseria de piauzeiro. Desculpem a franqueza, mas não vemos tradução maior para o perigo.




Dino Alves








Jota A








1000TON








Gervásio









Latuff












O velho Bob Cuspe do Angeli e Izânio







Quinho







Fernando Vasqs e Vitor Teixeira









Toni D'Agostini e Odyr



domingo, 3 de abril de 2016

A CARTILHA DA PETROBRAS



Millôr


(Edmar Oliveira)

Tenho um amigo que trabalha na Petrobras. Daqueles funcionários antigos e em extinção, que foi admitido por concurso público em outras eras e já perto da aposentadoria. Nós, antigos trabalhadores do serviço público, éramos conhecidos como servidores. Que encarávamos o trabalho como uma atividade de servir ao público e a nação. Já não se sabe mais o que é isso, pois estamos em extinção com a flexibilização das leis trabalhistas. Daqui a pouco vamos ter que também explicar o que é aposentadoria, já que ela vai ser extinta por aumento da idade permitida ou pelo pagamento irrisório que não permita as pessoas viverem de uma aposentadoria, o que ainda é um prêmio a dedicados servidores públicos para lhes permitir viver com o salário da ativa. Isto também vai ser tirado dos atuais trabalhadores terceirizados.

Mas voltemos ao meu amigo da Petrobras que ainda torce por uma aposentadoria das antigas. Um representante da atual diretoria da estatal fez uma reunião no departamento do meu amigo para entregar e discutir uma Cartilha Anticorrupção. Todo mundo recebeu a tal cartilha e o representante da direção tentava explicar o que era considerado corrupção. Desde receber dos fornecedores um chaveirinho, uma garrafa de vinho no natal ou uma agenda no começo do ano. O palestrante anticorrupção asseverava que esse pequenos agrados poderiam fazer do funcionário um corrupto no futuro. O meu amigo imaginava os diretores, hoje presos na Operação Lava Jato, que teriam iniciado sua carreira de corruptos recebendo um chaveirinho e hoje tinham milhões de dólares depositados na Suíça. Riu-se imaginando que um corrupto da Petrobras ficou tentado a abrir conta numa offshore quando recebeu a sua primeira garrafa de vinho. E que as agendas recebidas de presente serviram para listar os políticos para quem o dinheiro das propinas foi destinado. Ficou a matutar como a cartilha anticorrupção evitaria os ladrões no futuro.

Meu amigo pegou a sua cartilha e devolveu ao palestrante com a seguinte explicação: “levei muita surra do meu pai desde cipó de goiabeira, cinturão dobrado, e até de corda de couro cru trançada. O senhor não deve saber o que era essa corda, que nós conhecíamos como relho. De bater em lombo de animal. Aprendi que tirar goiaba no quintal do vizinho era errado. Meu caráter foi moldado pela moral de um velho nordestino – que sempre foi pobre – mas nunca pegou no alheio. Portanto eu não preciso da sua cartilha. Vá distribuir nos gabinetes dos diretores que fazem as licitações, embora eu não veja qualquer utilidade nessa cartilha. Os valores éticos se aprendem com a vivência. A corrupção é uma doença de caráter e desse mal eu não padeço. Por isso mesmo não vão me querer em altos cargos e nem os almejo. Passar bem!

   

Zika por Jota A.

Jota A.








Churasco por Izânio







Os olhos não calam


Os olhos costumam denunciar
Os nossos silêncios 

E não param nunca de dizer
O que calamos

Como uma ave sem pouso
Que perdeu o ninho

Ou como se os olhos falassem
Uma língua indomada

Ou pronunciassem um murmúrio de vento
Que antecede a tempestade


(Climério Ferreira)

Maribondos por 1000TON







Liceu Piauiense




(Geraldo Borges)


            Jamais esquecerei o Liceu Piauiense.  Nome mais fácil de pronunciar do que Zacarias de Góis, personalidade  que marca sua presença oficialmente no pátio do colégio, na figura de um busto de bronze. Talvez os estudante do Liceu  nem estejam tão atentos à sua  biografia.

Pois bem. O Liceu representa um momento importante na minha vida escolar. Conheci-o no seu período áureo, em 1952, quando  a Praça  Landri Sales era apenas um largo, cheio de arvores, grutas de pedra, uma áreas de capim onde a gente jogava futebol, e  era conhecida popularmente como “Baixa da Égua.” 

Nesse colégio, fiz  o exame de admissão ao ginásio.Tive como professor de educação física o  Al lebre; Cunha e Silva era  o nosso professor de história. Não dava nota baixa aos seus alunos. Ninguém era reprovado em história com ele. Seu livro predileto, recomendado era  Historia Geral de Antonio  José Borges Hermida.

Muitas figuras que ainda são lembradas na historia cultural piauiense foram meus professores.  Arimethea Tito Filho. R. N. Monteiro de Santana, Lapa, Lisandro, Chico Cesar. João Alfredo, famoso mestre em História da America. Terminou indo mais tarde para a Universidade. Não sei como ele conseguia pronunciar os nomes bizarros das cidades pré-colombianas  dos Incas,  dos Mais e Astecas.

 Havia uma singularidade no Liceu que eu ia me esquecendo. Quem passava com a nota melhor, logo no primeiro ano, recebia uma bolsa de estudo para o resto do   ginásio e o clássico ou cientifico  no Colégio Pedro Segundo.  Um colega nosso da rua Campos Sales conseguiu essa proeza.   
     
            O Liceu  encolheu-se à sombra cinzenta de seu prédio, em plena decadência. Agora, parece que ressuscitou. Está novinho em folha. Fizeram uma reforma em seu prédio. Aumentaram o numero de salas de aula e outras dependências. Consertaram  o telhado. O negócio é saber se vai funcionar a contento dos alunos e professores. Ou é só aparência. Nem sempre novas estruturas que dizer novas perspectivas. Que o novo Liceu está cheio de fantasmas do passado nesses tempos  aonde a escola já não é mais  risonha e franca, e os professores estão  quase sempre em greve, e os alunos  desmotivados. 

Estamos em pleno inverno, estação das chuvas no Nordeste. E as goteiras voltaram a aparecer no telhado do prédio do Liceu.





Cruyff por Máximo








QUEM TEM MEDO DA LUZ?




Semana Santa em Oeiras


(Rogério Newton)

Cheguei na última quinta-feira à noite a Oeiras no momento em que a Procissão da Fugida escapava pelo Beco de Antonio Gentil. Fui atrás, a tempo de vê-la chegar ao Rosário e entrar na igrejinha jesuítica. Perguntei-me por que me interessei em seguir os últimos instantes do cortejo. Deve haver alguma razão inconsciente ou afetiva. O certo, porém, é que vejo o poético na procissão.

O episódio me fez observar, a partir do meu próprio sentir, alguns aspectos religiosos da semana santa de Oeiras. Compartilho com os leitores, partindo do pressuposto de que possa encontrar quem se interesse por esse assunto. Se não, pulem de página. Só não pulem no meu pescoço para torcê-lo, pois o que direi aqui pode desagradar. Mas digo: é com sinceridade que o faço e com desejo de que possa auxiliar outros que igualmente procuram compreender e não simplesmente aceitar como “cláusula pétrea” o que a tradição nos legou.

Não acho que Cristo tenha fundado o cristianismo ou que Buda tenha fundado o budismo. Isso deve ter sido tarefa levada a efeito por seus seguidores. Portanto, a experiência profunda e os ensinamentos de Cristo parecem não ter vinculação necessariamente inspiradora com os rituais externos que se vêem na semana santa em Oeiras. “Os ensinamentos de Cristo – escreveu Bertrand Russel em 1930 -, tal como aparecem nos Evangelhos, tem tido extraordinariamente pouco a ver com a ética dos cristãos. A coisa mais importante sobre o cristianismo, do ponto de vista social e histórico, não é Cristo, e sim a Igreja, de modo que se formos julgar o cristianismo como força social, não devemos recorrer aos Evangelhos em busca de material”.

Se formos recorrer aos Evangelhos, estes colocarão muitas das práticas ditas cristãs em xeque-mate. Por exemplo, máximas atribuídas a Cristo, tais como “Vá, vende tudo e dê aos pobres”; “Não acumules tesouros na terra, mas no teu coração”; Não julgueis para não serdes julgados”; “Amai-vos uns aos outros”, não são seguidas com forte desejo pelo grosso de católicos e protestantes. A afirmação d’Ele segundo a qual a pessoa deve recolher-se para fazer sua prática espiritual, sem ser vista por outros, aponta para a natureza interna do desenvolvimento espiritual. É no íntimo do coração humano que está a fonte da divindade. Esse aspecto não constitui alicerce lógico para a espiritualidade de exibição pública, fácil de ser alcançada, mas que não tem nenhum valor, se restrita ao campo puramente externo da visibilidade e do espetáculo.

 Tarefa que exige espírito investigativo é compreender por que a Igreja faz a apologia da dor de forma tão dramática na semana santa. Não estou dizendo que o sofrimento não tem seu lugar na psique humana. O que estou querendo dizer, ou melhor, perguntar, é por que o catolicismo e procissões e rituais da semana santa de Oeiras celebram a dor com tanta ênfase? Será um ranço medieval? A fuga de Jesus perseguido (a mando da autoridade política mancomunada com a autoridade religiosa da época), seu flagelo na cruz e o canto de Verônica nas ruas históricas de Oeiras (“Caminheiro, que passai / por este caminho / parai um pouquinho / e olhai, por favor / se neste mundo existe / uma dor assim tão grande / como a dor de minha dor”) nos faz identificarmo-nos com o sofrimento. Talvez ocorra aí uma catarse aristotélica semelhante à das tragédias gregas. Até aí nada de novo, já que a catarse está presente na fábula ocidental, no cinema, teatro e televisão contemporâneos, nem sempre com objetivos edificantes. A pergunta que faço é se a catarse da dor tem efeito paralisante ou impulsionante? Se vai instilar no espectador o estímulo à submissão ou à ação individual para transformação espiritual interna e, por que não dizer?, para a atuação social e política consequente.

Junto com a dor, quase todas as procissões da semana santa renovam o velho e obscuro conceito de pecado. Se o leitor reparar bem, o pecado é um protagonista. Está presente nos hinos repetidos a não sei quantas gerações. Um deles afirma: “Eis-me aos vossos pés, grande pecador / por meus enormes crimes, perdoai Senhor!”. Parece um mantra distópico, constantemente lembrado, milhares de vezes entoado. Não me parece espiritualmente acertado nem psicologicamente estimulante repetir a todo instante: “sou pecador, sou pecador”. Isso deixa o ser humano vulnerável à fraqueza mental e à submissão de toda ordem. Não é melhor dizer: sou luz, sou filho da Criação? Tenho a potência dentro de mim, posso brilhar e ser feliz, para isto nasci?

Seja como for, há muito de subjetividade na experiência espiritual. A maioria das pessoas acha que do jeito como estão as coisas fazem sentido e é melhor deixar assim. Lembro, porém, que Hannah Arendt afirma em um de seus livros que mesmo Platão, em algum momento pontual de sua obra, indicou o uso do medo religioso para controle das massas. Então a coisa não é tão simples assim nem está restrita à esfera subjetiva.

Apesar de tudo, não me furtarei a entrar em algum cortejo religioso em Oeiras, se assim sentir vontade. As procissões são acontecimentos poéticos e fazem parte do jogo terreno e cósmico. Na próxima quinta-feira, haverá a famosa Procissão do Fogaréu. As ruas históricas da cidade ficarão tomadas pela luz de milhares de lamparinas. Parece um colar vivo e brilhante. Mas a trilha sonora diz exatamente o oposto, pois os sermões e os hinos lembram a todo instante que somos pecadores.

O medieval ranço do pecado devia ser banido e em seu lugar ficar só a Luz.


Procissão do Fogaréu, Oeiras