domingo, 29 de novembro de 2015

DE TERROR E DE TERRORISTAS

(Edmar Oliveira)
 
desenho: Máximo

Eu sempre achei a intolerância religiosa uma das mais abomináveis. Dos monoteístas, então, é a intolerância exclusiva: se o meu deus é o certo, o teu não é. Defendi aqui que não se pode matar por um desenho, por mais que discordemos dele, apesar dos atenuantes dos que enxergavam provocação.

E agora?, porque mataram em Paris? Por blasfêmia, comportamento impuro? Ou porque os ocidentais fazem um terrorismo sistemático com bombardeios na Síria? Aqui o “olho por olho” toca mais em mim quando esse olho pode ser o meu. Quando me podem metralhar em um café em Paris, apesar de eu não ter nada com a guerra religiosa deles. Sou ateu.

Ah, esses deverão ser os maiores cassados pela fúria da intolerância religiosa. Apesar de uma recente pesquisa, sobre o comportamento de crianças, mostrar – como eu já suspeitava - que as crianças criadas sem religião são mais tolerantes com o próximo do que as crianças judias, cristãs ou muçulmanas. A condição de ser humano não precisa da religião para exercer a solidariedade, apesar de o Dostoievski encontrar um bom enredo para o seu romance “Crime e Castigo”. O ensino religioso faz ver em quem não é de sua religião um inimigo. O exercício da tolerância religiosa, ela mesma, já traz a intolerância aos que não são “eleitos” ou iguais a nós.  

Mas a ganância humana também é um estado egoísta do ser que o faz terrorista assassino. Não estou falando do fundamentalismo religioso. Mas o terrorismo do capitalismo sem limites, que aqui perto de nós, conseguiu matar talvez mais que a quantidades de vítimas dos atentados em Paris, devastou a flora e a fauna de novecentos campos de futebol, matou um rio e contaminou o mar, enlameou o bonito litoral do Espírito Santo, podendo chegar à Bahia.

Uma barragem de rejeitos da exploração mineral não é fiscalizada, rompe-se e faz uma devastação no maior crime ambiental dos últimos anos. As populações ribeirinhas estão ameaçadas pela morte do Rio Doce. Tribos de remanescentes indígenas não têm mais como viver às margens do rio morto. Populações de grandes cidades ficaram sem água literalmente, assistindo a morte do rio pela lama tóxica.

Culpa da ganância humana de donos de mineradoras com a cumplicidade de um Estado que não fiscaliza. E como um Estado pode exercer uma fiscalização efetiva se os capitalistas donos de mineradoras controlam os políticos por financiamento de campanha? Basta seguir o dinheiro investido pela Vale Mineradora a cada parlamentar, prefeitos, governadores para entender que os que deviam fiscalizar a mineradora são controlados financeiramente por ela.

Um crime que ficará impune pelo financiamento privado das campanhas políticas. Se quiserem uma razão para ser contra, esta é mais que suficiente. O terrorismo do Estado e do Capital mata mais e silenciosamente e é tão cruel quanto os abomináveis terroristas fundamentalistas do Estado Islâmico.


Paris por Clémentine Sarlat






Antônio Maximo e as tragédias da vez:






Tempos modernos e motorizados no sertão

desenho: Izânio

Notícias transmitidas pela própria ministra do agronegócio, divulgadas recentemente, dão conta de que os chineses querem importar até um milhão de jumentos, por ano, do Brasil.

Certamente esses empresários dos olhos puxados pela esperteza dos negócios sabem da desvalorização que os jumentos vêm sofrendo no sertão. Depois da facilidade de comprar motocicletas, os sertanejos, os vaqueiros, trocaram o burro de carga, o jumento, e seu cavalo ligeiro pelas cilindradas motorizadas de maior rapidez na caatinga. Já é comum nas estradas ver-se animais abandonados. O cavalo ainda serve de montaria. Estão abandonados os pangarés sem utilidade. O burro de carga e, principalmente, os jumentos são vistos abandonados por seus antigos donos. Aquele que Luiz Gonzaga cantou como sendo o “nosso irmão” nas agruras das terras ressecadas do sertão, foi deserdado pelo irmão mais esperto que gasta muito dinheiro com a conservação do jumento. Um litro de gasolina, para movimentar a nova paixão motorizada, dá menos trabalho e custa muito menos que a ração e o tratamento de quem já foi considerado irmão de infortúnio. O sertanejo de hoje não tem com o jumento qualquer parceria. A motocicleta é paixão da vez feita no Japão ou na China. Em troca os chineses querem nossos jumentos desvalorizados.

E pra quê? A carne de burro, jumentos e cavalos pode ser comercializada na China sem restrições. Portanto, o “nosso irmão” vai pro matadouro, apesar de ter nas costas uma cruz “onde o menino Jesus fez pipi”, segundo a prosa de Luiz Gonzaga.


E também o nosso vaqueiro aderiu à motocicleta. De gibão agora corre motorizado atrás de gado perdido na caatinga. Tem que aboiar mais alto por causa do barulho da moto. Mas o cavalo, símbolo maior da vaquejada faz perdendo seu lugar na paisagem e na canção nordestina. Tempos modernos!

(Edmar Oliveira) 


Paramentados para uma pega de motos? Só não precisa das esporas. Foto: Luciano Klaus






As lembranças de uma foto

(Geraldo Borges)


               Olhar fotografias, principalmente em preto e branco, nos transporta a  outras épocas. Foi o que aconteceu comigo ao receber uma foto do filho do livreiro Nobre Aguiar. Os componentes da foto são velhos freqüentadores da livraria de seu pai. Nesse tempo ele ainda era menino.

Ao estudar a foto comecei a sentir o movimento de seus personagens e aos pouco fui identificando alguns, embora a pátina do tempo já houvesse corroído a face de muitos deles.

 Aos sábados íamos assinar o ponto na Livraria, o nosso clube, a nossa academia. Aos pouco iam chegando os seus membros. Conversava-se, tomava-se café e fumava-se. Nem todos eram tabagistas. Mas ninguém fazia cara feia para os fumantes. Até mesmo porque o dono da livraria  era quem fumava mais.

A primeira pessoa que eu distingo no claro escuro da foto sou eu. Só podia era ser. Estou sentado, jovem, distante do momento presente, nas fronteiras de outro século; ao meu lado, também sentado encontra-se o escritor de  Rio Subterrâneo. OG Rego de Carvalho, já falecido, era imortal.

 Atrás de nós dois em pé como se fosse uma cerrada floresta humana, começo a distinguir algumas personagens, entre elas me chama atenção o poeta, sonetista. Eulino Martins, que, na mocidade, esteve na  FEB, e  correu o risco de morreu na Itália.  Como  medalha ganhou um emprego publico. Morava no mesmo quarteirão do professor Pantaleão, mestre em matemática, na Rua Benjamim  Constant,  descendo para a Praça do Liceu.Também já faleceu, e sua casa já foi derrubada.

Agora vejo o Pedro Celestino, meio escondido,  com um sorriso enfastiado, no meio de outras que não consigo identificar. Pedro Celestino era um velho amigo, autor do livro de contos – Sinais de Seca. Morou muito tempo na Avenida Campos Sales. Depois se mudou para o Mafuá. Também já faleceu. A fotografia parece mais um mausoléu.

Talvez  o professor Didácio estivesse ali, no meio dos que eu não estava  conseguindo reconhecer. Se a foto pudesse falar, eu o teria reconhecido pela voz, a voz alta de professor de cursinho. Também já faleceu. Pompílio Santos também era freguês do clube. Talvez estivesse ali meio escondido no meio da floresta de cabeças. No meio dessa procura dei com os olhos  nas feições de Cineas Santos. Está vivo. E muito fotografado atualmente.

Procurei o doutor Clidenor na foto, pois ele também gostava de frequentar a livraria; seria fácil encontra-lo, pelo seu bigode e sua elegância. Não o encontrei. Mas lembro-me bem de sua presença na Livraria. Gostava de falar sobre a cultura grega, sobre a Paidea, e sobre as propriedades terapêuticas de confrei (Sympthytum officinale).


Continuei tentando identificar mais alguns companheiros. Eis que me entra pelos olhos a figura do poeta Chico Miguel. Também está vivo e é imortal. Alguém ali me pareceu ser o Herculano de Morais. Talvez. Não tenho certeza. Ele também é imortal. A foto e muito antiga. Preto e branca, opaca, embaçada. E a sua luz vai cada vez ficando mais fraca, como se fosse as nossas vidas que estivessem se apagando.


O Piauinauta, tomando uma dobra no tempo, voltou à Livraria do Nobre, ponto do pessoal que gostava de trocar palavra na Teresina de então. Em pé: o proprietário Nobre com a mão na cabeça e Cinéas Santos (a moça, entre os dois, não sei quem é). Sentados: O. G. Rego de Carvalho, Herculano de Moraes e o professor Didácio. Esta foto está muito próxima da que o Geraldo fala em seu artigo. Nesta ele não está presente. Esta foto o Piauinauta publicou na sua edição de 21 de agosto de 2008.

Do túnel do tempo:



Geraldo Brito e Fátima Lima fazem verdadeiro milagre para ressuscitar a musicazinha datada da antiga década de 1974, que tive a ousadia de cometer. Éramos jovens, achávamos que podíamos tudo, até compor sem talento. Perdoem aí a intromissão desse, hoje, humilde escriba, num campo que não é da minha seara.
Aquele festival piauiense, na cola do que acontecia aqui pelo sul maravilha, foi cometido com os mais pobres decibéis e gravações da época. Certo que o saudoso maestro Emílio Terrazza acompanhava de perto o que faziam aqueles meninos cabeludos de então. Viriato Campelo e George Mendes recuperaram as músicas daquela época datada, deram-lhes roupagens novas, com competentes arranjos de Geraldo Brito, e tiveram a ousadia de cometer um CD nos dias de hoje, lançado no Theatro 4 de Setembro, dia 19 próximo passado. Não vi, mas quero o meu!

(Edmar Oliveira) 




Plena quietude


desenho: Gabriel Archanjo

Não permita que a noite
Adormeça nos braços de luz
Da amanhã que acorda o dia

Deixe que as palavras acariciem
A tua alma em repouso


(Climério Ferreira)




1000TON: bem acunhado


Gervásio: a última crônica do Baiano desenhada:

BAIANO, um dos mais legítimos representantes da fina flor da boemia CARIOCA, é PARAIBANO, de Campina Grande, foi criado no Rio Grande do Norte e nunca esteve na Bahia. Muita gente já escreveu sobre ele, como Marceu Vieira em “Últimos Dias”, mas foi o Aldir Blanc quem imortalizou o nosso herói em diversas crônicas. Foram tantas que quando o autor o apresentou ao Jaguar o cartunista não conteve uma exclamação:
- Mas, então, ele existe!
Pois é, amigo, leitor do Aldir, ele não é apenas um personagem, fruto da imaginação do genial cronista e compositor.
Grande Baiano! Impagável Wilson Flora! (Desenho e Texto de GERVÁSIO)


Pra quem não conhece o nosso amigo Baiano, personagem obrigatório nas rodas de biriteiros e compositores cariocas (foi o Baiana quem juntou os dois, nos gloriosos tempos do Bar Getúlio, onde foi gerente, animador e contador de causos, uma crônica do grande Moacyr Luz que destaca o personagem Baiano, o qual era uma invenção do Aldir Blanc pro Jaguar do desenho acima:


Click no desenho para destacar a crônica

Crônica do fim do mundo



Vídeo de José Ribeiro no Youtube

A Paraty do Piauí



foto: Morais Brito

foto: Morais Brito


Porto das Barcas, na cidade de Parnaíba, Piaui. Nossa cidade colonial não é bem conhecida, mas por seu porto saíram nossas riquezas a caminho de Portugal: a carne de charque e o couro trabalhado em nossos curtumes. A nossa riqueza era gado do "meu boi morreu, / manda buscar outro, Maninha, / Lá no Piauí".
E, já que é um comercial da terrinha, do porto hoje se pode conhecer o Delta do Parnaíba, uma das maiores maravilhas do Brasil:

O maior delta das Américas

Os caminhos do Delta

Chegando ao mar

Manguezais


domingo, 15 de novembro de 2015

Resistência Cultural

Detalhe do painel de Diego Rivera: ele se desenha menino junto de Frida Khalo, a Catrina e o caricaturista Posada

(Edmar Oliveira)

O México é um país da América onde a civilização pré-hispânica sobreviveu nos costumes e ritos. No Peru a civilização inca dá sinais de vida, mas está à parte, como se submissa aos conquistadores. No México não. Os olmecas, os toltecas, os maias, os astecas, os méxicas estão muito forte na vida dos cidadãos contemporâneos, disputando e ganhando espaço sobre a cultura dos colonizadores.

Os diversos ramos das linguagens pré-hispânica contaminam de tal forma o espanhol, que, às vezes, ele fica incompreensível, mesmo para os que falam espanhol no continente. As tortilhas e o cheiro do “chilli” apimentado mostram a cultura pré-hispânica na comida de rua ou no melhor dos restaurantes de cardápio internacional. Mesmo a carne de “rês” (como eles e os nordestinos chamam o gado) é preparada na pedra como se fosse carde de lagarto ou outro réptil comido pelos antepassados. “Arracheira” é uma carne bem passada e feia para nosso gosto. Nopal – um cacto semelhante à palma nordestina que alimenta o gado – é preparado com clilli, outros temperos e está na comida de rua ou no fino restaurante.  A salsa de “chilli” e os feijões estão na mesa desde o desjejum. Coisa de asteca “dominado”.

Mas estive lá buscando a festa do dia dos mortos, que sabia ser o carnaval deles. A surpresa foi muito maior do que o esperado. A festa não é a do calendário cristão. Ela tem a tradição de mais de dois mil anos, muito antes de Cristo e do nosso calendário. Mais ou menos pelo mês de agosto e outubro era feita a colheita do milho, do tomate, do que eles podiam plantar. E na colheita farta, os mortos tinham permissão divina para participar das festas. E assim eram lembrados. A imposição cristã à cultura asteca trouxe o calendário com o dia de Todos os Santos e o dia de Finados. A cultura pré-hispânica conseguiu incluir mais um dia (antes de Todos os Santos) e fazem a festa que antes durava mais de mês. São três dias de folia.

No primeiro dia são convidados à mesa das famílias e às festas de rua os que morreram de acidentes. São convidados primeiros porque foram antes da hora. No dia de Todos os Santos eles festejam as crianças que morreram. No nosso dia de finados, os que morreram de doenças ou de velhice.

Entretanto não há qualquer tristeza no ar. É uma festa alegre, onde se bebe, come e canta. As pessoas se fantasiam de mortos para ficarem iguais aos convidados. Fazem altares onde são colocadas as comidas e bebidas da preferência do morto homenageado. Eles chegam à noitinha e vão embora ao amanhecer.

Há os mortos que se embriagam e não querem voltar. Eles são levados por vivos embriagados até o cemitério para voltarem no ano que vem. Às vezes, os vivos têm que dar umas voltas com os mortos para que estes esqueçam o caminho de casa. Fazem isso bebendo e cantando.

A tequila, o mescal e o pulque são bebidas tradicionais mexicanas destiladas do agave azul, planta sagrada para os pré-hispânicos. Do agave a cultura pré-hispânica tirava a fibra para tecer as vestimentas, um tipo de papel de maior consistência, mel para doces e açúcar, uma espécie de vinagre e a bebida original  – o  maguey (Agave Americana), que era considerado a representação de Mayahuel. Mayahuel era a deusa da ebriedade, que alimentava seus 400 filhos com o pulque que emanava dos seus inúmeros peitos. Mayahuel estava associada à lua, o feminino, a vegetação e seus ciclos de vida. Da fermentação do coração do maguey era obtida uma bebida sagrada que apenas podia ser degustada em ocasiões especiais pelos tlatoanis ou governantes, sacerdotes ou anciãos.
 
Uma Catrina que encontrei no Mercado
“La fiesta de los muertos” ganhou uma representação característica: a Catrina. Originalmente a Catrina se chamava “Calavera Garbancera” – uma criação do caricaturista José Guadalupe Posada (1852 – 1913). Ele criou uma caveira de índia que vendia garbanza (uma leguminosa), mas queria ser europeia (daí o chapéu e a vestimenta elegante). Significava também que a diferença de classes seria superada na morte – onde todos seriam caveiras. Diego Rivera – o grande pintor mexicano – a chamou de Catrina, feminino de “Catrin” que definia um homem elegante e bem vestido.

A Catrina se tornou a figura mais importante da festa dos mortos e belas mulheres se fazem de Catrina na noite. A Catrina também aparece em desenhos e esculturas que marcam a festa dos mortos. E anuncia que a cultura pré-hispânica está muito viva no coração dos mexicanos.


A festa dos mortos é a celebração de que a cultura ancestral dos povos americanos está viva e radiante para quem quiser apreciar a tradição que a crueldade dos colonizadores espanhóis não conseguiu matar.


A festa dos mortos pede "muerte el capitalismo"

Um Mariachi festejando los muertos


















Gervásio








Tenochtitlán

Pedra do Sol

Para entender um pouco do México é preciso conhecer o Museu de Arqueologia e Etnografia. A história das civilizações pré-hispânicas estão neste museu, que não se consegue apreciar num só dia.

A catalogação de cada civilização se faz por cerâmicas, monumentos, peças históricas, utensílios domésticos e representações da arte e cultura de cada povo.

Talvez a peça mais importante esteja na sala da cultura méxica e se chama Pedra do Sol. A Pedra do Sol foi enterrada pelos os espanhóis quando tomaram a cidade asteca e só foi reencontrada 250 anos depois, em 1790. Estudada por arqueólogos, parece representar o calendário solar asteca de 18 períodos de 20 dias, somados a um período complementar de 5 dias, totalizando com exatidão o calendário solar que usamos até hoje. Acredita-se também que era usada para sacrifício humano, para que o sol não destruísse o mundo pelo tremor da terra.
Representação de Tenochtitlán, a capital asteca. O Templo Mayor dessa cidade foi descoberto, por acaso, em 1970, quando a companhia de Luz enterrava a fiação. Essas ruínas e um precioso museu estão no Zócalo - coração do centro histórico.
Ruínas do Templo Mayor da antiga Tenochtitlán

A cidade de Tenochtitlán (atual cidade do México), fundada em 1321, localizava-se numa ilha do lago salgado de Texcoco. Quando os espanhóis chegaram, em 1519, a cidade tinha mais de 300 mil habitantes, sendo maior que Paris ou Londres da época. Um mercado urbano comercializava produtos de várias partes do México. Era uma sociedade hierarquizada dividida entre governantes, sacerdotes e pessoas comuns. Possuíam um exército e um sistema de pontes que facilitava a defesa da cidade.

Como essa organização social e militar (eram povos conquistadores, os astecas) foi vencida pelos espanhóis?


Os astecas acreditavam que os deuses vinham pelo mar e trataram os invasores com devoção e submissão, o que não impediu a crueldade com que os espanhóis trataram o povo nativo. E nada da sua cultura foi respeitada. Ela chega até nós pelo precioso trabalho dos arqueólogos. E pela resistência de seus habitantes que cultivam os costumes, a culinária e as bebidas de seus antepassados. Viva México!   

(Edmar Oliveira)




Tenochtitlán, onde é hoje o centro histórico da Cidade do México
Canais de Xochimilco, ou o que restou do lago onde se ergueu a cidade do México.

Reconstituição do mercado asteca. Museu de Antropologia.


















Resistência cultural na fé


O México é o país de mais católicos, proporcionalmente. Nossa Senhora de Guadalupe a santa de devoção nacional. Aqui parece que o colonizador venceu. Mas só parece.

Em 1531 o índio Juan Diego ia para sua aula de catecismo, no esforço doutrinador do colonizador. No meio do caminho ouviu uma voz que lhe chamava e Nossa Senhora lhe apareceu dizendo que Juanito era o melhor dos seus filhos e que fosse ao bispo pedir que erguesse uma igreja para ela naquela colina da aparição. O bispo não acreditou e pediu um sinal dos céus que provasse a aparição.

Juanito deixou o bispo e foi se queixar à santa. Esta lhe deu um manto com rosas de Castela (Espanha) que não existia no México. Juanito pegou o manto com as rosas e foi levar a prova ao bispo. Quando despejou as rosas – que já seriam o sinal exigido – o manto mostrava a imagem da santa que hoje está na catedral de Nossa Senhora de Guadalupe.

A imagem tem sinais de sincretismo com os antepassados astecas como se pode perceber:

1.      O cabelo partido da santa é um sinal asteca de que a moça é virgem. Porém o cinto preto de pano com um nó à frente era usado pelas mulheres astecas que estavam grávidas. Portanto a gravidez da Virgem Maria é asteca.

2.      A virgem pisa no meio da lua. A palavra México na língua asteca significa “no meio da lua”.

3.      A flor de quatro pétalas no manto é a representação do deus máximo na cultura nauhati e significa a plenitude, o centro do espaço e do tempo.

4.      As asas do anjo, aos pés da imagem, são de águia – pássaro com significado mágico na cultura asteca.

5.      A Virgem está rodeada de raios do Sol – a suprema divindade da cultura asteca.

6.      As estrelas do manto mostram o solstício de inverno – tempo da aparição e de extrema importância no calendário asteca.

O colonizador pode achar que estes são signos astecas submetidos à fé cristã. Aqui com meus botões acho que Diego resistiu culturalmente e a maior santa católica carrega a religiosidade do seu povo e a fé nos seus deuses.


O papa João Paulo canonizou Juan Diego. Os astecas fizeram um deus na religião do dominador. Isso é ou não é resistência cultural?



PS - Numa visita ao México é prioritária uma ida ao santuário de Guadalupe. A antiga igreja (século XIV), que afunda na aterrada lagoa, onde hoje é a cidade do México, contrasta com a moderna catedral - imponente e grandiosa obra do genial arquiteto Pedro Ramiro Vasquez, construída em 1974.

Guadalupe: a moderna e a antiga






  

Arquétipos & invenções




No Museu de Antropologia do México o Piauinauta encontrou duas representações da cultura mesoamericana que em muito lembram as vestimentas dos cangaceiros. Os signos de Lampião seriam um arquétipo das culturas pré-hispânicas?





O jogo de pelota era uma atividade dos povos da mesoamérica, muito antes dos ingleses inventarem o futebol. A diferença é que a pelota só podia ser jogada com o corpo e quadris e nunca com pés ou mãos. Às vezes elas substituíam batalhas de verdade.


Em compensação o Armando reivindica a invenção da torta mexicana em 1892. Tal torta, que os mexicanos apreciam demais, nada mais é que um emparedado ou um sanduíche, apesar da esquisitice (em português e espanhol, por favor) do abacate e muita pimenta acompanharem a arracheira, o ovo, o feijão, o presunto ou a linguiça. O Armando ignorou a invenção do inglês Conde de Sanduich em 1762. Mas fomos muito no Torteria do Armando, verdadeiro santuário da comida mexicana.

Viva Zapata!

Señores! Me uní al ejército de Pancho Villa. No voy a volver.








1000TON

A morte entre nós é chorada. E tem assassinos e omissos.



Monólogo de um deputado

(Geraldo Borges) 
desenho: Amaral


Acho melhor não dizer meu nome
Hoje eu me pergunto. Por que entrei na política? Essa areia movediça que engole o eleitor e o eleito. Comecei como líder comunitário de meu bairro, reivindicando um beneficio, ali,  outro acolá: uma caixa d’ água, um ponto de ônibus. E assim a comunidade foi se agregando a minha pessoa. Acharam que eu devia filiar  me  a um partido. Filiei-me. E comecei a matutar o meu novo destino.
 As pessoas votariam em mim ou não votariam?
 Votaram. Virei vereador. Aos pouco fiquei sabendo que  vereador não passa de um assistente social. Sendo assim para manter o meu eleitorado não esqueci o meu bairro. Continuei-lhe dando assistência à medida do possível. Foi reeleito.  Aprendi as artimanhas políticas. As negociações por debaixo do pano. E assim ia me diplomando.
               Quis ir mais longe. Candidatei-me a deputado estadual. Bingo. Fui eleito. Arranjei uma amante. Mudei de domicilio, fui para o outro lado do rio. Quem diria. Um simples líder comunitário. Não deixei a barba crescer. Podiam me confundir com o pessoal da esquerda, que, para ser franco, são igualzinhos a nós. Claro que não estou aqui para julgar ninguém. Mas, quando o  assunto é dinheiro é difícil atirar a primeira pedra.
Tirei dois  mandatos como deputado estadual. A essa altura eu mesmo já não me conhecia mais. Tinha mudado a coleção de amigos, me desviava de calçada  para não encontrar os amigos de infância que me azucrinavam a procura de um reles emprego. Meus amigos, agora, eram empresários do ramo da construção civil. Criadores de gado  Resolvi entrar no ramo da pecuária. E me dei bem.
               Tão bem, que deu um salto para deputado federal. Fui morar em Brasília, cidade que meus  avós ajudaram a construir, num apartamento bancado pelo governo federal. Aproveitei para trocar de amante. Na esfera federal  é onde  está o mapa do tesouro. È só fazer parte da turma, e garimpar. Certo que agora houve uma pega para capar. Os xerifes  estão de olho. Mas a corrupção  não para. Corrupção é tradição no Brasil. Por  mais que pessoa  de boa vontade tente demoli-la, nós procuramos sempre uma maneira de restaurá-la.
               Já estou no segundo mandado de deputado federal. Amealhei uma fortuna, tenho dinheiro em Ilhas Fiscais. Torno a dizer. Quem diria?
 Sei que as pessoas me admiram, comentam a minha meteórica carreira. Apareço nas colunas sociais, com o meu sorriso de novo rico. Não me lembro mais dos nomes de algumas pessoas, crianças, que me foram dadas para afilhados. Só me lembro mesmo de mim e de meus negócios.

No momento estou mexendo com meus pauzinhos, cabalando, para  ser presidente da câmara. Depois que sabe sentarei em uma cadeira de ministro. Estou pensando em me candidatar de novo a deputado federal. Não. A  deputado federal não. E melhor virar senador. E um mandato mais longo. E como todo mundo sabe. Tempo é dinheiro. Mas esse degrau ainda não é o topo de minha carreira. Quem viver verá o eco de meu triunfo.






Salgado Maranhão



41)
Retorno à sala de confrontos: um
bicho que se sabe fênix -- sob frutos
do lixo e rejeitos de afeto. Tudo é
certeza vendida aos pedaços para
fazer dormir. Que posso eu cantar
no galho da memória? Plantaram-me
na pedraria sem limo, longe da brisa
e das sobras da enchente; ando em
toda parte e só vejo a morte (anfitriã
do medo) em seu labor implacável.
Assustado, toco em meu corpo e
sinto a dor do crepúsculo.

SALGADO MARANHÃO
______________
desenho: Gabriel Archanjo






A minha geração já estudada na academia. Mato Torquato e vou fazer cinema.