sábado, 17 de fevereiro de 2024

NOVO MECENATO NA AVENIDA?




Faz muito tempo que o desfile das escolas de samba representa o congraçamento da sociedade carioca com seus bandidos de estimação. Toda escola que se preze tem como patrono um bicheiro que se apresenta de crachá, recebe os holofotes elogiosos da TV e é festejado pelo público e cumprimentado pelas autoridades e artistas dos camarotes especiais.
Recentemente uma série documental da própria rede Globo (Vale o Escrito) desnudou a relação desses bicheiros com a milícia e o tráfico de drogas, que além de empregar matadores de aluguel do aterrador Escritório do Crime, como Adriano da Nóbrega (ex-matador profissional que servia ao crime miliciano e aos bicheiros, executado na Bahia como queima de arquivo) e Ronnie Lessa (preso, acusado de assassinar a vereadora Marielle Franco), também faz ilações da relação desses matadores com a família do ex-presidente da República.
Tudo junto e misturado, o crime organizado passa por bicheiros eliminando rivais; milícias sequestrando comunidades e dominando territorialmente a cidade; matadores de aluguel, responsáveis por assassinatos políticos; domínio de votos e muitos deles eleitos para cargos do legislativo e escolhidos ao judiciário; com a suspeita de terem passagem pela presidência da República. Portanto não estamos falando de inocentes contraventores, mas de representantes do Crime Organizado. E o desfile das escolas de samba do grupo especial sempre os tolerou pelo enfeitiçamento da beleza plástica multicolorida e adereços alegóricos que encantam o mundo. Mas sem dourar a pílula, o desfile das escolas de samba mostra também o poderio dos senhores respeitáveis do Crime Organizado.
Isso está tão naturalizado que ninguém se importa mais e talvez cause alguma estranheza seja o que eu estou falando tentando macular o “maior espetáculo da terra”. Nesse último desfile, dois patronos da nova geração não apareceram, embora estejam por trás do esplendor de suas escolas. Um por estar jurado de morte, escafedeu-se; e o que jurou tem medo de ser o alvo do fugitivo (ou adotou a discrição por um tempo, embora sua mulher foi rainha de bateria da escola). Mas, por certo, quando acabar essa pendenga, sempre de modo violento e com muito sangue – como de praxe, eles voltarão a empunhar seus estandartes.
Desta vez quem brilhou na avenida foi um político, nada menos do que o presidente da Câmara dos Deputados. Arthur Lira, ele mesmo que no governo passado inventou um tal “orçamento secreto” e tenta manter vantagens chantageando o atual governo. Aqui aparece louvando as alagoas, sua terra natal e curral eleitoral, pagando à Escola Beija-Flor 8 milhões para que a escola cantasse os mitos de sua terra.
Arthur Lira dividiu com Aniz Abrão David (aqui numa cadeira de rodas elétrica) o patronato da escola de samba Beija Flor desse ano. Com uma pequena diferença. Enquanto Aniz coloca dinheiro da contravenção na escola, Lira destinou oito milhões de verba pública para a escola de Nilópolis enredar o drama de Ras Gonguilla, o imperador do carnaval de Maceió – misto de descendente de escravizados dos engenhos das alagoas com parentesco à realeza da Etiópia.
Se o enredo louva o digno inventor carnavalesco de Alagoas, foi o dinheiro público direcionado por Lira quem viabilizou a homenagem. Nova invenção do patronato das escolas de samba: o político com secretas verbas públicas disputa a posição com os legítimos representantes do Crime Organizado. Aqui o dinheiro do crime organizado financia ao lado das verbas públicas de “tenebrosas transações também organizadas” o luxo apresentado na avenida.
E Lira aparece como um novo tipo de mecenas carnavalesco. Fará escola?

Texto: Edmar
Desenho: 1000TON

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