quinta-feira, 28 de maio de 2009

DEUSES





Edmar Oliveira

Tenho pra mim que o problema da religião é o singular. Com os deuses no plural cada qual tinha o seu na preferência e simpatia. Agora, as religiões monoteístas são o fundamento da intolerância. Se só o meu deus é a verdade, logo o outro é a mentira. Estamos prontos pra briga. Portanto a briga de Jeová com Alá é algo tão incompatível que nem os filhos, Jesus dos cristãos e Maomé dos mulçumanos, podem resolver. Quantos índios os espanhóis e portugueses mataram em nome de Cristo para que eles abandonassem a crença nos deuses da natureza. Porque a verdade do monoteísmo tem que ser imposta por bem ou por mal. O meu deus me favorece nas matanças dos infiéis. E ela é feita em seu nome. Se no mundo árabe, em nome de Maomé, revelador de Alá. A lógica é a mesma. A intolerância idem. Se no conflito judeu-palestino fico com os árabes é apenas por uma simpatia de torcer pelos mais fracos. A intolerância religiosa é tão forte como a dos judeus.
E se os judeus tem com os seus primos cristãos uma melhor tolerância ou convivência é porque os iniciados pelo Cristo, apressadamente adotaram o deus dos judeus. Botaram um filho no meio para intermediar, do qual os judeus debocham, ou pela linhagem de José dos judeus não ter nada a ver com o peixe ou por não acreditarem no filho bastardo de uma mariazinha qualquer. Mas tirante essa querela familiar na descendência o paizão é o mesmo e único para todos. Se bem que o aprofundamento teológico do deus ter um filho entre os homens pode mesmo mudar o deus inicial. Mas, vez por outra, eles se confundem e vivem em paz, quando os cristãos não acusam os judeus de matarem o cristo. Aí começa a intolerância. Tanta, que a igreja católica calou quando os alemães levaram os judeus ao holocausto. Um dos maiores genocídios da humanidade, mas repetido pelos judeus com o povo palestino na mesma paga, como que dando razão ao judeu Freud na afirmativa de se repetir o sofrimento pessoal no próximo, como um redizer neurótico, quando não psicopático.
Mas voltando aos deuses, percebe-se que o plural é um convite à tolerância. Se cada um tem seu cada qual, venerado em simpatia e desígnio, não tenho nada de intolerante com quem é Flamengo, embora torça pelo Botafogo de uma forma fatalista. Mas as torcidas organizadas são monoteístas e isto pode explicar a violência nos estádios...

Sólida

Ana Cecíla Salis

Fui
e sou
pura
insana
em qualquer instante inquieto

Sou...
casta
virgem e puta
onde nem me sei
e também onde bem me quero...

Me esclareço
Em nó
No lampejo

De algumas poucas
de minhas palavras...

Me reconheço
suja
e limpa
no espelho d'aguas
bêbadas...
claras...
turvas...
Na chuva fina...
na rendição das mágoas...

E me retorço em mim...
No gosto cinza
da lua cheia
viva e prenha
de minh'alma oca...

E me gosto
tanto...
Se
e só
No céu de estrelas
Da tua boca

Me acho um nada
nas tantas dúvidas
soberba
e estúpida
nessa nem tão minha
inconsistência

E me perco fria
Invisível
Insólita
cravada e mais
Com a tua ausência...

Hinos Patrióticos




Geraldo Borges


O Brasil, segundo Graciliano Ramos é o país que mais tem hinos patrióticos e paroquiais, municipais, para ser cantado de qualquer jeito em qualquer coreto de uma pracinha do interior. Toda agremiação tem o seu hino, nada contra, quem canta seus males espanta, e nosso povo tem mais é que cantar. Haja hinos, com o peito juvenil, com o peito varonil.
Mas o nosso grande hino para o qual todos ficam de pé e tiram o chapéu, é o hino nacional. Esta é uma obra magnífica de estilo barroco, construído em pleno período romântico.. A música é de Francisco Manuel da Silva (1795-1865). O texto foi escrito por Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927). Pena que é mal cantado nos grupos escolares. Aprecia-se a musica, mas não se entende patavina do conteúdo. Alguns o decoram outros nem isso.
O problema do hino é a letra. Foi escrito por um erudito. Quando digo letra estou falando do seu vocabulário. Se no final do hino a professor perguntar aos estudantes o que é lábaro, o que é impávido, colosso, o que é clava, o que é bosque, o que é margem plácida, brado retumbante, raios fulgidos, o penhor desta igualdade, florão da America, poucos, talvez saibam.
Confesso que quando era menino cantei o hino nacional e em vez de dizer mais garrida, dizia margarida E não sabia o que estava dizendo. A professora nunca nos deu uma lição de português usando como texto o hino nacional.
Pois bem. Depois do hino nacional, quando deixei de ser menino, conheci outro grande hino que muito me chamou atenção pela carga emotiva que explodia de dentro dele, este hino conseguiu extrapolar as fronteiras de seu país e ressoar longe. Qual foi o estudante do ginásio no Brasil, no tempo em que se estudava francês, que não cantou e leu a Marselhesa. Talvez com maior entusiasmo do que quando cantava o hino nacional. Houve um tempo em que a França era a nossa segunda pátria, no que concerne a filosofia e a literatura. Allons enfant de la patrie. Assim começa o hino. O hino da Revolução Francesa, o hino nacional da França. Fala em liberdade, igualdade, fraternidade, palavras fácies de se entender. Palavras que todo mundo conhece e lutam por ela.
Outro hino que também não me pode ser indiferente. Pois quando ouço me dá vontade de ficar de pé e levantar a mão esquerda é a Internacional. Este hino foi composto em 1888 por Pierre Degeyter, operário anarquista de origem belga fixado com sua família na cidade francesa de Lile, o hino se espalhou por toda a França. A versão em russo serviu como hino da União soviética de 1917 a 1941, também foi usado como hino do Partido Comunista da União Soviética, e cantado pelos socialistas e por todos os sociais democratas
Todo hino e uma exaltação patriótica, por mais provinciano que seja.
A Internacional vai muito além das fronteiras, das rivalidades. Poderíamos dizer que seria o hino mais compreensivo, mais humanístico, mais claro de todos os hinos. Alguns versos da Internacional dizem:
“ Bem unidos façamos, nesta hora final, uma terra sem amos, A Internacional “.
O hino nacional me toca porque me ensinaram a cantá-lo, mesmo errando aqui e ali, quer dizer, tropeçando em seus versos A Marselhesa me arrebata porque é um hino que expressa uma bandeira que ainda não foi comprida, pelo menos razoavelmente, A Internacional por que continua com o seu estandarte para frente, acenando tempos melhores, mesmo com a recalcitrância de muitos blocos econômicos que acham que depois do capitalismo tudo é utopia
Liberté, egalité, fraternité. Vamos continuar cantando. Por enquanto a roda do mundo gira, os donos do Poder estão meios atarantados. Cada nação canta o seu hino, Mas quem sabe um dia um novo hino surgira com uma nova melodia, com ritmo e letras iguais e será cantando por todos, com clareza, num vocabulário que todos entendam.

haikai

Teresa Cristina





Amanheceu! Voa
Nas pétalas da flor – terno -
O beija-flor! Olha


Nada Mais

Keula Araújo


Queria de você apenas
As fotos, as lembranças
Nada mais

Sentimentos mortos
Sem batidas no coração
Queria o amor adormecido
Nada mais tremendo
Só as lembranças

Frias

Sem mãos
Nem toques
Nem beijos...

PAS DE DEUX

Paulo José Cunha

uma bailarina
em frente ao espelho
um segredo
de amor

uma correnteza em teu olhar
um lugar
um lugar
mansa esta poesia
mansa esta magia
um momento
instante breve, exato
de prazer

baila, bailarina
em frente ao espelho
baila em frente ao espelho
dança um pas de deux

O JOGO DAS APARÊNCIAS

Climério Ferreira



O jogo das aparências
Tem peças soltas
Toda coisa que se mostra
Esconde outras

CANTIGA DE VIVER

H.Dobal






Sozinho na cama
um homem espera a sua hora.
A inesperada hora de tantos.

A vida é uma cantiga triste
mais triste e à toa que a das andorinhas
- Las oscuras golondrinas
tão mal vivida
tão mal ferida
tão mal cumprida.
A vida é uma cantiga alegre:
o primeiro sorriso de cada filho
e todos os microamores
que inutilizam
a vitória da morte.


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recebido de Cinéas assim: "Irmãos e irmãzinhas: há um ano (25/05/08), Hindemburgo Dobal Teixeira se fez saudade. O poeta Dobal, lúcido e consequente, permanece entre nós, com sua dicção inconfundível. Uma semana luminosa para todos".

Gripe Suina


Edmar Oliveira

Não sou do tempo da gripe espanhola, não sou tão antigo assim, embora bem usado pelo tempo. Mas trago na lembrança a lembrança dos mais velhos na minha meninice: a gripe espanhola fez um estrago no mundo maior que a guerra de 1914. Em 1918 uma gripe asiática trazida à Europa por jovens soldados espanhóis, ganhou esse nome. As tropas internacionais estacionadas na Europa foram vítimas da gripe. Os soldados foram poucos vitimados pela peste. Mas em compensação ajudaram a dizimar a doença mundo adentro matando velhos e crianças em forma alarmante.

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Dizem os cientistas, com seu saber extraordinário, que, vez por outra, um vírus da influenza das aves e dos suínos é transmitido ao homem e aí a mutação se encarrega de fazer uma doença letal. Lembram da recente gripe aviária do oriente? Ensaiou umas muitas mortes por lá, mas não chegou ao ocidente como peste. Agora, os porcos do México transmitiram um vírus mortal aos homens, chegando aos Estados Unidos e alguns outros países, com vários casos suspeitos no Brasil. Será a peste pós-moderna?
Sei não, mas eu aqui na minha santa ignorância científica acho que é preciso um “futucar” desenfreado dos homens aos bichos para se conseguir gerar o salto darwiniano de passar do bicho ao homem. E porque sustento opinião abusada e solitária? Por modesta experiência de vida (o que talvez não signifique nada, mas me rende esse pensamento). Lá nos cafundós do sertão convivi com criação doméstica de porcos e galinhas. E a gente sabia que quando uma galinha tava com “gôgo” (resfriado de galinha que qualquer nordestino conhece) mais valia a pena sacrificar a penosa para não gripar todo o galinheiro. E se o galinheiro ficasse em “gôgo” mais valia a pena separar uns ovos pra iniciar outra criação de penosas. Aquela cepa ia ao sacrifício. O mesmo procedimento se adotava aos suínos que ficavam roucos do “oinc-oinc” e faziam uma coriza visível. Pois bem, nunca que essas gripes de galinha ou de porcos contaminou qualquer um de nós. Não que eu tenha notícia. Nem se iniciou pelo sertão uma peste de influenza destas!

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Se a gente tiver a curiosidade de chegar ao caso “zero” dessas epidemias, quase sempre o seu começo é encontrado na grande criação de abate industrial. Da espanhola eu não sei. Mas da aviária e da suína o início é localizado nos grandes abatedouros de grandes empresas, geralmente em países periféricos, onde não é necessário seguir as normas da vigilância sanitária. A do México começou num distrito proletário, hospedeiro de uma poderosa multinacional de carne suína e com condições sanitárias desumanas.
E a primeira coisa que se divulga é que comer a carne de animais doentes não transmite a doença, mas o salto darwiniano do animal ao homem é que explica a epidemia. Não estou me contrapondo a afirmação, mas ela defende a criação para abate de animais doentes. Como o capitalismo é predador e devoto do lucro não segue a prescrição nordestina de inviabilizar o galinheiro ou o chiqueiro. Resultado: ficam “futucando” os bichos com vara curta e o vírus cultivado pode saltar de lá pra cá. Tô exagerando?
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PS- Depois de escrever este texto leio nos jornais que a OMS desaconselha a ingestão de carne da animais contaminados pelo vírus. Segundo alega, não está afastado a contaminação de humanos por via oral. Mais complicado ficou, não?



(publicado originalmente na Casa Lima Barreto)

1000TON ovo1

O desenho foi feito quando voo tinha acento ainda... Sem o chapeuzinho como asinha do voo ^^ esse pássaro do 100TON é uma galinha da Rica...

ROLAND BARTHES - O OFÍCIO DE ESCREVER


Luiz Horácio


Segundo Cioran, “para um autor é um verdadeiro desastre ser compreendido.” Aconteceu com Roland Barthes vivo e continua nessa toada após sua morte. Em seu Caderno de viagem a China apresenta suas discordâncias ao regime, no momento incenssado pela intelectualidade européia. É óbvio que as patrulhas ideológicas não perderiam essa chance de entrar em cena. E a incompreensão, que não é muito seletiva na hora de se estabelecer, aproveita a deixa e na seqüência trata de crescer. Esse foi apenas um exemplo, é óbvio que a incompreensão acerca de Barthes e sua obra não é fruto apenas do relatado anteriormente.
Algo dessa ordem, mas com outras motivações, se deu com dois escritores que nomearei, um que fez por merecer a condição de incompreendido, nunca distanciou o autor da obra e o outro continua enigmático devido ao enorme silêncio que ronda sua obra e também pelas análises sonolentas destinadas à mesma. Respectivamente Fausto Wolff e Prado Veppo.
Tive o privilégio de conviver com esse grande escritor, fomos amigos, e o livro de Éric Marty me fez reviver aqueles tempos. Também me fez recordar a relação, que não chegou as raias da amizade, professor/aluno com Prado Veppo, meu professor num curso pré-vestibular. Ambos tiveram grande responsabilidade na orientação que dei a minha vida profissional.
Fausto Wolff e Prado Veppo estão mortos, a viagem sentimental que Roland Barthes o ofício de escrever me levou a empreender acentuou a ternura e a tristeza dessa obra de Marty. Não exclusivamente deste, mas arrisco dizer que em co-autoria com Roland Barthes.
Impossível que leitor qualquer que ame e respeite a Literatura não venha a engrossar as fileiras dos cúmplices do autor a medida que amor, em todas as instâncias, inclua-se aí seus exageros, e liberdade vão dando o tom dessa narrativa alimentada pelas vivências e da memória.
Roland Barthes o ofício de escrever trata da saudade, esse exílio cruel a que nossos mortos insubstituíveis nos condenam; e aos meus mortos citados acima, acrescento o morto de Éric Marty, e se uma coisa puxa outra, com a morte não seria diferente e uma morte puxa outra, então penso em minha filha, nessa nostalgia massacrante que é não saber o que seria essa pessoa, desse presente que não lhe foi permitido.
Platão diz que a sensação de uma coisa leva a outra semelhante, mas com nossos afetos não é bem assim, essa serve tão somente para nos conduzir ao vazio.
Roland Barthes o ofício de escrever é um livro fora do normal, entenda, bitolado leitor, esse fora do normal como algo bom, muito bom, que escapa ao corriqueiro, à mesmice; algo que consegue unir técnica e afeto de forma a não se tornar enfadonho tampouco piegas. Uma obra de exceção entre as obras desse gênero que podem ser recebidas como acerto de contas, homenagem, aspectos biográficos, paro por aqui para não entendia-lo, curioso leitor.
O exame de Marty apresenta três radiografias de Roland Barthes. Na primeira, “Memória de uma amizade”, o autor está no centro, é autobiográfica, aborda o cotidiano dos últimos anos de Barthes; em “A obra” o leitor entrará em contato, em ordem cronológica o que é muito importante, com a totalidade dos seus textos. A terceira sessão traz a leitura de um seminário de Barthes sobre seu livro mais conhecido, “Fragmentos de um discurso amoroso.”
Importante observar a sensibilidade da construção desse Roland Barthes o ofício de escrever que tem seu início no encontro entre o mestre e o jovem discípulo de vinte anos. O que poderia deixar suspeitas de mero exercício do ego de Éric Marty é desfeito pelo próprio já na página 15 com seu pedido de perdão ao leitor pelo fato de falar na primeira pessoa, de relatar situações onde se encontra no centro dos acontecimentos.
A idéia do autor é de expor Barthes . E ele consegue. Começa com a reflexão acerca das motivações que podem unir o escritor, já famoso e respeitado, com um jovem ainda ingênuo que não é escritor; ou conforme Marty enfatiza, aquele que ainda não escreve.
A ingenuidade de Marty, no entanto, só deixa ver no início, muito no início; logo o leitor perceberá estar diante de um autor que não se intimida tampouco tenta sacralizar seu mestre.
Trata o homosexualismo de Barthes sem moralismos ou aspecto engrandecedor, ao se voltar à obra consegue ser didático e critico, questiona o mestre, reflete acerca da obra e pode acreditar, desconfiado leitor, são poucos os elogios.Todos procedentes.Não há excessos nessa obra de Marty.
Extremamente didático e imprescindível é o capítulo sobre Fragmentos de um discurso amoroso, publicado em 1977, algo semelhante a um dicionário ou estágios amorosos, onde Barthes abandona a rigidez teórica que pode ser observada em sua obra até então e que encontra em Mitologias sua grande representatividade.
Mas não foi apenas este o episódio que se presta a retratar a argúcia de Barthes, fizera o mesmo com O prazer do texto (1973) no momento em que a semiologia se tornava a fonte dos estereótipos de onde jorravam conceitos dos mais herméticos.
Nesse capítulo o leitor percebe que a admiração pelo mestre não embotou o senso critico do discípulo. Se Fragmentos de um discurso amoroso quebra uma seqüência hermética dos livros de Barthes e assume a aura de “livro simples”, Marty atiça o confronto com as Fábulas de La Fontaine quando pergunta o que significa dar voz aos animais, e tomando os Fragmentos indaga quem é o sujeito amoroso, quem é esse amante”que fala e que diz”.
Permita uma sugestão, acessível leitor, a leitura concomitante de Fragmentos de um discurso amoroso, indispensável para suscitar discordâncias ou simplesmente confirmar as impressões de Marty. Instigante a análise do autor a respeito da mãe de Barthes, Henriette Bringer. Viveram juntos até a morte dela aos 84 anos. Barthes se dedicou quase que exclusivamente a cuidar da mãe em seus últimos seis meses de vida . “Desde que a cuidava, não existia nada além dela. Ela era tudo para mim e me esqueci de escrever.”
“A intratável realidade” conforme o próprio Barthes pode ser atestada quando coloca a figura da Mãe no centro de Fragmentos. Não a sua mãe, mas a Mãe como complemento ou parceira do Imaginário que definira em Roland Barthes por Roland Barthes como uma categoria de futuro.
Apressado leitor, sei o que passa pela sua cabeça, o resenhista começou afirmando não se tratar de relato enfadonho e agora vem com esse papo de categoria de futuro. Saiba que poderia citar Lacan, mas não o farei; já está citado a exaustão no livro de Marty.
Importante saber, afetuoso leitor que porventura ainda não teve oportunidade de amar a um de seus mestres que seja, a culpa não é sua. Credite a eles mesmos tal ônus.
Viver também é amar e se você tiver a oportunidade de amar a seus mestres e receber deles a devida orientação como este aprendiz teve o privilégio, e depois lhe restar a saudade, saiba, paciente leitor, que a saudade lhe visitará com amor. Falei de mestre, não de dono da verdade, mas alguém que lhe permita questionar , discutir, que saiba valorizar seu aprendizado. É o que vemos em Roland Barthes o ofício de escrever.
Ao encerrar convém lembrar o aspecto relacionado à ideologia e me parece que tal aspecto é levado ao esgotamento por Barthes em Mitologias. Lá o vinho francês, a luta livre, o automóvel Citroen DS são examinados ora como clichês de esquerda ora desprovidos dessa identidade. Fiz essa digressão apenas para dar mais uma pista, caso o leitor desconheça, da abrangência da obra de Barthes. E antes que esqueça, se o tempo for curto priorize a leitura do capitulo acerca de Fragmentos de um discurso amoroso. Vale o livro, ou melhor, vale vários livros.
Barthes diz num parágrafo de O Mito, hoje: “Até o momento só existe uma escolha possível, e essa escolha se faz entre dois métodos igualmente excessivos: considerar um real inteiramente permeável à história, e ideologizar; ou, inversamente, considerar um real finalmente impenetrável, irredutível, e, nesse caso, poetizar. Em resumo, não vejo ainda a síntese entre ideologia e poesia ( entendo por poesia, de maneira mais geral, a procura do sentido inalienável das coisas).”
Devido a sua atitude critica e reformadora, além de admirar seu valor, e significação geral de sua obra, Roland Barthes tem prioridade como referência quando do desempenho de minhas atividades profissionais.
Não posso esquecer da necessidade de defender a autonomia da Literatura enquanto obra de arte, e para finalizar concedo a palavra a Flauber: "É por isso que a arte é a própria Verdade."


TRECHO

O que diz o mestre ao discípulo para suscitar nele esse desejo de saber, desejo de pensar? Diz simplesmente: “Você pode pensar.”
Nessa possibilidade, o discípulo pode entrever que escrever é um ato real, que escrever não é qualquer coisa.
A relação do discípulo para com o mestre não é, portanto, uma relação de admiração. Não admirava Barthes e, como já disse, seus livros, a partir do momento em que o conheci, me pareciam estranhamente decepcionantes. A relação com Barthes não se situava no plano intelectual, e menos ainda no plano doutrinal. Acho que a aura que, ao meu olhar, o envolvia vinha do fato de que graças a ele a linguagem tinha deixado de ser uma angústia. A partir de então eu podia estar certo de que a linguagem não poderia me trair, que ela não poderia mais me trair, que ela jamais me trairia. Que bastava que eu me debruçasse sobre ela com amor e confiança para encontrar a verdade, e que um uso verdadeiro da linguagem fazia aceder ao verdadeiro.
Agora me parece perfeitamente normal que, com a amizade, a admiração pela obra tenha secado parcial e provisoriamente. Não saberia explicar por quê, mas, mesmo que na época isso me tenha deixado infeliz, hoje o constato como um ótimo sinal.
Esse meu sentimento de decepção ao ler seus livros eu imaginava que pudesse ser explicado por conta de uma ingratidão desmotivada. E aí um dia eu li num livro: “ Ela nem conseguiu deixar de fazer um comentário sobre a minha ingratidão - coisa de que não deveria nunca esquecer, porque me fez entender então que a ingratidão podia ser um bem e uma necessidade.”

AUTOR

Roland Barthes nasceu em Cherbourg, em 1915. Lecionou na França, Romênia e Egito. Seu clássico, Mitologias, de 1957, foi escrito durante a fase em que tinha como objetivo analisar e criticar a cultura e a sociedade burguesas. Em 1962 foi nomeado diretor da Escola Prática de Estudos Superiores. Foi indicado para o Collège de France em 1977 onde lecionou Semiologia Literária..Escreveu também sobre música, cinema, artes plásticas e fotografia. Faleceu em 1980.

Eles

Graça Vilhena


as cervejas multiplicam-se
as bundas passam
e o flamengo joga
pelo empate

a felicidade é assim
humanamente exata
como qualquer ausência
de cálculo

Dialética da Exclusão ou A Coluna prestes no Piauí



Menezes y Morais *




O poeta, professor e pesquisador Chico Castro examinou cuidadosamente as incursões da Coluna Prestes no Piauí. O cerco a Teresina durou nove dias (23/12/1925 a 1/1/26).A CP entrou em Teresina por acaso, no encalço de tropas legalistas que fugiram de São Luis (MA). Depois passou pelos munícipios de Altos, Alto Longá, Campo Maior, Castelo, Piripiri, Pedro II, Valença, Oeiras, Picos, Pio IX, Simões, Jaícós e Uruçui, com entrada triunfal.As incursões da CP em solo piauiense foram revistas por Chico Castro, que recolheu depoimentos de alguns sobreviventes e visitou municípios onde a Coluna se fez presente. O resultado é o livro A Coluna Prestes no Piauí, uma pesquisa histórica de fôlego, que tem o mérito de retirar fatos históricos dos porões do esquecimento e desmascarar algumas mentiras. A CP era formada por remanescentes militares da segunda rebelião tenentista, que objetivava derrubar o governo Artur Bernardes, em nome da solução dos problemas sociais que afetavam a semifeudal República Velha (1889-1930). O Estado de miséria (em todos os sentidos) gera a revolta, a revolta é o motor da revolução. Foi assim, por exemplo, na França monarquista e feudal de 1789. O Brasil, da Colônia à Velha República, era um Estado sem educação, sem higiene e sem infra-estrutura. Os revoltosos da CP não aceitavam a miséria que as elites impunham às massas, nem a república dos bachareis, contra a qual também se insurgiram os poetas modernistas de 1922. Ontem como hoje, o Brasil se embaralha numa espécie de cipoal jurídico, onde o excesso de leis reflete a carência da aplicação e na lentidão da justiça, que gera o sentimento de injustiça.
O protecionismo lusitano atrasou muito a economia brasileira. O capitalismo brasileiro ensaia os primeiros passos de modernização na década de 1850, quando o tráfico negreiros começa a decair e surgem instituições bancárias e as sociedades anônimas no Brasil.


A CP lutou contra dialética da exclusão, que tem raízes históricas: o Estado monarquico, por exemplo, era direto e objetivo: votava quem tinha uma quantidade razoável de dinheiro. E dinheiro é poder, não esqueçam. Os vícios do Estado não são eternos, mas crônicos. Os vícios do Estado são os vícios do homem.


Os tenentes conspiraram e se rebelaram (Forte de Copacabana,1922) e foram violentamente reprimidos, mas se reorganizaram em 24. Em 25 já estavam em duas Colunas, que se unificou. Depois os revoltosos saíram a pé e a cavalo pelo país, com apoio e adesão de setores da sociedade civil, utilizando a tática da "guerra em movimento", sempre acossados pelas tropas legalistas. A rebelião dos tenentes ganhou apoio do povo. E uma certa simpatia velada junto aos altos escalões das Forças Armadas, quem duvidar, que leia o livro do Chico Castro.


Não se tratava de um movimento das Forças Armadas (impuseram uma ditadura no Brasil em 1964-85), mas encontrou eco dentro dos quartéis, obrigando o presidente Artur Bernarde a governar sob estado de sítio durante seu mandato, de 22 a 26. Em 27, depois de percorrer 25 mil quilômetros (a Grande Marcha, 1934, na China, liderada por Mao Tsé-Tung foi de apenas 10 mil kms) a CP se dissolve e seus protagonistas, que ficaram ao lado de Luiz Carlos Prestes até o fim, pedem asilo político ao governo da Bolívia. O livro de Chico Castro é riquíssimo em pesquisa. Existem mini-histórias pararelas nas notas de rodapé que o engrandecem sobremodo e dão outra dimensão à pesquisa histórica, para situar o leitor na gênese do estado de pobreza e de miséria sociais que levou os tenentes à revolta contra as mazelas da República Velha e a consequente criação da Coluna Prestes (1924-27).O governoArtur Bernardes fez de um tudo para jogar os revoltos contra a opinião pública. O discurso político quer desqualificar o inimigo. Especialmente o discurso dos donos do poder com relação aos oposicionistas. Com a CP não foi diferente.
Lembrai-vos dos capitalistas do século XX, diziam que os comunistas comem criançinhas. A mentira como arma política visa transformar-se em "verdade", especialmente nos tempos de guerra. Os nazistas foram doutores nesse tipo de infâmia, nessa banda podre da contra-informação. Jesus Cristo dizia, "a verdade liberta". Lênin, "a verdade é revolucionária". O fato é que a história não é feita de mentiras.


A Coluna Prestes no Piauí é um livro cheio de mini-histórias piauienses paralelas comparadas, como grilagem de terra, fraudes documentais, abrangendo também a educação e a política. De qual livro paralelo falaremos?Chico Castro recorreu até às fontes literárias. A boa literatura, aliás, é fonte de consulta, de pesquisa histórica. Karl Marx elogia os romances de Honoré Balzac, Friedrich Engels louva a obra de Dante Alighieri.


Devo dizer ainda: A Coluna Prestes no Piauí tem algumas bobagens semânticas: os termos "poetisa" e "imortal". Poesia não tem sexo. Em todas as línguas do mundo poeta é adjetivo comum de dois gêneros, só existem os termos poeta e poesia. No Brasil, um acadêmico machista que não tinha nada importante para fazer (década de 1750, salvo engano) entendeu que a Poesia é importante demais para ser feita por mulheres e cunhou o termo "poetisa", contra o qual insurgiu-se a poeta Cecília Meireles no século XX e sua colega Adélia Prado, no século XXI, diz ser "uma palavra danada de feia". Quanto ao "imortal da academia", nenhuma academia faz o homem ou mulher imortais, o que torna um escritor "imortal" é a sua obra, quando esta resiste às implacáveis intempéries do tempo. Voltando ao livro do CC, o Exército brasileiro era o braço armado do Estado monarquico, um aparelho do latifundio e dos escravocratas. Os tenentes romperam com esse paradigma.


A CP foi um dos movimentos militares mais importantes da história do Brasil no século XX. Hoje, século XXI, com o Estado democrático de direito, é coisa do passado. O povo é o verdadeiro protagonista da história, mesmo que os políticos profissionais ricos falem e ajam no seu santo nome, movidos pelo capital.
Mas os falsos políticos têm os dias contados. Povo educado é povo culto, povo culto é povo livre, povo livre é povo civilizado, povo civilizado é povo desenvolvido, tem cidadania e, um belo dia no futuro, se libertará também dos políticos de araque, não lhes confiando mais o voto.ServiçoA Coluna Prestes no Piauí, Chico Castro, Edições do Senado Federal, Brasília ( DF) 2008.


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* Jornalista, professor, escritor e historiador piauiense. Contato: menezesymorais@gmail.com

Enchente (Teresina)

Geraldo Borges



Está bonito para chover
Vai cair uma tempestade
È o que nos vamos ver
Água engolindo a cidade.

Bátegas chovendo batendo
Parnaíba e Poti muito cheio
Água e mais água descendo
O estrago está muito feio

O povo todo desabrigado
Um deus nos acuda irmão
E o que vai fazer o Estado?

Não tem muito o quê fazer
Olhar lá de cima de avião
Pois muita água vai correr.







Enchente II ( Parnaíba e Poty)

O rio Parnaíba está raivoso
Derruba diques come ribanceiras
Um espetáculo impávido colosso
O rio não está pra brincadeiras.

Poe em pânico meu Deus os ribeirinhos
Engole casas arrasa plantações
Deixou de estar num leito bem magrinho
E se empolga em furiosas convulsões

Também o rio Poty deu seu recado
E alagou as avenidas da cidade
E o Cabeça de Cuia está atolado.

A água cai do céu límpida e serena
Matando os pobres que calamidade
Eis em resumo a natureza em cena.

Tunel do Tempo



O Piauinauta numa dobra do tempo encontra este grupo em 1970. Em pé: Dr. Antonio de Deus Filho e Edmar. Sentados: Edilberto Ernesto, Dra. Maria Castelo Branco (futura senhora de Deus) e Dr. Edmirton Soares de Macedo. Eles podem não se reconhecerem, mas foi a mais pura aventura no portão do cemitério de N. Sra. dos Remédios...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A fúria das águas




O Piauinauta, diminuto, observa a fúria das águas na mistura do Poty e do Parnaíba. Dessa vez as águas se revoltaram contra a seca do sertão e invadiram tudo. O sertão virou um mar. O Conselheiro acertou. Mas, Deus, precisava ser assim tão cruel? Não dava pra distribuir um tanto dessas águas pelo correr do ano? Foi demais o "bonito pra chover"! Dilúvio no Piauí...


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foto: Moisés



Aguaceiro

Edmar Oliveira

O Velho Monge espreguiçava rumo ao norte e, como uma serpente, alargava cada vez mais o Maranhão e estreitava o Piauí junto ao maciço de Ibiapaba. Lembro o tempo em que o rio era uma estrada para a navegação das barcas e dos vapores. Os vapores eram de ferro, fabricados na Inglaterra, e queimavam madeira nas suas caldeiras soltando uma fumaça preta anunciando ao longe sua chegada. Me lembro de viagens no convés, onde em redes armadas balançávamos nossos sonhos. Nas margens do Piauí, as lavadeiras esfregavam as roupas ensaboando o rio. Do lado maranhense a densa floresta já anunciava a Amazônia. Os carnaubais e buritizais acompanhavam o rio emoldurando o cenário. Rio largo, fundo, caudaloso, manso, com suas águas barrentas como se fossem uma estrada de terra cortando o sertão. Na suas enchentes ele extrapolava um pouco do seu leito, apenas para levar vida às suas margens, engravidando a terra. Na volta ao leito deixava as “vazantes”, terra do cultivo das melancias e melões de cheiro intenso. A curimatã, o piau, o mandi e o surubim alimentavam meu povo. Aquele rio era eu.


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Envelhecendo vejo o rio morrendo. Uma barragem de hidroelétrica em Guadalupe prendeu suas águas. O assoreamento de suas margens tirou seus limites. O seu leito subiu em bancos de arreia. A navegação acabou. O seu serpentear não é mais o mesmo. E ele se derrama em suas margens com muito mais facilidade. As suas águas escassearam. Seus peixes sumiram no derramar dos esgotos das cidades e no diminuir do oxigênio das águas.


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E junto ao aquecimento global, que inverte o clima no planeta, o rio não estava preparado para essa cheia. As suas margens se derramaram em terras nos dois lados lavando as cidades. Na Teresina, junto com o rio Poty, o grande rio dos tapuias invadiu os quintais, as casas, as ruas. É triste o chorar da nossa gente desabrigada pelas águas. Mas não tenho como não pensar que esse aguaceiro é uma vingança do rio pelo que lhe fizemos...

Uma crônica em lágrimas


Teresa Cristina

Solidariedade em cada lágrima que se mistura às águas das enchentes. Amor em braços que unos erguem móveis nos caminhões. Beijo de ternura nos olhares que ficam guardando as lembranças de tantos risos de horas felizes. Um aperto de mãos repleto de uma dor sentida como se fora sua. Um sorriso nas vidas que caminham juntas em canoas ou nas ruas alagadas da cidade desconhecida - Nunca se vira Piracuruca náufraga.
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E caminhões passam: um, dois, mais... Carregados de dores... Presos em olhares que veem seu suor transformar-se em uns poucos pertences lançados por sobre a madeira de caminhões na hora da aflição. Alguns param sem ação de juntar o que lhe foi tão caro. O que levar? O que deixar para trás? Há como se guardar na memória os rostos dos familiares suspensos nas paredes traçados em imagens nos quadros? Que se perdem quando as águas vêm cidade adentro nas horas caladas da noite?
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Um menino que não vai à escola- abrigam famílias! Um ancião que não conversa com as flores dos bancos das pracinhas- um mundo de águas barrentas povoa os espaços. Um homem que não atravessa a ponte do rio- os caminhos estão esquecidos por entre as águas. Uma lavandeira que não ensaboa as roupas nas águas mansas do rio Piracuruca- as pedras viajam nas pororocas... E das estradas a cidade olha...
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Não há como visitar os amigos no Guarani para um cafezinho. Os netos do outro lado do rio acenam da ponte de ferro e lançam beijos aos avôs debaixo de uma chuva fina que chora lenta sem o calor do abraço. Homens dentro de casa erguem móveis beirando o teto. Outros do calçadão do Guarani saem de casa com mochilas às costas e uma muda de roupa para os filhos. No olhar a lágrima para com medo de inundar a alma que tenta ser forte.
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Já há senhoras na Igreja Matriz rezando Ave-Marias: “Santa Maria, Mãe de Deus rogai por nós...”, e as crianças que não brincam com barquinhos de papel molham os pés nas águas que passeiam na Praça Irmãos Dantas. As flores olham sem entender. O sol as aquece, mas há não risos nos piracuruquenses. Dentro do peito as fibras choram sem a lágrima que não pode cair. As bocas não falam. Só oram. E na alma, uma torrente de vozes: “Meu Deus, que águas são essas que não matam nossa sede, nem regam nossas plantas?”
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E a cidade que não dormira abre a porta da casa e acolhe um irmão...
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Um beijo, Teresa Cristina.
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lá mais em baixo Teresa reaparece e eu falo dela...

Encontro dos Rios

Edmar Oliveira



Os rios transbordam

Afogam vidas e casas

Cidade náufraga...

5 minutos




Ana Cecília


Nada me agrada
Um e mais um cigarro
Frio na ponta dos dedos
Corpo em desordem
Subtraído
Entorpecido
Sinto náusea das minhas misérias
Fêmea que sou
De intoleráveis flutuações
Entre hormônios e calafrios
O que melhor me descreve
É o que me escorre pela boca
Nada que seja preciso
Talvez, meu nome
Dá lugar a esse corpo
Grilhões da alma
Que me impede o vôo
Preciso de mais cinco minutos
Para recuperar o fôlego
O viço...
Recompor-me do tombo
E na ponta do lápis
Recusar qualquer limite
Passear com Quixote
Conversar com Neruda
Visitar a lua
Beijar a tua boca
Ninar minha filha
Mil vezes acordar
Mas aprender a viver


Para mais um dia...

O Poema

Geraldo Borges


Ler um poema
É como olhar um quadro em um museu
Um poema é uma pintura
De palavras e imagens
O poema tem plasticidade
Perspectiva relevo sombra
Luz e mistério
Pulsa conforme os olhos do leitor

O poema é uma jóia
Gravada no coração de um diamante
Não apenas palavras e sonoridade
Ritmo rima e aliteração
É o galo madrugador da aldeia
O peso das ondas virando espuma nos rochedos.

Uma gota de tinta sugada pelo mata-borrão
Uma ligeira curva da linha da mão da mulher amada.

Um poema é uma criança brincando com os pés
Um mendigo esfarrapado na porta da igreja
Com uma mão mirrada e uma mosca no canto do olho
Uma coruja de olhos esféricos comendo o entardecer
Um poema é um ponto de interrogação no caos
O barro molhado na mão do oleiro
O pão nosso nem sempre de cada dia
Mona Lisa com seu sorriso sorrateiro.

VERDADE ABSOLUTA

Keula Araujo


Eu canto na direção
Eu leio no vaso
Em minha cama dormem
palavras que não
alcançarão a claridade
ou despertarão poemas.

Eu suo a camisa
Coço a cabeça
Sondo mistérios
E o meu sorriso não
esconde
nada.

Negação

João Carvalho


“Não se mire no abismo,
ele te engolirá”.
Nietzsche



Em verdes paisagens ando
e tento conter o pranto
meditando, vou buscando
sufocar-te no meu canto

Você é água, mas não pra minha sede
- minha sede ainda insaciada
você é luz, mas não tece a rede
dos meus sonhos com a amada

E nesta existência, todo
à beira do caos, à beira
a pisar em lodo

fico cheio de mágoa
a um passo da ribanceira
prestes a afundar-me na água

Lição para mulher

Graça Vilhena



se é impossivel

compreender os homens

só nos resta decorá-los

Notícia de um assalto inusitado 2

Durvalino Couto


(Edmar:


Fiz este poema imediatamente depois de ler a crônica que Gullar escreveu na Folha de São Paulo, domingo, 17 de agosto, com este mesmo título. A crônica é justamente sobre a ânsia do poeta em descrever um fato aparentemente corriqueiro, mas que o desestruturou no meio do tempo: o cheiro/olor de um jasmineiro em flor, no bairro do Flamengo.Bom, não conheço o poema que nasceu da experiência do poeta maranhense, quando foi (literalmente) atacado pelo jasmineiro, e creio que deva ser excelente. Modestiamente fiz o poema que a crônica despertou em mim. Acho que ainda não o havia mandado para o Piauinauta. Eis, portanto.

Durvalino)


Ô louco

olor

Lorens Ginas

Marilyns Marílias

Scarletts Sâmias

nem uma ninfa

me lançou nesse torpor



Fui assaltado por um jasmineiro em flor

em pleno Flamengo



Mingus Miles

monstros musicais

não levaram a cabo esses

sentimentos viscerais

(– esse cheiro! –)

Tais quais esse jasmineiro



Seria jasmim-do-cabo? Um feiticeiro?

Aromas ancestrais?

Chanel nº 5

lençóis fatais




Ô louco

olor

Chamem os policiais

tomem providências contra jasmineiros

prendam os jardineiros

esse jasmim traiçoeiro

por que o cultivais?



O assalto à página branca

não o explicará

jamais

Flor de maracujás!

Essência de manga-rosa

bosta de vaca

que emana dos currais

Que poeta sou?

Essência de Odisseu?

Circe Nunca Mais

Um jasmim deu cabo de minhas narinas

conspícuas e NASAis

Fora do poema não existem rosas

assim tão vaporosas



– por que me assaltais?


Durvalino Filho
no Day After, 18 de agosto de 2008





Enquanto dure 2

Climério Ferreira

A vida da gente mora
Naquilo que a gente sente
A vida é coisa do agora
É presente do presente

A cor da manhã

Teresa Cristina



Por cima das casas
O sol rasga seu calor
Nas telhas vermelhas...

O canto do orvalho
Morrendo nas folhas verdes
Da vasta palmeira...

Um tênue amarelo
Desabrocha na ternura
Dos maracujás...

No alto da torre
Da igreja arrisca-se azul
O sino da missa...

E vem vida rósea
Ziguezagueando dança
No batom da boca

... Que reza beijos
Aos amores desse dia (,)
Nos tons dessas cores...
__________


Recebi essa por e-mail de Cristina Flor de Cajú. Dizia assim:

Oi, Edmar
Que belo o dia está aqui! corre um gostoso vento e brinca nas carnaúbas... Assanha meus cabelos e faz festa na varanda. Uma lagartixa deixa-se seduzir e fica quieta!
um beijo em ti...

Don Juan







Luiz Horácio

Madame Bovary é um exemplo de rompimento com o romantismo e opção pela objetividade, pelo realismo; não faltam violência, sexo e fortes doses de melodrama. Anna Karenina não esconde sua paixão, seu encantamento pelo conde Vronski e desfaz seu casamento com Karenin. Difentete de Bovary que escondia suas aventuras, Anna não perdeu tempo, coragem e honestidade a impulsionavam. São dois exemplos de amor, mas não fiquemos restritos a esses, temos um outro tipo de amor em Morte em Veneza, o amor homossexual platônico de um escritor Aschenbach por um adolescete. O Marques de Sade é o representante maior do sadismo, masoquismo e algumas bizarrices sexuais. E o que dizer da paixão do professor Humboldt, “o coroa”, por uma menina de doze anos?
São formas de amar, são disfarces do amor. E o amor é terreno propicio para permitir que medre M a hipocrisia e os falsos moralismos. Que cada um ame a seu jeito, de preferência com criatividade.
Pois bem, Don Juan (narrado por ele mesmo) embora o título nos leve a pensar dessa maneira, não é um livro sobre conquistas amorosas. Trata-se de uma narrativa melancólica onde se fazem notar o medo, a tristeza e a permanente ameaça de solidão. O Don Juan de Handke foi um conquistador, no momento não passa de uma vítima de si mesmo, um Don Juan insosso, melhor dizendo. Falta um tanto do sangue dos Don Juans de Lechin, de A gula do beija-flor. Não que este seja um romance dos melhores, mas percebe-se personagens com vida, ainda com emoção, aspecto inexistente em Don Juan (narrado por ele mesmo).
Don Juan é um mito sujeito a inúmeras interpretações, inclua-se nesse rol a que o apresenta como homossexual, creio que não exista país de língua espanhola que não tenha produzido um Don Juan em sua história literária. Grande número de países europeus também têm seu Don Juan. Permita este aprendiz incluir Casanova entre eles. Peter Handke criou o seu, ou melhor inventou um cozinheiro solitário para contar a história do famoso conquistador. A solidão, tema presente em grande parte da obra de Handke, agora aparece duplicada nas pessoas de Don Juan e do cozinheiro. Desconsidere o narrado por ele mesmo. A mesma solidão, personagem irretocável de Tarde de um escritor e assustadora em O medo do goleiro diante do pênalti, em Don Juan, passou da conta e tornou a história tão emocionante quanto um corredor vazio de hospital.
Os libertinos e aqueles que não acreditam no amor fazem disso um jogo, um jogo de xadrez onde cada peça conquistada significa um sopro de vida a mais. Se o sopro é nobre ou medíocre, não me pergunte, amoroso leitor. No romance epistolar de Choderlos de Laclos, Ligações perigosas, os aristocratas se dedicam ao prazer, à intriga, à trapaça. A marquesa de Marteuil escreve ao visconde de Valmont dizendo que “ sentia uma necessidade de enganar tamanha que me reconciliava com o amor, na verdade não para senti-lo, mas para fingi-lo.” Planos traçados, estratégias escolhidas, o estraga prazeres entra em cena: o amor. Está pronta a tragédia. O romance conduz o leitor a uma reflexão sobre o amor e a incapacidade de amar.
Como disse acima, o que não falta é Don Juan na literatura. Temos Don Juan Tenório, de José Zorrilla,, o Don Juan de Tirso de Molina, entre outros, e mais o Don Juan de O regresso de Casanova, de Arthur Schnitzler, (austríaco como Handke) o Don Juan envelhecido. Desses citados, Handke conseguiu manter distância apesar da riqueza de todos Dons Juuans, dos contrastes entre Don Juan Tenório e O burlador de Sevilla, ficamos com esses para não alongar o debate. O de Tirso é um sedutor, ateu, imoral, não acredita no amor, no seu entender as mulheres são tão egoístas quanto ele, o de Zorrilla é um demônio transformado em anjo graças ao amor.
Do Casanova , de Schnitzler, de quem o Don Juan de Handke poderia se aproximar, e não lhe faltariam motivos; isso também não acontece pois o personagem de Schnitzler não se rende apesar de sua decadência física, se apaixona por Marcolina, jovem que não ficava devendo nada no quesito malandragem e visão de mundo. Tanto que para lograr seu intento Casanova apela a estratégia nada ortodoxa. O Don Juan de Schnitzler sofre ante ao amor não correspondido somado a consciência da proximidade de sua morte.
Mas vamos ao Don Juan de Hanke, ao quase enredo:
No que sobrou de um monastério em Port-Royal-des-Champs, transformado em albergue, vive um solitário cozinheiro que até então gastava seus dias lendo Racine e Pascal. Um belo dia decide dar um basta nesse hábito. Pois justamente nesse dia aparece no jardim do cozinheiro, Don Juan. O Don Juan que fora de Tirso de Molina, de Zorrilla, de Moliére, Ortega y Gasset, Schnitzler e que dali em diante seria também de Handke.
Ele passa sete dias em Port-Royal, precisava descansar, até mesmo Don Juan cansa de tanto andar mundo afora.
Mas como gastar esse tempo? Don Juan tem a resposta: contando ao cozinheiro, que agora tem motivo para cozinhar, suas mais recentes aventuras. Sete dias, sete país e sete mulheres diferentes.
E Don Juan viaja acompanhado de um serviçal . O que move Don Juan não é o sabor da aventura, mas , acredite viajante leitor, é o luto provocado pela morte do filho único. De luto, entenda essa psicológico leitor, vê-se livre apesar da melancolia para viver o momento e “curtir” uma mulher aqui, outra acolá e assim nessa repetição levar a vida. Não se trata de um sedutor esse Don Juan, tampouco um objeto do desejo das mulheres, ele vive a aventura como nós lemos nossos jornais, mas diferente dele por motivos outros. Responda, lacaniano leitor, o que esperar de um ser movido pelo luto?
Cabe ressaltar a presença do tempo na narrativa, o duplo tempo; o tempo das histórias narradas pelo cozinheiro e a passagem do tempo pelos jardins do albergue em Port-Royal-des-Champs, ambos fazendo o papel de algozes de Don Juan. Tamanha perseguição não esmorece o mito movido pela melancolia e ele abandona albergue e cozinheiro. Na certa alguém estará à sua espera para reinventá-lo.
Don Juan (narrado por ele mesmo) excetuando-se a maestria com que Handke escreve e o brilhantismo da tradução não para em pé. É vazio, não passa de um delicado exercício estilístico. Querem ler Handke, pois busquem os títulos citados anteriormente mais A mulher canhota, Ensaio sobre a fadiga, Numa noite escura, deixei minha casa silenciosa. Esta uma obra prima.
Choderlos de Laclos assim justificava a existência de As ligações perigosas: “Quis fazer uma obra que continuasse ecoando na Terra quando eu já a tivesse abandonado.”
E Peter Handke, almejava o quê? Não, não responda.


TRECHO

Don Juan era órfão, e não em sentido figurado. Há anos, perdera a pessoa que lhe era mais próxima, e não fora seu pai ou sua mãe, mas - ao que me parecia - seu filho, o único. Então, com a morte do filho também era possível se tornar órfão, e como. Ou talvez fosse sua mulher, a única amada, que tivesse morrido?
Ele havia partido para a Geórgia - como para todos os lugares, no mais - sem nenhuma destinação em especial. O que o movia era nada menos que seu luto e desconsolo. Carregar pelo mundo seu enlutamento e descarregá-lo no mundo. Don Juan vivia para isso, como se fosse uma força. Seu luto era mais do que ele, excedia-o. Munido dele, por assim dizer (e não só por assim dizer), ele se sabia - não imortal, isso não - invulnerável. O luto era algo que o tornava indomável, e em contrapartida (ou melhor, de parte a parte), completamente permeável e receptivo para o que quer que acontecesse, e ao mesmo tempo invisível se necessário. Seu luto lhe servia de farnel. Nutria-o em todos os sentidos. Graças a isso ele já não tinha mais grandes carências. Estas nem sequer chegavam a surgir. A única coisa a se repudiar sempre era o pensamento de que, dessa forma, no luto, o ideal da vida terrena se tornaria possível, o que vale também para todas as outras pessoas (vide “descarregar o luto no mundo”). Seu enlutamento, nada episódico, mas desde o princípio, era uma atividade.
Don Juan não mantinha relações com ninguém há anos. O que se dava durante alguma viagem, no máximo, eram contatos casuais, apagados de imediato da memória com o fim do percurso em comum.


O AUTOR
Nascido em 1942 na Áustria, renovou a literatura de língua alemã do pós-guerra já com algumas de suas primeiras obras , como Insulto ao público (teatro, 1966) e O medo do goleiro diante do pênalti (1970). O experimentalismo da fase inicial se transformou - ao longo de sua extensa produção como romancista, dramaturgo, poeta e cineasta - em uma reflexão de poeticidade ímpar sobre o processo de escritura e sobre a linguagem como mediadora da percepção.

Ulisses Guimarães e o PMDB



Geraldo Borges


No começo da década de oitenta, por ai assim, estive presente na Assembléia dos Deputados, em Teresina. No estado do Piauí. Lá ouvi Ulisses Guimarães, que estava fazendo campanha pelas diretas já. Em sua companhia se encontrava Teotônio Vilela e seu filho, hoje governador das Alagoas. Mas eu quero falar mesmo é sobre Ulisses Guimarães, que é considerado por muitos historiadores um varão de Plutarco.
Voltemos à Assembléia. Todo mundo sentado. Algumas pessoas de pé. Veja o leitor a expressão: todo mundo sentado. É força de expressão. Ulisses estava de pé e caminhava em direção da tribuna mostrando o seu porte elegante. Cabeça rapada, parecendo uma imagem cravada em uma moeda. Uma figura que atraia os olhos ali presentes. Quase ao chegar à tribuna descuidou-se um pouco e tropeçou, por um triz não caiu, não levou uma queda e foi ao chão. Houve um suspense pairando em toda a Assembléia. Mas num gesto elegante e preciso Ulisses equilibrou o corpo e disse numa tirada de quem tem bom humor.
“Eu posso cair, mas o PMDB não cai”.
. Eu sempre admirei pessoas espirituosas, capazes de dar a volta por cima, levantar os ânimos, que tem sempre uma palavra final da ponta da língua, contanto que tenha sentido, seja bem argumentada. Ulisses fez do episodio, de sua quase queda, uma bonita figura de retórica, uma metáfora, em forma de enigma, um oráculo. Naquele momento já estava começando o seu discurso, com uma epigrama, um preâmbulo.
Eu posso cair, mas o PMDB não cai.
Tomou seu lugar na tribuna e proferiu o seu discurso, um belo discurso, acompanhado de pausas para ouvir os aplausos. Saiu nos braços do povo.
O PMDB estava no auge de sua luta pelas diretas já, cumpria o seu papel histórico, era o velho MDB do grande navegante Ulisses. Veio a Constituinte, o Brasil realizou o seu sonho de liberdades democráticas. Uma nova etapa política e social se esboçou no universo brasileiro. Uma cortina de novos sonhos estava se abrindo para o palco de uma nova geração que deveria fazer tudo para representar bem o seu papel juntamente com o PMDB.
Na verdade, para muitos o PMDB não caiu, mas perdeu a sua unidade ideológica, ficou sem vísceras, entregou-se ao fisiologismo, fragmentou-se na multiplicidade de seus caciques de província, ficou claudicante, incapaz de grandes vôos. Hoje não tem hombridade para apresentar um candidato a presidente da republica. Mas, nem por isso deixa de marcar presença no paço presidencial, nas salas do Poder negociando prebendas, dando-se muito bem.
Ulisses Guimarães não presenciou as mudanças do PMDB. Não navegou em suas águas estagnadas, em seu pântano. Eu posso cair, mas o PMDB não cai, e um verso que tem seu reverso. Ulisses caiu, mas a sua queda foi uma ascensão, sepultado pelo Atlântico, nunca mais encontrado, sua vida teve um componente da narrativa maravilhosa, do herói desaparecido. O PMDB rendeu-lhe homenagens, a bandeira do Brasil talvez tenha sido areada a meio pau. A oposição estava perdendo um de seus últimos moicanos.
O PMDB começou a escancarar as portas para os seus antigos opositores, arenistas, pefelistas, muralhas da ditadura, que mudaram mais tarde a nome de seus partidos. O PMDB não mudou de nome, mas mudou de caráter. Não sei qual a diferença.
Eu posso cair, mas o PMDB não cai.
Ambos caíram. Só que a queda do seu partido foi maior que a sua. Fragorosa. A dele foi celebrada e Ulisses tem seu lugar no Panteão da história..Quanto ao seu partido é melhor não continuar falando. Fede.

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da minha janela


Moisés Oliveira Filho

Da minha janela


vi a lua, vi as nuvens


só não vi o que queria


quem sabe um dia


a lua me da a mão e me mostre


a sua outra face


para descanso do meu coração.


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meu irmão fotografou e fez as letras, por isso publico.