domingo, 17 de dezembro de 2017

EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO DE 10 ANOS



Nesse dezembro, o Piauinauta completa dez anos dando voltas no planeta. Foi um recorde histórico para o espaço virtual. Digno de Guinness Book. Um blog que começou de brincadeira, claudicante e que comemora o décimo aniversário. Foram mais de 2000 postagens, o que teríamos um livro enorme se fosse editado em papel. Com fiéis assinantes leitores que nos acompanham nesse tempo, que é muito grande para essa efemeridade da internet.

Agradeço aos ilustradores que colaboraram para que essa edição histórica fosse possível: Gervásio, Dino Alves, Izânio, Paulo Moura, 1000TON e Netto de Deus.

Os artigos selecionado remetem às primeiras edições no ano zero, na distância de 2007.







domingo, 3 de dezembro de 2017

CAVALEIROS ENTRE O CORDEL E A HISTÓRIA (1)


Vladimir Carvalho (2)


                Quando Edmar Oliveira decidiu-se a vir aventurar-se no Rio de Janeiro nos ainda duros finais dos anos de 1970 já se encontrava sobrecarregado de nordestinidades: a seca, o cangaço, domínios holandeses, coronelismo, marchas revolucionárias, a fama dos cordéis e da literatura regionalista de décadas passadas. Não esquecera tampouco as boiadas, os vaqueiros, o folclore e o velho Parnaíba com suas curvas e ilhas passeadas por sonolentos vaporetos, enfim a cara e a memória do seu avoengo Piauí. Tudo aquilo e as histórias que curtira desde menino fustigavam a sua sensibilidade como a exigir o seu testemunho. Entretanto, não lhe pesavam no espírito essas lembranças; pelo contrário, as acolhia com uma espécie de estranha ternura, um paliativo enquanto afiava as garras no conhecimento da psiquiatria, esta, sim, ferramenta de trabalho que lhe inseria em novo cotidiano como médico engajado na fervilhante metrópole.

                Foi adiando como pôde o embate com o memorial que trazia no seu baú até que finalmente resolveu sentar-se e escrever o que latejava em seu íntimo. Veio como um jorro o seu primeiro romance, Terra do Fogo, que publicou em 2013 (Vieira & Lent Casa Editorial, Rio de Janeiro) sobre uma Teresina tentando acompanhar as mudanças prementes do país e fazer a sua reforma urbana, nem sempre favorável aos pobres e humildes.

                Os melhores dotes de sua obra inaugural, que não era indiferente a certos aspectos do épico, ressurgem agora de forma mais assumida em seu novo romance, este Sitiado (Chiado Editora, Portugal, Brasil, Angola) já nas livrarias. Sempre honrando os fatos da História, no caso a marcha célebre da Coluna Prestes, empreendida em meados dos anos de 1920 – em especial se ocupando dos episódios da sua passagem pelas terras do Piauí e do Maranhão – Edmar Oliveira leva a cabo um urdido jogo de contraponto seguindo os passos de seus personagens, ziguezagueando entre o real histórico e o imaginário popular num aliciante vai e vem lúdico e prazeroso que prende e envolve o leitor.

                Com essa estratégia narrativa, é bom dizer, plena de liberdade poética, vemos os homens da Coluna e mesmo as gentes do povo transformarem-se nas figuras medievais dos cavaleiros andantes das Cruzadas. Mouros e cristãos em ação, às vezes eletrizantes, que pela prodigiosa fusão literária nos fazem lembrar as astúcias estéticas que só o cinema pode nos proporcionar. Com roldãos, carlos magnos, oliveiros e ferrabrazes despudoradamente entrelaçados e confundidos com os nossos contemporâneos Luiz Carlos Prestes, Miguel Costa e Juarez Távora. Ao sabor desse compasso binário, a fabulação segue estribada nas reações e nos sonhos do matuto Teodoro, alma pura do povo, mas esperto e imaginoso amante de estórias, ouvido colado na oralidade, inveterado leitor que é de cordel e crente em padim Cícero. Uma natureza assim seria também uma porta aberta para os eflúvios de utopias salvadoras, de mágicas transformações, de mitos de terras prometidas e, portanto, logo acreditou que “Prestes era muito homem para vadear o mar-oceano e virar a Oropa em frege”

                Como soldado, Teodoro dormia na trincheira e sonhava como se estivesse nos embates antigos, coisas filtradas de suas leituras, que se misturavam com a realidade em que vivia as agruras de sua gente. Acordado ouvia falar das peripécias da Coluna aparecendo e desaparecendo, cegando as tropas inimigas com as manobras geniais do Cavaleiro da Esperança, que punha em prática estratégias desconhecidas como o nó húngaro e as falsas retiradas que desnorteavam o adversário. Mas também ficava a par dos desatinos e erros da Coluna, como foi o caso do ataque a Piancó, na Paraíba, onde os revoltosos encontraram forte resistência e deixaram para trás o episódio para sempre lembrado da morte do padre Aristides, que liderava a defesa da cidade. Uma mancha para sempre no currículo de Prestes. Tudo isso e muito mais é matéria prima nas mãos hábeis de Oliveira. Em estilo simples, fluente e bem-humorado, manobra ele numa clave próxima do realismo mágico, abrindo espaço para insuspeitados e sedutores personagens, alguns retirados da vida real e da crônica pródiga dos sertões de sua região. É o caso de um certo Manuel Bernardino da Mata, fascinante pelo que encerra de instigantes contradições, sendo ao mesmo tempo, por artes de uma curiosa dialética, socialista militante, espírita e vegetariano! Por isso mesmo tornando-se afamado e recebendo a alcunha de Lenine do Maranhão.


                Um aspecto de Sitiado que veio enriquecer e lhe trazer especial colorido foi o recurso em que acoplando História e estória recorre à literatura popular da lavra do gênio absoluto do cordel nordestino, o paraibano Leandro Gomes de Barros – seu proto criador, fonte em que até Ariano Suassuna chegou a beber. São de Leandro, sobretudo de sua História da Donzela Teodora, as epígrafes de abertura de cada capítulo do romance, concorrendo para o clima em que verdade e imaginação dominam todo o entrecho, o que o coloca entre os melhores da atual safra.

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(1) Publicado no Correio Braziliense em 18.11.17
(2) Cineastra, professor de cinema da UnB, escritor.

domingo, 19 de novembro de 2017

domingo, 5 de novembro de 2017

Fotos de Paulo Tabatinga em Teresina

 Regina Coeli
 Chico Alves
 Pereira, Silizinho e Edmar
 Com o poeta, escritor e jornalista Chico Castro
 Cartunista Dino Alves, Pereira, Chicão, Assai, Chico Castro e Robert


 Com o cartunista Dino Alves
 Com Assai, Chicão e Dino Alves





domingo, 8 de outubro de 2017



Agora é a vez de Teresina, a cidade sitiada pela Coluna Prestes entre o Natal e o Ano Novo de 1925. SITIADO é um romance que acontece antes e depois deste cerco, onde o autor 
"serve-se do episódio da passagem da Coluna por terras mafrenses para desenvolver sua ficção histórica. Mas uma ficção histórica diferente. Nela, a trajetória e as características físicas e psicológicas dos personagens são menos importantes do que a relevância do painel multifacetado de referências fundadoras do imaginário do povo piauiense exibidas em cada linha do texto". (no texto de Paulo José Cunha).

Dia 27 de outubro, sexta feira, na Entrelivros da Avenida Dom Severino, às 19 horas. 

O Piauinauta convida os conterrâneos para esta passagem da Coluna Prestes por terras mafrenses, acompanhada de Carlo Magno e seus Pares de França, na fabulosa epopeia da península ibérica, que Leandro Gomes de Barros traz para o sertão!


***

O livro pode ser comprado pela internet no site:



impressões

           


"Uma das estratégias aplaudida na carpintaria do romance de Edmar Oliveira é a que o autor utiliza para estruturar a trama da historia: o contraponto. Ou melhor, um triangulo narrativo: a história da Coluna, personagens históricos, heróis nacionais, uma historia antiga e já bem surrada, didática, espalhada por ai em teses acadêmicas. Vem depois a eixo da narração que está centrado na vida cotidiana de um povo, personagens que se sugestionam com as escaramuças da Coluna e até tomam partido, uns contra, outros a favor. O autor mostra com clareza como uma revolta pode mexer com os sentimentos de um povo simples e tocar no seu juízo; o terceiro lado do triangulo são os delírios de alguns personagens que incorporam a subjetividade do romance de cordel dos Doze Pares de França; esse último lado do triangulo e o mais impressionante para que o romance fique de pé E o lado subjetivo da profecia que todo bom romance tem como ingrediente. E a parte profética da história. E o delírio". 

(Geraldo Borges, escritor)

domingo, 17 de setembro de 2017

Cap I tx

O calor do meio dia naquela trincheira era insuportável.
A farda ficava molhada de suor que lhe tirava o
claro cáqui para justo parecer a cor escura do inimigo. As
gotas de suor da testa escorriam para os olhos lacrimejarem
uma visão borrada do horizonte. Horizonte já distorcido
pelo calor, que evaporava um resto de umidade da terra
ressecada da caatinga após uma chuva orvalhada. De dia
o inimigo não dava sinal de vida, o silêncio era quebrado
pelo voo da juriti ou o canto da rolinha naquela cantiga
borbulhante de um “fogo-pagô”. Os galhos da vegetação
esturricada não se mexiam por falta de um vento que
diminuísse aquele calorão. Isso todos os dias. Mas
exatamente nesse tinha chovido de manhã e o céu nublado
apresentava um mormaço que esquentava mais que o sol.

A ordem era não conversar com o colega de trincheira,
porque tinha que aumentar a voz e revelar-se ao inimigo.
Mas cadê inimigo que não via e a vontade o fazia mirar
a arma numa rolinha, com o dedo coçando para abater a
penosa, quando a barriga começava a roncar. Já era hora da
Ceiça trazer o “de comer” que a fome já esfriava o suor que
escorria na barriga. Ceiça assoviava pela retaguarda no mais
tardar onze e meia. Pelo horário da fome já marcava mais
de meio dia. Bem acabou de pensar, escutou o assobio que
sabia ser de Ceiça e começou a olhar a retaguarda sem deixar
de reparar na possibilidade de o inimigo sair da folhagem
ressecada. Ela vinha abaixada, quase engatinhando entre os
gravetos secos da vegetação rasteira. Estava grávida, mas
a barriga inda não atrapalhava os movimentos de gatinho.

Teodoro distinguiu a roupa da cor de barro, que se confundia
com a terra recém-molhada. Percebeu Ceiça misturada na
paisagem, mas já se fazendo notar. Ela chegava guiada
pelo mandacaru, quase em forma de cruz, que marcava o
lugar na trincheira onde Teodoro ficava, desde as dez horas,
esperando a boia. As rolinhas e juritis fizeram um alvoroço
na aproximação de Ceiça. Ela se aproximou rápido, beijou a
testa suada do marido e entregou o “de comer” num prato de
barro amarrado com o pano de prato. Teodoro desamarrou
o nó do pano e desvirou o prato metendo a mão e pegando
uma coxa da galinha, sem nem esperar a colher que Ceiça
procurava no embornal. Ela já sabia que tinha de falar
baixinho e quase segredou:

“Ontem o povo correu da missa do galo, quando
começou o tiroteio”.

Teodoro, só naquele momento, percebeu que estava
passando o Natal dentro daquela trincheira e jamais se
esqueceria da data que aconteceu em 1925. E como sempre
acontecia no Natal, chovia na manhã e o céu ficava encoberto.
Todo natal amanhecia assim, não sabia como não tinha
lembrado a data até a Ceiça dizer. À noite os revoltosos
atiraram muito na escuridão e ele tinha respondido umas
tantas vezes, não muito mais de dez, segundo contou pela
manhã os cartuchos gastos de sua arma. Lá pelas nove horas,
no respingo de uma chuva rala, engatinhou até onde estivera
o inimigo à noite. Sabia que eles não estavam mais ali, muito
antes da barra do dia os tiros pararam do lado dos revoltosos
e já tinha dado dois tiros sem escutar resposta. Procurou e
encontrou uma boa quantidade de cartuchos das armas dos
revoltosos. Ceiça perguntou pelos cartuchos e Teodoro fez um
movimento de lábio para indicar onde estavam os cartuchos
no fundo da trincheira. Ceiça saltou pra dentro e encontrou
uma boa quantidade de cartuchos usados que guardava,
como se tivesse encontrado um tesouro, no matulão. Dentre
eles tinha três balas intactas que Teodoro comparou com a
dele, para dizer que era do inimigo. Teodoro mastigava uma
cabeça do osso da coxa daquela saborosa galinha e já tinha
comido todo o feijão e arroz do prato fundo – quase uma
travessa – trazido por Ceiça.

“Quanto acha que o Geraldo vai dar nesses cartuchos”?
– perguntou à mulher, mas ressaltando antes de esperar a
resposta – “Tem de valorizar, são os tiros do Natal”.


Cap III


domingo, 3 de setembro de 2017

O TECIDO DA HISTÓRIA



Leo Almeida


De que tecido é composta a História? Qual a matéria que forma os ídolos, os grandes eventos, as lendas? Enfim, de quantas pequenas e grandes mentiras é feita a verdade da História?  Em “Sitiado” (Editora Chiado, 2017, 210 p.), o escritor Edmar Oliveira toca nessas questões com grande elegância, criatividade e humor. Seu romance constitui-se de uma urdidura ficcional que permeia os fatos históricos que marcam a passagem, pelo Nordeste, da Coluna Prestes. Na verdade, o romance focaliza o cerco empreendido pelos colunistas à capital do Piauí, Teresina, cidade onde formou-se o escritor. A estratégia narrativa privilegia os diversos pontos de vistas dos personagens/testemunhas do evento histórico, pondo em destaque aqueles que sempre são meros coadjuvantes, pequenas engrenagens do carro da História. O olhar quixotesco de Teodoro, um pequeno proletário cheio de sonhos e fantasias, que, enviesado, confunde as histórias dos Pares de França, do clássico texto de cordel, com a situação histórica da qual participa ativamente. É pelo olhar de Teodoro que o autor se permite desarmar a versão oficial, abrindo possibilidades outras para a explicação de determinados eventos históricos. Nesse sentido, guardadas as devidas proporções, “Sitiado” é um texto irmão de “Viva o povo brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro. O intertexto, ferramenta fundamental na construção de “Sitiado”, configura-se na adoção, por analogia, das narrativas de cordel de autoria de Leandro Gomes de Barros, especialmente a história de Carlos Magno e “A história da donzela Teodora”, de onde o autor extrai as epígrafes de cada capítulo. As narrativas populares encontram eco na visão de mundo do matuto Teodoro e tornam a leitura de “Sitiado” num pequeno jogo de aproximações. Depreende-se dessa leitura que, no fim das contas, não existem fatos, mas versões de fatos. A História, podemos entender, é uma espécie de literatura de ficção que se quer absolutamente verdadeira, sem poder sê-la, pois a visão do historiador é sempre um recorte da realidade, assim como a versão das testemunhas trazem sempre seu ponto de vista. Se para Teodoro, o cidadão piauiense, suas leituras demandam o intertexto de cordel, outro personagem importante na narrativa, o imigrante de origem libanesa Abdon, incorpora os contos/causos do popular personagem turco Nasrudin. Em contraponto às diversas situações por que se depara o personagem, as narrativas do quase folclórico Nasrudin costuram humor e crítica refinados. Abdon, assim como Teodoro, ingressa na Coluna Prestes cheio de sonhos. O primeiro, pragmaticamente, vê-se colunista como forma de resolver um problema financeiro com o patrão. Julgando-se explorado, acredita que a Coluna trará um mundo melhor e aposta nessa possibilidade, ingressando em suas fileiras. Teodoro por sua vez, contaminado pelas fantasias cavaleirescas e pela sincera intenção de mudar sua situação de vida, abandona a farda e segue ao encontro de seu Carlos Magno. Esses dois personagens poderiam sustentar, sozinhos, toda a trama, e o fazem com coerência e substância a partir da construção literária empreendida por Edmar Oliveira que, não se contentando com isso, ainda nos traz a figura emblemática do Lenine do Maranhão, figura interessantíssima que, por si só, seria capaz de compor uma grande história. O personagem, baseado numa figura histórica real, atravessa a narrativa como um relâmpago. De revolucionário político torna-se ao final da vida um místico, cumprindo uma trajetória no mínimo peculiar de alguém que parte de Lênin para tornar-se Antonio Conselheiro. Curioso lembrar que sua vida nos remete à lembrança do processo de mudança em Tolstói que também, na velhice, abandona sua vida mundana e foge para a morte em seu misticismo. A galeria de personagens nos traz a figura de Geraldo, articulador político silencioso. Os personagens femininos são construções que ideologicamente se afastam: por um lado, Donana, mulher empreendedora e romântica, paradoxo que se resolve com a sua decisão de mudar de cidade por sugestão de um novo amor. Do outro lado, Ceiça, humilde e simplória. A primeira, dona de uma pensão, apaixonada pelo libanês Abdon, persegue seu desejo. A segunda, parideira, submissa ao marido, Teodoro, segue sua sina de parir filhos e sofrer ao lado do marido. Ceiça tem um quê de Sinhá Vitória, mas não tem a garra do personagem de Graciliano.

Os personagens Históricos se apresentam na narrativa a partir dos pontos de vistas dos personagens construídos por Edmar Oliveira. Assim, Juarez Távora surge como o prisioneiro garboso e poderoso que se entrega às forças legalistas e Prestes, como um fantasma, atravessa o texto sempre em fuga. “Sitiado” é uma grande coluna arrastando-se em nossas retinas, levando de roldão as gentes que fazem a História, mesmo quando dela não participam.
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SITIADO teve pré-lançamento na Bienal do Rio, sexta-feira.
Lançamento no Rio: Livraria Folha Seca, Rua do Ouvidor, Beco do Samba, dia 23 de setembro, sábado, das 14 as 16 h.
Aguardando data para lançamento em Teresina, Brasília e Recife.

Gervásio


domingo, 2 de julho de 2017

O QUE LEIO NOS JORNAIS


O que leio nos jornais
Atesta um sofrimento humano
Que se dá longe da minha casa
E eu sofro

O que leio nos jornais
Diz-me de uma injustiça enorme
Na qual mergulham o meu país
E eu sofro


O que leio nos jornais
Nada fala da felicidade que sinto
Que neste exato momento
Ao terminar este verso


(Climério Ferreira )

Do novo livro do Paulo Tabatinga, "a cidade vigiada"

domingo, 11 de junho de 2017

domingo, 26 de março de 2017

Salgado Maranhão

A imagem pode conter: comida
desenho: Amaral

COMO UM RIO 9

Trouxeram-nos até aqui
à pilha da usura --
com louvores e degolas
laureadas;

trouxeram-nos até aqui
(a guindaste) para brotar
nos caules secos:

o vento cáustico e a razão
muscular inaugurando
a dor;

o longo acervo de auroras
para guardar constelações
de mármore.

E o lavrar do braço
que arrima a luz
e as flores(o braço
açoite e capuz).

Então durmo sobre a fenda
aberta à radiação
dos séculos,

e sigo com os que perderam
a caravana de volta:

o que ainda não sou
me acena o penhasco.

Quem ergueu esse trapézio
com as cordas rotas?

Quem semeou esse pomar
de nuvens?

O poema pede silêncio
para sonhar.

(SALGADO MARANHÃO)






domingo, 12 de março de 2017

Coisas de momento

  Nenhum texto alternativo automático disponível.
Ouso sonhar

Apesar dos dias de pavor em que vivemos

E mirando fixamente os rostos

Dos meus dessemelhantes à minha volta


Ouso pensar

Que o meu país será feliz



(Climério Ferreira)
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desenho: Amaral

domingo, 29 de janeiro de 2017

O Campo e a Cidade

Desenho: Amaral

(Geraldo Borges)
                                                                                                            
Está no DNA a visceral inclinação para voltarmos para  o campo. E claro que saímos do campo. E quem vai volta. E a lei do retorno. No principio fomos todo camponeses. Depois, com o desenvolvimento do comercio e o aparecimento das cidades, a corrida para as metrópoles se acentuou. Na cidade você tinha uma sensação de maior liberdade. Não via o patrão. Mesmo assim não esquecia o interior. A nossa literatura romântica e moderna cheia de louvação a natureza. Descrição de lindos por do sol. Na poesia nem se fala. Na verdade, o Brasil durante o período romântico era uma vasta fazenda com seu engenhos e plantações de café.

A nossa literatura vai marcando no seu texto como uma espécie de rodapé cronológico   todos as etapas da evolução da nossa vida no campo e a ponte para a cidade.

Vidas Secas, por exemplo, termina com a família de Fabiano chegando a cidade, na esperança de ter uma vida melhor. Em Angustia, o personagem principal, Luís da Silva, veio do campo. O romance quase todo gira em torno da angustiante lembrança do seu tempo de menino na fazenda de seus avos.  O personagem tem uma experiência da vida na cidade, vivendo com um salário miserável, cheio de dividas, e uma vida sentimental destruída. Voltar ao campo não podia mais A cidade já tratara de degenerá-lo a ponto de tornar-se um assassino. Matou um representante do Poder.

Hoje não se distingue mais o campo da cidade. Tudo que está no campo está na cidade. A tecnologia é onipresente. Quem tem um pedaço de terra aqui no Nordeste, chama-o de sitio. Lugar na beira a estrada, ou dentro do mato, onde você pode chegar por uma estrada vicinal. Geralmente o sitio tem riacho ou poço, até mesmo piscina, televisão, geladeira, bar. E ali se ritualiza os mesmos prazeres da cidade. Muito churrasco e cerveja, mulheres bonitas, e o mesmo papo superficial de sempre. O sitio é para fim de semana. Nele não existe nenhuma unidade de produção, a não ser fruta silvestres que muitas vezes apodrecem ou são comidas por passarinhos. Para se manter um sítio tem que se contratar um caseiro, Segurança. Mas o caseiro termina sendo experto. E o dono do sitio sente-se lesado. No começo tudo é uma beleza. Convidam-se os amigos. Bebe-se muita cachaça. Tudo isso passa rápido. E me faz recordar um amigo meu que caiu nessa de comprar um sitio depois vendeu. Ele dizia.


Só tem dois dias felizes para o dono de um sitio: o dia que comprou e o dia em que vendeu. Vendi o meu. E se um dia tiver de voltar para o campo, voltarei para o campo santo ou para a cidade dos pés juntos, o que é tudo a mesma coisa.





o sertão

Desenho: Ciro de Uiaruna


O sertão areia em minha boca
Gosto amargo de fel no coração
Uma enxada na terra gleba pouca
E não é minha a minha plantação

O sertão é joelho no lajedo
E tirar o chapéu para o patrão
Não poder falar suor e medo
De encontrar barata no gibão

O sertão veredas no caminho
Por desvios de morte e  solidão
Uma agreste ferida de punhal

O sertão servil ser tão mesquinho
Já não posso aguentar esse surrão
Nas minhas costas vou pro litoral

(Geraldo Borges)




domingo, 15 de janeiro de 2017

Antigamente e hoje



(Geraldo Borges)


Antigamente eu sabia fazer uso de muitas coisas. Hoje não sei fazer uso de quase nada que está por aí, e representa o pós-moderno. Alcancei muita coisa do tempo de meus avós, que foram responsáveis pelo meu patrimônio cultura, a formação da minha personalidade.
A revolução tecnológica foi aos poucos mudando os nossos hábitos. E mexendo em nossa postura física e moral. No tempo de meus avós a gente defecava de cócoras, dentro de um buraco, em uma sentina, no fundo do quintal. Tomava banho de cuia tirando água de um tanque.
Hoje tomo banho quente ou frio dependendo da situação climática. Antigamente banhava no rio Poty ou Parnaíba sem medo da poluição. Hoje se quiser nadar terei de me associar a um clube ou fazer um passeio ao litoral, ou ir aos riachos do interior do Maranhão.
Antigamente quase todo mundo andava a pé, as cidades eram pequenas. O conjunto arquitetônico constituía-se de poucas ruas, uma igreja, uma praça, com um coreto, para a banda tocar, e casario de alvenaria, portas e janelas. Vizinhos bisbilhoteiros. Não existia imprensa. Tudo era perto. Todo mundo se conhecia. Os vizinhos eram como se fossem irmãos.
Hoje caminhar parece até que não é mais uma necessidade biológica. Virou apenas esporte. Tem tênis apropriado para tal ginástica recomendado pela NASA. Tudo está sob o comando da tecnologia. Quando a luz falta o homem faz uma viagem no túnel do tempo. Cai no reino da escuridão. E como fica alegre quando a luz elétrica volta. E como a luz de sua alma ressuscitasse. Fiat. A luz de vela é coisa para defuntos e pessoas romântica. Mas já teve outras serventias nas tarefas do cotidiano, serve ainda para encomendar almas de falecidos.
Na linguagem, patrimônio cultural que evidencia a singularidade de uma nação, muita coisa mudou aqui. Podemos dizer que as palavras também envelhecem, se aposentam no dicionário, e dão lugar no palco da vida para outros personagens. Isso faz me lembrar de meu avô, que se sentava à cabeceira da mesa; naquele tempo de antigamente existia essa hierarquia. Hoje o velho não sabe mais qual é seu lugar. Mas voltando ao velho, quer dizer ao meu avô. Ele tinha uma palavra, ou melhor, uma frase para excomungar os maus exemplos dos netos. Dizia casmurro: eu arrenego de tu moral. Ou então reclamava: na hora da mesa não se fala.
Hoje as nossas palavras perdem o fôlego e se entocam dentro dos dicionários, tímidas, com medo de concorrer com neologismo, anglicismo, galicismos. Ficaram opacas.  A sensação é que estamos perdendo o domínio de nossa língua, que ela está virando uma colcha de retalho. Com certeza não é mais o idioma de meus avós, uma linguagem muito mais rural que propriamente urbana. É isso memo. O processo e irreversível.
A tecnologia, o mundo pós-moderno vai criando uma nova paisagem para o seu espetáculo, com seus novos deuses que dão novos nomes as coisas. Inclusive um novo nome para nos mesmo, já que não somos mais simplesmente humanos. E precisamos de votos virtuais para um Feliz Ano Novo. E de muita tecnologia.