quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

em órbita


o Piauinauta afastado da terra nesse tempo de carnaval entra em férias por um tempo.

HOJE O "LOUCURA" VAI SAIR, MAS EU NÃO VOU


Edmar Oliveira

O “Loucura Suburbana” é um bloco carnavalesco que foi engendrado dentro do Hospital de Engenho de Dentro como parte de uma utopia que ali acontecia na direção do inatingível lema “Por uma Sociedade sem Manicômio”. Melhor explico, a equipe dirigente do antigo hospício, por dez anos tentou substituir o manicômio por serviços comunitários e de mais serventia aos usuários de Saúde Mental. O bloco carnavalesco por bons sete anos saía na quinta-feira gorda, abrindo os portões do hospício para levar a loucura às ruas do Engenho de Dentro na utopia de um dia não retornar. O bloco era a ponta festiva da utopia que foi construída e que mudou o destino de muitos dos habitantes do hospício. O “Loucura Suburbana” era a comemoração de que se podia sonhar com um amanhã em que o hospício não mais existisse. O bloco queria ganhar as ruas e não ter que retornar na quarta feira de cinzas. Sonhava em ser feliz derramando sobre a cidade a sua loucura o ano inteiro. E na sua irreverência aplicou injeções num boneco que representava o prefeito louco da cidade, falou mal do Ministro da Saúde e seus programas, encarnou a briga da Coordenação Nacional de Saúde Mental com a poderosa e conservadora Associação Brasileira de Psiquiatria, sacaneou com a equipe que dirigia o hospital, dentro do clima carnavalesco que pode e deve falar mal de todo mundo. Primeiro assustou, mas depois ganhou aplauso da população do subúrbio.

Acontece, como sempre soe acontecer, o hospício se impôs ao sonho. A equipe dirigente teve que se afastar por não concordar com os rumos que a prosa vinha tomando. O hospício estava pronto para encerrar suas atividades, como documentei no livro “Ouvindo Vozes”, mas o dragão acordou, retirou as amarras e retomou seu rumo como que inexorável. O projeto foi interrompido e corre riscos: a falta de psiquiatras não pode justificar o retorno da emergência (hoje no hospital geral) para o hospício; a internação de crianças não pode ressuscitar o antigo hospital de neuro-psiquiatria infantil; os moradores não deveriam ser reconduzidos às enfermarias. Em suma, o risco é o renascimento do hospício para a glória do alienismo nacional.

O “Loucura Suburbana” podia sair denunciando essa situação ou não saindo para que a cidade sentisse que a loucura tinha sido novamente enclausurada. Mas o bloco ficou surdo ao acontecer e foi domesticado pelo hospício, que o deixa sair, desde que retorne sempre ao final da tarde, os tamborins cansados, o surdo calado, a cuíca gemendo, para que as dores sejam aprisionadas pelo hospício até o próximo carnaval. O “Loucura Suburbana” hoje sai, mas eu não vou porque me sinto em tristeza...

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e mais um triste: o meu amigo Alfredo morreu ontem ao som do ensaio do bloco...

Graça



A Descoberta do Brasil


Geraldo Borges

Se eu fosse escrever um livro sobre a história do Brasil (tem muita gente escrevendo, até mesmo imaginando) eu me reportaria a sua descoberta. Não diria que o Brasil foi descoberto apenas por Pedro Alvarez Cabral, mas, claro, também por toda a tripulação de suas caravelas e galeões. Principalmente pelos gajos que estavam em cima da gávea das caravelas e galeões e primeiro disseram: terra à vista.

Mas o Brasil continua sendo descoberto, ainda temos muitas terras a vista, só que não é de quem a enxerga. Depois o Brasil foi descoberto pelos governadores gerais. Mais tarde vieram os franceses que descobriram as belezas do Rio de Janeiro e do Maranhão, vieram também os holandeses que descobriram as lindezas de Pernambuco, vieram também os espanhóis, foram embora, expulsos, mas hoje com a globalização resolveram voltar de um modo mais diplomáticos e continuam descobrindo o Brasil, os ingleses, estes sempre estiveram por aqui. Tiradentes com os seus poetas árcades tentaram descobri o Brasil inspirados na revolução americana, mas foram traídos, o que sobrou foi apenas poesia, uma escola literária, dramas e comoventes historias de amor...

Uma das grandes descobertas do Brasil se deu no período das guerras de Napoleão com a vinda de Dom João VI para cá em 1808, por coincidência a corte imperial chegou primeiro na Bahia, mas uma vez em porto seguro escoltada pelos ingleses que também já estavam descobrindo o Brasil com a abertura dos portos brasileiros as nações amigas. Descobrir o Brasil era a melhor coisa do mundo naquele tempo de pirataria continental.

Muito mais tarde um filho de Dom João VI, dom Pedro I descobriu o Brasil mais uma vez dizendo: como é para o bem do povo, eu fico. Ficou. Proclamou a Independência, e depois foi embora, criando um profundo buraco institucional, a regência. Ai quem tratou de descobri o Brasil foram os regentes, enfrentando várias guerras originarias das contradições sociais e econômicas; nessas guerras o povo tentou também descobrir o seu Brasil. Mas foram massacrados. O Brasil já estava descoberto para as elites, e era isto que importava. As elites descobrirem que o país precisava descobrir o seu imperador, ai pegaram um menino de quatorze anos e declaravam a sua maioridade. Tudo bem. O Brasil estava pacificado. Mas veio a guerra do Paraguai instigada pelos ingleses, o Brasil entrou nela, e foi além do tratado de Tordesilhas, redescobrindo-se mais ainda e aumentando o seu território.

Depois da guerra da Paraguai o exercito brasileiro se fortaleceu e começou a botar as unhas de fora, proclamou a republica, e sentiu que tinha descoberto o Brasil mais uma vez. Dom Pedro II foi morrer em Paris. Agora as coisas eram publicas. Adeus a monarquia. Novas descobertas. Apareceu Antonio Conselheiro, Euclides da Cunha descobrindo Os Sertões, o sertanejo em pé de guerra. O exercito querendo modernizar o Brasil e massacrando. Consolidada a primeira republica ela envelheceu. O exercito brasileiro rachou e alguns tenentes liderados por Luis Carlos Prestes começaram a descobrir o Brasil pelo sertão a fora, a pé, a cavalo, até que foram obrigados a se refugiarem na Bolívia. Depois veio a revolução de 30, e o Brasil foi novamente redescoberto tendo como líder gaucho Getúlio Vargas, um dos modernos descobridores do Brasil, a quem os trabalhadores devem muita coisa, não obstante muitos percalços pelos caminhos da liberdade.

Outro descobridor do Brasil foi Assis Chateaubriand, no campo da comunicação e das artes plásticas. Muitas outras grandes figuras da nossa história descobriram o Brasil, os irmãos Vila Boas. Marechal Rondon estendendo a rede telegráfica pelo interior do Brasil, se comunicando com os índios do centro Oeste principalmente, e dando nome a estado e cidade.

Quem mais descobriu o Brasil? Os nordestinos que construíram Brasília juntos com Oscar Niemayer, Lucio Costa e Juscelino Kubistchek. Brasília é um novo Brasil que nasceu em um momento revolucionário que logo teve de ser coberto pelo sombrio palio da reação. De moderno persiste a arquitetura que não acompanha a ruína de seus políticos. Quem diria tudo começa com Cabral na linha da costa e veio se completar em cima do planalto para uma melhor distribuição demográfica do país, mesmo assim ainda há muito chão para se caminhar e descobrir.

Bom. O Brasil está sendo descoberto e redescoberto, o processo é longo, e faz-se o caminho andando como diz o poeta. Um operário quis descobrir o Brasil, e descobriu muita coisa até mesmo o que não queria, e foi obrigado a esconder. O Brasil não está mais deitado em berço esplendido, acordou, estremece, se redescobre a cada dia, e são muitos os seus descobridores, nos campos, nas cidades, nos rios, nos mares e continuam navegando, enfrentando tempestades, e gritando terra a vista.

poemicro 1

VERSO PERFEITO
Perfeito
É o verso feito
(Climério Ferreira)

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Climério inaugura mais uma série, agora o mínimo poema dizendo muito na tradição poundiana do paideuma...

Gira



Ana Cecília Salis




Se o sol gira
E se o girassol tem do sol a cor
Então que boa idéia
É dar ao sol um bom cheiro da flor!

Carnaval



Paulo Brito

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PAULO BRITO – Paulo Teixeira de Brito, nasceu em 13 de outubro de 1957. "Sua pintura é resultante de uma inquietante observação cultural de nosso dia-a-dia, nas camadas sociais mais humildes, seja uma cena em família, rituais ou mesmo lembranças de infância."

Vilmar Rodrigues

Mais Paulo Brito ver na Casa de Lima Barreto ali embaixo.

VELO(Z)CIDADE


Está provado
Que a velocidade dos carros ultrapassam vidas -
Para-brisas esmagam borboletas.

(Paulo Tabatinga)
a foto também é dele

Mário Quintana

"Quem somos?

Esse estranho que mora no espelho
Olha-me de um jeito
De quem procura recordar quem sou..."

O Exercício do Poder

Edmar Oliveira

O poder solicita o exercício. Ele é quase sinônimo de fazer. Os gregos já tinham sacado que essa coisa é séria e reservava o poder, mesmo num regime que inspirou a nossa democracia, para os sábios, os notórios, os que podiam se enredar nesse exercício para o bem comum, sem – quase nunca – colocar o fazer em benefício próprio. Sociedade classista, onde a democracia só atingia os homens livres, mas dentre os livres não eram todos com um currículo para o exercício do poder. Antes se conheciam suas aptidões nos destaques da sapiência, na dedicação ao bem comum. Mais isso era coisa de grego e seus presentes. Entre nós, aperfeiçoamos a democracia para que qualquer cidadão fosse ungido ao poder ou agraciados com pequenos poderes pelos poderosos. A democracia, na sua instância suprema, extinguiu os que sabíamos em sociedade estarem de acordo com o exercício. Qualquer um, democraticamente, por eleição direta ou indiretamente por indicação dos eleitos exercem o poder constituído. Mesmo que não mostre aptidão alguma ou tenha a ficha suja na polícia.

O que parecia o mais democrático possível – como sempre – tem seus efeitos colaterais, até piores que o remédio. Não vou falar dos grandes poderes e os podres – é só suprimir um “e” – do nosso cotidiano político dos dinheiros em meias, cuecas e orifícios indizíveis, que a riqueza deprava. Falo do exercício pequeno da atividade do poder. Já o exerci por algumas vezes e – todas – apenas se tinha um objetivo de promover o bem comum de uma clientela – os meus loucos – ou para abrir uma discussão com os canais da sociedade. Embora não seja um grego notório, sábio. Na concepção atual sou até uma besta, pois o único patrimônio que tenho é não precisar de sigilo bancário e ser justo, principalmente com os adversários. Ainda faz parte do meu patrimônio a chatice e defender o uso decente do dinheiro público, até na cobrança da carga horária, que se torna um desvio de recursos quando não cumprida. Posso me orgulhar em exercer o poder para o bem comum da clientela a quem servia.

Desde muito sabia dos podres poderes exercidos de forma narcísea com seu correlato de perversão. Mesmo os que são honestos, em relação ao erário, roubam a paciência dos subordinados, roubam a possibilidade de melhorar o bem comum. Mas não os tinha sentido na pele. Desde a última vez que deixei um cargo público (e espero não voltar mais, pois me aposento em breve) tenho sido submetido a capricho de Narcisos e suas formas perversas à exaustão. Bom cabrito não berra, por isso só escrevo sobre e em desabafo sem chiar na peia (como se diz na minha terra).

Mas o Narciso usa o poder para ficar mais belo, para se fazer notar que o tem, colocando barreiras de todas as formas em que os desafetos possam tropeçar, pelo simples prazer de falar para si no espelho: “ eu posso, eu quero, eu fiz”, enquanto atravessa a imagem refletida para se refugiar no seu ego. Porque o exercício do poder tem de acontecer por bem ou por mal. O poder não pode deixar de ser exercido, é da sua natureza acontecer de alguma forma. Mesquinhos e tristes esses podres poderes...

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originalmente publicado na Casa Lima Barreto

O DINHEIRO DE SÃO PEDRO

Chico Dias

De tal modo imitou o Papa a singeleza

Do mártir do calvário

Que à força de gastar os bens com a pobreza

Tornou-se milionário

Tu hoje podes ver, ó filho de Maria,

O teu vigário humilde

Conversando na bolsa em fundos da Turquia

Com o Barão Rotschild

E toda essa riqueza imensa, acumulada

Por tantos financeiros

O que é a economia, ó Deus! Foi começada

Só com trinta dinheiros


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mandado por Paulo José. Veja Conteúdo

Elmar Carvalho

Poema sobre a cidade de José de Freitas

REFRÃO DA FOME E PAWANA

Luiz Horácio



Refrão da fome é um romance sem herói, sem heroína, é um romance com sobreviventes. Sobreviver significa vencer a violência. Não importando a forma que esta se estabeleça.

Refrão da fome é uma história de tensão, do início ao fim. Essa tensão aumenta a medida que a menina protagonista cresce, não há trégua. O escritor Jean Marie Le Clézio, vai descascando, camada por camada a violência, algumas de suas nuances, que sobrevivem inclusive à guerra.

Em seu estilo preciso, claro, quase didático, Le Clézio, Prêmio Nobel de Liter

atura de 2008, pode ser classificado como um memorialista, ele traz à tona retratos, repletos de minucias do passado, para tencioná-los no presente. E quem sabe, também no futuro.

Em Refrão da Fome, o escritor, mais um, examina, sem luvas, mas com

delicadeza a ferida incicatrizável causada pela Segunda Guerra Mundial. Vale lembrar que excetuando-se o cenário, de guerra, tal ferida não difere em muito das feridas provocadas pelo homem na atualidade.

Refrão da fome retrata a tragédia

de Ethel, da menina inocente aos 12 até seus vinte anos de idade, então sem resquícios da ilusão e ciente do potencial predador do ser humano. Entenda-se, também, por potencial predador o fascínio pelos bens materiais. Fascínio esse capaz de levar o pai de Ethel a roubá-la. Do auge da ilusão ao apogeu da miséria. O período de sofrimento da menina, sua infância e a adolescência, tem início nos anos 30 e perdura até o final da guerra, em

1945. No entender deste aprendiz, Refrão da fome é um romance de formação. Mas por favor, afobado leitor, de formação se objetivarmos a trajetória de Ethel e um romance com rastros biográficos se partirmos para o lado do autor.Entendido? Não, não entendeu? Talvez eu precise dar uma aula sobre autoficção, autor implícito e autor-criador e autor- pessoa. Não farei isso agora. Em outra oportunidade, por que não?

Voltemos a Ethel. Bem nascida, vive em bairro nobre de Paris, gasta sua infância ao lado do tio-avô, Samuel Soliman. Le Clézio descreve a amizade entre eles utilizando um lirismo nada comum. Os passeios, a cumplicidade, a fantasia, o sonho compartilhado com Samuel, o velho

comprara um pavilhão indiano na Exposição Colonial de 1931, a idéia de erguê-lo um dia em seu quintal, a expectativa dessa construção que acompanhará Ethel até a frustração pressentida pelo leitor, o futuro desenhado pelo tio-avô, caso você entenda Refrão da fome como um poema, um poema que trará seu último verso na morte de Samuel, você não terá cometido crime algum contra a literatura. Muito pelo contrário. E terá exposto sua sensibilidade, privilegiado leitor de Le Clézio.

Logo entra em cena Xénia, uma imigrante russa, de origem nobre mas devastada economicamente; a russa despertará a amizade e paixão em Ethel. Xénia, no entanto, será mais uma frustração na trajetória de Ethel. Ao desaparecer e logo pariticipar seu casamento e ao reaparecer como alguém extremament

e arrogante e com ares de superioridade.

Alimenta um amor burocrático pelo inglês Laurent, militar atuando no

front, esse amor atravessará o romance. O único aspecto duradouro, apesar da fragilidade, na vida de Ethel. Vida que desce ao porão sobrio com a debacle econômica da família, a guerra e seus tentáculos implacáveis, um deles, os alemães invadindo a França.

Le Clézio apresenta a desgraça sem exageros ou truques analgésicos, mostra uma família aparentemente tranqüila em sua rotina burguesa de tênues atribulações.

Por falar em burguesia, Le Clézio vai às entranhas da burguesia francesa, representada pela família, e suas relações, de Ethel. Burguesia alienada e, talvez a única escorregadela de Le Clézio, extremamente infantilizada. Ao longo da trama vem a tona assuntos relacionados com as ex-colônias francesas, os imigrantes árabes a "macular" o território francês.

Refrão da fome, insisto, é um romance de formação, é um romance político, é um romance que só poderia ser escrito por um francês. Do mesmo modo que François Truffaut é insuperável ao mostrar a infância no cinema, Le Clézio e Raymond Quenau (Zazie no metrô) são insuperáveis na literatura.

Não se trata de contar uma história edulcorada, só porque tem crianç

a protagonizando, coisa comum entre nossos autores, armadilha que não cai Quenau e tampouco Le Clézio.

A violência está presente em ambas histórias. Em Refrão da fome vestindo alguns disfarces, guerra, miséria, trapaça, ganância, morte....

A violência que cresce, conforme a referência a "refrão"(ritournelle de la faim), o narrador se reporta aos últimos compassos, de estrondoso crescendo) de Bolero,de Maurice Ravel.

"O Bolero não é uma peça musical como as outras. É uma profecia. Conta a história de uma cólera, uma fome. Quando acaba em violência, o silêncio que se segue é terrível para os sobreviventes aturdidos". Palavras do narrador.

Em Pawana Le Clézio, mais uma vez retorna ao passado e deixa bem claro que o ser humano é incapaz de evoluir, o que evolui são seus eletrodomésticos, no homem o que vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo é seu talento de predador, a rapinagem, a inesgotável capacidade de arranhar o mundo e suas criaturas.

Pawana trata da descoberta de uma passagem marinha, que conduz ao ponto escolhido pelas baleias para dar à luz e, ao mesmo tempo, o local onde elas voltam no final de suas vidas.

“Le Clézio conta a aventura obsessiva de Charles Melville Scammon, capitão do navio Léonore. Scammon e o grumete John, este nascido em Nantucket - também cenário de Moby Dick, de Herman Melville. Scammon e Jonh recordam seus dias a bordo do Lénore.

A relação homem/natureza é exposta com a devida crueza. Ambos buscam dinheiro, Jonh encontra algo mais. Talvez venha a modificá-lo.

O Capitão acredita na existência de um local, por enquanto desconhecido, onde as baleias se reproduzem e que retornem àquele lugar quando chegada a época. Incansável em seu objetivo, alcança êxito em 1856, no Golfo da Califórnia, o local secreto de reprodução das baleias, o berçário.

A descrição da chegada da embarcação do capitão Melville à costa oeste do México, maternidade/ berçário das baleias é de uma beleza impressionante. Le Clézio leva o descuidado leitor à beira do precipício enquanto este pensa estar pisando no inocente palco de um singelo, desde que sem a ambigüidade costumeira, conto de fadas. Tudo sob a luz da lua.

Logo o leitor despencará no precipício com a narração do extermínio das baleias. Detalhe por detalhe da matança levam o leitor para o convés da chalupa, assiste de camarote o banho de sangue. Alcançado o objetivo, “o resto é silêncio”. A beleza destruída dói no mais embrutecido ser humano. Scammon acaba se culpando por sua descoberta. A destruição é total, flora, fauna, índios. Anos mais o ambiente se resume à areia e restos brancos das carcaças das baleias. Infelizmente a dor da natureza/beleza destruída é fugaz, não sobrevive ao ato. Logo o homem partirá para outra. Na época o óleo de baleia era combustível precioso usado na iluminação, e hoje qual a serventia? Mas a matança continua, voltem ao começo do texto sobre Pawana. Talve este aprendiz tenha cometido um equívoco; o ser humano evolui, perdoe otimista leitor. Agora ele é DESumano.

Pawana é sensorial, o cheiro do sangue, do mar, o gemido das baleias, tudo isso

chega ao leitor, em descrições, por mais absurdo que isso possa parecer, poéticas. A poesia que pode ser verificada na paixão do grumete Jonh por uma índia, escravizada, também dominada como as baleias. A índia presta serviços, anseia por liberdade, empreende várias fugas e é sempre capturada. Até que na fuga derradeira, além de ser recapturada, é assassinada. John que tão somente espionara sua beleza, não conseguira amar a beleza da índia deixa nítida a função dessa novela imprescindível. "Por que os homens matam aquilo que amam?"

TRECHO- REFRÃO DA FOME

Ehel captou o sentido do documento, que dava a seu pai plenos poderes para administrar, gerir e vender o patrimônio dela, inclusive o de construir fosse o que fosse sobre o terreno e o de tomar os empréstimos necessários para a realização do projeto.Embora a fórmula não contivesse ambigüidades, Ethel se lembrará mais tarde de ter acreditado, naquele instante, que o pai decidira continuar com a construção da Casa Malva, com o que sentira uma onda de felicidade.

O tabelião, ao concluir sua arenga, estendeu os papéis a Alexandre para que ele os relesse, rubricasse e assinasse, e em seguida os dois haviam mudado de assunto. Tratava-se de um empréstimo, de uns negócios no banco, talvez também da situação polí

tica internacional, mas Ethel não escutava. Estava impaciente para sair dali, da atmosfera sufocante daquele escritório entulhado de papéis, e se livrar da presença daquele homem e de seu bigode, de seus olhos pretos, da falação, de seus perdigotos. Tinha encontro marcado com Xénia diante do liceu, estava doida para ir contar à amiga o que ocorrera, para lhe dizer que em breve a Casa Malva haveria de erguer-se do chão, com seus janelões abertos para o jardim e seu espelho Deágua para refletir o céu do outono. Haveria um quarto para ela, Xénia, que não teria mais de morar no apartamento térreo infecto e sem iluminação da Rue de Vaugirard, naquele “depósito” onde toda a família dormia no mesmo cômodo, sobre colchões.

Assim que se viu na rua, Ethel deu um beijo no pai. “Obrigada! Obrigada!” Ele a olhava em silêncio, com ar de desentendido, como se pensasse em outra coisa. Ia até Montparnasse, passar nos bancos e fazer um almoço de solteiro, como costumava dizer. Ethel correra até a Rue Marguerin sem parar nenhuma vez.Não completara quinze anos e acabava de perder tudo.

TRECHO PAWANA

Ouviu-se um grito de triunfo e o peixe-diabo, uma fêmea gigantesca, mergulhou antes de podermos ver se o arpão a tinha atingido. Pouco antes de afundar,porém, ela deu esse sopro rouco que eu conheço tão bem, esse sopro que homem algum pode esquecer. O cabo se desenrolava a toda velocidade, puxando os freios que batiam como tiros nos bordos da chalupa, e o grumete ia molhando a madeira, para que não pegasse fogo com a fricção. Um instante depois, a baleia ressurgiu na superfície da laguna, num salto extraordinário, que nos deixou sem fala, a todos nós, tão grandes eram a beleza e o vigor daquel

e corpo erguido para o céu.Por uma fração de segundo ela ficou imóvel, depois tombou num monte de espuma e ficou boiando, meio de lado, e vimos o sangue que tingia a laguna, que avermelhava o vapor das suas narinas. Silenciosamente a chalupa se aproximou da baleia. No último momento, quando um frêmito na água indicou que ela ainda estava se mexendo, o índio lançou o segundo arpão, que cravou fundo em seu corpo, um pouco abaixo da articulação da nadadeira, entre as costelas, e atingiu o coração.No mesmo instante o sangue jorrou pelas narinas, num jato que subiu alto no céu, de um vermelho muito

claro, e caiu como chuva sobre nossas e no mar. O corpo imenso estrebuchou, depois se imobilizou na superfície, tombado de lado,mostrando o arpão cravado, enquanto a mancha escura aumentava na laguna, rodeando a chalupa. Curiosamente, os homens não falavam mais nada.

O AUTOR

Jean-Marie Gustave Le Clézio é filho de pais mauricianos e nasceu e 1940 em Nice, no sul da França. Formou-se em Letras e, em 1963, com 23 anos de idade, ganhou o prêmio literário Renaudot por seu livro de estreia “Le Procès-Verbal” (Gallimard). Entre seus livros publicados no Brasil estão “O Africano”, “A Quarentena” e “Peixe Dourado”. Após anunciar a escolha de Le Clézio para o Nobel de Literatura no ano passado (2008),

a academia sueca justificou sua escolha classificando-o como “um escritor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensual. É um explorador da humanidade além e por baixo da civilização reinante”.

Esses poetas


Paulo Vilhena


Para Edmar Oliveira e Chico Pereira




Não há como entendê-los


nem nas sombras das calçadas de todas as cidades


nem na terrível memória do amor


nem nas distantes saudades dessas ruas


que engravidaram das lembranças bastardas.



Passo a passo, devoro Copacabana


até chegar ao Leme


e remar meus sonhos rumo à Praia Vermelha:



Edmar e Pereira nada dizem


além do meu coração


que explode e sangra e chora


em todas essas loucas fronteiras do viver.


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Edmar,
(Re)mexendo nas minhas memórias, encontrei mais um poemim. E o pior é que este é seu e do Pereira, de mil novecentos e tantos.(Paulo Vilhena)


André Rieu's Manhã de Carnaval

Beautiful brazilian song performed by André Rieu with Carla Maffioletti playing guitar an singin together with Carmen Monarcha and Suzan Erens (Trier 2006) (garimpado por Uimair Rocha, São Luis)