domingo, 23 de janeiro de 2011

Amadeu e Ermelinda



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Foi lindo o casamento, muita gente, veio parente de tudo quanto foi lado, a festa foi de arromba. A noiva casou “quase” virgem, bem, quer dizer, Amadeu foi deveras delicado, não forçou (muito) a barra, se é que vocês me entendem, e Ermelinda pôde guardar um restinho de “pureza” para as núpcias.


O marido era um funcionário público exemplar, foi galgando todos os níveis de promoção com tenacidade e paciência de Jó. Jamais atropelou, imagina, algum colega, era queridíssimo e sempre ganhava, no final do ano, a cobiçada (nem tanto) medalha de funcionário padrão.


Ermelinda era florista na loja do papai italiano apaixonado pelo Grande Caruso, vitrolinha ligada aos berros na pequena lojinha da Mooca.


Olha só que lindo! Amadeu passava lá todo o dia, sim, todo o santo dia, escolhia o mais belo buquê de camélias, pegava as frescas flores, sentia o perfume, pagava, beijava as flores delicadamente e as oferecia, numa gaiata reverência, à bela e também fresca Ermelinda (aquele “tomara que caia” que ela usava, deixava o rapaz louco!).


Os filhos, todos planejados por “tabelinha” (esta nunca falhou, os dois eram católicos), foram bem-vindos, lindinhos, um casalzinho tipo Bebê-Jonhson.


Amadeu trocava fraldas, ninava, dava banho nos pequenos, contava histórias, ajudava em tudo em casa, fazia questão de lavar a louça do jantar, se dava muito bem com a sogra. Meninos crescidos, acordava-os delicadamente, distribuía muitos beijos, botava o café da manhã, deixava a sua Lindinha (botou este carinhoso apelido nela) dormir até um pouco mais tarde, levava-os ao colégio antes do trabalho, pegava na volta, fazia o dever de casa com eles, nunca levantava a voz, dava bons conselhos, tinha toda a paciência desse mundo, consolava e aconchegava, os vizinhos o adoravam, fazia pequenos consertos em casa, economizava dinheiro para gastar em belas viagens nas férias.


Ele era bom de cama, mesa e banho. Vamos por partes, esquartejando a vida do Amadeu:


Na cama respeitava os frêmitos febris da sua parceira, conduzindo-a solidariamente ao Ah! Ah! AAAAAhLELUIA ! Por quem os sinos dobram?...


Bom de mesa e banho:


Aos domingos gostava de jogar sua peladinha com os amigos, não sem antes deixar todo o almoço pronto, é claro, Amadeu, o bom de mesa. No campo dava um trato legal na pelota, era meia-esquerda, disputadíssimo pelos escretes da vizinhança. De bola, Amadeu dava um banho.


Findo o racha, passava na vendinha e trazia duas cervejinhas para tomar junto com a patroa e almoçar em casa com a família, não raro com algum parente ou amigo, aparecido à última hora para filar a bóia. Nada de ficar no boteco da esquina jogando conversa fora até tarde, isso é que não.


Ainda por cima era fiel. Fiel não, fidelíssimo. Uma vez a vizinha de segunda casa, a Vanessa, AH! A Vanessa! Ela tinha uma bunda e um corpinho que, se o Criador fez o mundo em sete dias, deve ter levado uns, no mínimo, três meses para criar aquele pedaço de mal caminho: cor de jambo, o brotinho era a dançarina mais gostosa da Boite Le Papillon, vai escutando só...


Dia se sábado, o carro tinha baixado oficina, chovia pela manhã, Amadeu tinha que examinar uns papéis no escritório, que chato, né? Na sala se despede de Lindinha com um caloroso beijo de todos os dias, pega o seu guarda-chuva e sai para trabalhar, Lindinha foi dar mais uma espiada no tempo pela varanda, quando viu a Vanessa (Ahh! A Vanessa!) saindo apressadinha, desprotegida da chuva, em direção ao Amadeu. Mas o que é isso?...


Sem mais nem porque, pega rapidamente a capa de chuva e a sombrinha e sai seguindo os dois, a uma distância segura. Meu Deus! Ela pegou carona no guarda-chuva dele!... Viu bem a encaixada que aquela vagabunda deu no marido, passando com o braço por baixo do dele e agarrada se esfregando com aqueles peitos (Ai, que peitos!) e coxas (Ui, que coxas!). Com a gola da capa cobrindo o rosto, escondendo-se atrás da sombrinha, Lindinha chega ao ponto do ônibus, trôpega, se mete no meio das gentes e escuta o seguinte papo: “ ... eu saio lá pelas duas e a gente podia... minha querida, guarde esse amor para quem realmente te ama... mas só por um dia... eu amo demais a minha esposa...vamos, vai... não, por favor, não insista... “. O marido subiu apressado no ônibus e partiu. A esposa rejuntou as partes do seu coração e voltou para casa, aturdida.


Dia desses Ermelinda chama o pai, o padre da paróquia e o advogado parente da família e vaticina: “Quero me separar do Amadeu, vou me divorciar, não dá mais!...”.


“Meu Deus, mas como? Por quê? Você ficou louca, criatura? Isso é um descalabro! Não faz sentido! Perdeste a cabeça?”


E Ermelinda, impávida, fria, responde: Eu não agüento mais! É muita humilhação! O Amadeu não tem defeitos, nenhum defeito!


Amadeu, quando recebeu a notícia, pegou o carro na oficina, deu uma boa gorjeta ao fiel mecânico, saiu cantando pneu, entrou na rua Augusta a 120 por hora, botou a turma toda do passeio pra fora, fez curva em duas rodas sem usar a buzina e rumou para a estrada de Santos onde... Estabéfe! Chapou de frente, também a 120 por hora, numa carreta Scania que vinha em sentido contrário.





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