domingo, 20 de janeiro de 2013

Um viajante em Roma

      

Geraldo Borges

              Quem tem boca vai a Roma. Todos os caminhos levam a Roma. A Itália é uma bota, e assim  calçado em uma bota de sete léguas la vou eu. Hoje se vai a Roma de avião, ou de cruzeiro, navios pelo Atlântico  mediterrâneo.

 Já estou em Roma. Tudo muito rápido. Mergulho na poeira do tempo. E vero. Chego ao  senado romano, nos idos de março. Ao redor de Julio César  se aglomeram   os   conspiradores com os punhais afiados dentro de suas túnicas. Cesar não tem condição de defesa.   Começam o massacre. Cássio, Casca, Trebônio, Ligário, Decio Bruto, Metelo Cimbro Marcos Bruto; dois Brutos. Até tu Brutos. O sangue pingando da ponta dos punhais. Depois ouvi o discurso de Marcos Antonio, ou melhor, na verdade, de Shakespeare. Eis  um trecho.

 Eu vim aqui para fazer os funerais de Cesar, e não para louvá-lo. O mal que os homens fazem sobrevivi-lhe, mas o bem que o praticam é sepultado com os seus próprios ossos. Assim seja com Cesar. E por ai vai,  vai longe. Quem conhece a peça sabe até aonde ele chega.

               Mas chegando  a Roma  me encontrei com Virgilio, o poeta maior da língua latina, que, perambulou, pelo círculos do Inferno na companhia de  Dantee e Beatriz.  E me lembrei de Enéias voltando da Guerra de Tróia e lançando as bases da cidade de Roma, sem esquecer, todavia a lenda, a loba lactante que amamentou os dois irmão: Rômulo e Remo.

 Fiquei embasbacado  em frente ao Coliseu, ouvi  tinir de gládios na arena e vi o polegar de Cesar levantado para perdoar gladiadores que tinha sido vencidos, como vi também o polegar para baixo simbolizando morte ao perdedor.

 Mediante  lembranças de alguns filmes Roma se desenrolou nítida e colorida através da minha memória. Vi os antigos filmes de  Felline, de Vittorio de Sica. Nos cafés da  Via Veneto me encontrei com as rivais  Sophia  Loren  e  Gina Lollobrigida.  Nos tempos em que  Roma filmavam e estava no auge do neo realismo cinematográfico. Roma Inventou  o seu  espaghnetti western  com Giuliano  Gemma  no elenco de O dólar furado, Uma pistola para Ringo, entre outros, e quase desbanca os americanos.

 Mas vamos adiante, aqui, convido Dante para me acompanhar, ele não se faz de rogado, e segue  me mostrando.  Escultura, arquitetura, deuses mijando, fontes jorrando; pombos, no átrio das igrejas, inundando praças com  suas asas cinzentas. Não sei por que os pombos têm tanta liberdade  a ponto de proliferarem tanto, talvez mais do que os ratos, talvez, não sei, se isto tem a ver com a tradição cristã. Finalmente  um pombo saiu da arca e anunciou o fim do dilúvio, pombos correios foram muito importantes na guerra, e o pombo, anunciou-se também como símbolo da divindade cristã. Ninguém pode  no mundo cristão fazer guerra aos pombos. Pomba. Eles  sujam  tudo, deitam e rolam na cidade.

Mas, vamos deixar os pombos em paz. Eles fazem parte dos postais  dos turistas. Roma, cidade eterna. Eu te caminho por tuas avenidas, onde há séculos  Julio Cesar entrou  com suas legiões  vindo de suas conquistas, de suas guerra  contra os bárbaros. Conheço a tua  literatura, as tuas fabulas de Esopo  o  teu latim desde o meu tempo de ginásio. De Virgilio. Conheço  os cantos de Eneida: ( Ego ) cano arma  que virum, eu canto as armas  os varões; conheço as paginas do romance Satiricon de Petrônio. Amo a tua última  flor do Lácio inculta e bela proveniente do latim vulgar.Amo as odes de Horacio e outros poetas latinos.

Roma é uma cidade que muitas pessoas gostariam de visitar. Qou vadis Dominus?

 Laurence Sterne nos diz alguma coisa  sobre viagens no seu livro Uma viagem sentimental através da França e da Itália. Eis um trecho do seu livro para o leitor viajante.

Conhecimento e aperfeiçoamento devem ser obtidos  navegando ou viajando por terra, com esta finalidade; mas tanto o conhecimento útil quanto o aperfeiçoamento verdadeiro, tudo isso e uma loteria – e mesmo onde o aventureiro é bem – sucedido, c o cabedal adquirido  tem de ser usado com cautela e sobriedade para trazer algum beneficio  - mas, como as oportunidades se direcionam num outro sentido, tanto  quanto à aquisição, como quanto à aplicação, sou de opinião que um homem agiria  sabiamente  se pudesse persuadir – se a viver satisfeito. Sem um conhecimento estrangeiro ou aperfeiçoamento estrangeiro, especialmente se vive em um país em que não há absolutamente  nenhuma falta de ambos  - e de fato, muitas vezes tem – me causado muita dor no coração   e me custado muito a observar quantos passos em falso tem dado o  Viajante inquisitivo para ver paisagens  e observar descobertas; todas elas, como Sancho Pança o disse a Dom Quixote, poderiam ter ido vista por eles, de pés enxutos, em sua terra. É uma época tão cheia de luz, que mal existe um país ou recanto da Europa  cujos raios não  se cruzem com e se mesclem uns com os outros  -- O conhecimento em   muitas de suas ramificações, e em muitos casos, é como a música  numa rua italiana,na qual podem tomar parte aqueles que não pagam nada – Mas não existe nação debaixo do céu – e Deus é meu testemunha    diante de cujo tribunal devo um dia  apresentar-me  e prestar conta deste trabalho) -  de que não estou falando arrogantemente – Mas não existe  nação abaixo do céu em que haja abundancia  de maior variedades  de saber – em que as ciências seja competentemente  perseguidas, ou mais  firmemente  conquistadas do que aqui – onde a arte seja encorajada e, em breve, se erga bem alto – onde as Natureza ( tomada em seu todo) tenha tão pouca coisa  pela qual se responsabilizar – e, para encerrar tudo isso , onde haja mais engenho e variedade de caracteres  para alimentar o espírito – Aonde, então meus caros compatriotas, estão vocês indo –

  O  estilo do autor,   muito influenciou o texto da Machado de Assis, que  nunca saiu do Rio de Janeiro, embora  alguns de seus personagens tenham visitado  a Europa, inclusive Brás Cubas. A Europa sempre foi um pólo de atração para o intelectual brasileiro, para estudar, passar tempo E para os turistas, que com as suas maquininhas  vão capturando postais. Mas, pensando bem, o Brasil é uma extensão da Europa, pois os emigrantes europeus lhe deram um novo colorido cultural, só muda o cenário, arquitetônico, e nem tanto. O Rio de Janeiro  de antigamente era muito parecido com Paris e outras capitais da Europa.Bom. Para voltarmos a Itália, dou a palavra a Murilo Mendes, o nosso grande poeta, que continua pelas ruas de Roma, embora tenha morrido em Portugal, na cidade de Lisboa..

Vivo em Roma porque  posso aqui exercer meu trabalho de professor e membro de uma sociedade  secreta que se propõe dinamitar o monumento da Plazza Venezia. Porque Roma, segundo um velho soneto de Quevedo, não está mais em Roma, portanto não me sinto obrigado a seguir o rastro dos césares. Porque seu povo é humano e simpático. Porque Roma tem belas mulheres, praças estupendas, este ocre das suas casas me serve de tônico. Porque aqui encontrei amigos deliciosos, que geralmente não crêem  que 2 + 2 = 4, Porque em Roma existe o Museu de Vslle Giulla, quando entro ali me transformo num etrusco. Porque raramente se topam rinoceronte nos seus parques. Porque é a cidade que vive sob o signo do juízo universal e da mais formidável historia em quadrinhos, exatamente o juízo universal de Miguel Ângelo, o arrabbiato por excelência. Porque vivendo em Roma não sinto necessidade de ir à lua: somos aqui  todos lunáticos. Porque em Roma posso ver João XXIII, isto é, a excomunhão da bomba, o progresso do ecumenismo e da paz.

Muitos são os caminhos que nos levam a Roma e eu estou voltando por um deles.  Após ter sido acompanhando por personagens ilustre durante a minha viagem por esta península itálica à guisa de uma bota,  e que,  de tanto  desbravar territórios, lançou as bases da nossa civilização oficializando o Cristianismo. Pois todo mundo sabe que o enredo básico da narrativa é a vigem e dela não podemos fugir, seja simbólica ou real.

 

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