domingo, 29 de junho de 2014

IMAGINA!


(Edmar Oliveira)

Complexo de Vira-Lata: O velho Nelson Rodrigues inventou o termo e o definia como “a inferioridade com que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. E ele voltou repaginado nesta Copa no Brasil. Misturou-se o esporte com a reclamação política de uma classe média que se acha ameaçada pela melhora econômica do povo da periferia. E por temor de nunca passar às elites, a classe média confundiu-se, voluntariamente, com elas na divulgação do bordão: “Imagina na Copa!”. Os que conhecem o exterior sempre se comparam inferiormente com o que veem lá fora. Tudo lá é bom, aqui tudo é ruim. Então na Copa iríamos passar vergonha com as visitas importantes que chegariam. O que estamos vendo é um encantamento com nossa gente, com a nossa receptividade, com os nossos estádios, com os aeroportos, com nossas cidades. Aqui em Copacabana instalou-se uma verdadeira “torre de babel” nos idiomas, mas com todo mundo se comunicando na boa vontade, na festa, na animação. E alguns visitantes tão deslumbrados que nos invejam, invertendo o complexo. Que tal se a Copa nos curar deste mal depressivo? Claro que também teve superfaturamento, corrupção de praxe nas obras para a Copa, promessas de mobilidade urbana que não foram executadas. Imagina se nos livrarmos também deste mal cleptomaníaco? Por isso é de bom tom que não sejamos Neo-Pachecos nesta Copa. Pacheco era o camisa 12 da Gillette na Copa de 82, patriotada dos estertores da ditadura. 

Teoria da Conspiração: os paranoicos sempre estão espreitando uma conspiração. Muito deles acham que a Copa está armada para favorecer um latino-americano. O futebol europeu está sendo prejudicado pela arbitragem. As chaves intencionaram tirar os melhores logo no início. Tem até os que acham que a Copa foi pensada para favorecer o governo brasileiro, do qual o Felipão é membro escondido. Como dizia um conterrâneo: “aí também já é demais também”. Prefiro a tese do técnico da Inglaterra: com o futebol globalizado, o jogador vira mercadoria de exportação e quem tem mais grana compra os melhores para jogar nos seus gramados. Os jogadores locais são preteridos. Vemos a Espanha com o melhor futebol de clubes do mundo e um fiasco na Copa. Vale também para a Inglaterra como defendeu seu lúcido técnico. Alguns estão seduzindo a nacionalização dos importados para defender a camisa nacional. Não com a mesma garra dos uruguaios, que se classificaram na chave da morte com unhas e dentes, literalmente.


Big-Brother: Ver mais que nossos olhos a tecnologia aplicada ao futebol. Bobagem algum jogador tentar esconder alguma coisa. O juiz pode não ver, mas as câmaras denunciam. Foi assim com o vampirismo do Soarez, ou a maldade com que nosso Neymar mirou com o olhar a braçada no pescoço do croata. O Balotelli aplicou um golpe de MMA no uruguaio na denúncia da câmera que o juiz não viu. A pegação dentro da área tá mais para as “boites” que eles frequentam no escuro. Mas futebol sempre foi assim. O Pelé era craque em irritar os adversários: gostava de enfiar o dedo no fiofó do marcador e cuspia na cara do adversário. Diziam!, porque se o juiz não via, não tinha a tecnologia na época para dedo-durar!


Pitacos: escrevo estas linhas antes dos jogos Chile X Brasil e Uruguai X Colômbia. Vocês estão lendo depois destes resultados. E durante o resto da Copa o Piauinauta estará no espaço sideral sem poder corrigir estes palpites. Aviso até que vou retardar a próxima edição para não coincidir com a final. Mas vamos lá: acho o Chile passável, temo mais o Uruguai ou a Colômbia e mais ainda a Alemanha (ou França), se lá chegarmos. Do outro lado das quartas está mais fácil, na minha humilde avaliação: a minha bola de cristal enxerga a Argentina na final, com uma névoa que ameaça a chegada da Holanda. As duas não estarem nas semifinais é muita zebra. Do lado de cá é matar um leão por jogo ou ser morto por ele. Morrer pro Chile é uma tragédia que vocês nem estarão lendo isso aqui. Perder pro Uruguai é antecipar o “Maracanazo” pras quartas e a tristeza antecipada. A injusta punição ao Luizito pode influir no resultado. Se for contra a Colômbia vai ser tão difícil quanto. Perder para Alemanha nos colocaria em terceiro. Brasil e Argentina é o nosso sonho de ganhar com mais emoção. Perder seria o segundo “Maracanazo” mudando de país. Mas seria uma grande final se o jogaço for Alemanha e Argentina. Pode também ser Holanda e Alemanha para curar nossos paranoicos. Mas fico aqui na torcida dos Hermanos contra a nossa Pátria de Chuteiras. Claro que a França e a Bélgica podem surpreender essa caixinha mágica do futebol. A magia do futebol é que o pior pode ganhar o melhor, que pode jogar pior num dia ruim. E ainda tem a roleta dos pênaltis. Boa Copa para todos nós!     

     

A ETERNIDADE DAS MANHÃS

 
Não há tempo para essas horas
Em que os minutos se abraçam
E partem em direção ao fim do dia
Resta esperar o sol da manhã
Com sua luz dourada e clara
A se derramar sobre os telhados
E tudo recomeça o tempo
Tudo recicla as horas ...
E os minutos não mais acenam
O fim do novo dia

(Climério Ferreira)

Cine São Luis


conjunto arquitetônico Clube dos Diários e Cine São Luís (hoje hotel)
 
(Geraldo Borges)
 
Estou em Teresina.

Toda vez que venho a Teresina hospedo-me  no antigo cine São Luis, ou melhor, no velho  prédio onde funcionava o cinema São Luis na década de cinqüenta. Hoje é apenas um hotel modesto próximo a Praça Pedro Segundo, e ao lado do Clube dos Diários. Mudaram a sua arquitetura funcional. No lugar amplo onde existia o auditório construíram  quartos com suítes, onde existe também televisão. Mexeram em tudo por dentro, Demoliram a cabine onde o filme rodava e ia se projetar na tela para deleite dos fregueses, demoliram as bilheterias, expulsaram  os lanterninhas, os porteiros, de caras de poucos amigos, e os fiscais que conferiam as nossas carteiras de estudantes Só conservaram mesmo a fachada, que ainda faz relembrar um pouco o cinema

O Cine São Luis me faz recordar o meu tempo de menino. Agora quer estou sozinho na minha suíte pego – me a pensar nos velhos faroestes tocadas a ferro e fogo, com cavalgadas  e diligencias, e, às vezes, índios.

Nunca pensei que um dia o Cine São Luis  se tornasse um hotel. O pior é que muitos prédios históricos foram abaixo para dar lugar a estacionamentos de carros.

Não dormi bem essa noite. Pois estava com medo de perder o avião, embora tivesse avisado ao recepcionista que me acordasse pelo telefone.

Durante a noite tive um sonho. Sonhei que estava em um castelo,  servido por mordomos e criados. Mas a maioria dos hospedes do castelo eram fantasmas, velhos astros e estrelas de filmes em preto e branco da Paramount  ,da Columbia, da Metro. Eles falavam inglês. E eu tentava traduzir. Parece que estavam dizendo por que diabo o Cine São Luis ti tinha se transformado naquele castelo mal assobrado. Tudo estava diferente de seu tampo. As pessoas entravam no prédio sem comprar bilhete, sem fazer fila, sem comer pipoca, o prédio não tinha mais cartazes deles nas paredes. De repente no meio da conversa eu vi Marilyn Monroe arribar o  vestido. Vi namorado  de mãos dada se beijando no escuro do cinema. No desfile desses fantasmas consegui ver em minha mente uma procissão de estrelas e astros que povoaram a minha imaginação aí pela década de cinqüenta, principalmente o que faziam papeis de mocinho e me fazia sair do cinema com os ombros levantados, e caminhando altivo.

Acordei com o toque do telefone. E tentei relembrar os detalhes do sonho. Com certeza esqueci a metade. Talvez tenha visto muitos filmes, remendado. Levantei. Esfreguei os olhos. Pisei meu sonâmbulo no assoalho  Acendi a luz. E pense, seria maravilhoso se eu encontrasse Marilyn Monroe inteiramente nua no meu banheiro. Talvez eu não estivesse ainda acordado  completamente. A Água fria me traria à realidade. Mudei de roupa. Arrumei a mala e desci. Não deu tempo de  tomar café.

Pedi um taxi. Rumei para o aeroporto. Embarquei.

O avião alçou vôo. E durante a viagem num esforço de memória e imaginação rebobinei, com direito a fitas quebradas,  quase todos os filmes que eu vi no velho Cine são Luis do tempo de minha infância. E só assim comecei a entender porque escolho, para me hospedar, sempre que venho a minha cidade, o velho prédio onde funcionou o Cine São Luis.

 

SEM RASCUNHO

 
O olho em foco me distrai
com um pedaço da manhã.

E ergo saudades secretas
na casca ferida de nãos.

Sou um bicho
com a asa entre os dentes; um...
cenário
partido em fatias
para caber em mim.

(Eu sozinho e o coração
tempestade de pássaros).

Com o pé no solo,
sigo a executar
uma sinfonia sem rascunho,

a vida não tem partituras.
 
(Salgado Maranhão)
_________________________
desenho: Gabriel Arcanjo



Pobres meninos ricos

(Cinéas Santos)

O moleque ainda se encontra no “ventre das expectativas” e já é observado por olhos rapaces. São os “olheiros” profissi...onais, gente com faro para descobrir o que pode render bons dividendos. Como não dispõem de capital, trabalham para ex-jogadores de futebol, cartolas, especuladores de todos os naipes. Perambulam pelos subúrbios à caça de garotos com alguma habilidade. Quando descobrem algum, correm para entregá-lo a quem o contratou. A partir daí, o passe ( leia-se a posse) do futuro craque é fatiada entre os que se dispuserem a investir nele. Inicia-se, então, a trama para encontrar um grande clube disposto a contratá-lo. Assinado o primeiro contrato, cada um recebe o que lhe cabe e o garoto vai suar a camisa. Se, porventura, tiver talento e sorte, pode marcar ou defender um gol decisivo. Aí, como num passe de mágica, passa de “promessa” a “revelação”. Sai do anonimato para as páginas dos grandes jornais, com direito a elogios e afagos. No dia seguinte, aparecem o pai (até então, desconhecido), os parentes, os aderentes, os amigos de infância, e as indefectíveis marias-chuteiras. Esse caldo de cultura costuma ser letal. Adiante-se que o garoto-revelação, há bastante tempo, vem adubando seus sonhos de consumo: carrões, joias e louras... Assim, antes de reformar o barraco da mãe, passa a circular, sempre “bem” acompanhado, por lugares badalados.
Antes que um dos meus três leitores esbraveje, adianto: o que acabei de afirmar aqui é uma caricatura grotesca, mas com gotículas de verdade. A pergunta cabível é a seguinte: o que os grandes clubes de futebol estão fazendo para melhorar o nível intelectual dessa molecada pobre, semianalfabeta, que só possui alguma habilidade com os pés? As empresas da construção civil, por exemplo, já se deram conta de que operários instruídos acidentam-se menos e rendem muito mais. Estão investindo na alfabetização dos trabalhadores. Por que os clubes de futebol não fazem o mesmo? Por que, durante o tempo que passam concentrados, os jogadores não recebem aulas de português, de inglês, de ética, de educação sexual, de cidadania? Certa feita, Rachel de Queirós afirmou: “Vida de craque não são rosas”. Tinha razão: jogador profissional passa 80% do tempo concentrado, treinando, viajando ou jogando. O tempinho livre que lhe sobra é dedicado à esbórnia, que ninguém é de ferro.
Alguns, antes da maioridade, são “exportados” para os milionários clubes europeus. No ato da transação, um desses moleques pode embolsar, de uma vez, o que um professor-doutor não ganhará ao longo de toda a vida útil. O que fazer com tanto dinheiro e nenhuma informação? Comprar carrões, piercings de diamantes, correntes de ouro e louras, um harém de louras... Com raras exceções, o desempenho dessas estrelas, em campo, decresce na mesma proporção em que se lhes aumentam os salários. Como conciliar uma carreira que exige disciplina espartana com as tentações do mundo?
Quando “pisam na bola” ( e como pisam!), a mesma imprensa que os diviniza, sataniza-os sem a menor piedade. Num átimo, passam de heróis a vilões e acabam nas páginas policiais. Pensando bem, até por piedade, o país deveria importar-se um pouco mais com o destino desses pobres meninos ricos.

Caminho

sem a dor sentida como dor
a vida passa como um sonho
entre as pedras

(Graça Vilhena)

Epitáfios


Eu toco a flauta
A naja levanta a cabeça
Morde-me e me mata.
 
Não existe triunfo
Para o soldado desconhecido
Sob o Arco do Triunfo.
 
 
(Geraldo Borges)

CONSERTO DISCO VOADOR


Conserto disco voador
De vinil, cd ou dvd
Dos que têm luz ao redor
Daqueles que ninguém vê
Até mesmo dos arranhados
Sem selo de gravadora
Piratas mal gravados
De marcianos invasores
Os de som bem moderno
Ou mesmo disquinhos bregas
Dos mandam tudo pro inferno
Ou de pastor que grita e prega
Os de música gospel
Ou de poetas afônicos
Malditos que cospem fel
De vanguardistas atônitos
E dos mal fotografados
Pratos atirados ao céu
Os de relatos inventados
Os que causam escarcéu
Os vindos do outro mundo
Os que atendem ao mercado
Os de artista profundo
Os de cantor enganado
Conserto disco voador
Só não conserto compositor


(Climério Ferreira)
______________________
poema sobre a foto que circulou na internet
(sem indicação de autoria)

Para o poeta Manoel Monteiro


O poeta Manoel Monteiro desapareceu de sua casa em Campina Grande (PB) e foi encontrado morto num quarto de hotel em Belém do Pará. Todo poeta tem seus mistérios e enquanto esse não se resolve Chico Salles louva o artista nos seus versos:


O cordel está de luto
E eu também estou triste
A Literatura perde
A essência do palmiste
Subiu Manoel Monteiro
Este Poeta guerreiro
Vestindo-me de lamiste.

Nascido em Pernambuco
Vivido na Paraíba
Homem modesto e seguro
Forte feito embaíba
Expoente do Cordel
Este Mestre menestrel
Agora está lá em riba.

Foi se encontrar com Leandro
Zé Limeira e Zé da Luz
A saudade ficará
Mas a vida nos conduz
Prá este mesmo caminho
Que tem rosa e espinho
Cada um com sua cruz.

A nossa Academia
Ficará esvaziada
O cordel entristecido
A verve envergonhada
O mundo com menos um
Artista raro incomum
A rima encabulada.
 
(Chico Salles)
  

Paulo Tabatinga


 Flagrantes da Copa em fotos de Paulo Tabatinga nas imagens da TV:







domingo, 15 de junho de 2014

IMPRESSÕES DE VIAGEM


(Edmar Oliveira)
 
Uma amiga perguntou pelo Piauinauta, que não sai há quase um mês, e eu falei que estava enrolado com o lançamento do meu TERRA DO FOGO em Teresina e que tinha de ficar lá por uns dez dias. Ela então falou: “sei, você está de licença paternidade”.  Acertou assim.

Cheguei para o “Sarau dos Amigos do Cinéas” na Oficina da Palavra, onde o livro foi muito bem recebido. Passei toda a semana indo ao stand do Leonardo, que tem editado livros de escritores da terra (muito bem caprichados), autografando o TERRA DO FOGO, que por sinal esgotou o estoque de lançamento. Eu e Salgado Maranhão fizemos um bate-papo literário discutindo o meu livro e o dele (MAPA DA TRIBO) para uma plateia de cinquenta a sessenta pessoas às oito horas da manhã, o que me surpreendeu. Geraldo Borges estava lançando ESTAÇÃO TERESINA anunciado aqui no Piauinauta anterior.

Boas conversas com Paulo Tabatinga, Gisleno Feitosa, Rodrigo Leite, Durvalino Couto, Feliciano Bezerra, Wellington Soares, Cinéas Santos, Graça Vilhena, Paulo Vilhena, João Carvalho, Fonseca Neto, Alexandre Carvalho, Gilson Caland, Climério Ferreira e  Helô, Keula Araújo, Luana Miranda, Poeta Willian, a muito jovem e bonita escritora Fran Lima, Deusdeth Nunes e a turma do Conciliábulo, entre tantos outros que tive por bem encontrar. Fui entrevistado por várias emissoras de rádios que cobriam o evento, entre elas a de Marcos de Oliveira e a de Leide Sousa. E ainda deu tempo gravar um depoimento sobre o cinema marginal dos anos 70 para Patrícia Kelly e Morgana, que fazem um documentário como monografia do curso de história e jornalismo. As meninas são brilhantes. E eu estou tão velho que virei pesquisa. Mas é bom ser reconhecido.

Tinha tudo pra ficar contente. Mas não fiquei.

Me hospedei no Hotel Central, em frente ao Club dos Diários, ao lado da praça Pedro II e seu Teatro 4 de Setembro, complexo que foi outrora o centro pulsante e cultural da cidade. Após cinco dias fui para a casa do meu irmão Maioba angustiado pela solidão. A cidade entre os dois rios, que se estendia do encontro de suas águas no Poty Velho até a Vermelha (citada no filme genial do Torquato Neto) não existe mais. Foi definitivamente abandonada por seus habitantes que atravessaram o Rio Poty e ergueram uma cidade moderna na zona Leste. Mas que não tem nenhuma lembrança da minha cidade.

A minha cidade é uma cidade fantasma. Os poucos e pobres habitantes que ali ficaram não saem de noite nas suas ruas escuras com medo de assalto. Trancam-se em suas casas. Os de mais posses fazem cercas elétricas para protegerem a sua solidão. As ruas foram entregues ao drogados, aos desocupados que ocupam uma cidade sem lei e sem ordem. Em suas ruas desertas, mesmo ao meio dia, encontrei duas pessoas usando drogas. Não senti qualquer medo. Eram pessoas que eu conhecia da minha infância naquelas, outrora, ruas agitadas. Agora estavam os dois usando drogas numa cidade trancada com medo deles. Esquisito. Conversamos sem medo entre nós. Eu não me senti ameaçado por eles. Fiquei com pena de a cidade os terem tragado pela fumaça de um inexistente futuro.

Sem querer contrariar os meus anfitriões do Salão do Livro do Piauí (SALIPI), até entendo os seus motivos de o terem tirado da Praça Pedro II para que acontecesse este ano na Universidade Federal, que também fica na Zona Leste da nova cidade. Mas não concordo.

Desculpem, mas penso que a cultura abandonou também a cidade antiga. Não digo que ficou elitista porque a Universidade pública congrega estudantes de todas as classes. Mais ainda com o sistema de cotas. Mas acho que a cultura abandonou também a cidade antiga. É preciso que analisemos este fato mais devagar. Não vou fazer agora.

No livro que em Teresina fui lançar conto uma história triste que a cidade tinha esquecido. Os incêndios dos anos 1940. Acho que em breve um cronista vai contar essa história, também muito triste, do abandono da cidade antiga. A impressão que eu tive, e que me encheu de tristeza, é que ela não mais existe. E uma cidade sem passado é uma cidade sem futuro.

 

klöZ por 1000TON


A casa do menino





(Geraldo Borges)
 
No meu tempo de criança eu só sabia desenhar uma casa com uma porta e uma janela e uma arvore  ao lado de um cercado e  um sol de olho arregalado no alto da página. Imagino que essa era a casa onde eu havia nascido e continuava morando. Ela flutuava um pouco fora dos alicerces. Por mais que eu desejasse desenhar outra coisa, sempre que pegava o lápis, mordia a língua, e franzia a testa, e riscava o papel, não conseguia  modificar o meu desenho. Uma casa, uma janela, uma porta, um sol, um céu limpo de chuva eram os elemento que sempre apareciam no meu desenho. Às vezes eu acrescentava um passarinho num ramo da árvore. Esse desenho feito refeito,  várias versões, tornou-se a minha obra prima.
Até que um dia,  o tempo me levou, além, muito além do meu desenho.  Desenhei dois bonecos dentro da casa. Talvez fossem meu pai e minha mãe.
Passei meu período de infância, entrei pela adolescência e mocidade e esqueci o meu desenho. Mas, um dia, devaneando, para preencher o tempo, empunhei o  meu grafite e comecei a me enredar nos bastidores tentando desenhar alguma coisa.
Não é que a velha casa apareceu no papel, flutuando, fora dos alicerces, com seu cercado, com sua porta, sua janela, seu sol  arregalado no céu azul, e o seu passarinho. Paisagem que eu pensei não  estivesse mais ao alcance de minha mão
È que agora eu estou morando em um apartamento. E em nossa rua não há uma árvore sequer. Por isso mesmo resolvi colocar  o meu desenho em uma leve moldura e pendurá-lo em uma das paredes da minha sala.Pois a considero a minha obra prima.
 



Carlos Nascimento


OS SERES DO AMANHÃ

o infinito ainda não sabe de nós
recolhidos que estamos em nosso covil
prontos a explodir na luz do amanhã
nós habitamos o tempo eterno
que mora no dia de todo dia
a felicidade habita nossos gestos
e percorre conosco os corredores
o infinito nos fita de soslaio
quando nos amamos em silêncio

(Climério Ferreira)

Piauinauta

Paulo Tabatinga encontrou o Piauinauta numa dobra do tempo sobrevoando a igreja de São Benedito

A ideia


De onde ela vem?!De que matéria bruta                   
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
.

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,                  
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
.
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...
.
Quebra a força centrípeta que a amarra, 
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica
.
(Augusto dos Anjos, homenageado deste ano no Salão do Livro do Piauí)




Túnel do Tempo

Quem lembra que Teresina teve essa pizzaria da Safira Bengell no passado e na cidade antiga?

Cardápio


Seria um fiasco

Vinho tinto servido

Em copo de plástico?

 

Em que zona

Do canto do prato

Está a azeitona?
 
(Geraldo Borges)

Tabatinga