domingo, 23 de janeiro de 2011

Esculturas de Lama

Paulo José Cunha



Durante as enchentes, nos desabamentos, sob a chuva,
os mortos vêm à luz esculpidos em lama.
A imprensa os cristaliza em manchetes dramáticas, fotos premiadas.
Não são mais vivos nem mortos: são eternos.

Milênios depois,
e lá estão as estátuas de lama
compondo admiravelmente
os livros de arte
da história da fotografia.

(Só depois de bem lavados da lama que os mantém vivos,
longe das câmeras e da bisbilhotice dos repórteres,
os mortos retornam ao choro das famílias
e conseguem morrer em paz).


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O poema que envio parece ter sido escrito sob o impacto das imagens da tragédia do Rio, mas não foi. Tem mais de dois anos. Escrevi depois de entrar num site de fotografias de tragédias. Algumas fotos eram de mortos retirados da lama. Tal como algumas das que têm saído esses dias nos jornais e nas revistas. (PJ)

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