sábado, 17 de fevereiro de 2024

PIAUINAUTA - o livro







Com o lançamento do livro "Crônicas de um Piauinauta", cujo conteúdo foi tirado deste antigo blog, resolvemos reativá-lo para promover o livro e ao mesmo tempo voltar a ser o meu blog oficial. O blog existiu por dez anos, quando foi encerrado. Mas o seu conteúdo me obrigou a publicação. Talvez Flavio Reis, meu co-editor, tenha descoberto algum valor nessas crônicas antigas com o seu prefácio (alguns elogios exagerados entendam como pura gentileza desse maranhense generoso).

Eis, na íntegra o prefácio de Flavio Reis, que o nomeou como

UM SERTANEJO NA RODA DE CHORO

Edmar Oliveira é, antes de tudo, uma figu-
ra admirável. Migrante nordestino, viveu
a infância no sertão do Piauí, participou
da cena contracultural de Teresina nos anos 70
e fixou-se, desde então, no Rio de Janeiro, onde
desenvolveu uma carreira de psiquiatra no ser-
viço público, seguindo a linha da luta antimani-
comial, sob a batuta da incrível Nise da Silveira e
seu Museu de Imagens do Inconsciente. Leitor pro-
lífico, sempre teve por guia a inesgotável curio-
sidade, pelas pessoas, pelo meio em que vivem,
pelos acontecimentos de um mundo que foi se
tornando cada vez mais complexo e problemáti-
co. E é como curioso, palpiteiro e enxerido que
desenvolveu o vício pela crônica, aquela arte di-
fícil (e sempre em vias de extinção) de apanhar
um fragmento do cotidiano, uma lembrança ou
um acontecimento e iluminar a compreensão de
coisas mais amplas, ou apenas desconcertar o
leitor, mostrando o “óbvio ululante”, como di-
zia Nelson Rodrigues, aquilo que teimamos em
não querer perceber.

Nesta juntada de crônicas escolhidas entre
2007 e 2017, Edmar nos leva a um mergulho na crise
da globalização neoliberal, a mudança dos ventos,
de uma perspectiva otimista que se desenhava na
virada do milênio para o atoleiro da crise econômi-
ca, da violência urbana, das emergências epidemio-
lógicas, dos novos autoritarismos e das guerras, em
que estamos cada vez mais enredados. O arco de te-
mas abordados é amplo e a escrita sempre enxuta,
como rezam os princípios da crônica. Neste ofício,
é preciso sagacidade, informação variada, objetivi-
dade e outras coisas mais, no entanto, precisa, aci-
ma de tudo, saber escrever bem, dominar a arte de
pregar o leitor num texto curto e forte, pequeno e
fatal como uma zarabatana indígena. E isso Edmar
faz com simplicidade e eficiência, com uma sabe-
doria acumulada ao longo de décadas, nos livros,
sem dúvida, que sempre cultivou, mas, principal-
mente, com as pessoas e as multiplicidades da vida
concreta. Ele carrega a alma do sertanejo desconfia-
do, que misturou ao espírito mais aberto e curtidor
do carioca, o que o tornou um realista brincalhão,
cheio de tiradas espirituosas, sem nunca abrir mão
da crítica contundente.

Dividida em cinco partes, essas Crônicas de
um Piauinauta, nos colocam em contato com o es-
tranho mundo que foi se configurando nas fím-
brias de nossos sonhos e anseios mais recônditos.
Assim, uma onda de intolerância, xenofobia, mi-
soginia, racismo, violência, foi ocupando a cena
do mundo, expressa nos textos que mostram a
guerra que se aprofunda no cotidiano da antiga
Cidade Maravilhosa, convertida hoje na vanguar-
da do futuro distópico que já estamos vivencian-
do. São textos duros, mas com a veia poética que o
menino do sertão conservou na cidade grande. O
autor nos leva também a lembranças de infância,
dos brinquedos construídos com engenhosidade
pela própria criançada, das histórias de Trancoso,
que mantinham a todos com olhos arregalados
de suspense e medo. Numa gripe forte e cercado
de antivirais, antigripais e tais, lembra dos remé-
dios do sertão, simples e infalíveis, como o terrí-
vel azeite de mamona ou a Emulsão de Scott, feito
com óleo de fígado de bacalhau, de gosto horrível,
mas considerado um fortificante necessário para
os meninos raquíticos, como ele próprio, ou da
famosa “pílula contra”, um remédio que era sim-
plesmente contra tudo ou quase isso.

Essas lembranças acentuam o contraste com
uma realidade bem distinta, dos novos tempos da
vida comandada por aplicativos, em cidades cada
vez mais marcadas pelo medo, vendo crescer o ódio
de classe contra pobres e pretos da periferia, jogan-
do a todos numa guerra desnecessária, como frisa
em uma das partes em que se divide o livro. Num
texto tocante, responde ao rei Juan Carlos, então no
trono espanhol, em episódio celebrado na mídia in-
ternacional contra o presidente venezuelano, Hugo
Chávez, porque não podemos nos calar nunca
diante daqueles que oprimiram e subjugaram nos-
sos povos. Na parte intitulada Mais Estranho Fica
o Mundo, Edmar trata, entre outros assuntos, das
epidemias que vinham cercando o planeta, como a
gripe suína ou a gripe aviária, anunciadoras do ca-
taclisma que se avizinhava com a Covid-19. A obe-
sidade endêmica que convive com a desnutrição,
mostra de desigualdade que vimos acentuar neste
novo milênio, do capitalismo turbinado que só au-
menta a concentração das riquezas num patamar
até então nunca vivenciado.

Edmar, sertanejo que se tornou carioca
sem perder as raízes, um piauinauta atento aos
problemas do tempo, principalmente à mentali-
dade fascista que ganha corpo em várias partes
do mundo e convoca à luta contra essa barbárie
galopante, não foge da raia. Ao não acertarmos
as contas com a ditadura, o passado parece que-
rer voltar com toda a carga de violência. Aten-
to aos sinais, anotou a expressiva votação de
Bolsonaro no Rio em mais uma reeleição para
a Câmara dos Deputados, em 2014, e disse te-
mer pelo número de meio milhão de votos que
ele arrebatou. Estava certo. Era já o vento da di-
reita fascista que chegaria ao poder pouco de-
pois, após a destituição de Dilma Rousseff por
um parlamento golpista, sob o comando de um
agente dos novos tempos, em que a perversão
aparece como nova “normalidade”, num mundo
em que vale passar por cima de tudo e de todos
para alcançar seus objetivos, sem o menor traço
de culpa, que costuma acompanhar os neuróti-
cos. Tudo feito com o apoio da grande mídia e
da classe média irritada com o avanço das po-
líticas sociais, que apenas buscavam diminuir
nossas históricas e gritantes disparidades.

Socialista convicto, não como defensor dos
regimes que existiram em nome desse ideal, mas
do princípio mesmo da construção de uma socie-
dade sem os fossos de desigualdade social que se
aprofundam, Edmar não se deixa abater pelo pessi-
mismo, mesmo sabendo que o perigo hoje é a des-
truição da civilização, nas barras de um capitalismo
que avança sem freios contra a natureza e a própria
humanidade. Sonha com uma sociedade em que
o desenvolvimento tecnológico esteja a serviço da
sociedade e não a serviço da valorização pura e
simples do capital, numa irracionalidade galopan-
te que ameaça lançar a todos no precipício. Sabe,
no entanto, que o tempo urge e hoje a luta maior
é deter o avanço do fascismo no mundo e a barbá-
rie que ele carrega. Essas crônicas, em sua aparente
simplicidade, são gotas de lucidez e humanismo,
lançadas, às vezes com ironia, outras com veemen-
te indignação, ao mar de estupidez e violência em
que estamos afundando.

O livro pode ser baixado no link abaixo:

Se interessar a versão física do livro, falar com o autor WhatsApp 21988844284 ou
e-mail edmardasoliveiras@gmail.com ou ainda piauinauta@gmail.com

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NOVO MECENATO NA AVENIDA?




Faz muito tempo que o desfile das escolas de samba representa o congraçamento da sociedade carioca com seus bandidos de estimação. Toda escola que se preze tem como patrono um bicheiro que se apresenta de crachá, recebe os holofotes elogiosos da TV e é festejado pelo público e cumprimentado pelas autoridades e artistas dos camarotes especiais.
Recentemente uma série documental da própria rede Globo (Vale o Escrito) desnudou a relação desses bicheiros com a milícia e o tráfico de drogas, que além de empregar matadores de aluguel do aterrador Escritório do Crime, como Adriano da Nóbrega (ex-matador profissional que servia ao crime miliciano e aos bicheiros, executado na Bahia como queima de arquivo) e Ronnie Lessa (preso, acusado de assassinar a vereadora Marielle Franco), também faz ilações da relação desses matadores com a família do ex-presidente da República.
Tudo junto e misturado, o crime organizado passa por bicheiros eliminando rivais; milícias sequestrando comunidades e dominando territorialmente a cidade; matadores de aluguel, responsáveis por assassinatos políticos; domínio de votos e muitos deles eleitos para cargos do legislativo e escolhidos ao judiciário; com a suspeita de terem passagem pela presidência da República. Portanto não estamos falando de inocentes contraventores, mas de representantes do Crime Organizado. E o desfile das escolas de samba do grupo especial sempre os tolerou pelo enfeitiçamento da beleza plástica multicolorida e adereços alegóricos que encantam o mundo. Mas sem dourar a pílula, o desfile das escolas de samba mostra também o poderio dos senhores respeitáveis do Crime Organizado.
Isso está tão naturalizado que ninguém se importa mais e talvez cause alguma estranheza seja o que eu estou falando tentando macular o “maior espetáculo da terra”. Nesse último desfile, dois patronos da nova geração não apareceram, embora estejam por trás do esplendor de suas escolas. Um por estar jurado de morte, escafedeu-se; e o que jurou tem medo de ser o alvo do fugitivo (ou adotou a discrição por um tempo, embora sua mulher foi rainha de bateria da escola). Mas, por certo, quando acabar essa pendenga, sempre de modo violento e com muito sangue – como de praxe, eles voltarão a empunhar seus estandartes.
Desta vez quem brilhou na avenida foi um político, nada menos do que o presidente da Câmara dos Deputados. Arthur Lira, ele mesmo que no governo passado inventou um tal “orçamento secreto” e tenta manter vantagens chantageando o atual governo. Aqui aparece louvando as alagoas, sua terra natal e curral eleitoral, pagando à Escola Beija-Flor 8 milhões para que a escola cantasse os mitos de sua terra.
Arthur Lira dividiu com Aniz Abrão David (aqui numa cadeira de rodas elétrica) o patronato da escola de samba Beija Flor desse ano. Com uma pequena diferença. Enquanto Aniz coloca dinheiro da contravenção na escola, Lira destinou oito milhões de verba pública para a escola de Nilópolis enredar o drama de Ras Gonguilla, o imperador do carnaval de Maceió – misto de descendente de escravizados dos engenhos das alagoas com parentesco à realeza da Etiópia.
Se o enredo louva o digno inventor carnavalesco de Alagoas, foi o dinheiro público direcionado por Lira quem viabilizou a homenagem. Nova invenção do patronato das escolas de samba: o político com secretas verbas públicas disputa a posição com os legítimos representantes do Crime Organizado. Aqui o dinheiro do crime organizado financia ao lado das verbas públicas de “tenebrosas transações também organizadas” o luxo apresentado na avenida.
E Lira aparece como um novo tipo de mecenas carnavalesco. Fará escola?

Texto: Edmar
Desenho: 1000TON

PIAUINAUTA - o livro

Já que as crônicas desse livro foram retiradas do antigo blog, resolvemos reativá-lo agora.

UM SÉCULO QUE NÃO COMEÇOU

Neste livro lemos minicrônicas discorrendo e escritas, quase sempre, em cima de acontecimento recente. Com a publicação agora, essa distância ganha um significado surpreendente. São relembrados acontecimentos importantes, que foram esquecidos por falta de espaço nas nossas memórias, atacadas por bordoadas de informações da modernidade digital. E, muitas delas, com relevância para a espiral da História, mesmo que, no momento em que foram escritas, parecessem não ter qualquer ligação. As impressões da realidade prenunciavam o vulcão da idiotia nacional, que logo aconteceria. Como se o século anterior tivesse aprisionado a espiral da História, o que só se percebe agora, numa leitura com distanciamento.

Este é um século que ainda não começou, apesar do avanço tecnológico. Prisioneiros do século XX, 1964 retorna e nos surpreende, com uma farsa que, felizmente, não se afirmou. Mas será que nos livramos dele, quando a extrema-direita ousou aparecer sem vergonha em todo o planeta?


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Crônicas de um Piauinauta

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