domingo, 27 de novembro de 2016

Professor Solfiere





Era um antigo professor do liceu piauiense. Não foi meu professor. Mas me deu uma lição, que passo agora a relatar. Coisa que não mais acontece nos tempos de hoje, tempo em que aluno não respeita professou e vice-versa.

 Foi aí pela década de 70.

Naquele tempo, acontecia muitas vezes, estudantes, da classe média, metidos a revolucionários, sair do conforto da casa de seus pais e ir morar no subúrbio de um bairro distante. Pois é. Sua filha Marcelina e o Edmar fizeram isso. E me convidaram para morar com eles. Cada qual entrava com contribuição necessária para a manutenção da casa.

Um dia o professor resolveu nos fazer uma visita. Lembro-me bem. Era um dia de sábado. Um dia bonito pra chover, como sé se diz no Piaui.

 Quando o professor chegou, a nossa casa popular, no conjunto Parque Piauí, acompanhado de outra pessoa, eu estava lendo dentro de meu pequeno quarto, que tinha uma rede, uma pequena estante com livros, lápis e cadernos, e uma mesa com uma cadeira.

Eu acho que eu lia um romance. Pois sempre fui devotado ao romance. O moço que vinha com o professor falou alto, fazendo talvez alguma observação sobre a casa. Nisso o professor me viu debruçado sobre as páginas de meu romance e disse, em tom abrandado para o seu acompanhante.

 Fala baixo o rapaz está estudando.

 Não acostumado com a deferência das pessoas mais velhas me toquei com o seu gesto. Ele não era m professor comum. Em qualquer lugar que estivesse deixava a marca de sua didática e pedagogia. Com ele, aprendi, naquele momento, mais relações humanas do que em todo o meu tempo de ginásio e colegial. Esse encontro casual sempre perpassa a minha lembrança, como um exemplo que dificilmente se repetirá no mundo de hoje.

(Geraldo Borges)

SNOWDEN




Fui ver Snowden. Oliver Stone transforma em suspense uma história real. Por isso o filme prende e até assusta com uns sustos típicos de Stone. Mas nos conta a história assustadora de como os EEUU montaram a rede de espionagem mais inacreditável da face da terra usando hackers e outros gênios da informática. Todos garotos que tiveram suas vidas presas no espaço cibernético. Snowden é um gênio autodidata, nunca terminou o segundo grau, mas o surpreendente talento na internet o fez chegar a cargos tops na inteligência americana com menos de 29 anos, quando “desertou” para não ser morto ou isolado em Guantánamo como espião traidor da pátria.

E o interessante é que ele não conta um só segredo americano, nem trai a inteligência americana com segredos que poderiam ser repassados ao inimigo. Ele apenas divulga, o que sempre foi negado pelo governo americano, que todas as pessoas do globo terrestre são monitoradas pelo uso dos seus celulares, redes sociais e computadores (até quando desligados, pasmem!). Você carrega no bolso o seu controle. O celular – através do GPS – monitora os nossos passos onde quer que estejamos. (Um parêntese, não era à toa que um amigo nordestino, que se recusa a usar celular, chama o aparelho de chocalho. O vaqueiro acha o boi pelo chocalho; nós, pelo celular somos achados). E – não é o que acontece aqui, mas nos países em conflitos de interesse americano – podemos ser mortos por controle remoto. Claro que pode haver erros e o morto pode ser outro – e isso parece ser um dos efeitos colaterais que atormentaram Snowden. Mas é assustador estarmos monitorados pelo grande irmão.

Todas os seus telefonemas, suas conversas nas redes sociais são gravadas em nuvens infindáveis e um programa pode localizá-las e reproduzir sem necessidade de autorização judicial. Aconteceu com Dilma e ela denunciou na ONU. Aconteceu na Petrobrás para ajudar no golpe. Se o seu computador, mesmo desligado é atualizado pela Microsoft, Snowden confessa que o Serviço Secreto americano pode ativar a câmara do seu computador desligado e invadir a sua casa, o seu escritório. Assustador?
Foi isso que esse menino revelou para o mundo e o filme usa a linguagem da ficção para ser mais real. É nesse mundo que acreditamos. Oliver Stone acertou em cheio.

E por que não tiveram maiores impactos essas revelações assustadoras? Porque preferimos a segurança da nossa navegação do que a liberdade de pudermos navegar sem bisbilhoteiros. Talvez porque não temos nenhuns motivos para sermos vigiados. Pegaram um terrorista, mas eu não sou terrorista; o meu vizinho é do MST, mas eu não sou do movimento; o meu colega estava na passeata contra o golpe, mas eu não estava. Como no poema, um dia vão te levar e você não vai poder pedir ajuda a ninguém.

E eu posso ser denunciado até por está escrevendo isso aqui.      

(Edmar Oliveira)