domingo, 20 de janeiro de 2013

METAMORFOSE NUMA FOTO DO PAULO


Lembro de um poema do Climério em que ele lamenta a sua Teresina que não mais existe. Mas a minha sensação não é poética. É trágica, como a foto do Paulo Tabatinga. Dizem que o fotógrafo tem a capacidade de deformar a realidade e, quando bem bom, de até criá-la. Tem uns em que a foto vira uma obra de arte até independente da realidade existente.

Mas juntando tudo isso essa foto do Paulo me assustou como percebo Teresina cada vez que a visito. O quantitativo das sensações, a sua historicidade, a junção de imagens que eu juntava vagarosamente no tempo, aqui se apresenta de forma trágica.

Eu e minha geração vivemos uma Teresina que existiu entre os rios Parnaíba e Poty. Pra lá do Poty tinha uma ponte, no final da Avenida Frei Serafim, que nos levava para umas chácaras distantes e a estrada de Altos com ligação ao litoral e ao Ceará. Mas longe mesmo se ia comer uma coalhada em Altos ou, um pouco mais acima, uma carne-de-sol de Campo Maior.

A cidade do Conselheiro Saraiva foi feita entre os dois rios. Toda quadradinha, com quarteirões de exatos cem metros, limitada no seu núcleo urbano pela antiga Estrada dos Bois, depois Avenida Circular e hoje Miguel Rosa. A espinha dorsal da cidade, a Frei Serafim, dividia as ruas entre a parte norte e sul. E eu, que sou da zona norte, não conheci muito a zona sul, como seus habitantes não vinham até nós. Depois do Barrocão pra lá ainda é um mistério pra mim. Mas da Avenida (singular, como chamávamos a Frei Serafim) pro rumo norte eu conheça tudo até a vila do Poty Velho (e além, na Santa Maria do Cogipi), passando pela Matinha, Porenquanto, Vila Operária, Mafuá, Matadouro, Baixa da Égua, entre outros. Os Bairros começavam depois da Avenida Circular. Até lá era a Cidade. Recordo que minha mãe saiu da Campos Sales, no centro da cidade (como ela dizia) para morar no Porenquanto (ponta de rua, no seu linguajar depreciativo).

Pois bem, de uns tempos pra cá o progresso atravessou o Poty com várias pontes, fizeram até uma ponte estaida para desbancar a ponte metálica da cidade velha do seu trono. E os prédios brotaram da terra assustadoramente. A cidade mudou de lado e a antiga Teresina, do lado de cá, foi abandonada. Desvalorizou-se e foi entregue aos seus teimosos habitantes que têm uma raiz mais profunda e os mais desvalidos ocuparam seu centro à noite. A especulação imobiliária é um monstro, como nos mostra a foto do Tabatinga. Já atravessou pro lado de cá e ameaça tomar o lugar das casinhas espremidas pelo progresso galopante.

Não é assim que se apresenta a cena na foto do Paulo?

(Edmar Oliveira)

URH!




Lázaro José de Paula

UGH!!! COMO É QUE SE PRONIUNCIA ISSO ????
EU SOU UM TONTO E O TEMPO RUGE
COMO OS LEÕES E AS QUIMERAS
O QUE É DE MIM JÁ ERA,
O QUE É QUE VOU SER QUANDO CRESCER
DEPOIS DE TE CONHECER???
COMO E QUE ESSE CORACÃO OPERARIO
SE ALOPROU E BANCOU O OTARIO
SE VOCÊ NÃO VALE UMA MISSA
E É UM PERFEITO CONTO DO VIGÁRIO
E EU QUE FIZ DO MEU VIVER
UM ESPAÇO EM BRANCO
PRA VOCÊ TRAÇAR O MAPA DO NOSSO DESTINO
VOCÊ PINTOU E BORDOU E RABISCOU MIL DESATINOS
E ME AFOGOU  NUM MAR DE ESPUMAS FAISCANTES
E PRATICOU RAPINAGEM TOTAL
COMO UMA BANCA INTERNACIONAL
DE JANEIRO A JANEIRO
PIRATAS GARFANDO O RUM DOS BUCANEIROS
NUM MEFISTOLFELILCO FESTIM
MAS POR FIM, MATE A CURIOSIDADE
A QUEM COUBE OS FRANGALHOS, AS PARTES AS METADES DESTE,
POBRE CORAÇÃO-MANDARIM DESPEDAÇADO
NO JOGO INFANTIL E CRUEL DO TEU BOTIM
/>
__________________
desenho de Antonio Amaral
 

Hoje é dia de São Sebastião


Nascido no final do século II, Sebastião, de origem francesa, foi um soldado romano já convertido ao cristianismo e querendo converter as tropas de Deocleciano que, apesar disso, o tinha em alta estima. Descoberta sua atividade “subversiva” foi condenado a ser flechado pelos arqueiros de Roma para servir de exemplo. Mas não morreu dessa vez. Santa Irene lhe tirou as flechas e curou suas feridas. Voltou à presença do Imperador para professar sua fé e mostrar o milagre. Foi espancado até a morte dessa vez. Morreu aí de morte matada.

Reza a lenda que São Sebastião foi visto entre as tropas de portugueses, mamelucos e índios que expulsaram os calvinistas franceses do Rio de Janeiro. Como a batalha aconteceu no dia 20 de janeiro, ele mereceu ser o padroeiro da cidade.

Os sincretismos tornaram o santo muito popular na cidade que leva seu nome. Nos cultos de África é confundido com Oxóssi. Por causa das flechas que se transformaram em ícone virou o caçador das florestas. Só que no Candomblé é o caçador ou protetor dos caçadores, enquanto na Umbanda não é caçador de animais, mas de almas e de homens, sendo a catequese seu maior objetivo, como o fora o próprio Bastião cristão. Desde Oscar Wilde – que adotou o pseudônimo de Sebastian para escapar da moral inglesa –, Sebastião ficou conhecido mundialmente como um ícone pop-gay. Não se sabe se pela sua vocação de caçador de homens ou pela bela figura imortalizada por Botticelli. Mas o santo, que na legião romana era assumidamente cristão, assumiu a simbologia do homo erotismo.

Na Glória está a estátua do velho Bastião flechado de guerra olhando a baía de Guanabara por onde os franceses foram expulsos. E viva o padroeiro São Sebastião no dia de hoje e a cidade que só aniversaria em 1º de março, data de sua fundação por Estácio de Sá.

(Edmar)

Renato Piau por Gervásio Castro

Um viajante em Roma

      

Geraldo Borges

              Quem tem boca vai a Roma. Todos os caminhos levam a Roma. A Itália é uma bota, e assim  calçado em uma bota de sete léguas la vou eu. Hoje se vai a Roma de avião, ou de cruzeiro, navios pelo Atlântico  mediterrâneo.

 Já estou em Roma. Tudo muito rápido. Mergulho na poeira do tempo. E vero. Chego ao  senado romano, nos idos de março. Ao redor de Julio César  se aglomeram   os   conspiradores com os punhais afiados dentro de suas túnicas. Cesar não tem condição de defesa.   Começam o massacre. Cássio, Casca, Trebônio, Ligário, Decio Bruto, Metelo Cimbro Marcos Bruto; dois Brutos. Até tu Brutos. O sangue pingando da ponta dos punhais. Depois ouvi o discurso de Marcos Antonio, ou melhor, na verdade, de Shakespeare. Eis  um trecho.

 Eu vim aqui para fazer os funerais de Cesar, e não para louvá-lo. O mal que os homens fazem sobrevivi-lhe, mas o bem que o praticam é sepultado com os seus próprios ossos. Assim seja com Cesar. E por ai vai,  vai longe. Quem conhece a peça sabe até aonde ele chega.

               Mas chegando  a Roma  me encontrei com Virgilio, o poeta maior da língua latina, que, perambulou, pelo círculos do Inferno na companhia de  Dantee e Beatriz.  E me lembrei de Enéias voltando da Guerra de Tróia e lançando as bases da cidade de Roma, sem esquecer, todavia a lenda, a loba lactante que amamentou os dois irmão: Rômulo e Remo.

 Fiquei embasbacado  em frente ao Coliseu, ouvi  tinir de gládios na arena e vi o polegar de Cesar levantado para perdoar gladiadores que tinha sido vencidos, como vi também o polegar para baixo simbolizando morte ao perdedor.

 Mediante  lembranças de alguns filmes Roma se desenrolou nítida e colorida através da minha memória. Vi os antigos filmes de  Felline, de Vittorio de Sica. Nos cafés da  Via Veneto me encontrei com as rivais  Sophia  Loren  e  Gina Lollobrigida.  Nos tempos em que  Roma filmavam e estava no auge do neo realismo cinematográfico. Roma Inventou  o seu  espaghnetti western  com Giuliano  Gemma  no elenco de O dólar furado, Uma pistola para Ringo, entre outros, e quase desbanca os americanos.

 Mas vamos adiante, aqui, convido Dante para me acompanhar, ele não se faz de rogado, e segue  me mostrando.  Escultura, arquitetura, deuses mijando, fontes jorrando; pombos, no átrio das igrejas, inundando praças com  suas asas cinzentas. Não sei por que os pombos têm tanta liberdade  a ponto de proliferarem tanto, talvez mais do que os ratos, talvez, não sei, se isto tem a ver com a tradição cristã. Finalmente  um pombo saiu da arca e anunciou o fim do dilúvio, pombos correios foram muito importantes na guerra, e o pombo, anunciou-se também como símbolo da divindade cristã. Ninguém pode  no mundo cristão fazer guerra aos pombos. Pomba. Eles  sujam  tudo, deitam e rolam na cidade.

Mas, vamos deixar os pombos em paz. Eles fazem parte dos postais  dos turistas. Roma, cidade eterna. Eu te caminho por tuas avenidas, onde há séculos  Julio Cesar entrou  com suas legiões  vindo de suas conquistas, de suas guerra  contra os bárbaros. Conheço a tua  literatura, as tuas fabulas de Esopo  o  teu latim desde o meu tempo de ginásio. De Virgilio. Conheço  os cantos de Eneida: ( Ego ) cano arma  que virum, eu canto as armas  os varões; conheço as paginas do romance Satiricon de Petrônio. Amo a tua última  flor do Lácio inculta e bela proveniente do latim vulgar.Amo as odes de Horacio e outros poetas latinos.

Roma é uma cidade que muitas pessoas gostariam de visitar. Qou vadis Dominus?

 Laurence Sterne nos diz alguma coisa  sobre viagens no seu livro Uma viagem sentimental através da França e da Itália. Eis um trecho do seu livro para o leitor viajante.

Conhecimento e aperfeiçoamento devem ser obtidos  navegando ou viajando por terra, com esta finalidade; mas tanto o conhecimento útil quanto o aperfeiçoamento verdadeiro, tudo isso e uma loteria – e mesmo onde o aventureiro é bem – sucedido, c o cabedal adquirido  tem de ser usado com cautela e sobriedade para trazer algum beneficio  - mas, como as oportunidades se direcionam num outro sentido, tanto  quanto à aquisição, como quanto à aplicação, sou de opinião que um homem agiria  sabiamente  se pudesse persuadir – se a viver satisfeito. Sem um conhecimento estrangeiro ou aperfeiçoamento estrangeiro, especialmente se vive em um país em que não há absolutamente  nenhuma falta de ambos  - e de fato, muitas vezes tem – me causado muita dor no coração   e me custado muito a observar quantos passos em falso tem dado o  Viajante inquisitivo para ver paisagens  e observar descobertas; todas elas, como Sancho Pança o disse a Dom Quixote, poderiam ter ido vista por eles, de pés enxutos, em sua terra. É uma época tão cheia de luz, que mal existe um país ou recanto da Europa  cujos raios não  se cruzem com e se mesclem uns com os outros  -- O conhecimento em   muitas de suas ramificações, e em muitos casos, é como a música  numa rua italiana,na qual podem tomar parte aqueles que não pagam nada – Mas não existe nação debaixo do céu – e Deus é meu testemunha    diante de cujo tribunal devo um dia  apresentar-me  e prestar conta deste trabalho) -  de que não estou falando arrogantemente – Mas não existe  nação abaixo do céu em que haja abundancia  de maior variedades  de saber – em que as ciências seja competentemente  perseguidas, ou mais  firmemente  conquistadas do que aqui – onde a arte seja encorajada e, em breve, se erga bem alto – onde as Natureza ( tomada em seu todo) tenha tão pouca coisa  pela qual se responsabilizar – e, para encerrar tudo isso , onde haja mais engenho e variedade de caracteres  para alimentar o espírito – Aonde, então meus caros compatriotas, estão vocês indo –

  O  estilo do autor,   muito influenciou o texto da Machado de Assis, que  nunca saiu do Rio de Janeiro, embora  alguns de seus personagens tenham visitado  a Europa, inclusive Brás Cubas. A Europa sempre foi um pólo de atração para o intelectual brasileiro, para estudar, passar tempo E para os turistas, que com as suas maquininhas  vão capturando postais. Mas, pensando bem, o Brasil é uma extensão da Europa, pois os emigrantes europeus lhe deram um novo colorido cultural, só muda o cenário, arquitetônico, e nem tanto. O Rio de Janeiro  de antigamente era muito parecido com Paris e outras capitais da Europa.Bom. Para voltarmos a Itália, dou a palavra a Murilo Mendes, o nosso grande poeta, que continua pelas ruas de Roma, embora tenha morrido em Portugal, na cidade de Lisboa..

Vivo em Roma porque  posso aqui exercer meu trabalho de professor e membro de uma sociedade  secreta que se propõe dinamitar o monumento da Plazza Venezia. Porque Roma, segundo um velho soneto de Quevedo, não está mais em Roma, portanto não me sinto obrigado a seguir o rastro dos césares. Porque seu povo é humano e simpático. Porque Roma tem belas mulheres, praças estupendas, este ocre das suas casas me serve de tônico. Porque aqui encontrei amigos deliciosos, que geralmente não crêem  que 2 + 2 = 4, Porque em Roma existe o Museu de Vslle Giulla, quando entro ali me transformo num etrusco. Porque raramente se topam rinoceronte nos seus parques. Porque é a cidade que vive sob o signo do juízo universal e da mais formidável historia em quadrinhos, exatamente o juízo universal de Miguel Ângelo, o arrabbiato por excelência. Porque vivendo em Roma não sinto necessidade de ir à lua: somos aqui  todos lunáticos. Porque em Roma posso ver João XXIII, isto é, a excomunhão da bomba, o progresso do ecumenismo e da paz.

Muitos são os caminhos que nos levam a Roma e eu estou voltando por um deles.  Após ter sido acompanhando por personagens ilustre durante a minha viagem por esta península itálica à guisa de uma bota,  e que,  de tanto  desbravar territórios, lançou as bases da nossa civilização oficializando o Cristianismo. Pois todo mundo sabe que o enredo básico da narrativa é a vigem e dela não podemos fugir, seja simbólica ou real.

 

Rubem Braga

Irmãos e irmãzinhas: no momento em que se comemora o centenário de nascimento do maior cronista brasileiro de todos os tempos, poucos se lembram de que o velho Rubem, poeta bissexto, escreveu alguns poemas razoáveis. Eis aqui uma pequena mostra. Uma semana luminosa para todos. (Cinéas Santos)


Ao Espelho



Tu, que não foste belo nem perfeito,
Ora te vejo (e tu me vês) com tédio
E vã melancolia, contrafeito,
Como a um condenado sem remédio.

Evitas meu olhar inquiridor
Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,
Porque já te falece algum valor
Para enfrentar o tédio dos espelhos.

Ontem bebeste em demasia, certo,
Mas não foi, convenhamos, a primeira
Nem a milésima vez que hás bebido.

Volta portanto a cara, vê de perto
A cara, tua cara verdadeira,
Oh Braga envelhecido, envilecido.

(Rubem Braga)
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caricatura de Netto do blog Picinez

tem dias assim


Já notaram como o mundo fica triste
Nas tardes das quartas-feiras
Sem nenhuma razão plausível?

Uma melancolia doída invade a nossa alma
Como expiação de coisas não sabidas
Ou como sofrimento de uma perda antiga

A luz pálida da tarde resgata essa angústia
Laborando futura lágrima de um choro manso
Que nunca se externará em nossa face


(Climério Ferreira)

Cartões de Memória (Paulo Tabatinga)

CLAROS SUSSURROS DE CELESTES VENTOS


Luiz Horácio


Claros sussurros de celestes ventos, apresenta  encontros fictícios entre  escritores , Lima Barreto e Cruz e Sousa, por exemplo, além de  encontros  de seus personagens, a Olga, do Policarpo Quaresma, e a Núbia, de Broquéis. Vivem em outros tempos e outros cenários. Sets estranhos tanto  a criadores quanto a  criaturas, palcos onde atores e figurantes desfilam sob o mesmo status.

Escrever sobre o encontro de Cruz e Souza com Lima Barreto pode parecer fino despropósito, mas Joel Rufino o faz com arte e sensibilidade, e isso pode levar o leitor curioso a um mergulho nas obras desses autores. Mas atenção: Joel Rufino exigirá toda sua atenção, por vezes disperso leitor, pois você estará frente ao fantástico, ao inverossímil, e por vezes, ao virar uma esquina/página, esbarrará num fato histórico.  Modernismo, crise de 29, Revolução de 1932, por exemplo. Isso tudo disposto com precisão de um paisagista dos jardins de Versailles.

Ficção, fatos históricos, personagens e seus autores, tudo ao mesmo tempo, ontem e agora. O que é isso, confuão, equívocos. Pecado mortal de quem pensou dessa forma. O crente do convencionalismo será só decepção frente a esse grande exemplo de ousadia e criatividade.Tudo isso, mas sem perder a ternura jamais.

Claros sussurros de celestes ventos, além de seu grande significado ficcional, remete a  aulas de teoria literária sem que isso desmereça seu caráter ficcional tampouco desabone a criatividade desse autor fora dos padrões. O "fora dos padrões" no universo deste aprendiz significa o mais alto elogio.

A obra traz elementos do conto, da reescritura, do histórico, da intertextualidade, do humor e sobretudo da arte refinada de unir imaginação, a mais rocambolesca, com um tempero de suspense que instiga a leitura. Não confundir suspense com expectativa de sobressalto, por favor.

Criatividade e imaginação, escritores ( mortos ) convivem e dialogam com personagens fictícios num tempo presente.

Sei que está em voga a intertextualidade, difícil encontrar livro, desse nosso desanimador tempo  cultural, onde tal aspecto não seja evidente.E gratuito. A pena Joel Rufino está fora desse compasso constrangedor, seu intertexto tem tudo a ver com o contexto.

 Claros sussurros de celestes ventos levará o atento leitor, este aprendiz se inclui, a uma série de reflexões. Antes, no entanto, um resumo da história: começa pelo dia da morte de Lima Barreto, na trama chamado pelo primeiro nome, Afonso. Cruz e Souza é João da Cruz, casa com sua personagem Núbia, ela aparece nos poemas de “Broquéis”.

A história de Cruz e Souza( João da Cruz) será  acompanhada pela história da cidade de Nossa Senhora do Desterro,  que adiante ganharia o nome de   Florianópolis.

Após o fracasso de uma relação amorosa, João da Cruz deixa sua cidade, muda-se para o Rio de Janeiro onde encontra  um desconhecido, Raul. Tornam-se amigos. Raul,o Pompéia, consegue um emprego para João da  Cruz na Biblioteca Nacional.

Cruz será acusado  e processado por supostamente danificar um livro.

Raul, o Pompéia, é demitido e se mata, João da Cruz morreria mais tarde, tuberculose. Deixa cartas, numa delas confessa seu amor por Núbia, amor interdito  pelo fato de João da Cruz ser negro.

O que é inquestionável em Claros sussurros  e celestes ventos é o fato dessa obra brilhar sozinha em meio ao quase deserto criativo onde rasteja nossa atual produção literária.Criatividade, imaginação, fabulação, literatura como literatura, nada a ver com alguns boletins de ocorrência ou exageros sentimentalóides que atulham estantes das livrarias.

Disse anteriormente que Claros sussurros estimulava um a série de reflexões. A primeira, Rufino não inventou a roda, sabe dar-lhe finalidade. Ao juntar personagens e autores não trouxe novidade, de certa maneira assemelhou seu trabalho ao de André Gide que  em Diário dos moedeiros falsos, dialoga com os personagens, simultaneamente à criação do romance Os moedeiros falsos. Um dos personagens mais instigantes, e também merecedor da maior atenção de Gide, é  Edouard, também escritor, que pretende escrever um romance chamado Os moedeiros falsos.

Edouard, assim como Gide, escreve um diário. As semelhanças entre esses escritos permitem ao leitor a percepção de um livro dentro do livro. Diário dos moedeiros falsos permite visualizar  a construção dos personagens e deixa nítidas as  marcas  meta-literárias.

 

 

Em seu livro L'Art du roman, Milan Kundera (1986) diz que  o romance  se esforça em revelar um aspecto  desconhecido da existência humana, uma possibilidade do ser que se ignorava até então. Sem dúvida é isso e mais, muito mais: o imaginário ocupa um vasto espaço na literatura, não podemos desprezá-lo, a imbricação dos gêneros literários concede imensas áreas de expressão.

Outra reflexão diz respeito ao fato juntar numa narrativa escritores mortos, tornando-os personagens  como fez Gonçalo Tavares ao criar um bairro, mais precisamente uma rua,  onde moram Kafka, Lorca e Joyce. A história traz referências a fatos das vidas desses autores.

Para concluir, tangenciando o gênero, podemos apontar relações com a reescritura. E aqui de uma forma sútil conforme exige esse viés literário. Reescritura, sempre oportuno lembrar, muito bem apresentada em Lúcia,de Gustavo Bernardo, uma reescritura de Lucíola e Hamlet, de Marici Passini. Antes de continuar acrescento que o tema reescritura tem merecido uma série de estudos  academicos e livros equivocados. Livros que reescrevem livros que já reescreveram livros. Um horror! Voltarei ao tema em ocasião oportuna. Espero.

Delicadeza, humor, sensibilidade e consciência social, abundantes na obra, levam este aprendiz a não abordar o tema vergonhoso do racismo. O autor abordou o  caso comme il faut.

Agora sim, para encerrar Todorov. "Todo grande livro estabelece a existência de dois gêneros, a realidade de duas normas: a do gênero que ele transgride, que predominava na literatura precedente, e a do gênero que ele cria [...]. Geralmente, a obra-prima literária não se encaixa em nenhum gênero".

 

 

 

 

 


 
 

belo!


domingo, 6 de janeiro de 2013

Calor do fim do mundo



Edmar Oliveira
 
Termômetros no Rio de Janeiro foram aos 50°. A sensação na rua era de morte iminente por tão abafado e ardente se encontrava o ar. Falaram em temperatura senegalesa, seja lá quão quente seja essa parte da África que não conheço. Comparações com o Piauí só uma piadinha de que o clima assim estava por ter chegado uma frente fria da nossa terra.

Em Teresina já andei em zig-zag nas ruas procurando uma pontinha de sombra, que fica difícil ao meio dia. Já esperei ônibus em fila indiana aproveitando a sombra do poste. A gente localiza um botequim pela quantidade de chapinhas que entraram no amolecido asfalto e faz um tapete brilhante no sol ou na luz do poste. A imagem deforma na rua, lá no horizonte, pela evaporação da água que cozinha o asfalto. O teresinense tem mania de caixa d’água para esfriar a água que sai de um cano quente na rua. Moleque nenhum senta na escadaria da São Benedito com medo de fritar os ovos. Contam que a carne seca é boa porque basta matar o boi. E ainda tem a história de um plantador de uvas no quintal que encaixotava passas tiradas do paireiral.

Podem até contar mais histórias, mas o inferno que se transformou o Rio neste final de ano não tem igual, impressão de um legítimo filho do calor. Já completei trinta e seis anos de Rio de Janeiro e assistindo os invernos cada vez mais fracos e os verões cada vez mais insuportáveis, mas este, na passagem de ano, foi o mais quente. Tão quente que parecia que a gente entrava numa sauna ao sair à rua e, como virou piadinha na internet, só se podia respirar normalmente com ajuda de aparelhos: ventilador ou ar condicionado. Quem foi à praia só suportava dentro d’água e reclamava ainda no calçadão. Os bares na calçada, mania carioca, tiveram que entrar para o ar refrigerado. A sensação nas estações de metrô era de um forno de assar pizza. Um amigo me mandou a foto de um enfeite de natal: uma vela derretida que tombou do castiçal, que broxou tão melhor que ele, completava.

E eu, criado em Teresina, pensei que o mundo estava acabando, apenas com um retardo na profecia, e a gente assando feito um peru do Natal. 
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Rio 50°: foto que circulou na internet. Vela azul broxante no natal: Cândido. 

O SOM DO ANDALUZ


 
LOBO DO SOL
LOBO DE CHEGAR
SÓ PARA VER O ARCO IRIS
E QUANDO A AURORA PASSAR
COM O SEU CARILHÃO AZUL
ARCOS DA LAPA QUINDIM DA GUANABARA, AI AI
AGORA EU SEI O SOM DO ANDALUZ
QUANDO EU MORRI DE AMOR NO ANO PASSADO AI, AI
BRASILEIRINHO É O SOM DO ANDALUZ
CONTRA O VENTO MEU CABELO PRATEADO
É MEU D ÁRGENT, POIS EU VIIVO SEM NENHUM
QUANDO EU VI O PASSO DO TEU GINGADO CABROCHA
AGORA EU SEI O SOM DO ANDALUZ
PURA NOBREZA TEUS OLHOS DE MAR
QUE TE TRADUZ BABALORIXA
ACALENTA PEITO NO MEU PEITO NU
A NOITE OUVIU O SOL DE QUEM FAZ JUS
AGORA EU SEI O SOM DO ANDALUZ
 
(Lázaro José de Paula)
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foto: Edmar - Ibitipoca

O Menino e a Melancia

           Geraldo Borges
 
Hoje fui à feira e comprei uma melancia. Vi um menino que andava ali por perto com o carrinho de mão e perguntei a ele se poderia  deixar a minha melancia lá em casa. Não ficava longe. Apenas cinco quarteirões.  Acertamos o preço.

 O menino  botou a melancia dentro do carro de mão. E eu o acompanhei dizendo por onde ele deveria ir.

 O menino tinha uma barriga grande, uma bacia. Semelhante  a melancia que ele carregava.

Perguntei lhe se tinha  pai, mãe, irmã, se estudava.

Respondeu-me que tinha pai, tinha mãe. Mas os dois eram separados. Não tinha irmãos. Era criado por seu padrinho. Ele lhe dera aquele caro de mão para fazer serviço na feira.

O menino chegou em minha casa, cansado. A melancia era grande. Ele teve que abraçá-la para tirá-la de dentro do carro. Mas não sei lá por que a melancia  escorregou de seus braços de cambito e caiu no chão, espatifando-se.  Foi água para todos os  lados. Eu disse, porra.

 O garoto fez uma cara de amargura. E um riso besta. Como se fosse perder  o dinheiro do serviço.

 As vísceras da melancia, brilhavam  na calçada, escancaradas.  Senti que o menino estava doido para pegar  um  pedaço e começar a  matar a sede.Pois o sol estava escaldante e ele suava muito.

 Para incentivá-lo peguei um pedaço e disse pegue outro. Está bem doce. Ele pegou.

 - Bote  o resto no  seu carrinho,  E está aqui o dinheiro do frete.

 O menino olhou para mim com os olhos de gente grande, e me disse.

- Não senhor. Não precisa pagar não. Eu quebrei a sua melancia.

- Mas você não teve culpa. Não se incomode. .

 O menino pegou   os pedaços da melancia, botou dentro do carro, e se encaminhou para a feira.

Eu entrei em minha casa pensando. No tempo em que eu era menino  meu pai plantava melancias, mas as melancias eram miúdas, não se comparam as melancias de hoje, tão grandes e pesadas que  muitas vezes são vendidas aos pedaços.

+1 verso

 
INVENÇÕES DO MEDO
O outro lado da Lua
Esconde algum segredo?
Quando o desconhecido atua
Desmascara nosso medo
.
Tudo que é mistério
Precisa ser preenchido:
Inventamos magistério
Religião e cupido


(Climério Ferreira)

klöZ por 1000TON


L'èternitè


L' èternitè

Voici mon coeur
Dans la forêt
Il est en train de courir
Dans mon rêve tu est près de moi
La clef de mon âme
 
(Lelê Fernandes)
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foto: Paulo Tabatinga

Tariffario

achado por Paulo José Cunha e repare no desconto para estudantes e militares

Tédio



 
           Geraldo Borges
 
          Abri a minha heráldica gaveta
          E comecei a olhar seu conteúdo
          Vi um pirata caolho e perneta
          E um velho criado surdo e mudo. 
.
          Havia muita coisa no seu bojo
          Valhas cartas não correspondidas
          Duas baratas lindas de dar nojo
          Jóias pingentes alianças partidas. 
.
          Era uma tarde de tédio de verão
          Que fazer das baratas finalmente
          Matá-las cometer um crime em vão? 
.
          Pensando bem eu fiz uma opereta
          Disse salve as baratas fui clemente
          E matei o criado mudo e o perneta.

tempo & espaço


São Piauí