domingo, 15 de novembro de 2015

Resistência Cultural

Detalhe do painel de Diego Rivera: ele se desenha menino junto de Frida Khalo, a Catrina e o caricaturista Posada

(Edmar Oliveira)

O México é um país da América onde a civilização pré-hispânica sobreviveu nos costumes e ritos. No Peru a civilização inca dá sinais de vida, mas está à parte, como se submissa aos conquistadores. No México não. Os olmecas, os toltecas, os maias, os astecas, os méxicas estão muito forte na vida dos cidadãos contemporâneos, disputando e ganhando espaço sobre a cultura dos colonizadores.

Os diversos ramos das linguagens pré-hispânica contaminam de tal forma o espanhol, que, às vezes, ele fica incompreensível, mesmo para os que falam espanhol no continente. As tortilhas e o cheiro do “chilli” apimentado mostram a cultura pré-hispânica na comida de rua ou no melhor dos restaurantes de cardápio internacional. Mesmo a carne de “rês” (como eles e os nordestinos chamam o gado) é preparada na pedra como se fosse carde de lagarto ou outro réptil comido pelos antepassados. “Arracheira” é uma carne bem passada e feia para nosso gosto. Nopal – um cacto semelhante à palma nordestina que alimenta o gado – é preparado com clilli, outros temperos e está na comida de rua ou no fino restaurante.  A salsa de “chilli” e os feijões estão na mesa desde o desjejum. Coisa de asteca “dominado”.

Mas estive lá buscando a festa do dia dos mortos, que sabia ser o carnaval deles. A surpresa foi muito maior do que o esperado. A festa não é a do calendário cristão. Ela tem a tradição de mais de dois mil anos, muito antes de Cristo e do nosso calendário. Mais ou menos pelo mês de agosto e outubro era feita a colheita do milho, do tomate, do que eles podiam plantar. E na colheita farta, os mortos tinham permissão divina para participar das festas. E assim eram lembrados. A imposição cristã à cultura asteca trouxe o calendário com o dia de Todos os Santos e o dia de Finados. A cultura pré-hispânica conseguiu incluir mais um dia (antes de Todos os Santos) e fazem a festa que antes durava mais de mês. São três dias de folia.

No primeiro dia são convidados à mesa das famílias e às festas de rua os que morreram de acidentes. São convidados primeiros porque foram antes da hora. No dia de Todos os Santos eles festejam as crianças que morreram. No nosso dia de finados, os que morreram de doenças ou de velhice.

Entretanto não há qualquer tristeza no ar. É uma festa alegre, onde se bebe, come e canta. As pessoas se fantasiam de mortos para ficarem iguais aos convidados. Fazem altares onde são colocadas as comidas e bebidas da preferência do morto homenageado. Eles chegam à noitinha e vão embora ao amanhecer.

Há os mortos que se embriagam e não querem voltar. Eles são levados por vivos embriagados até o cemitério para voltarem no ano que vem. Às vezes, os vivos têm que dar umas voltas com os mortos para que estes esqueçam o caminho de casa. Fazem isso bebendo e cantando.

A tequila, o mescal e o pulque são bebidas tradicionais mexicanas destiladas do agave azul, planta sagrada para os pré-hispânicos. Do agave a cultura pré-hispânica tirava a fibra para tecer as vestimentas, um tipo de papel de maior consistência, mel para doces e açúcar, uma espécie de vinagre e a bebida original  – o  maguey (Agave Americana), que era considerado a representação de Mayahuel. Mayahuel era a deusa da ebriedade, que alimentava seus 400 filhos com o pulque que emanava dos seus inúmeros peitos. Mayahuel estava associada à lua, o feminino, a vegetação e seus ciclos de vida. Da fermentação do coração do maguey era obtida uma bebida sagrada que apenas podia ser degustada em ocasiões especiais pelos tlatoanis ou governantes, sacerdotes ou anciãos.
 
Uma Catrina que encontrei no Mercado
“La fiesta de los muertos” ganhou uma representação característica: a Catrina. Originalmente a Catrina se chamava “Calavera Garbancera” – uma criação do caricaturista José Guadalupe Posada (1852 – 1913). Ele criou uma caveira de índia que vendia garbanza (uma leguminosa), mas queria ser europeia (daí o chapéu e a vestimenta elegante). Significava também que a diferença de classes seria superada na morte – onde todos seriam caveiras. Diego Rivera – o grande pintor mexicano – a chamou de Catrina, feminino de “Catrin” que definia um homem elegante e bem vestido.

A Catrina se tornou a figura mais importante da festa dos mortos e belas mulheres se fazem de Catrina na noite. A Catrina também aparece em desenhos e esculturas que marcam a festa dos mortos. E anuncia que a cultura pré-hispânica está muito viva no coração dos mexicanos.


A festa dos mortos é a celebração de que a cultura ancestral dos povos americanos está viva e radiante para quem quiser apreciar a tradição que a crueldade dos colonizadores espanhóis não conseguiu matar.


A festa dos mortos pede "muerte el capitalismo"

Um Mariachi festejando los muertos


















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