quinta-feira, 25 de junho de 2009

chuva

Geraldo Borges

Olhando a chuva pela janela, sentindo o tempo esfriar dentro de casa, aos pouco vou diferenciando o som da água tocando no telhado, batendo no asfalto,nas árvores, na lataria dos carros. Fico atento, escuto uma sinfonia. Eu sempre gostei de chuva. E sempre apreciei a frase: está bonito para chover. A chuva é uma das coisas mais luxuriante da natureza, a criadora do arco –íris. Tem uma estação só para ela. A chuva pode ser também chuvisco, temporal, tempestade. É um convite para a leitura, o recolhimento.

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A chuva a esta altura me transporta para a infância. As pessoas olham para as nuvens, grávidas, crespas. E isso me faz lembrar os versos do poeta Nicolas Guillen. Podes vender-me chuva, a água que forma tuas lágrimas e molha a tua língua? Não demora muito cai um pé dágua. No campo os animais se alegram quando advinham a chuva e procuram abrigo nos oitões empenados das casas de fazenda, principalmente os caprinos, que parecem ter pavor de água.

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Na cidade quando a chuva cai, as pessoas de repente correm para debaixo das marquises. Chove. Chove. Está chovendo muito. Chuva monumental, torrencial, sem vento. O bom de uma chuva entre tantos motivos, além de potencializar a semente, encher os açudes, matar a sede ao gado, é tomar um banho de bica, cachoeira doméstica que cai do céu. Também no tempo de chuva as formigas criam asas e se perdem. Os bem-ti- vis as devoram em pleno ar.

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Continua chovendo. Bem que eu poderia fechar a minha janela. Continuo olhando a paisagem molhada lá fora. E ouvindo atento o som da chuva. Chuva no telhado, chuva no asfalto, nos galhos das árvores, na lataria dos carros.

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De repente, saindo não se sabe de onde, a roupa moldada pelas águas, uma mulher solitária enche a minha vista, como uma gaivota perdida num temporal. Não tem jeito de quem está apressada, e está grávida.. . De tão molhada visualizo suas formas nítidas, transparente, através do vestido. Penso fazer-lhe um sinal. Dizer-lhe que vou abrir a porta para lhe dar um abrigo Desisto. Talvez ela não aceite. Talvez nem me ouça. Mulher grávida tem desejos inacreditáveis. Quem sabe ela não está achando a melhor coisa do mundo está ali tomando banho da chuva.

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E que tal se eu também caísse na chuva? Não tenho mais coragem. Foram – se os tempos das chuvas da minha infância e mocidade. Tenho impressão que meu corpo não suporta mais as pancadas de chuva anunciadas pela meteorologia. Quando eu era menino, cai na chuva para me molhar. O rio perto de casa chegava quase em frente da porta. O riacho no fundo roncava. Bichos apareciam dentro de casa: cobra, aranha caranguejeira, lacrau, rato, sapo cururu. O vento ficava frio e a gente tinha que botar as varandas dentro da rede para se embrulhar melhor. Acordava-se de manha e ainda estava chovendo. Chuva demorada.

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Um dia depois de vários dias de chuva, chegou a nossa casa, um senhor, vindo de um sitio distante. Ele trazia um peixe dentro de um balaio, E disse ao meu pai que encontrara o peixe no meio da chapada. Ninguém sabe como ele chegou lá: não havia rio, nem riacho perto. Este fato me impressionou tanto que até hoje quando ouço a chuva tocando no telhado tenho a impressão que são milhões de peixe caindo do céu com suas escamas prateadas no ar. Sinto o cheiro piscoso da chuva. Quando chove a minha imaginação cresce como uma planta exótica e deságua na umidade onde tudo se inventa.

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O aguaceiro começa a diminuir. O som esmorece no telhado, no asfalto, na copiosa copa das árvores. A sinfonia das águas vai se esvaziando A rua está deserta. O rego ao pé da calçada transborda. O vulto da mulher grávida é apenas uma recordação.
Do outro lado da rua um pombo arrufa as asas molhadas, se sacode e voa. Vai ver é um sobrevivente do dilúvio. Em algum lugar esta chuva causou muito estrago. Mas foi bonita e me engravidou de fantasias e me deu prazer. Deu-me semente para plantar um texto. Agora só falta enxuga-lo.

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