quinta-feira, 25 de junho de 2009

A Saudade é Azul



O Piauinauta contempla o antigo cais da Teresina do passado onde se ancorava o Mercado Velho. Só os prédios da Cepisa, do Banco do Nordeste e do INPS se destacavam, mas abaixo das torres da igreja do Amparo. E o rio manso, ainda azulado pelo céu, se espriguiçava rumo a Parnaíba...





SAUDADE

Edmar Oliveira

É misturada às lembranças que se encontra a saudade. No deixar o pensamento assim à-toa, sem muita ocupação, as lembranças se animam em aparecer. Primeiro vem nas alegrias de boas coisas que estavam no esquecimento muito lá enfurnado por dentro dos nossos esquecimentos. E dessas lembranças a alegria nos contagia num gosto de quero mais. Pode ser uma cidade, um beco, um morro. Pode ser uma moça, um sorriso, uma perna. Um rio, um caminho, uma casa. A gente lembra dos pedaços das coisas que foram boas com alegria nos olhos. Que não estão a enxergar o que estamos a olhar. Mas se viraram pra dentro de nós, remexendo às memórias.

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E é nesse olhar pra dentro que procuramos as lembranças. Primeiro os pedaços de imagens, meio soltas embaralhadas, nos aguça os fatos, os acontecimentos. E aí as imagens se encadeiam numa história de nossa imaginação, misturando o que aconteceu com o que podia ter acontecido. O que a gente ganhou de tudo aquilo que nos forjou no passado. O que as lembranças construíram em nós e existem cá no presente.

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Mas também tem os acontecidos ou coisas que poderiam ter acontecido que perdemos lá no nosso passado. A tristeza espanta a alegria. O brilho do olhar que vasculhava a alma se embaça numa lágrima que insiste em se fazer. Um nó na garganta aumenta o lacrimejar sem controle nos olhos.

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Remexendo as lembranças, vez em quando, se esbarra na saudade. Ela se recusa a ter conosco aqui no presente. Ela só existe por nos marcar na alma lá no passado. As lembranças nos atacam, a saudade não vem. Ela nos carrega para o passado, lá perto dela...

SOLIDÃO

Climério Ferreira

Se estou só comigo mesmo
Não há solidão
Só há solidão
Quando me falto a mim

De quem...

Ana Cecília Salis

O que não me deixa em paz
Com a minha solidão
É a presença incansável
De uma saudade anônima...

POEMA COMUM

Graça Vilhena

A moça do sim entrou no bar
olhou em volta, o coração em flor
enfeitava-lhe os cabelos
cuspiu semente de noites pelos olhos
e preparou a boca ardentemente
para os beijos mudos.

Desapareceu na noite
gargallhou a madrugada
e voltou sozinha na manhã.

Tentou escarrar seu destino
no ralo da pia
mas o peso da lágrima
foi mais forte.
Transfigurada,
recolheu o coração
murcho de engano
fugiu no sono
e sonhou que vivia.

Aboio

Keula Araújo
Para H. Dobal

coração aboiando
o amor tresmalhado
escapado
dos cercados que insisto
em criar
indiferente à minha
inaptidão

hai-kai


Teresa Cristina


Entre galhos secos

Retorcidos dentre pedras

Desafia a seca!

chuva

Geraldo Borges

Olhando a chuva pela janela, sentindo o tempo esfriar dentro de casa, aos pouco vou diferenciando o som da água tocando no telhado, batendo no asfalto,nas árvores, na lataria dos carros. Fico atento, escuto uma sinfonia. Eu sempre gostei de chuva. E sempre apreciei a frase: está bonito para chover. A chuva é uma das coisas mais luxuriante da natureza, a criadora do arco –íris. Tem uma estação só para ela. A chuva pode ser também chuvisco, temporal, tempestade. É um convite para a leitura, o recolhimento.

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A chuva a esta altura me transporta para a infância. As pessoas olham para as nuvens, grávidas, crespas. E isso me faz lembrar os versos do poeta Nicolas Guillen. Podes vender-me chuva, a água que forma tuas lágrimas e molha a tua língua? Não demora muito cai um pé dágua. No campo os animais se alegram quando advinham a chuva e procuram abrigo nos oitões empenados das casas de fazenda, principalmente os caprinos, que parecem ter pavor de água.

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Na cidade quando a chuva cai, as pessoas de repente correm para debaixo das marquises. Chove. Chove. Está chovendo muito. Chuva monumental, torrencial, sem vento. O bom de uma chuva entre tantos motivos, além de potencializar a semente, encher os açudes, matar a sede ao gado, é tomar um banho de bica, cachoeira doméstica que cai do céu. Também no tempo de chuva as formigas criam asas e se perdem. Os bem-ti- vis as devoram em pleno ar.

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Continua chovendo. Bem que eu poderia fechar a minha janela. Continuo olhando a paisagem molhada lá fora. E ouvindo atento o som da chuva. Chuva no telhado, chuva no asfalto, nos galhos das árvores, na lataria dos carros.

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De repente, saindo não se sabe de onde, a roupa moldada pelas águas, uma mulher solitária enche a minha vista, como uma gaivota perdida num temporal. Não tem jeito de quem está apressada, e está grávida.. . De tão molhada visualizo suas formas nítidas, transparente, através do vestido. Penso fazer-lhe um sinal. Dizer-lhe que vou abrir a porta para lhe dar um abrigo Desisto. Talvez ela não aceite. Talvez nem me ouça. Mulher grávida tem desejos inacreditáveis. Quem sabe ela não está achando a melhor coisa do mundo está ali tomando banho da chuva.

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E que tal se eu também caísse na chuva? Não tenho mais coragem. Foram – se os tempos das chuvas da minha infância e mocidade. Tenho impressão que meu corpo não suporta mais as pancadas de chuva anunciadas pela meteorologia. Quando eu era menino, cai na chuva para me molhar. O rio perto de casa chegava quase em frente da porta. O riacho no fundo roncava. Bichos apareciam dentro de casa: cobra, aranha caranguejeira, lacrau, rato, sapo cururu. O vento ficava frio e a gente tinha que botar as varandas dentro da rede para se embrulhar melhor. Acordava-se de manha e ainda estava chovendo. Chuva demorada.

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Um dia depois de vários dias de chuva, chegou a nossa casa, um senhor, vindo de um sitio distante. Ele trazia um peixe dentro de um balaio, E disse ao meu pai que encontrara o peixe no meio da chapada. Ninguém sabe como ele chegou lá: não havia rio, nem riacho perto. Este fato me impressionou tanto que até hoje quando ouço a chuva tocando no telhado tenho a impressão que são milhões de peixe caindo do céu com suas escamas prateadas no ar. Sinto o cheiro piscoso da chuva. Quando chove a minha imaginação cresce como uma planta exótica e deságua na umidade onde tudo se inventa.

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O aguaceiro começa a diminuir. O som esmorece no telhado, no asfalto, na copiosa copa das árvores. A sinfonia das águas vai se esvaziando A rua está deserta. O rego ao pé da calçada transborda. O vulto da mulher grávida é apenas uma recordação.
Do outro lado da rua um pombo arrufa as asas molhadas, se sacode e voa. Vai ver é um sobrevivente do dilúvio. Em algum lugar esta chuva causou muito estrago. Mas foi bonita e me engravidou de fantasias e me deu prazer. Deu-me semente para plantar um texto. Agora só falta enxuga-lo.

O rio das ilhas





Eduardo Borges



Da ponte que separa
As cidades partes de mim,
Chegam as imagens
Turvas de águas submersas.
O Parnaíba vindo de longe,
Como um ateu perdido e desolado,
Expõe-se entre ilhas vulcânicas,
Tumores em seu tecido heterogêneo,
Terras e florestas que emergem
Dos muitos afogados esquecidos
Em suas margens espectrais.
Assemelhamo-nos, não na grandeza,
Mas na pequenez do átomo, no submisso,
No ser atingido sem saber reagir.
Eu, o rio, as ruas, as pessoas e seus pés,
Somos igualmente degeneração.

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subtraido de Sussuros

Saudade

Paulo José Cunha


saudade é minha mão
enxugando uma lágrima
no teu rosto
num fim de tarde

(ausência de ti é pânico)

ciúme

Juarez Montenegro



Um sentimento híbrido contesta
o nosso enlace tépido, fremente,
transformando as ternuras do presente
em prepostas ressacas duma festa.

Um azedume irônico molesta
teu semblante tristonho, reticente...
deixando-te reimosa, padecente,
ou irritada como quem protesta.

Não sejas, tola, vítima do engano,
condescendendo com a soledade
cujas malícias só nos causam dano.

Quero-te, assim como desejo a vida –
perto de mim, distante da saudade
entre ti e mim mesmo repartida.

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Juarez, bilaqueano, mostrando que "perto de mim é longe da saudade"

ZAZIE NO METRÔ

Luiz Horácio


A academia não lembra um filme de terror, é o próprio terror. É de estarrecer, de deixar seqüelas lamentáveis nos jovens cérebros que adentram seus vaidosos meandros. É um mundo paralelo, a second life , onde nada sai dos trilhos. Oferece regras e manuais a toda e qualquer espécie de manifestação, seja artística seja comportamental, o certo é o que está em seus compêndios. Algo próximo aos profetas do acontecido. Discutem o indiscutível, é a oficina do pronto, do acabado. Quem se atrever por essas veredas que vá pronto a obedecer. Garantia de mestrados, doutorados e pós tudo.
O paciente leitor que visita o expediente deste jornal sabe que freqüento tal ambiente. Freqüento, mas não aplaudo, quando aceito os comandos o faço sem macaquear.
É de impressionar a qualquer leigo a devoção da academia a Bakhtin, para não citar outros oráculos do saber literário, ou melhor, oráculo da criatividade dirigida.
Pois o citado teórico classifica o romance de formação (bildunsgroman) em cinco subtipos, mas o quinto é o principal. Lá ele afirma que a formação do homem se dá no tempo histórico real, homem e mundo se formam ao mesmo tempo. Em Zazie no metrô temos uma narrativa em harmonia com um momento histórico; a greve do metrô em Paris. Zazie evolui, não ruma a um objetivo pré-estabelecido, não quer ser isso ou aquilo, não pretende subir na vida, simplesmente vive, evolui, naturalmente. Então, este aprendiz, diz que Zazie no metrô é um romance de formação. Por mais curto que seja esse tempo é importante, tanto na formação da menina quanto na formação do mundo. Zazie e mundo se transformam. A última frase do livro é a prova maior.
E tem também a questão do espaço a legitimar Zazie no metrô como um romance de formação, mas não vou abusar da sua paciência, sensível leitor. Seguindo por esses trilhos daqui a pouco isso parecerá um ataque particular à academia.Não chega a tanto, provocação até que caberia.
Zazie e Alice (Alice no país as maravilhas e Alice através do espelho) guardam semelhanças incríveis, mergulham nas investigações, não dependem dos adultos, são curiosas, inquietas, a Alice de Carrol segue um coelho falante e ao entrar em sua toca penetra num mundo fantástico, Zazie não consegue andar de metrô, não entra na toca, percebe então que os intestinos da cidade estão à mostra, na superfície.Os subterrâneos de Zazie e o metrô são outros; são os da linguagem. Pejorativamente segundo os puristas da linguagem e da língua e merecedores de elogios para os defensores da oralidade, a língua /linguagem das ruas.
A oralidade é o verdadeiro metrô de Zazie, ao utilizar de uma linguagem peculiar, extremamente desbocada para uma pré-adolescentes, ousada acima de tudo, se não esquecermos que ela está fora de seu ambiente, de sua cidade, longe de sua mãe. Zazie é uma adolescente, ao mesmo tempo não tem idade, Zazie é a palavra perfumada com espontaneidade, Zazie é você,eu queria ter sido Zazie. A menina nos redime, nos limpa, nos empresta originalidade.Não, não se trata de coragem, é originalidade mesmo. Que não pare de nascer Zazies.
Zazie e o metrô é uma história simples, pode parecer ingênua, quase boba, de tão simples. A obra comemora 50 anos de seu lançamento e duvido que alguma criança de nossa atualidade cibernética venha a se interessar por ela, mas duvido mesmo. A história: Jeanne Lalochère está de namorado novo e entrega a filha ao tio Gabriel para passar uns dias em Paris e disso resulte a possibilidade de um final de semana de amor sem sobressaltos. Zazie não dificulta os planos da mãe pois seu sonho é conhecer o metrô. Chega a Paris justamente num dia sem metrô.
“- Tio - ela grita - , vamos pegar o metrô?
-Não.
-Como assim, não? A menina tinha parado de andar. Gabriel também parou, virou-se, pôs a malocha no chão e começou a esplicar.
-Pois é: não. Hoje, sem chance. Greve
-Greve?
-Pois é: greve. O metrô, esse meio de transporte eminentemente parisiense, adormeceu debaixo da terra, pois os funcionários de alicates perfurantes interromperam todo o trabalho.
-Mas que canalhas! - grita Zazie. - Safados.Fazer isso comigo.

Zazie inconformada sai de casa sem avisar tio Gabriel e empreende longa caminhada pela cidade . Um personagem enigmático, talvez policial, talvez um pedófilo, quem sabe um comerciante ou um guarda de trânsito. O homem pretende levá-la de volta a casa do tio.
A seguir tio Gabriel sai para um passeio com Zazie a bordo do táxi de seu amigo Charles. A partir daí o tom de comédia pastelão predomina. Confusões e mais confusões envolvem um grupo de turistas. Aparecem outros personagens, todos com participações nas trapalhadas; Turandot, dono de um bar, Mado Petits-Pieds, a garçonete, a viúva Mouaque, morta por tiros de metralhadora, o sapateiro Gridoux e o papagaio Laverdure dono de uma frase que sintetiza as intenções de Zazie e o metrô: Falar, falar,você só sabe fazer isso. São procedentes as ilações com o papagaio de Flaubert.
Calma, apressado leitor, tem mais personagens, todas dessa mesma estirpe. Desprovidas de qualquer traço psicológico, não sabemos de onde procedem ou se pretendem ir a algum lugar, o presente é tudo e o gastam sob o signo das confusões, das brigas e das trapalhadas.
No centro Zazie,a única personagem a tirar conclusões, a única a apresentar um objetivo ao menos; passear de metrô. Zazie, a desbocada personagem do tempo.
Pois bem, depois de muita confusão, todas desprovidas de humor, a única personagem espirituosa é Zazie, até mesmo Laverdure torna-se chato; o grupo decide assistir o show de Gabriel, ou Gabriella, que dança numa boate, vestido de mulher.
Cabe lembrar que numa dessas aventuras de Zazie, sapatos se transformam em passarinhos. De que se trata, dadaísmo, surrealismo? Sonho simplesmente?
Mas isso é uma amostra da história, o de menor importância em Zazie no metrô, o que faz a diferença é o tom documental de uma época (1959 ano da publicação do livro) onde a humanidade ainda não tinha aprendido a ser tão desumana, onde sonhar ainda não se transformara em motivo de risos, mesmo que fossem sonhos urdidos de olhos abertos.
Outros aspectos merecedores de destaque; o posfácio de Roland Barthes, a tradução criativa de Paulo Werneck, no tom da história, brincando com a linguagem, divertida e terna, e a concepção gráfica de Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio.
Numa época onde são recolhidos, condenados, livros escolares por não maquiarem o grotesco que reveste cada vez mais e mais seres humanos, nunca esquecer dos padres, Zazie no metrô não está livre de receber acusações de pervertida história a corromper nossos jovens inocentes. Motivo? A linguagem da protagonista. Enquanto isso o noticiário político não apresenta o alerta de “impróprio para pessoas honestas que pretendam permanecer assim.”
-Aposentadoria o caralho - disse Zazie. - Não é por causa da aposentadoria que eu quero ser professora.
-Claro que não - disse Gabriel -, a gente até duvida.
-Então por que é? Perguntou Zazie.
-Esplica pra gente.
-Você não seria capaz de descobrir sozinho, né?
-A juventude de hoje em dia é realmente malandra, - disse Gabriel a Marceline.
E para Zazie:
-Então, por que é que você quer ser professora?
-Pra encher o saco das crianças - respondeu Zazie. -As crianças que tiverem a minha idade daqui a dez anos, vinte anos, cinqüenta anos, cem anos, mil anos,sempre vai ter crianças para serem aporrinhadas.

Colegas professores e professoras por favor ouçam Zazie, vamos aporrinhar nossos alunos. A primeira aporrinhação: sugerir a leitura de Zazie no metrô. No mínimo teríamos alunos menos hipócritas e sairíamos de nossos castelos acadêmicos dispostos respeitar a linguagem das ruas. De minha parte a seguir rumarei aos correios, Thamara minha filha, 16 anos lerá Zazie no metrô para sua irmã Luísa de 4 anos. Romance de formação, estão lembrados de como começou esta resenha? Pois é.
Thamara sem dúvida fechará com Otto Maria Carpeaux: “Zazie? Do caralho”.


TRECHO


- Diz pra mim - perguntou Zazie sem se mexer - , por quê o senhor não é casado?
-Coisas da vida.
-Por que não casa?
-Não encontrei ninguém do meu agrado
Zazie assobiou admirada.
O senhor é esnobe mesmo, hein -que ela disse.
- É assim. Mas me diz, você, quando for adulta, acredita que vai ter tantos homens assim , que você vai querer para casar?
-Peraí - disse Zazie -. De quê que a gente tá falando? De homem ou de mulher?
-Mulher pra mim, homem pra você.
-Não dá pra comparar - disse Zazie.
-Você não está errada.
-O senhor é muito engraçado - disse Zazie -, nunca sabe direito o que pensa. Deve ser cansativo, isso aí. É por isso que tá sempre com uma cara tão séria?
Charles se atreve a sorrir.
-E eu - disse Zazie -, eu te agradaria?
-Você não passa de uma guria.
-Tem menina que casa com quinze anos, até catorze.Tem homem que gosta.
-Então? Eu? Te agradaria?
-Claro que não -respondeu Zazie com simplicidade.
Depois de ter degustado essa verdade primordial, Charles retomou a palavra nos seguintes termos:
-Você tem uma idéias estranhas para a sua idade.
-É verdade, eu até me pergunto onde é que eu encontro essas idéias.
-Não sou eu quem poderia te dizer.
-Por que a gente diz algumas coisas e não outras?
-Se a gente não dissesse o que tem a dizer, ninguém ia se entender.
-E o senhor, sempre diz o que tem a dizer para que te entendam,
- ( gesto ).
-Então responde!
-Você cansa a minha beleza.Isso tudo não é pergunta.


AUTOR
Raymond Queneau ( Le Havre, 1903 - Paris, 1976) publicou sem primeiro livro, Le Chiendent em 1933. Autor de ensaios, romances e livros de poemas, celebrizou-se com Exercícios de estilo (1947), reunião de 99 versões radicalmente diferentes para um mesmo micro conto.
Em poesia, Queneau condensou os princípios da OuLiPo em Cent Mille Milliards de Poèmes (1961), “máquina de fabricar poemas”, na definição do autor. Cada página do livro, criado em parceria com o designer Massin, traz um soneto e é cortada em catorze tiras, uma para cada verso, de modo que, recombinando os versos, o leitor pode gerar potencialmente 100 trilhões de sonetos perfeitamente rimados e metrificados - “um número limitado”, explica o poeta, mas que permite “200 milhões de anos de leitura ininterrupta, 24 horas por dia.”

SALDADE



1000TON

Saudade 2

Edmar Oliveira

A solidão é uma fortaleza
Que anseia o ataque
Das lembranças e da saudade

As lembranças sempre atacam
A saudade nunca chega...

"A Fish with a Smile"



"O Sorriso do Peixinho", de C. Jay Shih, Alan I. Tuan e Poliang Lin, com música de Chien-ci é um curta de Taiwan baseado em uma história infantil sobre um peixinho sorridente e um senhor solitário, de Jimmy Liao.
Ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim 2007.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O Piauinauta no Grande Rio dos Tapuias

O Piauinauta deixa-se levar no espelho das águas do rio Parnaiba, o Grande Rio dos Tapuias, que chega ao Atlântico pelo delta de Parnaiba, a cidade.

Pássaro-Gaiola

Edmar Oliveira

Um misto de fascínio e horror eu tenho para esta invenção premeditada por Ícaro. Motor a explosão e mais pesado que o ar parece livre, mas aprisiona. A gravidade é uma lei muito forte para poder ser desrespeitada. O equilíbrio no ar se faz na velocidade imprimida nas turbinas, portanto é preciso da força para manter-se em vôo. E o enorme pássaro de metal não imita a ave que voa pela força mecânica e planando nas correntes de ar para traçar uma rota com segurança quase mais leve que o ar.

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Parece um pássaro, mas é, de verdade, uma gaiola que nos aprisiona em pleno vôo. No seu ventre as vidas são submetidas ao destino do pássaro. E quanto menos humano mais computadorizado se apresenta numa certeza sem dúvida. E é por não se duvidar da certeza que o erro mais simples pode se tornar fatal desastre. Os últimos grandes desastres aéreos parecem induzidos pela tecnologia. Confiamos mais nela que em nós mesmos. Lembram da tragédia induzida pelo computador Hal em 2001, filme do Kubrick? Com o deslumbramento pela a tecnologia não confiamos mais nos instintos básicos da nossa capacidade animal de nos mantermos vivos. E confiamos cegamente na certeza sem dúvida dos instrumentos.

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E o pássaro gaiola, mais uma vez, desistiu do sonho de voar para chamar a atenção de que o sonho pode virar pesadelo derretendo a cera que prendia as asas a Ícaro...

àquele que não chega a lugar algum

Aderval Borges

abra os olhos sobre as fragatas de Abrolhos
veja lá que cena:
o flagrante óbito nessas costas de tão frequentes naufrágios
a milhas... muitas milhas da fatídica amarissagem
bóia o volumoso inflado pelos próprios gases
a face corroída sem mais disfarces
na falta de ar, veio à torna com um adesivo da Air France
a TV que a tvdo antevê
e a Internet que em tudo intromete
emitem raios e ondas para arrebatá-lo da memória dos homens
este corpo sem identidade não terá, jamais, qualquer traço de vergonha
seus intestinos ficarão meramente expostos
até ser levado pela maré – esta é sua nova sina
à família restará a desconsoladora esperança dos insones
“oh, não, o nosso terá sobrevivido!” (não se sabe onde e nem como)
partida em tira ficará a mentira e seus vestígios
a depor contra cada grito emudecido que some

Escalpo

Ana Cecília Salis

Há uma verdade desenfeitada
Inerte
Dura
Que de viés
Apenas quando não a espero
Se desaba sobre mim...

Instante de feiura...
Que me atira no sem sentido
Na fronte
Me derruba o equilíbrio

Escapá-la é o
Esconderijo da morte.

Convoco as mãos
Dos pirilampos
Das fadas
Dos anjos

As minhas próprias...

E em confessa agonia
Te endereço
O que me salva...

Por onde escapo?

É a minha poesia...

1000TON & To +


tomaz é filho de milton, poeta, artista plástico, colaborou neste poema.

Passageiro Urbano

Geraldo Borges

Quantas passagens
Tenho em minhas mãos
Linhas que vem
Linhas que vão
Qual delas meus
Passos passarão
Mão ou contramão

Linhas que vem
Linhas que vão
Fios de um tecelão
Na encruzilhada
Da minha bifurcação

Linhas canhestras
Linhas sinistras
Semáforos radares
Não sei qual é a pista
De tantos teares.

Perdas e Danos

Graça Vilhena

um cachorro amigo
uma casa grande
um bom dinheiro
uma mulher bonita
e uma pinga

um cachorro amigo
uma casa grande
um bom dinheiro
e uma pinga

um cachorro amigo
uma casa grande
e uma pinga

um cachorro amigo
e uma pinga

uma pinga

O Espírito da Alma

Climério Ferreira


Do mundo físico
Que a imaginação empalma
Sabe-se que o espírito
É que dá corpo à alma

haikai

Teresa Cristina


Filha da caatinga

- A flor do mandacaru

- Em hálito vivo

Casa da Vovó

Paulo Tabatinga



A casa da minha vó

Já teve muita vida

Hoje meu olhar

Percorre um corredor sem fim.

Um Construtor de Sonhos

Salgado Maranhão


Os Cavalos De Dom Ruffato, o premiado livro do poeta Rubervam Du Nascimento,que acaba de sair numa edição caprichada da Prefeitura de Recife e da Secretaria de Cultura da Cidade do Recife , é uma obra de fôlego.
E já traz o seu leitmotiv no próprio título .
O longo poema que , embora aluda ao animal , não é , absolutamente , uma digressão sobre cavalos, mas uma metáfora desse mito que remonta às tradições mais antigas e, neste caso, ao próprio poeta em seu galopar destemido na via da existência. E é ele mesmo quem afirma: “ quando pronuncio cavalos falo falo/ vida sempre por um fino biscoito / ou uma corda grossa no pescoço” .
Rubervam pertence à geração que , na década de 80 , migrou da tagarelice espontânea da Poesia Marginal , para o discurso motivado da linguagem . Poucos perceberam esse rito de passagem que trouxe vigor e amadurecimento ao verso praticado atualmente. Seu livro é, portanto, o exemplo de um artista que conhece bem a diferença entre os desabafos sentimentais e a arte poética na sua duríssima carpintaria.
Em principio, dois aspectos realçam desta obra: o primeiro, é a rigorosa obediência do autor à escolha temática – que, alargada de conteúdos transversais e, sobretudo, do dramático cotidiano da vida moderna – leva as palavras a um quase impasse semântico; o outro aspecto , diz da natureza construtivista do poema , da sua arquitetura intencional , que se impõe como linguagem sem esfriar o texto, sem deixar de fora o coração .
Alem disso, o livro nos revela uma outra característica do autor que poucos poetas possuem: o dom da narrativa. É essa virtude que lhe permite realizar com sucesso o poema de longo curso. Na maioria dos autores, nesse caso, o ethos narrador contamina o ethos poético, transformando o texto num produto híbrido, a meio caminho entre a prosa e a poesia.
Aqui, felizmente, isso não ocorre. Pois sendo o poeta egresso do território das experimentações com a palavra, sua consciência do poético, disciplina os arroubos verborrágicos. Desse modo, os Cavalos De Dom Ruffato, apesar de ser um extenso poema segmentado, cada tópico apresenta, um núcleo autônomo.
Por fim, a sensação que nos toma, ao mergulharmos nos labirintos deste livro, no universo onírico de Rubervam Du Nascimento, é a de contemplar a argúcia e o esmero
de um hábil construtor de sonhos .



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Salgado Maranhão é poeta permanente. Letrista, parceiro de músicos como Paulinho da Viola, Moacyr Luz, Ivan Lins, Vital Farias, entre outros. Piauiense por decisão.

Surpresa

Victor Virgilius



Na caixa de herói

do meu tataravô



uma carta de amor

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Victor, engenheiro e poeta parnaibano. Subtraído do calendário poético. Enviado por Cinéas.

Um filho da mãe

Geraldo Borges


A velha acordou à meia noite com o barulho de um ladrão dentro de casa. Tinha o sono leve, estava com noventa e cinco anos. Nesse dia o seu filho que morava com ela tinha saído para uma festa e ainda não chagara.
A velha levantou–se, saiu do quarto. E acendeu a luz da cozinha. Tinha o aspecto tão inofensivo, que quando o ladrão a viu, não correu. Ficou olhando para ela, parado. Ela o tomou por seu filho que tinha saído.
- Meu filho. Você ainda está acordado, uma hora desta, quer uma suco de maracujá para dormir?
Com esta pergunta, o ladrão que estava meio acuado, relaxou, ao ver que não tinha mais ninguém em casa.
- Aceito mãe.
A velha preparou o suco.
Enquanto isso o ladrão deu inicio ao seu trabalho. Entrou no quarto da velha, depois no do seu filho, e pegou os valores que encontrou por lá. Foi tudo muito rápido.
Quando a velha veio com o suco ele já estava na sala esperando.
- Tome meu filho o seu suco para que você possa dormir.
- Sim mãe. – Balbuciou o ladrão saboreando o maracujá com açúcar, e sentiu-se como um menino mimado. Lembrou-se que quando era criança nunca teve tamanha regalia. A única bala que lhe ofereceram na vida depois que ficou homem foi bala de revólver. Olhando a velha ali em sua frente pensou em devolver o dinheiro que tinha apanhado no quarto dela e do filho. Mas ponderou. Não era ético, não era profissional.
Terminou de tomar o suco, fiou lambendo os beiços. A velha lhe perguntou
- Quer mais meu filho?
Ainda sobrara um pouco dentro do liquidificador.
- Aceito, sim, mãe.
Terminado o último gole de suco, lambeu os beiços de novo. E ficou olhando pela janela por onde tinha entrado. Pensou. Vou sair pela porta. Terei que alegar que vou a uma conveniência comprar cigarro. Como já tinha feito o seu serviço não podia demorar ali por mais tempo. Corria o risco da velha despertar caso fosse sonâmbula.
Encaminhou-se para a porta de saída da casa e disse que ia comprar cigarro.
- Cuidado meu filho a cidade está violenta. Existem muitos assaltantes por aí.
- Não se preocupe mãe eu me cuido.
Saiu. Na calçada respirou o ar da noite. Olhou para as estrelas no céu. E sentiu-se cheio de graça.
De manhã, o filho da velha chegou. Quando foi abrir a porta viu que não estava fechada. Ficou com a pulga atrás da orelha. Entrou em casa. Olhou para um lado e outro da sala, viu a janela aberta.
- Por aqui andou ladrão.
Entrou em seu quarto, deu por falta de jóias e dinheiro. Chamou a mãe e conversaram. Ela contou-lhe que quase não dormiu de noite. E lhe perguntou se tinha comprado cigarro.
- Que história é essa de cigarro mãe?
- É que eu acordei tarde da noite. Você estava acordado também.
- Não estou entendendo.
- Aí eu fiz um suco de maracujá para você. Você tomou e disse que ia comprar cigarro.
- Não pode ser. Não aconteceu nada disso. Fomos roubados.
- Mas você era a cara do ladrão meu filho...

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haikai: POR AMOR

Edmar Oliveira



Não sei fazer poema
Nem sei se vale a pena
Tentar te enganar

Deliverance



"Amargo Pesadelo" (Deliverance) é um filme vigoroso que fala da capacidade do homem enfrentar situações adversas, nas quais a violência e a crueldade estão sempre presentes. Todo o elenco está muito bem. Burt Reynolds talvez tido, nesse filme, a melhor atuação de toda a sua carreira.
O roteiro de James Dickey é vigoroso e inteligente. A fotografia de Vilmos Zsigmond é, sem dúvida, excelente. A adaptação da canção "Dueling Banjos" por Eric Weissberg, é uma marca indiscutível dos anos 70. O diretor John Boorman, entretanto, é a grande estrela do filme. (in 65 anos de Cinema)



E é a cena de "Duelo de Banjos" que pode ser vista no vídeo. Garimpada de Cândido Espinheira e Xico Wilson.