domingo, 13 de maio de 2012

O Terror da Vermelha


Edmar Oliveira 

Vermelha é um bairro de Teresina. O Terror da Vermelha, um filme de Torquato Neto. Não é do filme que eu vou falar. Mas do terror da Vermelha à Matinha, da Piçarra ao Mafuá, do Barrocão à Palha de Arroz.

Durante a Intervenção do Estado Novo, e até um pouco depois, a periferia de Teresina composta por esses bairros foi criminosamente incendiada para que os barracos de palha dessem lugar a modernização da cidade. O que o prefeito Pereira Passo fez no Rio no início do século passado, com a ajuda "científica" de Osvaldo Cruz, num saneamento à peste, em Teresina foi feito com a ajuda da polícia de dos políticos, num terrorismo às claras e à luz do dia. No Rio teve a “Revolta da Vacina”, com o povo reclamando de que a ação da saúde tinha relação com a perda das suas casas, na justificativa de um saneamento necessário; em Teresina culpavam-se as vítimas pelas queimadas. Os “Filhos de Ninguém”, como ficaram conhecidos, eram torturados para confessar um crime praticado por seus algozes.

O que mais impacta em Teresina foi a queima da memória. Nos tempos em que morei no Piauí eu sabia das queimadas, mas pra mim, o que acontecera a menos de cinco anos do meu nascimento, era como se fosse memória muito antiga do século anterior. A geração que me antecedeu, certamente viveu aqueles tempos de terror, mas não falava deles. Era um assunto sabido, mas não dito. O terror que se impôs na "cidade vermelha" ficou esquecido na poética denominação de Coelho Neto da "cidade verde". Ironia das cores.

 Embora os historiadores, romancistas e poetas falem desse crime de fogo, não é um assunto que se apreenda nas escolas desses currículos nacionalizados.

Pior é que a queima da memória pelos poderosos que cometem crime se arrasta aos dias atuais. Não se fala mais dos assassinatos de Helder Feitosa e Donizete, entre muitos outros, que ficaram impunes. Jornalistas que se atreveram a contrariar os que mandam.

Recentemente a morte da menina  Fernanda Lages parece estar sendo queimada da memória dos teresinenses. Há um ano, quando eu estava em Teresina só se falava nisso: uma jovem, descendente de uma família tradicional, foi encontrada morta atirada de um andar alto um edifício em construção. As investigações passavam por pessoas importantes da nova elite local. Mesmo tendo um vigilante no local o crime foi abafado. Até tentaram criminalizar a vítima, só que as evidências de assassinado eram demais. E segue sem solução desta vez quando volto à terra. E nem se fala mais nisso.

Teresina ficou moderna. A bela ponte estaiada anuncia o crescimento da cidade para depois do rio Poty, na zona leste, onde a cidade cresce. E novos edifícios se levantam da chapada em rumo do céu azul de arder nos olhos. Hoje, andando na cidade, me deparei com prédios modernos, longe um dos outros, em cores berrantes de amarelão, vermelho, abóbora. Vi como se fossem as chamas das palhoças incendiadas para que a modernidade se instalasse com a queima da memória. Mas se Fernanda Lages for esquecida a nossa modernidade se faz sobre a sombra de um feudalismo dos coronéis de outrora.

Em memória de Torquato no Terror da Vermelha, que matou a família e foi fazer cinema. Antes de se matar.


Um comentário:

Anônimo disse...

Edmar:

Resistir é loucara
Loucura é amor
Amor é tudo.

Abraços,
Chico Salles.