Candido Espinheira
Nenhum ser humano, por mais bovino que seja, vive mais de seis décadas sem aprender determinadas coisas (o boi não as aprende, não por ter sido castrado, mas por não viver tanto tempo).
Que, conforme reza a sabedoria popular, fogo morro acima, água morro abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura.
Que quando a tempestade é de intensidade incomum derruba não apenas barracos em encostas e beiras de rios, mas também fábricas, haras e sítios de lazer em locais aprazíveis e tidos como seguros.
Que nas grandes catástrofes climáticas sempre será possível, sem risco de contestação por parte dos genericamente acusados, responsabilizar os políticos.
Que altas autoridades se apresentarão no meio dos destroços, ainda que tais aparições só sirvam para as fotos que os livrarão da pecha de omissos.
Que nas grandes catástrofes os repórteres de TV entram em êxtase e dão a impressão de que os escombros, assim como a seleção pré-olímpica, são o caminho mais curto para a glória.
Que as matérias mais prestigiadas pelas TVs são as de maior potencial lacrimogênico – mesmo quando o choro na tela seja visivelmente cenográfico.
Que a quantidade de voluntários é diretamente proporcional à cobertura da mídia.
Que os que se salvaram atribuem o fato à graça de Deus; já os que não o conseguiram... estão com Ele.
Que cães só permanecem à beira da sepultura do dono em poesia de Olavo Bilac, e em romances e filmes pueris.
Que sempre vão ser flagradas pessoas apropriando-se de doações para os flagelados.
Que esses ladrões frequentemente são funcionários públicos, cuja cultura já é a de que o que é de todos não tem dono mesmo...
Que, passado o primeiro impacto, a maior parte das doações acabará ficando em galpões nas cidades de origem, por falta de transporte.
Que depois de alguns meses será impossível explicar o destino final das doações que sobraram, em razão de um incêndio que, lamentavelmente, destruiu o depósito em que estavam guardadas.
Que, no rescaldo da tormenta, alguns vereadores serão acusados de terem trocado doações por promessas de votos.
Que as verbas prometidas debaixo de chuva virarão poeira quando o sol firmar.
Que as sirenes que a Prefeitura do Rio prometeu instalar para dar o alarme de risco de tempestades, servirão para responsabilizar as vítimas quando, no futuro, houver a rara coincidência de seu soar e algum óbito por desabamento.
Que o som dessas sirenes será o sinal para os saqueadores entrarem em prontidão para pilhar as residências dos mais incautos.
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