domingo, 23 de janeiro de 2011

Reconstruir a Tragédia




Edmar Oliveira



Todo verão, quando começam as águas que só terminam em março, a geografia do Rio, cercado por morros de pedra com uma pequena camada de terra, violentada por uma ocupação desordenada desmancha-se em enchentes, lama e tragédia. Cidades serranas, morros da costa verde, os morros do Rio e Niterói, ainda estão na nossa memória nas recentes tragédias do morro do Bumba, os deslizamentos de Agra dos Reis. Mas lembrem-se de Petrópolis há alguns anos, várias vezes desmanchada em lama e mortes. Tudo é esquecido numa tragédia maior.



Desta vez a região serrana desceu do morro em lama e lágrimas. A cidade de Friburgo foi apagada do mapa na violência das águas atingindo sua população sem preferência entre ricos e pobres. A praça símbolo da cidade sucumbiu à lama, deixando apenas a igrejinha de pé, testemunhando a hecatombe. Na vizinha Teresópolis até a casa de veraneio, onde Tom Jobim compôs “Águas de Março”, foi derrubada na força das águas de janeiro, “é pau, é pedra, é o fim do caminho”.



E tivemos as explicações de sempre, com direito a analistas falando nas ocupações desordenadas, onde ninguém é culpado, até a interpretações filosóficas da relação entre homem e natureza. Todos os dramas e sofrimentos foram resumidos na imagem dorida de uma senhora que enterrava a filha, o neto, o bisneto. Ela era a imagem viva da morte de toda sua descendência na face da terra. E fiquei imaginando que algumas autoridades e seus antecessores, de várias gerações políticas passadas, deviam ser responsabilizadas criminalmente pela ausência dessas gerações futuras.



O prefeito da pequena Areal, antenado com a tromba d’água numa cidade vizinha, rio acima a quarenta quilômetros, colocou um carro de som nas margens do rio avisando que já chegaria uma enchente. Salvou muita gente e merecia um prêmio. Será esquecido e já nem me lembro seu nome e partido.



Mas Friburgo será reconstruída. E na teimosia das irresponsabilidades administrativas, até com sua ocupação desordenada novamente, reconstruindo uma nova tragédia.

Participação

Ana Cecília Salis



Não só!

A solidariedade não nos faz tão diferentes
Dos elefantes...
Talvez, a tromba...

E a dimensão de um amor
Único capaz de abraçar,
Para além de nossos iguais,
tantas outras diferenças...


.

Região Serrana...
Nova Friburgo...


Façamos a nossa parte

Reflexões ácidas enquanto a chuva não passa

Candido Espinheira


Nenhum ser humano, por mais bovino que seja, vive mais de seis décadas sem aprender determinadas coisas (o boi não as aprende, não por ter sido castrado, mas por não viver tanto tempo).

Que, conforme reza a sabedoria popular, fogo morro acima, água morro abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura.


Que quando a tempestade é de intensidade incomum derruba não apenas barracos em encostas e beiras de rios, mas também fábricas, haras e sítios de lazer em locais aprazíveis e tidos como seguros.

Que nas grandes catástrofes climáticas sempre será possível, sem risco de contestação por parte dos genericamente acusados, responsabilizar os políticos.

Que altas autoridades se apresentarão no meio dos destroços, ainda que tais aparições só sirvam para as fotos que os livrarão da pecha de omissos.

Que nas grandes catástrofes os repórteres de TV entram em êxtase e dão a impressão de que os escombros, assim como a seleção pré-olímpica, são o caminho mais curto para a glória.

Que as matérias mais prestigiadas pelas TVs são as de maior potencial lacrimogênico – mesmo quando o choro na tela seja visivelmente cenográfico.

Que a quantidade de voluntários é diretamente proporcional à cobertura da mídia.
Que os que se salvaram atribuem o fato à graça de Deus; já os que não o conseguiram... estão com Ele.

Que cães só permanecem à beira da sepultura do dono em poesia de Olavo Bilac, e em romances e filmes pueris.

Que sempre vão ser flagradas pessoas apropriando-se de doações para os flagelados.
Que esses ladrões frequentemente são funcionários públicos, cuja cultura já é a de que o que é de todos não tem dono mesmo...

Que, passado o primeiro impacto, a maior parte das doações acabará ficando em galpões nas cidades de origem, por falta de transporte.

Que depois de alguns meses será impossível explicar o destino final das doações que sobraram, em razão de um incêndio que, lamentavelmente, destruiu o depósito em que estavam guardadas.

Que, no rescaldo da tormenta, alguns vereadores serão acusados de terem trocado doações por promessas de votos.

Que as verbas prometidas debaixo de chuva virarão poeira quando o sol firmar.

Que as sirenes que a Prefeitura do Rio prometeu instalar para dar o alarme de risco de tempestades, servirão para responsabilizar as vítimas quando, no futuro, houver a rara coincidência de seu soar e algum óbito por desabamento.

Que o som dessas sirenes será o sinal para os saqueadores entrarem em prontidão para pilhar as residências dos mais incautos.

Esculturas de Lama

Paulo José Cunha



Durante as enchentes, nos desabamentos, sob a chuva,
os mortos vêm à luz esculpidos em lama.
A imprensa os cristaliza em manchetes dramáticas, fotos premiadas.
Não são mais vivos nem mortos: são eternos.

Milênios depois,
e lá estão as estátuas de lama
compondo admiravelmente
os livros de arte
da história da fotografia.

(Só depois de bem lavados da lama que os mantém vivos,
longe das câmeras e da bisbilhotice dos repórteres,
os mortos retornam ao choro das famílias
e conseguem morrer em paz).


_______________________________________

O poema que envio parece ter sido escrito sob o impacto das imagens da tragédia do Rio, mas não foi. Tem mais de dois anos. Escrevi depois de entrar num site de fotografias de tragédias. Algumas fotos eram de mortos retirados da lama. Tal como algumas das que têm saído esses dias nos jornais e nas revistas. (PJ)

Che num hotel de Campo Grande

Geraldo Borges




Um amigo meu, marxista, que reside em Mato Grosso do sul na cidade de Campo Grande, resolveu morar em um hotel perto da antiga estação rodoviária. Geralmente nos encontramos aos sábados no sebo Hamurabi, de propriedade do Cícero, diga-se en passant um sebo muito bem sortido, com preços variados, ao alcance do freguês, interligado a Estante Virtual.




A última vez que nos encontramos ele me contou que conversando com o dono do hotel, que tinha passado de pai para filho, ficou sabendo pelo novo proprietário que o quarto onde estava hospedado (nunca poderia imaginar), tinha sido alugado por Che Guevara, que, ali, passara uma noite, afim de pegar o trem em direção a Bolívia destino Santa Cruz de La Sierra, dali se embrenharia na selva onde cumpriria o seu destino de guerrilheiro, sendo caçado, como um lobo faminto e destruído, sumariamente, sem apelação.




Meu amigo me falou esta história. Eu não acreditei. O dono do hotel disse-me que era pura verdade, fora seu pai que lhe contara. E como provar? A prova era as feições, por mais que estivesse camuflada, a caixa de charuto, que estava sempre com ele. Dizem que ele conduzia uma granada dentro da caixa. A princípio teve medo, mas como era simpatizante da revolução ficou calado. Era só uma noite. De madrugada estaria cruzando a fronteira.




Enquanto eu ouvia esta história lembrei-me que Che Guevara tinha sido homenageado pelo governo brasileiro na presidência de Janio Quadro, que por coincidência era um cidadão de Mato Grosso. Pagou caro por esta coragem quixotesca, mas hoje Che, sendo um mártir e um mito pode ser explorado a vontade, pelos dois lados ideológicos.




Por que o dono do hotel não coloca um pôster do guerrilheiro da porta do quarto onde ele pernoitou, dizendo: Che dormiu aqui uma noite. Com certeza isto atrairia turistas curiosos que teriam o que contar depois de suas viagens. É um idéia. Dizem que o Minotauro ainda perambula pelo labirinto de Creta. E muitos turistas acreditam. Quem sabe a alma de Che que não acreditava em alma não está boiando dentro do quarto de um pequeno hotel de Campo Grande. Só que apenas os videntes tem o dom de colocar a nu este fenômeno




Pedi ao meu amigo que me levasse ao seu quarto de hotel, quem sabe lá eu não sentiria algumas vibrações libertárias. Perguntei-lhe como é que ele conseguia dormir naquele quarto onde Che deve ter passado a noite insone. Ela nada me respondeu. O seu perfil deve estar tatuado através da luz dos rebocos das paredes como sombras chinesas




Fomos ao quarto. Na hora que entrei, vi toda a biografia de Che de relance na linha do tempo, ganhando espaço, como uma grande parábola. Vi a barba rala, o rosto meio severo e terno, a boina com a estrela, a caixa de charuto em cima do criado mudo, e muitos detalhes do cenário humano de sua vida, a sua metralhadora a tiracolo, o seu velho uniforme de combate. Não havia duvida, eu senti Che Guevara, ali, dentro daquele quarto de hotel




Quando estava descendo as escadas do hotel, com o meu amigo, pensei em dizer para o dono do hotel, que se quisesse poderia solicitar ao patrimônio cultural do município, ou mesmo nacional o tombamento do quarto de Che, sem ironia a parte. Pois a maioria das pessoas que estão hoje no governo foram, ou são fanáticos admiradores do gênio de Guevara. E se ele já foi homenageado uma vez pelo presidente Janio Quadro, no ápice de sua vida, por que não pode ser agora depois de sua morte? O problema é provar se esta crônica é ou não é pura ficção.

3-Calcinha



Terceiro poema do novo livro do poeta Durvalino Couto. Click na imagem e depois amplie para ler o poema (ou tirar a calcinha).

Amadeu e Ermelinda



1000TON



Foi lindo o casamento, muita gente, veio parente de tudo quanto foi lado, a festa foi de arromba. A noiva casou “quase” virgem, bem, quer dizer, Amadeu foi deveras delicado, não forçou (muito) a barra, se é que vocês me entendem, e Ermelinda pôde guardar um restinho de “pureza” para as núpcias.


O marido era um funcionário público exemplar, foi galgando todos os níveis de promoção com tenacidade e paciência de Jó. Jamais atropelou, imagina, algum colega, era queridíssimo e sempre ganhava, no final do ano, a cobiçada (nem tanto) medalha de funcionário padrão.


Ermelinda era florista na loja do papai italiano apaixonado pelo Grande Caruso, vitrolinha ligada aos berros na pequena lojinha da Mooca.


Olha só que lindo! Amadeu passava lá todo o dia, sim, todo o santo dia, escolhia o mais belo buquê de camélias, pegava as frescas flores, sentia o perfume, pagava, beijava as flores delicadamente e as oferecia, numa gaiata reverência, à bela e também fresca Ermelinda (aquele “tomara que caia” que ela usava, deixava o rapaz louco!).


Os filhos, todos planejados por “tabelinha” (esta nunca falhou, os dois eram católicos), foram bem-vindos, lindinhos, um casalzinho tipo Bebê-Jonhson.


Amadeu trocava fraldas, ninava, dava banho nos pequenos, contava histórias, ajudava em tudo em casa, fazia questão de lavar a louça do jantar, se dava muito bem com a sogra. Meninos crescidos, acordava-os delicadamente, distribuía muitos beijos, botava o café da manhã, deixava a sua Lindinha (botou este carinhoso apelido nela) dormir até um pouco mais tarde, levava-os ao colégio antes do trabalho, pegava na volta, fazia o dever de casa com eles, nunca levantava a voz, dava bons conselhos, tinha toda a paciência desse mundo, consolava e aconchegava, os vizinhos o adoravam, fazia pequenos consertos em casa, economizava dinheiro para gastar em belas viagens nas férias.


Ele era bom de cama, mesa e banho. Vamos por partes, esquartejando a vida do Amadeu:


Na cama respeitava os frêmitos febris da sua parceira, conduzindo-a solidariamente ao Ah! Ah! AAAAAhLELUIA ! Por quem os sinos dobram?...


Bom de mesa e banho:


Aos domingos gostava de jogar sua peladinha com os amigos, não sem antes deixar todo o almoço pronto, é claro, Amadeu, o bom de mesa. No campo dava um trato legal na pelota, era meia-esquerda, disputadíssimo pelos escretes da vizinhança. De bola, Amadeu dava um banho.


Findo o racha, passava na vendinha e trazia duas cervejinhas para tomar junto com a patroa e almoçar em casa com a família, não raro com algum parente ou amigo, aparecido à última hora para filar a bóia. Nada de ficar no boteco da esquina jogando conversa fora até tarde, isso é que não.


Ainda por cima era fiel. Fiel não, fidelíssimo. Uma vez a vizinha de segunda casa, a Vanessa, AH! A Vanessa! Ela tinha uma bunda e um corpinho que, se o Criador fez o mundo em sete dias, deve ter levado uns, no mínimo, três meses para criar aquele pedaço de mal caminho: cor de jambo, o brotinho era a dançarina mais gostosa da Boite Le Papillon, vai escutando só...


Dia se sábado, o carro tinha baixado oficina, chovia pela manhã, Amadeu tinha que examinar uns papéis no escritório, que chato, né? Na sala se despede de Lindinha com um caloroso beijo de todos os dias, pega o seu guarda-chuva e sai para trabalhar, Lindinha foi dar mais uma espiada no tempo pela varanda, quando viu a Vanessa (Ahh! A Vanessa!) saindo apressadinha, desprotegida da chuva, em direção ao Amadeu. Mas o que é isso?...


Sem mais nem porque, pega rapidamente a capa de chuva e a sombrinha e sai seguindo os dois, a uma distância segura. Meu Deus! Ela pegou carona no guarda-chuva dele!... Viu bem a encaixada que aquela vagabunda deu no marido, passando com o braço por baixo do dele e agarrada se esfregando com aqueles peitos (Ai, que peitos!) e coxas (Ui, que coxas!). Com a gola da capa cobrindo o rosto, escondendo-se atrás da sombrinha, Lindinha chega ao ponto do ônibus, trôpega, se mete no meio das gentes e escuta o seguinte papo: “ ... eu saio lá pelas duas e a gente podia... minha querida, guarde esse amor para quem realmente te ama... mas só por um dia... eu amo demais a minha esposa...vamos, vai... não, por favor, não insista... “. O marido subiu apressado no ônibus e partiu. A esposa rejuntou as partes do seu coração e voltou para casa, aturdida.


Dia desses Ermelinda chama o pai, o padre da paróquia e o advogado parente da família e vaticina: “Quero me separar do Amadeu, vou me divorciar, não dá mais!...”.


“Meu Deus, mas como? Por quê? Você ficou louca, criatura? Isso é um descalabro! Não faz sentido! Perdeste a cabeça?”


E Ermelinda, impávida, fria, responde: Eu não agüento mais! É muita humilhação! O Amadeu não tem defeitos, nenhum defeito!


Amadeu, quando recebeu a notícia, pegou o carro na oficina, deu uma boa gorjeta ao fiel mecânico, saiu cantando pneu, entrou na rua Augusta a 120 por hora, botou a turma toda do passeio pra fora, fez curva em duas rodas sem usar a buzina e rumou para a estrada de Santos onde... Estabéfe! Chapou de frente, também a 120 por hora, numa carreta Scania que vinha em sentido contrário.





1000TON


Para sempre




Na aridez do sertão,


gravados em óxido de ferro


vestígios de uma paixão...

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Cineas Santos

macacheira eletrônica

e-mail de Paulo Tabatinga (deve ter recolhido no território livre da Internet):


Temos uma novidade no mercado brasileiro...
Depois do iPod, iPhone e iPad, olha o que temos, exclusivo para o Brasil:



macacheira eletrônica

DO QUE EU FALO QUANDO EU FALO DE CORRIDA

Luiz Horácio

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Em novembro estive em Paris, acordava às cinco da manhã e saía para correr, estava hospedado nas imediações da Gare Saint Lazare. O frio começava a se estabelecer, minha indumentária era a mesma do inverno porto alegrense. No ato de correr nenhuma mudança, excetuando-se o cenário. Às vezes encontrava corredores(as) e conversávamos, dentro das limitações do "meu francês". Quando sozinho não pensava em nada de especial tampouco em meus compromissos, de vez em quando vinha a mente un canard, un vin rogue, coisas do gênero. Ao ler Do que falo quando eu falo de corrida me veio a sensação da mais sincera obviedade nas páginas dessa auto-ajuda genérica de Haruki Murakami, temperada com ultra doses de filosofia de butiquim. E dizer que o próprio é autor de Kafka à beira-mar. Lamentável, para não dizer constrangedor. Repare, quase sedentário leitor.



“Tento não pensar em nada de especial enquanto estou correndo. Na verdade, corro com a minha cabeça totalmente vazia. Mesmo assim, acho que exatamente por estar me concentrando em nada, alguma coisa surge naturalmente e, como um susto, de repente já está no meu pensamento. Essas coisas, eventualmente, acabam virando ideias que participam da minha criação literária.”



São várias dessas nesse mesmo tom aproximando o diário de Murakami a testemunho de presidiário convertido a igreja universal. Murakami aceitou seu jesus, seu jesus corredor. Francamente!



Repare bem, quase atleta leitor, não estou condenando o autor, mas ele diz o óbvio do óbvio. Quem, que corra diariamente, não sabe das modificações que o hábito exige, quem?



Escrito em forma de diário Do que eu falo quando falo de corrida narra os acontecimentos, relacionados com os treinos e maratonas com a participação do autor, em 6 dias de 2005, dois dias de 2006 e, perdido, um dia de 1996 onde o autor conta sua experiência em uma corrida de cem quilômetros.



Preste atenção, destemido leitor, que Murakami também aproveitou para fazer seu merchandising de tênis para corrida.



A relação corredor/romancista está no segundo capítulo: Dicas para se tornar um romancista corredor. Calma, apressado leitor, poupe seu dinheiro, compre um calção e esqueça o livro. Em caso de você ser escritor o segundo passo é o mais fácil, correr. Mas se você for um corredor, alto lá; diminua o ritmo, correr 300, 400, 500 km por mês não fará de você um escritor. Digo isso porque o autor trata essas atividades como sublimes. Pura bobagem. Nada que o ser humano faz pode ser sublime.



Murakami diz que maratonistas e romancistas precisam desenvolver alta concentração e perseverança para alcançar seus objetivos, que o resultado só aparece após trabalho duro e continuo.



Ohhh! Lavar vidros no vigésimo andar, pelo lado de fora caro leitor, também exige concentração e perseverança.



Lendo Do que eu falo quando eu falo de corrida me ocorreu a idéia de escrever um livro sobre o ato de caminhar nas grandes cidades, começará assim: É aconselhável não ocupar o mesmo lugar que os automóveis quando em movimento.



Enfim, quem corre diariamente não encontrará novidade alguma no relato do pastor Murakami, quem não corre dificilmente se sentirá estimulado a fazê-lo. Sublime demais… coisa pra escritores… quem sabe… pintores.



Decepcionado leitor, corra à livraria e compre Minha querida Sputnik ou Kafka ao meio dia, parece mentira, mas trata-se do mesmo Murakami.



Saudade de Paris!

Nelson Mandela



"Os ideais que cultivamos, nossos maiores sonhos e esperanças mais ardentes podem não se realizar durante a nossa vida. Saber que em seu tempo você cumpriu seu dever e viveu de acordo com as expectativas de seus companheiros é em si uma experiência compensadora e uma realização magnífica"

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Escrito enquant estava preso, abril de 1985 - Nelson Mandela - conversas que tive comigo, ed. Rocco, 2010

poemicro

*RAZÃO *



Razão é aquilo
Que o outro sempre acha que tem



(*Climério Ferreira*)

Antônio Damasceno Bezerra

Amigo(a)s,

Olhem que merda primorosa. Este poema foi publicado numa edição exclusiva para bibliófilos, fora do mercado, em tiragem numerada de 1 mil exemplares, intitulada Uns Fesceninos, organizada por Oswaldo Lamartine de Faria, com ilustrações de Poty, em 1970. O livro teve sua composição iniciada em março de 1969, mas foi interrompida por um incêndio que engoliu boa parte dele. O volume é composto do que se conseguiu recuperar. Foi proibido durante a ditadura. Por isso cuidei muito bem do meu precioso exemplar, que ganhei ainda no Piauí, antes de vir morar em Brasília.

O autor do poema é Antônio Damasceno Bezerra, nascido em Natal em 1902 e morto ali mesmo, em 1947. Boêmio, desregrado, perdeu os originais de seu (único) livro de versos "Terra Encantada". Não tinha cópia. Nem existia ainda o palavrão Back-up... Nunca chegou a publicar nada. Trabalhou no Diário de Natal, jornal católico e n'A República, em Natal. Jayme dos Guimarães Wanderley, colega de boemia, contou que, antes de morrer, Damasceno pediu à família que destruísse e ao amigos que esquecessem a coleção de poemas bocageanos que produziu ao longo da vida. Poucos escaparam, em cópias escondidas por amigos ou parentes, que desobedeceram a recomendação de sumir com tudo. Entre os quais este genial.



(Paulo José Cunha)



***
TUDO É MERDA

O mundo é simplesmente merda pura
E a própria vida é merda engarrafada;
Em tudo vive a merda derramada,
Quer seja misturada ou sem mistura.

É merda o mal, o bem merda em tintura,
A glória é merda apenas e mais nada.
A honra é merda e merda bem cagada;
É merda o amor, é merda a formosura.

É merda e merda rala a inteligência!
De merda viva é feita a consciência,
É merda o coração, merda o saber.

Feita de merda é toda a humanidade,
E tanta merda a pobre terra invade
Que um soneto de merda eu quis fazer.

Raiz do Bem


Hoje a página musical toca "Raiz do Bem" de Simão Curuca. Vídeo de Mauro Perez. O Simão conseguiu trazer o Lima Barreto para a rua do Lavradio no Rio Antigo. Inauguração do busto do mestre dia cinco, às onze, na feirinha da Lavradio. Vá lá falar com o Lima...

Cartas para a Redação

VINTE ANOS PERDIDO NO ESPAÇO

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Saudações calanguísticas!
Sou um velho dinossauri negro,perdido no espaço.
Que por desejo, curiosidade e necessidade,saltou da nave mãe.
Pra vagar no espaço. Espaço este que não recebi de presente de boas vindas
ao chegar na "paulicéia desvairada," (mas que roubei!). Santa teimosia!
Um calango dinossauro ou um dinossauro calango? Confesso que bebi! Epa!!!
Isso é do grande Jaguar! Que me faz lembrar uma frase do gênio Millôr:


"Nasci aqui,no estrangeiro,sempre vivi aqui,no exílio,
e digo sempre com orgulho:esta é minha terra mortal."


Mas o velho Dino Alves, que veio lá do sertão,e pode não lhe agradar...
Não está preocupado com o olhar alheio.Pois, por ser dinossauro,
tem uma visão privilegiada.




Edmar,o abr.do Dino Alves.
( c a r i c a t u r i s t a )
Nos conhecemos no 08-SALIPI


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Dino, o Piauinauta intima sua colaboração (EO)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Calango






Edmar Oliveira
.

Outro dia entrei no diabo duma teima com uma amiga minha. A moça talvez tenha se impressionado com meus (poucos) atributos “raciocinantes” em contraste com meus deficientes atributos físicos (se é que aqui eu tenha alguma coisa a ser chamada de atributo. Talvez o correto fosse distibutos - se existisse a palavra). Tentei chamar atenção de que o que talvez a impressionasse fosse apenas o efeito do contraste, porque também se eu tivesse um distributo mental, melhor seria nascer feito um pé de alface. Pelo menos seria comível pela moça que faz dieta.




Voltando a teima, a moça insistia que eu tinha um equipamento mental privilegiado, como se isso me distinguisse do calango, como carinhosamente preconceituosa ela me tratava. Acho até que a tese fazia parte de um preconceito maior de se achar exótico um calango pensar.




Discordava no meu humilde raciocínio “calanguístico” (balançando a cabeça nervosamente) de que o meu azar era não ter um atributo “mentalísco”, mas apenas sabia encher o meu pobre e roto balaio pensante com informações culturais que me interessavam e que, às vezes, nem tinham qualquer serventia. Ela insistia num diferencial em mim, espantada que aquele “bicho feio” fosse capaz de discordar com razoável argumentação de um ser superior.




Insistia num DNA familiar. Eu olhando minha árvore genealógica, que se parece a um mandacaru cheio de espinhos e dois ou três ramos (certo que as vezes tem uma flor maravilhosa), não via galhos de inteligência que justificasse o meu raciocínio herdado, que mais insiste em teimar do que opinar positivamente sobre alguma coisa.




Até porque acho, como já disse o filho de um amigo meu, que a genética transmite é doença e não talento, o que também não adquiri, apesar do esforço usando meu atributo pouco desenvolvido. E teimando digo, balançando a cabeça como uma labigó: não difiro em nada dos meus conterrâneos. Talvez um pouco mais pretensioso de se atrever a discutir com a moça. Mas somos todos calangos. E calango teima, tem opiniões e insiste em existir como um ser pensante no ambiente hostil em que o preconceito nos reserva. E Paraíba é o rio que corre na vossa terra, quem nasce na Paraíba é paraibano e eu sou piauiense. Dito, balanço a cabeça, sacudo o rabo e desapareço entre as pedras do desentendimento.

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desenho calanguistico: Gervásio

O Verso

Geraldo Borges



O verso


É o verme


Do reverso


Do arame


E adverso


PERVERSO


Nos consome.

Preços

Ana Cecília Salis

Não choro à toa.

Cada lágrima que verto
é um suspiro a menos
No meu tempo de vida..

Goethe





"Escrever é um ócio muito trabalhoso"

Johann Wolfgang Goethe

Festa de Fim de Ano






Antes de iniciar o meu reles e prosaico artigo, gostaria de dividir com o meu caro e raro leitor o melhor presente de natal que recebi:



O ESTADO PALESTINO foi reconhecido pelo Brasil !



Decisão soberana que muito nos engrandece.



NUNCA DANTES houve uma aproximação tão grande e de tamanha importância dos povos árabes e muçulmanos.







Entra ano, sai ano, no período de Natal e Ano-Novo, muita gente baixa na choupana do Velho Pai de Santo Benedito para pedir a sua “bença” e levar presentes e alimentos para o povo mais necessitado.


Todos que por lá chegam já sabem: para passar da porteira têm que tirar os sapatos e caminhar no chão de terra até a casa do Velho. Ele já está na porta esperando os peregrinos com a mão estendida, convidando todos para entrar e se aboletar do jeito que der.


A uma boa distância dali todos já sentem o cheirinho gostoso do feijão tropeiro, preparado nos panelões de barro num fogão a lenha. Tem sempre também broa de milho saborosa e café fresquinho , passado na hora. Para quem é de cachaça tem sempre uma purinha, arretada que ela só, esperando “o freguês”.


Todo mundo pode entrar que a casa é sua: pobre, rico, preto, branco, todas as raças e todas as religiões, só não é bem chegado aquele que:


“ não fala com pobre,


não dá mão a preto


não carrega embrulho


pra que tanta pose doutor


pra que esse orgulho? ”


Benedito, sempre que vai começar a contar uma história, canta um mote antigo que ele aprendeu com os escravos africanos, que diz assim:



“ chega Sá Zefa, chega Sinhá


chega Chico e Bastião


pruqui agora vô contá


o que vi na Capitá


uma coisa de fazê espantação ”



...e todo mundo vai chegando mais perto para ouvir, assim vai rolando o encontro até que se aproxima a meia-noite:


Aí Preto Velho faz uma saudação em yorubá, clamando pela paz entre os homens e convida todos para ajudarem a carregar um grande carro de bois com tudo que trouxeram os visitantes.


Esse carro, que possui 3 parelhas de bois muito bonitos e amestrados, todos com uma estrela na testa, é conduzido pessoalmente por Benedito pelas estradas da vida, quantas vezes forem necessárias, até que todos os presentes sejam distribuídos para os mais pobres desse Brasil.


Sim, meu caro e raro leitor, o Natal aqui na nossa terrinha já foi comemorado assim... Desde muito tempo, acredite. Lamentavelmente a maioria dos nossos irmãos brasileiros não participa ou não se lembra mais...


O poderoso Santa Claus, o velho branquelo, barbas e cabelos cor da neve, gorducho de olhos azuis, com suas bochechas rosadas, tomando Coca-Cola no bico da garrafinha, pilotando o seu trenó turbinado puxado por renas bi-iônicas caiu arrebatadoramente no gosto dos nossos conterrâneos...


“ DE REPENTE VENDI MEUS FILHOS / A UMA FAMÍLIA AMERICANA / ELES TÊM CARRO / ELES TÊM GRANA / ELES TÊM CASA / A GRANA É BACANA............................”



Axé, Babá!


E viva a Palestina !


(1000TON)

Calculadora



Nicolas Behr





jk desafiou zeus e fundou brasília



os candangos foram então castigados,

trabalhando acorrentados, com a eterna sina

de construir a cidade de dia

para ser destruída durante a noite



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"Brasilíada" de Nicolas Behr, Ed Lingua Geral, Rio, 2010.

2-Bustiê





Da série Lingerie de Durvalino Couto Filho. Click na imagem para ampliá-la.

Pra quem tem mais de 50 anos






O Assange, do WikiLeaks, nosso herói espião de hoje, não é a cara do Tim Tim, nosso herói espião de ontem?

Rio Parnaíba


Lima Barreto


Para

Simão Jorge Curuca

Um presente de Natal

com votos para que a “profecia” se realize.

Um abraço do amigo

.

Geraldo Borges.
.

Ganhei uma estatua da municipalidade

Eu – um escritor de carne sangue e osso

Estou bastante contente, é a posteridade

Os meus leitores acham-me um colosso.

.

Não sentei em uma cadeira da Academia

Talvez por ser mulato e represente o povo

Eis erguida a minha estatua – quem diria?

E como se eu voltasse ao meu rio de novo.

.

E participasse da festa com todo coração

Deixando muitos modernos para trás

Que se perderam no andar da procissão.

.

Minha estatua está firme e inaugurada

Graças a Simão Jorge que foi capaz

De lançar a primeira pedra da empreitada. ..


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Geraldo Borges fez esse poema para o Simão da Casa Lima Barreto, que vem lutando para conseguir uma estátua do patrono na rua Lavradio, por onde ele andava. Parece que a municipalidade ouviu os seus reclamos e a estátua vai sair. Esperamos que em breve.



Patti Smith



A cantora Patti Smith e o fotógrafo Robert Mapplethorpe em Coney Island, Nova York, em foto tirada em setembro de 1969
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Paulo Amaral, como eu, gostava da Patti. Nem sei se propriamente pela música, mas pelo conjunto. Nunca achei Horses tão bom quanto a matéria abaixo delega. Patti é pequeninha, andrógina (Ginsberg a paquerou, pensando que se tratava de um garoto). Sua vida - além dos poemas e discos bissextos produzidos - foi cuidar de homens: primeiro o ótimo fotógrafo Mapplethorpe, a quem acompanhou até os últimos momentos, definhando de Aids; depois veio o marido, que morreu aos poucos, de câncer; por fim sobraram-lhe os três filhos pequenos, aos quais criou sozinha. No livro Só Garotos conta a fase em que conheceu Map. Como ela, Map chegara do interior, sem um puto, rejeitado pela família, para tentar a vida em New York. Moraram juntos, foram amantes (sobretudo amigos), conheceram as pessoas juntos, aprenderam as coisas juntos. Foram muito próximos, até o fim (de Map). Ambos aguerridos, de origem humilde, interiorana, muito batalhadores e audaciosos (principalmente Map). Patti sempre me lembrou Cristina (Brasília), pela batalha e maneira positiva de ver a vida. Figurinhas brilhantes (Patti e Map). O livro, além do que diz respeito aos dois, tem como pano de fundo o que rolava no período em que se conheceram. Principalmente do Hotel Chelsea, onde moraram na mesma época que Janis Joplin, Hendrix e outros, ainda no início das respectivas carreiras.
Abraços e boa virada de ano.




(Aderval Borges)




Patti Smith declara seu amor por Robert Mapplethorpe em livro de memórias
Fonte: Folha.com (22/12)

Quando "Só Garotos" venceu o National Book Awards há dois meses, a primeira coisa que a autora do livro pensou foi: "Que ótimo! Assim, muito mais gente vai conhecer o verdadeiro Robert!".
Cantora de rock, poeta, ícone cultural desde a década de 1970, a norte-americana Patti Smith levou 20 anos para terminar esse livro de memórias. Cumpriu assim uma promessa feita ao fotógrafo Robert Mapplethorpe feita poucos dias antes de sua morte, em 1989, em decorrência de Aids.
O casal se encontrou por acaso em Nova York, no verão de 1967, dois garotos pobres, muito pobres, mas com muita vontade de fazer arte. Ela escrevendo e desenhando. Ele pintando. Viraram nomes fundamentais para entender a arte norte-americana no século passado.
Em entrevista à Folha, Patti recordou seu namoro, e depois amizade, com o polêmico Mapplethorpe, fotógrafo de muitas fases mas habitualmente associado a suas séries de imagens de sadomasoquismo.
Ela lamenta não ter a posse de mais trabalhos da dupla. "Muita coisa está em museus e galerias. Eu tenho alguma coisa dessa época, não são muitos. Trabalhos foram perdidos, roubados, outros destruídos. Mas guardo muitos cadernos de anotações, poemas..."
Escrevendo sempre à mão, preencheu milhares de páginas para chegar ao livro. Hoje, acha graça de ter perdido um dos cadernos durante a preparação do material.
"Tive de reescrever o que estava ali. Semanas depois, achei o caderno perdido e vi que os dois estavam praticamente iguais. Foi incrível. Naquele momento eu ganhei a confiança que me faltava, vi que eu realmente tinha a história na minha cabeça.
Disciplinada, escreve todos os dias, mesmo agora, quando prepara seu novo álbum, o décimo de material inédito numa discografia iniciada em 1975, com o hoje clássico roqueiro "Horses".
"Escrevo sempre, desde que me lembro. Quando terminar de gravar o disco, é natural que eu trabalhe mais nas minhas anotações recentes. Preciso reler muita coisa para saber se ali tem algo que eu deva me esforçar para melhorar e talvez publicar. "
Ela diz não ter prazos nem para o disco nem para outros livros. "Tenho meu ritmo e preciso respeitá-lo."

Saramago



"Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não"

crise de abstinência

*Falo do alto e dos baixos de minha descrença, *
*falo como solista que sou de mim e de minhas idiosincrasias, *
*contestadas ideias&sôfregos refúgios, *
*vejo, do meu congá de blasfêmias,*
*no anonimato desse texto, um sinal de transubstanciação, *
*há mistérios nesse português indefinido e de pungente definição; *
*vejo nele a insubordinada pena de Lima Barreto, *
*vejo broquéis de Cruz e Souza, *
*vejo as transfigurações de Salgado Maranhão, *
*nos olhares de Manet e Di Cavalcanti, *
*que intercalam o libelo acusatório e dolorido *
*com a plástica da natureza e das gentes divinizadas...*
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*Perdida a tangência dos sonhos, *
*resta-me um ódio estéril, *
*invento a dinâmica da inércia, *
*dói-me uma civilização transformada em um monumental Haiti, *
*dói-me a insensatez dos fortes, *
*o eurocentrismo vasculhando cada palmo de terra:*
*negros nas galés, índios nas adagas*
*E um Deus cúmplice, *
*invocado por Santa Teresa D'Ávila,*
*enquanto seus irmãos consanguíneos saqueavam, estupravam e matavam*
*e ela, santa, levitava...*
*como uma confirmação divina dos acertos da Coroa.*
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*Estou no bloco do eu-sozinho, *
*tento bastar-me,*
*vivo de minha punheta existencial. *
*Surge, então, do fundo do copo, *
*a voz consoladora, moradora de uma quinta ornada de quintanares.*
*Mas é só uma sombra.*
*Sequestraram meu conhaque*
*e os europeus que o destilaram*
*me mandam via sedex*
*super doses de naltrexona*.



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simao jorge-curuca
(num dia de crise de abstinência)

João Só



Garimpo de Carlinhos Nascimento. João nasceu no Piauí, mas fez carreira na Bahia. Lembro a história de um jornalista picareta de Teresina que pagou uma senhora para se fazer passar pela mãe do cantor. Picaretagem na década de 1970! Alguém aí se lembra dessa história? Observem o literal do clipe e o grito do Munch. As lanranjeiras é pra se ficar debaixo...