domingo, 27 de maio de 2012

Meu coração de beija-flor


Edmar Oliveira

            Ainda menino pisava as pedras do riacho da Água Fria, catando umas pedrinhas miudinhas e roliças para fazer munição da minha baladeira. O estilingue, o bodoque de outras terras, chamávamos baladeira, uma palavra de beleza plástica inesquecível. Na tira de couro em que a bala de pedra era embalada, duas tiras de borracha (muito boas as de pneu de bicicleta) amarradas do furo do couro ao cabo aforquilhado de goiabeira ou araçá, faziam a tração necessária para impulsionar a pedra. Na mira de um olho fechado e o outro passando por dentro do cabo se acertavam os passarinhos e as labigós, lagarto que abanava a cabeça em desaprovação às nossas travessuras e corria a se esconder por entre as pedras da caatinga, metamorfoseando-se no cinza da falta das cores.

            Mas tinha um porém para os ruim na mira da baladeira: só engolindo um coração de beija-flor se ficava “guabes”, que designava “o bom”, fosse de tiro ou fosse “guabes” em quaisquer outras proezas. Para ficar “guabes” tinha-se que engolir o coração miúdo do beija-flor. Mas como acertar um beija-flor, no seu parado no ar, deslocando-se em grande velocidade antes de chegar a pedra? Inda mais se o “cabra” ainda não fosse “guabes”? Era preciso, assim, que um amigo, já “guabes”, lhe servisse o coração encantado, ainda vivo, para que ingerido fizesse do candidato a atirador um “guabes”. Aconteceu como nas maldades de crianças que não tem limite: o pequeno coração ensangüentado e ainda em tremores na palma da mão teria o destino poético da transubstanciação, da qual só conhecia o corpo de Deus na comunhão da hóstia sagrada. Não sabia ainda que a antropofagia de nossos antepassados ali se materializava adquirindo as características do guerreiro morto. Pequeno ritual arquétipo.

            Não tive a coragem de consumar o ato. Acovardei-me e fiquei ruim de tiro. Nunca mais matei um passarinho. Mas o meu coração de beija-flor me fez sentir o aroma das flores e a seiva da vida como se eu fosse um deles a entender o mundo....    

Franco Atirador


Lázaro José de Paula

ESTOU ESPREMIDO ENTRE AS TUAS ROSAS E A MINHA DOR
EU TE PERDI DE VISTA... E NA ESTRADA EM QUE EU CAMINHO AGORA,
SUMIRAM, COMO POR ENCANTO, TODOS OS VESTIGIOS TEUS...
HERANÇAS, CRIANÇAS, PEGADAS, CARTAS, FOTOGRAFIAS...  POESIA
SOBROU TUA IRA REBELDE E,
UM SENTIMENTO PATÉTICO, PORQUE ABSURDO,
RENTE, BEIRANDO UM GOSTO ACRE-AMARGO-ATROZ
COM UM PERFUME CRUEL DE QUASE-VENDETTA
SOMADOS A TUA FINA, FEROZ, FELINA, IRONIA E FUROR
SOU OBRIGADO A BOTAR VIOLA NO SACO
E CANTAR EM OUTRA FREGUESIA
DEFENDER MEU TERRITÓRIO, MINHA SAUDE
COMO PALADINO DOS MEUS SONHOS QUE SOU
E PROTEGER MEU CORAÇÃO, COM MINHA PONTARIA CERTEIRA
DE    L  I  V  R  E
F  R  A  N  C O   -    A  T  I  R  A  D  O  R

Um Espectro ronda a Europa


Geraldo Borges

Um espectro ronda a Europa, assim diz Marx no inicio do manifesto do Partido Comunista, com certeza, como profundo conhecedor da literatura Européia como da sua economia, estava parodiando Shakespeare.

Quem não conhece a aparição do Espectro, o pai do príncipe Hamlet, contando que o seu reino foi usurpado. E que Hamlet precisa agir. Mas Hamlet não age. E na duvida, na protelação vai desencadeando toda uma tragédia família no seu reino podre da Dinamark.

Um novo espectro está rondando a Europa, e vai, ou já começou a desencadear uma tragédia econômica e política. Por que o espectro agora não é simplesmente uma metáfora de ficção, e uma realidade impura que como um cogumelo venenoso está crescendo pelas ruas, praças e pátios da velha Europa, que já foi gloriosa e berço de algumas civilizações, mas, agora, está à beira da decadência, vitima de sua própria insensatez.

O sonho de uma Europa unida é muito antigo. Napoleão tentou, fazendo as suas guerras, foi derrotado, mas virou um mito.  Santa Helena, ilha de Elba. As guerras napoliônicas criaram um novo mundo. E o resto da Europa de hoje com seus castelos e pequenos reinos deve-se muito a Napoleão.

Na segunda Guerra Mundial a Europa, saiu do front, dividida. Hitler quis unir o continente, sob a bandeira do nazismo, mas precisava abater os judeus, o seu pior espectro. Terminaram construindo o muro da vergonha. O plano Marshall conseguiu por algum tempo  escorar a economia. Dar algumas décadas de paz, de bonança.

 Veio a globalização. E o sonhando plano de unir a Europa, a União Européia, sob o signo de uma só moeda, o Euro. A Inglaterra ficou de fora, na sua posição de ilha, isolada, fora do continente, com a sua valorosa moeda, libra esterlina, vazada com a efígie da rainha, com o seu Reino Unido.

Estamos vendo pela mídia o que está acontecendo com os países mais vulneráveis da Europa. Países estes que foram as bases da civilização ocidental, como Grécia, Itália, hoje atolados em dividas, juntamente com Portugal, Espanha, os grandes percussores da navegação.

 Voltando ao espectro, ele está rondando de novo a Europa. As vigas da União Européia vão rachar e mais uma vez as tentativas de um velho continente se ajustar em um bloco econômico coeso e livre de tribulações cairá por terra; será se é temerário dizer que a Europa está num beco sem saída. Para tudo tem uma saída. Os seus governantes estão na murada olhando os mares por onde navegavam em busca do ouro. Agora estão vendo apenas o espectro. O diabo e ouvir e entender o que ele está dizendo. E tomar uma atitude. Eis a questão. Do contrario a tragédia se repetirá, no teatro da vida.


klöZ por 1000TON

Nonato Oliveira por Gervásio Castro


O homenageado do 29º Salão de Humor do Piauí, que acontece entre os dias 26 e 30 de junho, na Praça Pedro II em Teresina, tem 46 anos de pintura, mais de quatro mil obras espalhadas por todo o mundo e já fez cerca de 20 exposições fora do país, pelos EUA e Europa:
NONATO OLIVEIRA, o gênio que coloriu o Piauí.

A PROFESSORA E A MINHOCA


Luíz Horácio
                         para Maria Lina P.R.A.

Dia de prova. As fileiras de carteiras estão bem alinhadas, ninguém conversa, poucos se mexem, a professora espiona. Detesto esses dias, tenho pavor do silêncio. E quando tem alguém vigiando o silêncio, tudo fica ainda mais sem graça.

Não consigo me concentrar…não gosto de silêncio. Vou jogar meu estojo no chão. Pronto. Agora arrasto a cadeira para afastar. Antes de juntar o estojo derrubo a caneta. Caiu mais longe, preciso levantar. Esbarro no braço da Marina, ela reclama. Todos olham. Risos. Gostei.

A prova é fácil, muito fácil e sem graça como costumam ser as coisas fáceis.

Vou terminar e pedir para ir ao banheiro. No banheiro conversarei comigo mesma. Eu gosto, apesar de às vezes discutir durante um bom tempo.

Não gosto dessa professora, sei que ela me caguetoou ara minha mãe. Não me importo, tanto faz, ela é só uma professora. Não é da minha família, não é minha amiga, nunca nos visitou lá em casa. Não gosta de mim, é claro, ninguém pode gostar de tantos ao mesmo tempo. Nesta sala somos vinte e oito. Também não gosto dela. Ela é só uma professora. Tenho que enfrentá-la do mesmo jeito que enfrento minha dentista. Se bem que lá tem anestesia. Aqui é a seco. Merda! Essa aí, como a grande maioria dos professores o que mais gosta de dizer é: “crianças, por favor, vamos fazer silêncio."

Do mesmo jeito se comportava a professora dela, a professora  da mãe dela também agia dessa maneira. É preciso tomar cuidado com os professores. Eu tomo. Quem me avisou foi meu tio, aquele que é professor e escritor. Ele costuma dizer que professor é alguém  autorizado a ser chato vinte e quatro horas por dia. Todos os dias. Ele disse também que os professores são assassinos, eles matam a criatividade das crianças.

Tenho dez anos, nasci em 08 de junho, nesse tantas coisas mudaram, menos os professores. Como pode evoluir uma criatura que precisa do silêncio? As minhocas evoluiram por acaso?

Gosto de música, toco violão e canto. Dia desses minha mãe me ajudou a falar com o professor, ele queria me ensinar do jeito dele. Mas eu que devo aprender do jeito que eu quero. Agora estamos nos dando bem. Ele me deixa fazer coisas que não estão nas lições. Assim vale a pena, ora!

Bem, vou voltar pra sala. Para entrar vou empurrar a porta com toda força, desse jeito ela se chocará com a parede e “bum”.

Bateu. A professora disse: “nossa Maria, pra que tanta força?”

Olhei e não falei nada, sem desculpas, fiz e tá feito.

Vou dormir? Não consigo. Como dormir no silêncio? E essa turma de mortos momentâneos a minha volta?

Vou perguntar se ela deixa eu escutar meu ipod. “Você trouxe esse aparelhinho de novo? Pode guardar”.

Esses dias tirei zero numa prova e ela chamou minha mãe. Mas tirei zero porque eu quis. Tiro outro a hora que eu bem entender. Então ela chamou minha mãe pra conversar, lá pelas tantas ela disse: “segundo Piaget......”e eu pensei que pena que meu tio não está aqui. Ele diria: Piaget é o caralho!

Professor de criança vive falando em Piaget, um outro gostky não sei o quê. Meu tio disse que uma coisa não pode servir pra todo mundo do mesmo jeito. Mas professor trata todo mundo do mesmo jeito. Piaget, gotsky, vigstki, é o caralho.

Pra mim não basta querer ser professor, a pessoa já nasce professor. Por isso quando chega a hora de dar aula, como essa aí, eles já parecem uns velhinhos cansados. Vou pedir pra ir embora. Quero tocar meu violão e depois ir pra aula de dança. Não sei qual dos dois me agrada mais.

“Tem que esperar sua mãe”.

Merda!

Mas por que ela não recolhe minha prova? Vou desenhar.

“Maria você está riscando sua prova?”

A bruxa quer silêncio de estátua pelo jeito.

Será que olhar pela janela eu posso? Lá tem movimento, mas o barulho não chega aqui, nono andar.

A Roberta terminou a prova dela. A professora é feia, cadê a cintura dela? Ela tem uma papada, parece  uma iguana que vi no zoológico.

Também é um bicho silencioso. Mas é bonito, tem uns verdes lindos. A professora é cinza.

Tenho um olho que é mais caído que o outro, por isso algumas pessoas dizem que sou triste. Posso até parecer, mas por dentro estou sempre alegre. Já o meu tio, o que é escritor, está sempre alegre, mas eu sei que por dentro ele é triste. Só que ele tem motivo pra isso, ele viu a filha dele morrer. Quase nunca ele está em silêncio, fala, fala, fala.... mas também sabe ouvir os outros. Silêncio só nos livros, mas nos dele tem barulho, sempre muita gente, e muita gente falando. Até bicho fala nos livros dele. Num livro dele tem uma personagem que sou eu. Tem o meu nome. Como é que eu sei que sou eu? Ele me disse: ora!

Tenho certeza que se ele fosse meu professor deixaria eu fazer prova ouvindo meu ipod. Mas essa aí.....

Eu tinha pensando na minhoca e agora me dou conta que o professor é um tipo de minhoca, mas uma minhoca perigosa, uma minhoca que quer fazer de todas as crianças minhocas que nem ela.

Vou pegar uma folha na minha mochila...

“Maria, o que você quer? Não pode consultar o material enquanto não entregar a prova.”

Faz de conta que não escutei. Arranquei a folha, fiz barulho, todo mundo olhou. Devolvi a mochila ao chão. Mais barulho.

“Maria, você vai levar um bilhetinho pra sua mãe.”

Vou pedir para o meu tio vir falar com essa bruxa. “Silêncio é o caralho”, ele vai dizer.

Agora vou começar a escrever uma história: A professora e a minhoca. A professora minhoca fica melhor? Mas essa aí é gorda.

Em casa eu decido.

Preciso telefonar pro meu tio. Será que ele virá pro meu aniversário?

Meu outro tio era professor, de educação física, mas quando eu nasci ele já tinha desistido. Ainda bem.  Tomara que o meu tio escritor seja sempre só escritor. Professor é um tipo muito triste, professor só gosta de liberdade da boca pra fora. Meu tio, o escritor, vive falando em liberdade. Até nos livros dele.

“Maria, o que tanto você escreve?”

Não vou falar. Ela pediu silêncio.

“Maria, me dá esse papel.”

Mas nem a pau. Guardei na mochila.

Agora vou embora.

“Onde você vai Maria?”

-Vou pra casa esperar meu tio. Cansei de não fazer nada, nesse tempo que fiquei parada, quieta, nesse tempo todo, será que dá pra saber a quantidade de terra que uma minhoca moveu? Uma minhoca.

-Maria...Maria...volte...o bilhete...o bilhete para sua mãe. Atenção crianças, olhem pra cá:  aqueles que já terminaram a nossa provinha cruzem os braços e permaneçam em silêncio.


chegue


Paulo José Cunha

Chegue como a flor que chega
E quando menos se espera
É primavera.

Chegue
e diga alguma coisa
em meu ouvido.

Chegue suave,
como alguém que chega,
sem nunca ter saído

Chegue com a pressa 
de quem não se atrasa.

Chegue
como um bebê que chega
e acende a casa.

A MONA LISA DE GUIGNARD


Quando Guignard pintou sua Mona Lisa em Ouro Preto
Tendo ao fundo igreja de São José
Ela não se aceitou
Não se reconhecendo nem aceitando aquela boca
Não gostou do retrato, tirou-o da sala
E deixou-o no porão

Só depois de quarenta anos e sete meses
A modelo que pousara aos 18
Começa a ver no quadro o penteado que até hoje é o seu

A Mona Lisa de Guignard
Recuperada pelo artista plástico José Efigênio
Mostra que o mestre conseguira seu intento
E a modelo até hoje ostenta o mesmo olhar


(Climério Ferreira)

Google Móvel


Paulo Tabatinga

Estão filmando nossas ruas

Enquadrando cidades

Pontuando quarteirões:



E nos dão, na tela, a impressão

De que podemos encontrar

Lugares que, antes, pensávamos ter nas mãos


Eita Pílula

domingo, 13 de maio de 2012

O Terror da Vermelha


Edmar Oliveira 

Vermelha é um bairro de Teresina. O Terror da Vermelha, um filme de Torquato Neto. Não é do filme que eu vou falar. Mas do terror da Vermelha à Matinha, da Piçarra ao Mafuá, do Barrocão à Palha de Arroz.

Durante a Intervenção do Estado Novo, e até um pouco depois, a periferia de Teresina composta por esses bairros foi criminosamente incendiada para que os barracos de palha dessem lugar a modernização da cidade. O que o prefeito Pereira Passo fez no Rio no início do século passado, com a ajuda "científica" de Osvaldo Cruz, num saneamento à peste, em Teresina foi feito com a ajuda da polícia de dos políticos, num terrorismo às claras e à luz do dia. No Rio teve a “Revolta da Vacina”, com o povo reclamando de que a ação da saúde tinha relação com a perda das suas casas, na justificativa de um saneamento necessário; em Teresina culpavam-se as vítimas pelas queimadas. Os “Filhos de Ninguém”, como ficaram conhecidos, eram torturados para confessar um crime praticado por seus algozes.

O que mais impacta em Teresina foi a queima da memória. Nos tempos em que morei no Piauí eu sabia das queimadas, mas pra mim, o que acontecera a menos de cinco anos do meu nascimento, era como se fosse memória muito antiga do século anterior. A geração que me antecedeu, certamente viveu aqueles tempos de terror, mas não falava deles. Era um assunto sabido, mas não dito. O terror que se impôs na "cidade vermelha" ficou esquecido na poética denominação de Coelho Neto da "cidade verde". Ironia das cores.

 Embora os historiadores, romancistas e poetas falem desse crime de fogo, não é um assunto que se apreenda nas escolas desses currículos nacionalizados.

Pior é que a queima da memória pelos poderosos que cometem crime se arrasta aos dias atuais. Não se fala mais dos assassinatos de Helder Feitosa e Donizete, entre muitos outros, que ficaram impunes. Jornalistas que se atreveram a contrariar os que mandam.

Recentemente a morte da menina  Fernanda Lages parece estar sendo queimada da memória dos teresinenses. Há um ano, quando eu estava em Teresina só se falava nisso: uma jovem, descendente de uma família tradicional, foi encontrada morta atirada de um andar alto um edifício em construção. As investigações passavam por pessoas importantes da nova elite local. Mesmo tendo um vigilante no local o crime foi abafado. Até tentaram criminalizar a vítima, só que as evidências de assassinado eram demais. E segue sem solução desta vez quando volto à terra. E nem se fala mais nisso.

Teresina ficou moderna. A bela ponte estaiada anuncia o crescimento da cidade para depois do rio Poty, na zona leste, onde a cidade cresce. E novos edifícios se levantam da chapada em rumo do céu azul de arder nos olhos. Hoje, andando na cidade, me deparei com prédios modernos, longe um dos outros, em cores berrantes de amarelão, vermelho, abóbora. Vi como se fossem as chamas das palhoças incendiadas para que a modernidade se instalasse com a queima da memória. Mas se Fernanda Lages for esquecida a nossa modernidade se faz sobre a sombra de um feudalismo dos coronéis de outrora.

Em memória de Torquato no Terror da Vermelha, que matou a família e foi fazer cinema. Antes de se matar.


Beijos de Alfenim


Lázaro José de Paula


não posso mais sonhar vida inteira

detrás das nuvens negras do advir
que uma borboleta nua ingênua e ligeira
possa enfeitar tua esfinge branca dos jasmins
e o espinho do unicórnio em trancelins

zilhoes de silversurfers de alem mar
araras, bucaneiros, bottltes of gim
falcão maltês e pirilampos "noire , noire''
no gris do azedume, botequins
visto tua nação nobre na bandeira
carrego o mimo de todos os curumins
teu cão andaluz me lambe as fogueiras
e rasga as fantasias do arlequim

jurar salmoura embaixo das palmeiras
me assanho nos teus pêlos de cetim
corações mourejam na banheira
e a fada afaga beijos de alfenim
se as ilusões se vão pela peneira

bouquet de odaliscas vai surgir
o nada gritara a noite inteira
pra morte despencar do nosso '' sim "

" canto a canção fort-ver-te altaneira "
até onde esse acorde possa reluzir
corações mourejam na banheira
e a adaga afaga um beijo de alfenim
por isso chega bem antes do fim

me assanha com teu pêlo de cetim
que a morte ajuizou o nosso " sim "
bouquet de odaliscas vai surgir
até a fada mandar beijos de alfenim

Aprendendo a andar de bicicleta


Geraldo Borges
No meu tempo de menino aprender a andar de bicicleta era uma conquista muito especial. Quando acendiam-se  as luz mortiça na rua Campo Sales  nos antigos postes de madeira, eu ,e  meu irmão, saímos,  e encontrávamos outros colegas, e rumávamos  para o posto de alugar bicicleta, na casa de seu Osíres que não ficava muito longe. Era na mesma rua, dois quarteirões de distancia. Tínhamos o direito de escolher a bicicleta que quiséssemos, a identificávamos pela placa e pela cor da garupa. As marcas de bicicleta que me lembro eram todas escritas em língua estrangeira; Merk Suissa,  Monark, Gulliver, raleigh.

O Aluguel era por hora. Alugávamos geralmente por meia hora. Pois nosso dinheiro era minguado, a gente reunia as moedas e arranjava uma soma que desse para meia hora. Quem desse mais dinheiro andava mais. Como não tínhamos relógio e entusiasmávamos em nossa aprendizagem, caindo e levantando, uma vez por outra, chegávamos a esquecer  o tempo, e pensávamos que a bicicleta era nossa. Só nos dávamos conta da verdade quando uma pessoa do posto nos tirava da brincadeira dizendo que o tempo já havia se acabado.

Esses acontecimentos se deram lá pelos idos dos anos de mil novecentos e cinqüenta. Às vezes chegávamos em casa com os joelhos ralados ou os cotovelos, mas isto não significava nada em relação as emoções que a brincadeira nos proporcionava. Estávamos aprendendo a pedalar, a andar de bicicleta. Possuir bicicleta naquela época dava estatuo. Eu tinha dois tios empregados, um era sargento das forças armadas e tinha uma bicicleta, importada, vinda da Alemanha. Naquele época nem bicicleta se fabricava, no Brasil.O outro tio era empregado do DAC Diretoria da Aeronáutica Civil, coisa assim. Também tinha uma bicicleta para ir ao Aeroporto. Andei algumas vezes na garupa de suas bicicletas. Uma bicicleta pode conduzir três pessoas: uma na sela, outra na garupa e outra no varão, dependendo do dono e de sua força e disposição. O Mauro Bezerra, que morava na Campos Sales, e trabalhava na Mark Jacob, tinha uma bicicleta. Quando passava na frente lá de casa, e coincidia eu estar saindo para o Liceu me dava uma carona. Foi locutor de radio e depois deputado estadual pelo Maranhão. Quem também tinha uma bicicleta era o presidente do aero clube do Piauí, de cujo nome eu não consigo me lembrar no momento. Lembro-me apenas que ele sempre que encontrava uma pessoa conhecida, descia da bicicleta, se emparelhava com a dita pessoa e saiam conversando. Havia também um amigo que conheci mais tarde e que morava em Timon. Como sua casa ficava defronte o centro de Teresina, ele dispensava a bicicleta e vinha de canoa pelo rio Parnaíba. Era mais pratico já que a única ponte que existia naquele tempo era muito longe de sua casa.  Existia também bicicleta para mulheres, mas eram mais raras. E distinguiam – se pela falta de varão. Os carteiros e os padeiros também usavam bicicletas.

 Ainda não havia ladrões de bicicletas, pelo menos em Teresina. A primeira vez que vi um ladrão de bicicleta foi no filme ladrões de bicicletas de Vitorio De Sica,  em que roubam a bicicleta de Antonio, um simples operário. Ele a procura desesperado pelas ruas da cidade. Não a encontra. E então, resolve roubar uma também. Tinha de trabalhar e precisava de uma bicicleta para percorrer as ruas de Roma, isto logo depois da Segunda Guerra mundial.

Meu desejo era ter uma bicicleta, coisa que nunca aconteceu, no tempo certo, uma bicicleta para passear. Aprendi a andar, claro aos troncos e barrancos. Mas quede a minha bicicleta? Meu pai não podia me dar uma bicicleta, que naquele tempo era caro. Se tivesse de me dar uma teria de dar outra para meu irmão. E assim ninguém ganhou bicicleta. Nem que me lembra nunca dirigi as de meus tios, que eram zeloso   e não iam entregar o seu transporte na mão de um  menino meio maluco.

            O tempo foi passando e eu sabia que sabia andar de bicicleta. É coisa que ninguém esquece. Mas para verificar que meu aprendizado não havia sedo esquecido, uma vez por outra alugava um bicicleta e dava uma volta pela cidade, e ia verificando que o numero de bicicletas estava aumentando, com certeza já se estava fabricando bicicletas no Brasil.

 Um dia meu pai comprou uma bicicleta, mas não foi para mim nem para meu irmão. Foi para um parente que morava lá em casa, e era empregado na mercearia. A bicicleta foi comprada não para ele passear, mas para o seu trabalho. Para que ele fosse a rua pagar imposto, e resolver outros problemas. Nós podíamos muito bem aproveitar as horas vagas do meu parente para andar de bicicleta. Mas meu pai não deixava. Sabia lá se a qualquer momento ele não ia precisar. De forma que com o tempo andar de bicicleta para mim tornou-se um sonho esquecido. Aos poucos fui notando que andar de bicicleta requer muito coragem. A gente sair por ai de peito aberto sem nenhuma proteção no meio do transito, sentido o vento nos ombros. Ainda bem que agora existem ciclovias.

 A cidade está cheia de bicicletas fabricadas aqui mesmo em nossos parques industriais. Mesmo assim tenho certeza que ainda existem muitas pessoas que sonham com uma bicicleta e não podem adquiri-la. Hoje também acho que não existem mais postos de aluguel para ensinar andar de bicicleta. Eu acho que qualquer garoto que ganhe uma bicicleta não precisa apreender a pedalar. Aprende na creche, andando em velocípede. Lembro-me que meu filho saiu de um velocípede direto para uma bicicleta já andando, sem precisar dos arranhões nos joelhos e cotovelos, como eu, meu irmão e meus amigos. Da bicicleta eles passam para uma moto, estas máquinas perigosas que roncam por aí pelas ruas e estradas, com seus cavalos fumegando. Costurando, os automóveis. São outros tempos, tempos de muita velocidade. Mas eu acho que está na hora de dar um freio de mão nessa crônica.


o lado oculto


O lado oculto da lua
Não esconde nada
É igual ao que se vê da rua
Numa inocente espiada

O lado oculto da vida
Esse esconde tudo
Como uma frase esquecida
De um idioma mudo


(Climério Ferreira)
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foto: Fernanda Penkala

o caso do relógio que esqueci contigo



            
Paulo José Cunha

Pois agora meu tempo anda contigo
e, como um escafandrista, podes mergulhar por dentro dele,
remexer velhos papéis,   
investigar o que ando pensando em fazer do meu futuro,
descobrir antigos moluscos presos ao casco,
ou observar os peixes em volta do galeão adormecido.  

Podes tudo, pois meu tempo agora é teu.  

Só te peço que não mexas no presente
pois, neste instante, meu tempo anda ocupado com um sonho
que chegou e se instalou entre os ponteiros.  

O tempo lento em que sonhamos juntos...  

Não é justo sermos arrancados dele
pelo som estridente de um despertador.

Marcas no tempo


Não consigo compreender o substrato filosófico da arte, atual, da tatuagem. Digo da atual, e me resguardo da compreensão do fenômeno ainda não ser possível, porque compreendo um pouco a tatuagem tribal. Certas etnias africanas deixam a avó tatuar os netos com desenhos no rosto e dorso para um reconhecimento do grau de parentesco na idade adulta. Como um documento que é inscrito no próprio corpo, e de difícil falsificação, para atestar a origem étnica do guerreiro do futuro. É que, desse ponto de vista, a tatuagem é a inscrição do indivíduo no social.

Mesmo a loucura da máfia japonesa, yakuza, que tatuam todo o corpo num padrão comum, está dentro dessa lógica tribalista – embora eu não veja nenhum sentido em face de fácil identidade de seus membros pela polícia. Coisa compartilhada entre os adeptos do neo-fascismo. Não estou falando dessa identidade social.

Quero aqui abordar a tatuagem individual, que só tem em comum com outros tatuados a tatuagem em si, processo doloroso e demorado.
Tem aqueles que inscrevem na pele o nome da amada (o), não tem? Nesses tempos modernos em que a relação afetiva é efêmera, qual o sentido da inscrição? Nega-la? Alguns até conseguem, como no caso da relação do Macarrão com o goleiro Bruno. Ficaram juntos até na cadeia. Mas a maioria dos casos a dor do desmanche da tatuagem deve ser maior que a própria. Dragões, tigres, flores e pássaros mostram um indivíduo que inscreve o pretenso caráter interior. Mas se ainda não vi tigres com o comportamento de gatos, já testemunhei ira, dignas de um dragão, em tatuados com flores.
Estampar o brasão do time é algo mais permanente, não se troca de time assim como se mudam relações afetivas. Agora trazer orgulhosamente impresso na pele o escudo do botafogo, seria meu caso, convenhamos que não seja de se orgulhar de um time que perdeu  de quatro para  o Fluminense.
Há tatuagens religiosas. São Jorge no sincretismo com Ogum. O Cristo e Guevara mostram o mesmo sofrimento do sacrifício. Mas a santa ceia, com os doze apóstolos do mesmo lado para o pincel de Da Vinci, já é algo exagerado. Tem uma Santa que protege as costas do tatuado que não ver a devoção. Na moda entra o Buda e outros deuses hindus. Dos japoneses e chineses os ideogramas dizem uma mensagem oculta para quem não os entende. Escrever frases também é uma necessidade que não entendo até pela repetição cansativa.
Recentemente uma atriz famosa tatuou na coxa um poema de Fernando Pessoa provocando elogios do Verissimo. Decifrar poemas de amor no corpo da amada até pode fornecer um roteiro de filme. Apenas chamo atenção para que as pessoas envelhecem e tatuagens podem ficar ridículas num velho. E o poema de amor talvez não fique ilegível por falta de óculos no leitor, mas pelas rugas que o tempo nos dá...

(Edmar Oliveira)

Túnel do Tempo

Uma mulher alo...urada, que se disfarça com uma touca branca, e acompanhada de um marra moreno, chega num estabelecimento qualquer e não quer nem papo: compra um objeto e apresenta uma banda de cem (Cr$ 50). O cara, ao passar o troco não percebe que a bandida já puxou um cigarro e riscou o fósforo. Ele se sente atordoado e quando volta a si, a gaveta está lisa. E, com essa fumaça embriagadora, a loura mágica já assaltou a Maxi Lanche e a Padaria Aurélia, conforme denúnicas apresentadas ao 1º Distrito Policial. Ela anda ai com o seu negão, talvez, afim de pertubar noutro ponto. A polícia está diligenciando com as pistas oferecidas pelos assaltados Joaquim Coelho Azevedo e Domingos Souza.
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pesquisa de Rodrigo Leite 

...ainda assim!

 

ainda que sonhasses a meu lado,
não vindo aos sonhos teus nenhum romance,
fosse um de nós um só apaixonado,
tivesse o outro apenas uma chance...

ainda que morasse do teu lado
e te visse ao acaso e de relance,
ficasse em solitude e disfarçado,
qual desbotada e única nuance...

ainda assim, se os dois se desejassem,
e, mendigando amor, se contentassem
usufruindo o anseio a sós, enfim...

já que não sais dos meus padecimentos,
eu morreria instando esses momentos,
tendo-te, enfim, jamais... ainda assim!...

(Juarez Montenegro)

Oeiras

Placa de Rua em Oeiras, Portugal, bem entendido. Na nossa Oeiras não tem Isaltino? Há controvérsias.

Thais Gulin e Tom Zé


simplesmente maravilhoso