quinta-feira, 19 de março de 2009

O Piauinauta e Mandu Ladino


Numa dobra do tempo o Piauinauta invadiu a aldeia de índios na busca do seu passado. Mandu Ladino e Timbó atacam o Piauinauta com suas flechas por não reconhecerem o mameluco, filho de sua irmã, embaixo da roupa de astronauta. Tempos depois o colonizador branco exterminou os índios no Piauí. O Piauinauta é filho bastardo do colonizador branco com a índia da tribo dos Alongares ou das margens do Punaré, o grande rio dos Tapuias, rebatizado de Parnaiba por Domingos Jorge Velho, o caçador de índios...

Mandu Ladino

Edmar Oliveira

para Paulo Machado


Da última vez que estive no Piauí, aproveitei os dias mansos de chuva e saudades para me enfiar no passado de meus ancestrais. Me deparei com as quase quinhentas páginas do romance Mandu Ladino, de Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, edição do autor, mas já na segunda tiragem. Parece que o livro agradou aos conterrâneos. Desaguei na história em poucos dias e me deliciei numa leitura agradável. O moço tem o dom da escrita e pode-se dizer, já no seu primeiro livro, que estamos diante de um artífice do ofício das letras.
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Importante sabermos de quem se trata. O autor, um branco legítimo Castelo Branco da fina linhagem dos conquistadores, foi psiquiatra com formação na Espanha, professor e depois reitor da Universidade Federal do Piauí,Secretário de Saúde, carreira política esperada para a elite local, por fim presidente do Tribunal de Contas do Estado, e aposenta-se como escritor. Aqui a surpresa. O branco, alto e de feições européias, historia o herói índio na sua luta contra a opressão e a constituição histórica do nosso povo. Luta heróica e perdida como são as de todas as causas justas numa sociedade injusta.
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O romance começa na nascente colonização da nossa terra no século XVII. Personagens reais, como os matadores de índios Domingos Jorge Velho e Bernardo Aguiar estão nas páginas da ficção e da história. A colonização do Piauí, como um grande pasto para a criação do gado, dizimava o índio ou o escravizava matando sua cultura. As mulheres índias, escravas nos serviços domésticos e possuídas pelos brancos geraram a nossa gente mameluca, vaqueiros e meeiros, agregados à casa grande da fazenda. O único problema do romance, o que não se traduz em prejuízo ao leitor, é que a ficção se socorre da história e a história se faz ficção. A história de Aluhy, irmã de Mandu, e Miguel, filho de Bernardo, aos moldes índia com branco de José de Alencar, não se sustenta. A história não permite a ficção do bom nativo, e esse romance se perde no livro em função da saga de Mandu.
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Mandu, criança índia escravizada depois de uma matança rotineira, é entregue a um jesuíta para a conversão e cresce num aldeamento na Paraíba. Se torna Ladino pelo domínio dos idiomas brancos e gentios. Numa revolta, no aldeamento jesuíta, foge de volta as terras do rio Longá, em busca de sua origem, e é novamente escravizado. Em nova revolta lidera uma guerra de índios contra a dominação branca até ser abatido, como que representando o extermínio de todos os índios dos sertões do Piauí.
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O romance aguça a história: somos os mamelucos filhos das irmãs de Mandu Ladino violentadas pelo português. Somos os vaqueiros, os meeiros, os agregados das fazendas. Nós, os filhos das índias, somos os despossuídos dessa sociedade, na qual os nossos irmãos e o pai branco, na fazenda, são os nossos opressores e a elite dominante. Somos os filhos bastardos dessa elite e não reconhecidos como tais. A nossa mãe era usada por vários brancos para o não reconhecimento familiar. Essa é a história que se ergue das páginas do romance de Castelo Branco, ele próprio descendente de outro exterminador de índios, já no século dezoito, descrito como “El Matador”, num belo poema de H. Dobal.
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Nesta volta à Teresina mergulhei na minha história nas páginas de Mandu Ladino. E foi um branco da casa grande quem contou essa história, agora que um descendente de Mandu, o indiozinho ladino, com nome de Wellington, governa o Estado.
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Depois de ler o romance é que entendi que agora eles querem que nós lembremos que somos parentes. Mas eu sou piauiense por parte de mãe para que me lembre do extermínio dos meus ancestrais pelo povo do meu pai...

Orquestra Sinfônica de Teresina



O maestro Aurélio Mello rege a Orquestra Sinfônica de Teresina na reinauguração do Teatro 4 de Setembro. A peça executada é de autoria de Possidônio Queiróz, músico da Oeiras de antigamente. Clik e ouça. Divido com vocês a magnífica orquestra. (Deixe baixando, leia o blog e depois volte para ouvir)

Velhos no Parlamento




Geraldo Borges

Quando o corpo se abate ao peso dos anos, e as molas da máquina estão usadas, oblitera-se a inteligência, obscurece-se o espírito, delira a língua. Lucrécio.


Mesmo assim o pior da velhice não é o cidadão ficar velho, é envilecer, é não sair do palco na hora conveniente, com muita discrição, em busca de novas digressões . Podemos, biblicamente falando, alcançar a velhice a partir dos setenta anos, idade em que muitas nações concedem aposentadoria aos seus servidores.
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Por falar nisso os papas não se aposentam, seu cargo é vitalício. Eles ficam benzendo de sua janela no Vaticano por muito tempo. Estão cheios de graça. Os padres nas suas paróquias, dioceses, e em outros serviços da Igreja possivelmente aposentam-se aos setenta anos de idade. Não tenho certeza. Celebrar missa é dureza, o discurso é muito repetitivo, e o vinho vai ficando envinagrado... E, além disso, a Igreja precisa renovar os seus padres.
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De padres vamos saltar para políticos de carreira, velhas raposas. Aqueles que dizem a Nossa Casa, e jamais abrem a boca para dizer a Casa do Povo, e colocam fosso na entrada da Casa, com medo da plebe. Eles deviam se compenetrar, que, além de agentes políticos, são também agentes públicos. Mas não se satisfazem de mamar nas tetas da viúva, de participarem das politicagens e picaretagens. Envelheceram com este comportamento. E nem se dão conta que já deviam ter pedido o chapéu e saído do palco.
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Muitos deles estão tropeçando no tapete, gaguejando, falando com tremeliques. Não se convencem de sua decrepitude. De sua senilidade... Alguns borram o rosto e o cabelo com muita maquiagem; mas a pele não agüenta tinta. E logo se estorrica de novo.
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Fala-se muito em idoso, neste país tão jovem. A Câmara e o Senado está cheios de idosos. Pena que não sejam velhos sábios... Um velho político, que Deus o tenha, e perdoe nuas malvadezas, ficou no Senado até morrer. Tinha filho político. Agora tem neto. Nunca quis se aposentar. Era um velho turrão. A velhice parece que piora os nossos políticos, enquanto mais velhos mais finórios. O pior de tudo é ser um político velho e velhaco...
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Por que eles não se aposentam aos setenta anos de idade para não serem flagrado dormindo, babando, no plenário? Que miséria. Mas já se acostumaram. Pensam que estão na Casa deles. Se fossem velhos sábios pediriam o boné e deixariam o palco. Podiam até fazer um bonito discurso de despedida. Muita gente iria gostar e bater palmas, até soltar foguetes
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Muitos deles continuam ao lado dos filhos num contraste de gerações, velhas múmias da ditadura, que nada mudaram. Os filhos vão envelhecer imitando os pais. Velhos caciques da aristocracia rural. Jamais terão a coragem cívica para dizer: meu pai já chega, a sua hora chegou, sai daqui, pegue o seu pijama, sua preguiçosa, seu cachimbo, e descanse na varanda de seu castelo. O senhor já tem muita mordomia. Se o pai ouvisse este discurso, cairia na gargalhada. E diria, seja mais esperto, meu filho. Quando você ficar mais velho você vai entender melhor e fará tudo para nunca perder o seu mandato. Como é legal a volúpia do poder; se fosse possível sermos senador vitalício. deputado vitalício, ou biônico, como nos velhos tempos.
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Ilustração: Humberto para o Jornal do Commercio de Recife

Passar...


Ana Cecília Salis

Fiz viagem
Voei pro sul
E espiei Quintana
que se em bom tom exclama
Eles passarão!
Eu,
Caida de meu ninho
Reparo em minhas asas
De tão frágil...
Fico igual seu passarinho...


UM DIA UM GATO PASSEAVA POR WALL STRET





1000TON

Se bem o nosso brasileiro homem do povo pudesse ser fielmente representado, me vem logo à cabeça a figura de João Grilo, esse maravilhoso personagem criado por Ariano Suassuna , e quase ao mesmo tempo surge, coladinha com ele, a figura de Macunaíma... Em algumas reportagens Mestre Suassuna, quando solicitado a botar em cena o seu João, comparado-o com o “herói sem caráter” de Mário de Andrade, comenta que ardil não é sinônimo de trambique. Muito bem colocada, a propósito de definir melhor seu personagem é, a idéia de astúcia, poderosa arma, a qual Ariano já declarou ser própria da política e deveria ser usada pelos políticos honrados contra os seus colegas desonestos.
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Pois astúcia foi o que faltou a Jarbas Vasconcelos ao proferir o seu inflamado discurso moralista, lançando mão do já oportunista e desgastado expediente, escatologicamente falando, de jogar excremento no ventilador. Em se tratando do congresso nacional, sabe-se lá habitar seres já cronicamente excrementados. Moral da história: Jarbas saiu do plenário com as roupas emporcalhadas de fezes...
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Não que os nossos congressistas mereçam ser poupados da inclemência de discursos contundentes, desafiadores da transparência dos seus atos, mas Jarbas não é um desinfetante que se cheire.
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Pelo contrário, o odor de creolina inundou o ambiente quando a velha raposa oportunista começou a bradar vitupérios a esmo.
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O principal objetivo do indignado orador, muito longe de tentar moralizar o legislativo, era, em primeiro lugar, trazer o foco das atenções para si, num momento em que a voracidade incontida do PMDBosta dominava as barganhas tradicionais por cargos e posições de prestígio.
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Interessava-lhe, sim, no papel de capitão do mato Zé- serrista, arregimentar grande parte do podre partido da situação - naquele instante os seus seguidores estariam, então, ungidos pela pureza franciscana - para engrossar as fétidas brancaleônicas fileiras do PSDBunda, controladas pelo paulistano motoSerra, rumo à conquista do Planalto em 2010.
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Voltando agora as atenções para João Grilo, permito-me fazer uma alusão ao gato que ele queria vender, alegando ser o bichano um descomedor de dinheiro: “passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões”.
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Tratava-se apenas de um prosaico ardil, imaginado por um pobre homem nordestino, tentando sobreviver às agruras do seu dia a dia.
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Algum espertalhão, que não se sabe por que cargas d’água por ali passava, até porque água no árido nordeste é coisa rara, sorrateiramente presenciou aquela cena e percebeu ser o golpe de muita valia. Utilizou-o com grande sucesso e outros, e mais outros, e muitos outros sabidões, passaram também a explorar o esfíncter anal do gato alheio para ganhar muito dinheiro; daí por diante uma quantidade enorme de felinos foram sequestrados mundo afora.
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Dependendo da belezura do animal, da idade, do valor de cada moeda investida e da retro quantidade armazenada, o sucesso da empreitada poderia ser fantástico!
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Acontece que de tanto ser aplicada, ao mesmo tempo em que se espalhava por todo o planeta, a falcatrua acabou ficando fora de controle.
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Quem se sentia lesado tentava passar o gato pra frente, o mais rápido possível, mesmo perdendo algum dinheiro. Alguns se afeiçoavam ao bicho, alimentavam-no, criavam-no, cuidavam-no. Ao final de algum tempo, além do investimento na compra do animal, percebiam ter assumido despesas fora de controle e sentiam a necessidade de revendê-lo. No afã de obter alguma vantagem, os donos dos cofregatos acabavam depositando nos intestinos do pobre animal uma quantidade excessiva de moedas. O resultado do entupimento monetário da vítima levava-a ao inevitável sacrifício.
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A coisa foi ficando cada vez mais fora de controle e culminou com a criação de gatos produzidos secretamente em laboratórios clandestinos. A grande novidade desenvolvida pelos veterinário-econômico-cientistas revolucionou o comércio felino-descomedor de valores.
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Baseados na anatomia do aparelho digestivo dos seres ruminantes, os denomonados felinonovos receberam um estômago extra, ligado diretamente ao intestino reto do bichano. Pode-se imaginar o grande sucesso do bem bolado enxerto anatômico: a capacidade de armazenamento de valores quase que quintuplicou, tornando os gatos naturais completamente obsoletos. Os saqueadores, comerciantes, criadores e atravessadores desses animais passaram a ser conhecidos pela alcunha de gatunos, espalhando-se com incrível velocidade pelo mundo afora.
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Passado algum tempo, com o intuito de organizar e fiscalizar toda essa esbórnia financeira, causada não só pela comercialização e criação de felinos descomedores de valores, como também pelo contrabando cada vez mais intenso desses animais, foi então criado o F M I AU.
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Concomitantemente estabeleceu-se que, em virtude da diversidade das moedas transacionadas, os negócios deveriam ser, dali por diante, concretizados exclusivamente num imenso e poderoso templo financeiro denominado MI WALL STREET.

Guimarães Rosa

Geraldo Borges



Atravessei o espelho do rio
E fui parar na terceira margem
Num mergulho num arrepio
Que transfigurou minha imagem

Lá encontrei Guimarães Rosa
Pescando em uma canoa
Na sua conversa toda prosa
Disse que eu andava à toa.

E o que eu estava encantado
Entre a cabeceira e a foz
Das águas do Riobaldo.

E a única saída para mim
Era sertão veredas e empós
Apresentou – me a Diadorim.

CASO QUEIRAS

Keula Araújo


Meus mistérios
Não são os vis mistérios
Que possam vir a perturbar
Teu orgulho

Meus mistérios
São os rios profundos
De seres e pensares
De quereres

são estares
onde entras se quiseres

A DESCOBERTA DA POESIA



Cinéas Santos


O lugar onde nasci não poderia ser menos poético: chapadão infestado de cupinzeiros e socas de alho-bravo, situado num ponto equidistante entre o nunca e o nada. Não bastasse isso, ostentava o mimoso nome de Lagoa dos Tubis. Dona Purcina, que acreditava no poder transmudador das palavras, decidiu rebatizar a gleba com o nome de Campo Formoso. Com sua vocação de matriarca sertaneja, atraiu parentes, aderentes, agregados e afins. Em pouco tempo, o lugar tornou-se habitável. Ainda assim, ali faltava quase tudo, principalmente água potável, livros e palavras. O nosso universo vocabular era de uma indigência gritante, ou melhor, emudecente (perdoem o neologismo). Um exemplo: o xingamento mais tenebroso que conhecíamos era infeliz. Quando se pretendia reduzir alguém a nada, bastava xingá-lo de “infeliz sem sorte”. A razão parecerá risível: simplesmente desconhecíamos o vocábulo feliz. A despeito disso, como no poema “Vício na Fala”, de Oswald de Andrade, em que diziam “teiados”, mas construíam telhados, sem conhecermos a palavra feliz, às vezes, éramos visitados pela felicidade...
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À noite, nos meses de estio, sentávamos na calçada da casa grande para debulhar milho, feijão, ou simplesmente prosear um pouco, “gozando a fresca da noite”. Para animar a conversa, os mais velhos contavam histórias tenebrosas. Os personagens eram sempre lobisomens, mulas-sem-cabeça, caiporas, etc. Não era propósito deles assustar as crianças; era só pobreza de repertório. Aterrorizados, os meninos encharcávamos as redes puídas. E a noite era um percutir de cascos, uivos lancinantes, um nunca-amanhecer...
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Numa daquelas noitadas, a tia mais nova, que se chama Odete, resolveu cantar uma história fabulosa: a de um turco corajoso que, nas asas de um pavão misterioso, raptou a filha de um conde rico e soberbo nos longes da Grécia. Repetindo Bandeira, tive, naquele momento, o meu primeiro alumbramento. Experimentei uma sensação indescritível que, só muito mais tarde, fiquei sabendo tratar-se da emoção estética. Naquela noite a poesia entrou em minha vida e alojou-se para sempre no meu coração. Mal aprendi a gaguejar as palavras, atirei-me à leitura dos folhetos (que chamávamos “romanços”) com voracidade dos sem-nada. Mais tarde, no “Ginásio Dom Inocêncio” descobri, num livrinho da Aída Costa, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac e até um cidadão com um nome estranho: Alphonsus de Guimaraens que, com sua louca Ismália, me fazia chorar. Os poemas eram poucos, a solução era ler e reler até decorá-los.
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Muito tempo depois, já em Teresina, numa antologia organizada por Walter Wey, li o “Poema de Sete Faces”, do Drummond. Uma revelação: descobri que a poesia podia libertar-se da jaula da metrificação sem cair no prosaísmo. Com o tempo vieram os outros, principalmente Bandeira e Quintana, os mais amados. Dia desses, encontrei um poema confessional de João Cabral (algo raro), denominado “Descoberta da Literatura”.Nele, Cabral afirma ter descoberto a poesia justamente nos folhetos de cordel, que lia para os trabalhadores do engenho da família. A partir da leitura das “letras analfabetas”, João Cabral tornou-se um dos maiores poetas da literatura brasileira. Quanto a mim, imprestável para o fazer poético, contentei-me em ser leitor, editor e, principalmente, camelô dos bons poemas dos outros. Isso me basta. Quintana tem razão: “A poesia é a invenção da verdade”.

O Encontro

Graça Vilhena


vinha pelo beco
ia pela vida
seco de solidão
de repente encontrou-se
na mulher perdida

enigma

João Carvalho



há minutos
permaneço inerte:
o tempo desliza
entre os dedos

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poeta de Oeiras

Resenha: JOHN FANTE TRABALHA NO ESQUIMÓ OU A DOR QUE NÃO IMPEDE O SONHO


Luíz Horácio

John Fante trabalha no esquimó é um livro violento, quase feroz, afronta a indiferença, tão comum em nossos dias novelescos e “biguibrodianos”, seus contos retratam experiências nunca dissociadas do homem. Sejam elas cruéis, sejam elas oníricas. A dor não impede o sonho. É isso o livro de Mariel, sonho. O sonho que não queremos que chegue ao seu final e o pesadelo rotineiro de quem, por exemplo, vive na rua e cuja vida está por uma garrafa de álcool e um pau de fósforo. Estimado leitor, o cenário das histórias não é nada colorido, a trilha sonora não inspira amor, paixão, tampouco compaixão; mas o autor não se ocupa apenas em passear por esses escombros humanos, Mariel os apresenta como denúncia, não se trata apenas do esfacelamento da dignidade carioca, mas da que se alastra por qualquer parte onde se possa encontrar, em convívio permanente, uma centena de seres humanos. Estará instituída a degradação, a burla, a opressão, a seguir virá o ato da segregação e na cena final se dará o crime, assassinato, roubo, estupro. Triste é saber que esse espetáculo jamais sairá de cartaz.
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O sonho que Mariel encerra nas 76 páginas de John Fante trabalha no esquimó é um sonho barulhento, tem sempre alguém sobre o fio da navalha, alguém que será vitimado pela afiada e inevitável lâmina;o homem que salta do ônibus, marcado para morrer, evita o som do revólver do matador , opta pelo som do corpo batendo na estrada. A gorda implorando para poder comprar companhia, o barulho das bolinhas de papel arremessadas pelo homem que vendia futuros ou o som de um homem sendo torturado.
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Importante ressaltar que Mariel, feito poucos, consegue harmonizar o literário com o não literário, sua escrita assim como seus personagens, busca equilíbrio sobre um fio de arame farpado, lá em, baixo o abismo incandescentes. Sobrevive a coragem, a ousadia, os pontos vulneráveis, sim, eles existem, é a fragilidade que exige coragem caso você não saiba; e talvez o maior deles seja exatamente essa proximidade do real. E a realidade nem sempre é uma caricia, no mais das vezes, quer nas ruas, quer na literatura, é pura agressividade. Com precisão e sensibilidade de quem observa a vida com inconformismo, Mariel criou uma mistura instigante, soube cativar o leitor, combinou ingredientes estranhos , o resultado não é doce, tampouco chega a ser acido ou azedo, no entanto, não evita o incômodo, a náusea por sermos tão parecidos com certos personagens de Mariel, este ácido flaneur carioca.
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Sugiro, atento leitor, que você examine algumas fotos do midiático e oportunista Sebastião Salgado e depois leia John Fante trabalha no esquimó. A forma inversa também será aceita, não alterará o produto. A certeza do equívoco da máxima tosca que diz uma imagem valer mais que mil palavras. Feita essa experiência você saberá a diferença exata entre sensibilidade beirando a ingenuidade e oportunismo vislumbrando cifras. Altas cifras.

Mariel sua obra são pura honestidade e denúncia de nossa precariedade.
Seus contos ora são narrados na primeira pessoa, ora na terceira, a variação não implica em perda de intensidade, em John Fante trabalha no esquimó , o leitor observa uma fotografia do Rio de Janeiro, mas o autor evita os cartões postais, não são obras humanas; o que interessa, a matéria prima dos contos de Mariel é o homem, suas atrocidades, a barbárie envernizada, e uma dose mínima de ilusão .
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Recomeda-se bater os ingredientes, servir em copo alto e sorver com o canudo da ironia, aspecto presente de forma sutil na maioria dos contos de Mariel. A abertura com Todos os homens são iguais onde o ator Charlton Eston, interpela o presidente de uma organização, protesta contra o espancamento de um homem negro. Em determinado momento o ator recheia seus argumentos apoderando-se de um rifle. Cabe dizer que o ator, o real, é um dos mais fortes defensores do porte de arma aos americanos.
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“Atiraria em homens como aquele com um rifle deste tipo? Só porque desejam justiça, que sejam tratados como iguais e não como gado.”
O auto-ironia também está presente no conto Orfandade onde o fazer literário é despido de qualquer traço de um suposto glamour. “Quanto ao futuro e a tal unidade de que ele me perguntava, eu disse não me preocupar muito sobre isso, porque todas as coisas ao final falam de uma mesma observação, insistem em se escrever sob formas diferentes, às vezes frágeis, então descartadas, outras, fortes, aí aproveitadas mais na frente em uma idéia que a comporte em seu bojo.”
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Antes de encerrar peço sua permissão, paciente leitor, nós, críticos, resenhistas nunca deixamos de ser ranhetas, e mesmo frente a obras contundentes, de extrema relevância, como este livro de Mariel, conseguimos encontrar problemas e não conseguimos desprezá-luz, mesmo que quase insignificantes, como no caso. Acontece que tais problemas podem vir a contaminar uma obra e por vezes infesta de modo a não permitir cura, uma promissora carreira. Tais problemas ocorrem nos contos Jonas, a baleia e em Por mil demônios. Nesses momentos o autor abandona o cenário por onde se movimenta com elegância e conhecimento e envereda por terras avessas ao seu projeto estético. O fantástico tornou os contos pueris. A baleia de Mariel remete ao inseto kafkiano, com prejuízo para o autor carioca, o demônio, por sua vez, repousava sobre um ombro e carregava em seu ombro um homúnculo, essa duplicidade do inesperado diluiu o impacto, tornou o conto circular. Mas, como alertei, isso também pode ser encarado como ranhetice de critico. Desconsidere se preferir, generoso leitor.
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Aspecto bastante louvável é a coragem de Mariel ao remar contra a corrente do personalismo, do individualismo ou da variação romantismo edulcorado e sexo. John Fante trabalha no esquimó traz abordagens políticas, sociológicas, antropológicas, é quixotesco, não é pejorativo não, apressado leitor, tem a ver com a obra máxima Dom Quixote e é baudelairiano, em sua poesia cortante e no passeio critico pela cidade.
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Mariel não foi nada modesto. Conseguiu dar cor à realidade e a solidão que ela encerra. Sorte nossa, privilegiado leitor.

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Luíz Horácio
Jornalista, escritor, autor dos romances Perciliana e o pássaro com alma de cão, ed.Conex.2006 e Nenhum pássaro no céu, ed. Fábrica de Leitura, 2008. Professor de Literatura, mestrando em Letras

Mimosos Gêmeos


Juarez Montenegro


Mimosos gêmeos, hirtos, eriçados,
eréteis quais bambus envaidecidos,
escondem-se na blusa, contornados
pela fôrma sedosa dos tecidos.


O decote flutua pelos lados,
alçando-se ao vento... Embevecidos
olhares, penetrantes, transportados,
deslizam, orla acima confluídos.

Vez em quando as aragens teimam fortes,
estremecendo às cúpulas serenas,
ultrapassando os pícaros consortes.

Mãos cuidadosas, ó! se os ventos domas,
bem farias expondo, a duras penas,
a desnudez de tão formosas pomas!

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Juarez bilaquiano de novo...

Sentença Inusitada

Esta aconteceu em Minas Gerais (Carmo da Cachoeira). O juiz Ronaldo Tovani, 31 anos, substituto da comarca de Varginha, ex-promotor de justiça, concedeu liberdade provisória a um sujeito preso em flagrante por ter furtado duas galinhas e ter perguntado ao delegado: "desde quando furto é crime neste Brasil de bandidos? "


O magistrado lavrou então sua sentença em versos:




No dia cinco de outubro
Do ano ainda fluente
Em Carmo da Cachoeira
Terra de boa gente
Ocorreu um fato inédito
Que me deixou descontente.

O jovem Alceu da Costa
Conhecido por 'Rolinha'
Aproveitando a madrugada
Resolveu sair da linha
Subtraindo de outrem
Duas saborosas galinhas.


Apanhando um saco plástico
Que ali mesmo encontrou
O agente muito esperto
Escondeu o que furtou
Deixando o local do crime
Da maneira como entrou.


O senhor Gabriel Osório
Homem de muito tato
Notando que havia sido
A vítima do grave ato
Procurou a autoridade
Para relatar-lhe o fato.


Ante a notícia do crime
A polícia diligente
Tomou as dores de Osório
E formou seu contingente
Um cabo e dois soldados
E quem sabe até um tenente.


Assim é que o aparato
Da Polícia Militar
Atendendo a ordem expressa
Do Delegado titular
Não pensou em outra coisa
Senão em capturar.


E depois de algum trabalho
O larápio foi encontrado
Num bar foi capturado
Não esboçou reação
Sendo conduzido então
À frente do Delegado.


Perguntado pelo furto
Que havia cometido
Respondeu Alceu da Costa
Bastante extrovertido
Desde quando furto é crime
Neste Brasil de bandidos?


Ante tão forte argumento
Calou-se o delegado
Mas por dever do seu cargo
O flagrante foi lavrado
Recolhendo à cadeia
Aquele pobre coitado.


E hoje passado um mês
De ocorrida a prisão
Chega-me às mãos o inquérito
Que me parte o coração
Solto ou deixo preso
Esse mísero ladrão?


Soltá-lo é decisão
Que a nossa lei refuta
Pois todos sabem que a lei
É prá pobre, preto e puta...
Por isso peço a Deus
Que norteie minha conduta.


É muito justa a lição
Do pai destas Alterosas.
Não deve ficar na prisão
Quem furtou duas penosas,
Se lá também não estão presos
Pessoas bem mais charmosas.


Afinal não é tão grave
Aquilo que Alceu fez
Pois nunca foi do governo
Nem seqüestrou o Martinez
E muito menos do gás
Participou alguma vez.


Desta forma é que concedo
A esse homem da simplória
Com base no CPP
Liberdade provisória
Para que volte para casa
E passe a viver na glória.


Se virar homem honesto
E sair dessa sua trilha
Permaneça em Cachoeira
Ao lado de sua família
Devendo, se ao contrário,
Mudar-se para Brasília!!!



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Garimpado da internet por Henrique Lira

viagem

Edmar Oliveira


a poesia espanta
quando o dizer é na aldeia

mas coloque a aldeia no planeta
que o espanto da poesia
encanta o mundo

e o poeta se espanta
quando seus versos não são compreendidos por e
a quem dedica
o dobrar dos sinos


mas o eco dos sinos da aldeia
se ouve lá ao longe...

sexta-feira, 6 de março de 2009

O Piauinauta na Nave-Mãe


O Piauinauta foi à Teresina. Voltou à Nave-mãe no Carnaval. E acompanhou o cara de cabeça branca, Cinéas Santos, organizar um domingo no Encontro dos Rios com uma homenagem a H. Dobal. Poesia e música de primeira qualidade em praça pública. Na foto o Piauinauta acompanha uma música na bela voz de Luiza Miranda. É o povo na nave-mãe na praça.

Depois foi a reinauguração do Teatro 4 de Setembro, um dos símbolos da cidade. E assistiu extasiado uma apresentação da Orquestra Sinfônica da Cidade ao comando do maestro Aurélio Melo (de camisa branca e suspensório). Magnífica.

Assaí Campelo foi saudado pelo Governador como um dos responsáveis pela reinauguração do Teatro. Merece o Assaí. Aí o Piauinauta sobrevoando o Palácio de Karnak, sede do governo onde se instalou um descendente de Mandu Ladino. Depois falo do Mandu.

E nas suas andanças na Nave-Mãe, o Piauinauta visitou a Igreja São Benedito. Como esta edição foi preparada no Piauí, o bairrismo (já grande) aumentou. Então é uma edição na Nave-Mãe do Sertão para depois ser colocada no espaço sideral. Sai na sexta, porque na Nave-Mãe ontem é hoje...

Oração


Edmar Oliveira

Da missa, um terço
Da reza, um quarto de promessas entre lençóis

Das dores, amargo remédio
Do coração, segredos

Nos guardados, a tua presença e o meu desejo
______________
desenho: Paulo Moura

Ainda na Nave-Mãe


O Piauinauta no Encontro das Águas

Bonitinho e Juliano no "Conciliábulo", onde são reunidos os Demônios de Teresina

Caras de Teresina


com Cícero Manoel do espaço Cultural São Francisco


Com a poetisa Graça Vilhena, no Encontro dos Rios

Quarteto Fantástico


Desculpem-me os que não são da terra. Mas estando na nave mãe, o Piauinauta, numa dobra do tempo, foi até os arquivos implacáveis de Assaí Campelo e revela essa preciosidade: Francisco Alves Araújo, o popular Chicão; o impagável, legítimo e único Capitão Tomáz; Nonato Medeiros, que enlouquecido virava o Renatinho; e Arnaldo Albuquerque, mestre do super-8. Andava o quarteto pelas ruas de Monsenhor Gil numa tarde dos mil e novecentos e setenta...

Cena Familiar


Graça Vilhena




o avô e a avó tossem
o pai viajou
a mãe talvez volte

o menino alheio ao perigo

brinca à sombra do relógio

BULEMIA




Fátima Vanutti


Bateu fome dos meus medos.

Segunda-feira:

Inicio a dieta de mim mesma

AS JANGADAS E OS BARQUINHOS DE PAPEL JORNAL


1000TON

As nossas jangadas foram filmadas pelo grande Orson Welles em 1942. A fúria do mar e as aparentemente frágeis embarcações deixaram o cineasta americano tão embasbacado, quanto ficou com o Rio de Janeiro, ao conhecer suas belezas naturais e tomar contato com o real cheiro de povo.
Bebendo cachaça com Grande Otelo reviveu os grandes porres de Zé Carioca com o Donald Duck.
Afinal os três personagens: o palmípede, o “malandro brasileiro” e o cineasta vieram pra cá em missão diplomática, digo “enrabática”, Ah! esses ianques com sua política de boa vizinhança, sempre cuidando com carinho do seu quintal... Acontece que contrariando seus compatriotas, Mr. Welles, que não é bobo nem nada, pulou fora da jangada, digo, do barco, e começou a filmar cenas da nossa It’s all True realidade, nua e crua.
Filmou, filmou, e toneladas de acetato seguiram para os EUA. Só que, nem o governo getulista, muito menos os produtores e big shots de lá, não gostaram nada do copião: além da própria película, o conteúdo dos quilômetros de película, era altamente inflamável. Ali não estava retratado apenas o-barquinho-vai-e-a-tardinha-cai, e, sim, algo que estava muito mais para o-morro-não-tem-vez-e-o-que-ele-fez-já-foi-demais.
O papagaio brasileiro e o pato americano eram gaiatos personagens de desenho, animados pelo samba rumba, bonecos criados pela fantasia hollydisneywoodiana, porém, meu chapa, tudo aquilo que Welles filmou não era fictício não, ERA TUDO VERDADE mesmo.
Como também é verdade, e não é mera coincidência, que aqui como lá, miliardários donos de poderosos veículos de comunicação apóiam governantes teleguiados por eles.
Falo da semelhança entre a figura de William Randolph Hearst, retratado em Cidadão Kane e o nosso mafioso patife Roberto Marinho.


O fato é que as folhas dos grandes jornais daqui da terrinha só servem mesmo para, além da higiene pessoal e intransferível(é somente folhear, e usar!), serem utilizadas para a confecção de vários artefatos, como, por exemplo, barquinhos, gaivotas, chapéus de soldado, etc, conforme a conveniência dos nossos safados políticos que almejam o Trono do Alvorada, senão vejamos:
O motoSerra construiu três barquinhos de papel, com folhas da Veja, do Estadão e da propriamente dita Folha para navegar pelas águas fétidas do Tietê, fazendo sua propaganda política, rio esse que em doze anos de governo demo-tucano, não foi em nada despoluído.
O Aécio Never vai fazer um barquinho com as folhas do Estado de Minas, nos estaleiros das emissoras mineiras, braços da Globo. Navegará pelo ribeirão Arrudas, o qual em quase dez anos de seu governo, continua transbordando com qualquer chuvinha, pra ver se chega mais rápido que o paulista a Brasília. O governador mineiro também construirá inúmeras gaivotas de papel para utilizá-las no seu constante vai e vem Rio-BH.
Em matéria de esquadra o PMDBosta leva uma grande vantagem, por possuir uma imensa frota de barquinhos de papel. Isso porque, de acordo com os ventos soprantes, a esquadra do partido vai ficar repartida em sub-sub esquadras, cada uma delas acompanhando o candidato mais forte, de qualquer outra agremiação, que lhe ofereça um porto seguro, digo, um pacotão de grana seguro.
Ah! mas vocês dois, motoSerra e Aécio Never não sabem da incrível previsão NOSTRADÂMICA que junta o nordeste dos currais dos velhos coronéis e a história do poderoso Citizen Kane que dominava a norteamérica.
Reparem bem na numerologia ou, melhor, na nomerologia dos fatos: ROSEbud e ROSEana!
Tremei! Prestem a máxima atenção! Estamos diante de uma premonição que pode mudar completamente os destinos de Pindorama!
Abram alas pra ROSE, ela vem sedenta de sangue! Digo, de grana das gautamas e odebretches da vida. O Serra vai pagar muito caro, mas muito caro mesmo, porque denunciou a filhota do Sarney com a mão na botija, digo na bufunfa, e o Aecinho, coitadinho, vai ser inexoravelmente atropelado.
A poderosa ROSE pode vir de vice da Dilma e fazer uma dobradinha infernal e.......................
Peraí, vice é o escambau! Vííxxe! Ela vai querer a rapadura todinha! Sim, os astros não mentem jamais! ROSE declarará, numa entrevista monstro:
“Ela que venha de vice, o papai vai colocar todos os jornais, revistas, rádios, TVs, repetidoras, tudo o que ele ganhou desde a época da Ditadura, do governo dele mesmo, do Collor, do FHC, das dobradinhas com ACM, tudo a meu serviço, e eu quero ver quem vai encarar! E tem mais: plástica por plástica eu já fiz muito mais do que ela e estou muito mais bombante, estão sabendo?” Resta saber se o Lula, apesar de estar sentado nos píncaros das pesquisas e todo cagado de lama pelos respingos dos seus aliados, não vai deslizar, ladeira abaixo, sentado no trenozinho ROSEBUD, depois que souber da novidade...

Poema sobre o nada


Caros
O que segue abaixo é um troço meio monstruoso, sobre a inutilidade de tudo, do princípio ao fim. É vômito, dilaceramento pós um período muito ruim e complicado. O tema é a falta de. Desde o título: a ação (verbo nadar) compõe fraseado anagramático para redundar na não-ação. As referências são todas pra personagens, obras e criadores que tangenciaram os limites do fracasso, dentre os quais Deus, cuja lenda monoteísta condiz com a criação do primeiro homem da mitologia judaica. As remissões mais evidentes estão pra Mário Peixoto, cujo processo de piração e radical isolamento refere-se a essa constante busca pela exclusão. Envio a vocês porque de certa forma viveram isso comigo, em parte ou aos pedaços. Não há incongruência com o período pré-carnavalesco: a alegoria também é uma forma de negação.
Dervas




Adam nada no danado nada

Aderval Borges



profissão, não tem
intenção também não
como tal se mantém
contido
por ensejos
ou sem

assim
estando ou não
a serviço das mamães
para fazer nenéns
ou nem isso
como o gato siamesmo da Ágata de Muse
acidaúrica irmã de Urick
raspa das barbadas do barbatus bruto
que deu uma filha a Nero
outra a Tácito, a terceira a Suetônio
todas tão fluentes
abdutoras dos sanados senhores do Senado
nas obscuras noitadas
coisas atrás de casos

o autor atormentado
insubstantivo diáfano
deforma a memória
perquire símbolos
esculhamba Silius
se preciso
toma-a pelos pulsos
num impulso
os membros desmembrados
para revelar o que há de inútil
em cada um

homens sem qualidades
houve muitos
por todo tempo e espaço
no mormaço, sem ofício
à beira do precipício
sobras e sombras em profusão
(é a isso o que chamam obra?!)
sem estigmas nem requintes
os vultos assoberbados
desmentem o estereótipo dos bardos
em busca de louvores:
de porta em porta
não obtêm sequer favores

vamos a ela, a obra:
é limitada a compreensão
desta que prima pela qualidade
em busca da precisão
(técnica)
suas contradições são tantas
que nem condiz com as danças
de salão
infame definição:
canta sem encanto
para encontro entre tantos
até que cessem os excessos
das ceias
tetateantes teias
sob o teto da ostentação
resistirá ao tempo
estendendo malhas
que compensem a falta de entendimento?
espana o espanto
numa cruzada
sem cabimento
não obstante o desterro
receberá ao menos
enterro
quando já não houver tempo?
braços e punhos lado a lado
para não se desgarrar do destino trágico
– seu real sortimento
leitor, dê a ela ao menos uma olhadela
uma só
de esgueio
é tudo o que precisa
para não morrer de tédio
(sem recheio)
não carecerá das mazelas
dos mecenas
cenas de outras cenas
não recomendadas
claro!
lhe é própria a falta de juízo
barco à deriva
o percurso jamais concluído
seus mistérios
pela tormenta engolidos
tempestades de figuras
ao fim de tudo
a criatura
num perfil sem face
que se desfaz
ante o fulgor das expressões mais sonsas
criadas para fartos infartados
que se deixam oprimir pelas próprias fissuras
nascera natural e, como tal, abusou da compostura
vencida pelo desprezo de incautas criaturas
ápera, justa, debilidade jamais vista
expectorante erva, maná da mente, dada e revidada
aroma cultivado
o sentido por um triz
é tudo o que resta
dessa mera atriz
repleta de máculas e cicatrizes

por ora, de toda obra que se preze
e valha a pena ser deveras
se espera algo
produzida nos limites
(finitos)
em alguns momentos chamam-na clássica
noutros, crassa
idiotice
abusada por lacunas várias
se vê em ruptura
por falta de ajustes
até que
sem autor nem nome
torne-se efêmera representante
desse clã em chão silencioso
reconhecido
apenas pelos que dele estão ciosos
ondas nela batem e a lançam às rochas
jaz como uma mulher
sobraçada a uma tábua
que, por falta nexo, naufraga
e ao vasto museu do inconsciente regressa
chaveia o passado ao desmembrar-se
os sentidos pregressos são evasivos
abole a leitura da esquerda para a direita
de cima para baixo
lateja como o foco de uma lanterna frágil
para não iluminar
nem ser vista

a tu, inominável deleitor, restarão os corpos
não o meu, o seu, o nosso sal – o que mais? – nem sei
quer um conselho?
conselho não se dá:
oponha-se a uma única ocupação
desocupe espaço
pelo menos
mexa-se!
de um lado ao outro
sereno
cruze esquinas em desrespeito aos sinais
até ser atropelado por ocorrências tais
para as quais não há desculpa
o que mais?
toda acuidade é imprópria
habilite-se a isso
embora possa ser este
o caminho calminho
para os que querem as coisas mais simples
por primária demasia
ou complexas compulsões
para sacramentar utopias por falta de nexo
expanda-se indevidamente
jogue-se de encontro aos desafios
(por definição)
não busque ser previsível
quando sentir fome
farte-se com uma fodinha imodesta nos fast foods de fácil acolhimento
mas não requente os sinais
reponha as energias
no calvário em convulsão
a cada explosão
tente doar o novo
com tentáculos-polvo
tinturas dissimuladas
sem limitações
não invente o pinto para consolo
nem tente mover o ovo
de volta ao cu que acabou de pô-lo
não reaja aos empecilhos
não se faça de indevido
para ser devidamente piolho
não se dê por vencido
como esses folgados
que só conhecem a euforia
do fácil atrevimento
erga estruturas
à altura do invento
depois jogue-as
no vazio
ao vento

o poeta-não pode ser sem merecer
obras difíceis não dão prazer
resultam de idéias, experimentos
sempre à procura de leis inerentes
as possibilidades as excitam
as facilidades as entediam
ao serem autorizadas pelo meio autor
fazem com que o poeta-não perca autoridade
quanto mais as exibe, mais se exime
nesse haver em vão
tenta delimitar a repetição
mas ao amar o mar deixa de navegar
sua lide é abolida
toda grandeza passa a ter o peso do proselitismo
faz para ser capaz de se desfazer após
e varrer o pó das velhas convicções
resta a musa problema
esquiva às vassalagens
e aos prelúndios primaveris
não requer liberdade
– a prisão é seu aprendizado
vive sempre esgotada
de sua efervescência urge
uma energia que a ninguém convence
quando exposta
volta-se aos opostos
como o cândido de Voltaire
insinuante fiorde de Nievski
do qual todo idiota é cúmplice
sob uma crise de asma
ri do próprio sarcasmo

caríssimo autor
quando estiveres aceito
não te levarão a sério
tuas virtudes e defeitos terão voltagens de baixo ampère
não encantarás
e nem te acatarão como artista
quem como tu
construiu nos limites
do não-ser
não terá mais interesse de dizer
que fez
o que não estava para ser dito
para ti será adventício
dos amadores sem exigência
profundos nesse mister dos homens sem função
que em nada creem por princípio

construa teus alicerces
sem ser escravo dos resultados
não guarde lembranças
das lambanças aqui gestadas
tenha sentimentos orgânicos
aprecie as delícias aliciadas
só mergulhe ao fundo em busca das pérolas defeituosas
veja ela, a natureza, que bela bosta!
não ofereça acórdãos nem acordes
cante, corte, cate o que estiver à solta
agarre-se ao fio dessa meada
mas não trabalhe por honorários
jamais compute os versos no Imposto de Renda
nem consolide-os como coisas à venda
esconda-os numa fenda
sem direitos adquiridos
entregue-se, pois
ao que já não faz falta
nem pense se vale a pena
render-se ao pecúlio, jamais!
sem ser do lar, reserve o culhão à senhora sensação
inverta rótulos e receitas
por ora, formule suas próprias drogas
quase sem fazer caso
plante no cascalho as sementes da desfeita
e cultive, de graça
os novos frutos da desgraça

aqui se encerra este poema sem lemas
uma não-obra cuja estréia está predestinada
a ser sabotada na véspera
em despeito pelo que não representa
o autor, a quem ninguém quer por companhia
é um piadista cujo senso de humor só é capaz de provocar pavor
nos limites da terra e do mar
o inútil como tal se realiza
na maré baixa
entre sargaços
alma e esquisitice
sem soluços e pieguice
pela memória de Salustre
Adam nada no danado nada

TRESIDELA 2

Durvalino Couto
a Edmar Oliveira, de novo


A vida não é como o vento
A vida não é como a chuva
A vida é um relâmpago

Um trovão

Mas não passa pro Maranhão

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Em seu livro "Caçadores de Prosódias", Durvalino Couto me dedica o poema Tresidela. Nesta minha passagem na nave mãe ganho este outro...

Resenha: MINÚSCULOS ASSASSINATOS E ALGUNS COPOS DE LEITE



Luiz Horácio




Parece mentira, mas não é difícil encontrar quem coloque a literatura na estante das coisas sublimes. Daí para definir que só pode merecer o título de escritor aquele ser que escreve nas madrugadas em companhia de álcool e fumo, é um passo; ou um parágrafo. O tal escritor tem que, acima de tudo, demonstrar que sofre, se acrescentar humor em seu texto não merecerá crédito. Será mais um metido a engraçadinho. E literatura, segundo a crescente horda que ainda pensa desse modo, não é cenário para humor. Pois bem, diante disso não é de espantar o preconceito com escritores oriundos dos blogs, afinal de contas esse pessoal costuma esbanjar bom humor.
Também não vou negar que, fruto dos blogs ou não, 99% do que é publicado não vale nada.
Dito isso vamos ao que de fato interessa, o livro de Fal Azevedo - minúsculos assassinatos e alguns copos de leite - convém lembrar que a autora mantém um dos mais visitados blogs. Como diria minha filha, preconceituoso leitor, "nada a ver." Nada a ver no que diz respeito a ser bom ou não, mas tudo a ver no que concerne à prática da escrita. Não importa onde "neguinho" pratique, se no blog, no papel, ou na areia do mar,mas preconceito está sempre na ordem do dia e narizes se torcerão ao saber que uma grande editora, a Rocco,apostou no talento da Fal. Ficha catalográfica:indicação editorial e preparação de originais Anna Buarque. Não sei se a Rocco quis lavar as mãos transferindo a responsabilidade ou se foi tamanha a certeza na qualidade que levou Anna a assumir essa aposta. Seja lá o que isso signifique parabéns ao olho "mágico" de Anna Buarque.
É isso mesmo, o livro é surpreendente, de fácil leitura, sem que isso signifique superficialidade, muito pelo contrário, o conteúdo é corrosivo, e pasme, você novamente preconceituoso leitor, conduz à reflexão. Esse é um dos tópicos a se avaliar a boa literatura, se conduz ou não à reflexão.
Alma, 44 anos, artista plástica, é a narradora de minúsculos assassinatos e alguns copos de leite; esbanja sensibilidade e humor para tratar, acima de tudo, da morte. A morte além de uma presença; uma tentação. E essa relação da palavra com a morte é um dos aspectos mais valiosos nesse livro de Fal Azevedo. Alma perde a irmã, o pai,o padrasto, a filha, porém mais importante e significativo que a morte é o período seguinte, aquele que nos faz ansiar por uma volta no tempo. Ouça Alma, paciente leitor: "Quando minha filha nasceu , eu não gostava dela. Eu tinha 32 anos e não gostava de ninguém. Ela era feia e enrugada e chorava. Deus, como ela chorava. Eu não sabia o que fazer com ela nem como fazê-la parar de chorar. Eu não sabia como amá-la. Eu não a queria no meu colo.

Filha enterrada,novamente Alma com a palavra: "Se eu fui uma boa mãe? Eu fui a mãe que pude ser, que soube ser, não a que ela merecia, como todas c as mães que conheço,quer elas admitam ou não.Não fiz o suficiente.Nunca. Eu poderia tê-la beijado mais,sido mais paciente, acordado mais cedo, lido mais histórias e brincado mais de casinha. Eu deveria ter sorrido mais e dado mais colo, ao invés de ter as minhas ressacas mal-humoradas todas as manhãs. Era minha obrigação fazer daquela menina uma menina feliz,Era minha obrigação fazer seu mundo mais seguro. E eu falhei."

O que nos resta após um sepultamento? No mais das vezes, a culpa.
Morte e culpa, convenhamos, não são ingredientes dos mais festivos. Não estivessem sob o talento de Fal Azevedo o produto na certa traria o perfume da amargura.
Alma é torturada pelas lembranças e a dualidade romanticonaturalista se faz notar ante as reflexões da narradora que deixa transparecer estar ciente de que a visão do ser humano há de ser sempre uma visão da crise. Sabe também que tanto causa como efeito de todas as tragédias dependem da ação do homem. E a lâmina dessa certeza fustiga Alma do inicio ao fim de minúsculos assassinatos e alguns copos de leite.

A obra de Fal Azevedo permite refletir sobre variado conjunto de temas, estes vão do literário até o político;da valorização sensível e critica das coisas de um modo geral até uma consciência delicada e complexa a respeito da condição humana, constantemente a mercê da paixão.
Densa, bem humorada, tensa e sombria, sem que isso signifique depressiva, a narrativa de Fal Azevedo. A leitura de minúsculos assassinatos e alguns copos de leite é um passeio em noite de lua cheia com alguns relâmpagos, como os que seguem, onde pensamento e prosa se unem e beiram o aforismo.
"Meu pai se sentia tão desprotegido quanto um lobo sozinho. Freud teria adorado a família toda, isso sim."
"Vi o bebê no berçário, tive uma crise de choro, e disse que não queria morar com ela."
"Chorei até esquecer por que eu chorava.E daí, comecei a chorar de novo."
"Um dia eu vou fazer sentido."
"Os bárbaros não queriam destruir Roma, meu Deus do céu. Eles queriam ser romanos. E isso muda tudo."



Fal ouviu Pound: "sugerir o máximo dizendo o mínimo."
Impossível o leitor não se deixar invadir pela tristeza, uma tristeza de história em quadrinhos, uma tristeza inevitável, mas que na página seguinte poderá se transformar, não arrisco em alegria, mas em mansidão sem dúvida. A tristeza que Fal apresenta ao leitor não é de assustar, é nossa tristeza do dia a dia, a inevitável, desde que não se trate de um idiota ou quem sabe um débil mental.
Não se percebe o onírico na narrativa de Fal, mas a denúncia, a fantasia, a inquietação, as turbulências advindas do risco de tentar combater as situações comuns do nosso dia a dia. Fal Azevedo afronta o senso comum, se exige o riso, não tolera o riso excessivo nessa nossa interminável morte que é o viver.
É isso, agora vou pesquisar blogs.

DAS RECUSAS JUATIFICÁVEIS

Cinéas Santos


O Garrinha que, com a inesquecível Nicinha, formou um belo par em antigos carnavais de Teresina, lançou, este ano, o bloco carnavalesco “Ô Povo Feio!” e me fez o honroso convite para o papel de abre-alas. Declinei da honraria pelas razões que se seguem:

I – Como explicar aos demais feiosos de Teresina que a escolha se deu por méritos meus e não por injunção do alcaide Sílvio Mendes? Efrén Ribeiro, Heráclito Fortes e Chico Miguel de Moura, para citar apenas três, poderiam sentir-se discriminados, o que não é aceitável.

II - Uma artrose renitente inutilizou-me o joelho esquerdo, privando-me de alguns prazeres da vida: jogar futebol, dançar e cavalgar. No futebol, minha maior frustração foi não ter feito o cruzamento adequado para o cabeceio certeiro do nosso glorioso Sima. Na dança, fiquei devendo a uma amiga amada um tango caliente em ambiente adequado. Quanto às cavalgadas, deixa pra lá, que posso falar besteira...

III – A terceira razão é de ordem puramente sentimental. Adolescente, desobedecendo à recomendação expressa do meu confessor, um espanhol franquista que afirmava ser o carnaval “o portal do inferno”, juntei-me a quatro companheiros do meu tope e fundamos o bloco “Otários do Ritmo”. O título não poderia ser mais apropriado. Com as caras sujas de carvão, caímos na folia. Por essa época, eu andava perdidamente apaixonado (encegueirado, diria dona Purcina) por uma fulaninha, réplica piorada da Capitu. Fantasiada de odalisca, a lambisgoia ditava o ritmo do cordão das meninas. As coisas caminhavam mais ou menos bem, até que pintou no pedaço um sararazinho sestroso, enxerido e chegador, que me deu um canto de carroceria e adonou-se da Odalisca. Pierrô desconsolado, voltei para casa com a cara lambuzado de carvão, suor e lágrimas, Perdi definitivamente o tesão pelo carnaval. Um triste consolo: o tal sararazinho, uma semana depois de me fazer aquela desfeita, soverteu. Nunca mais se ouviu falar dele. Posso provar, contudo, que não tive nada a ver com o isso. Deus é mais!

Entre outras coisas, o que mais me aborrece no carnaval é a obrigação de estar ou parecer “alegre”, uma espécie de felicidade compulsória da qual me sinto excluído. Todo mundo sabe que aqueles sorrisos foram cuidadosamente ensaiados e se destinam às lentes dos fotógrafos de plantão. Para não de ter de cantarolar sozinho: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com minha dor”, fico no meu canto, na companhia de amigos silenciosos: Machado, Graciliano, Borges, Drummond, Quintana...

O carnaval, como o futebol, tornou-se um grande negócio: atrai turista, gera empregos, rende divisas, etc. Funciona também como vitrine onde se exibem atrizes famosas, velhotas repaginadas, arrivistas, novos ricos e simples penetras. Quanto ao povão, longe dos desfiles de luxo, assiste a tudo na telinha da Globo. Que ninguém me venha dizer que agora, por força do cargo que ocupo, sou obrigado a desfilar em carro alegórico ou a ocupar camarote de luxo entre os bem-nascidos. Estou velho demais para reiniciar a carreira de folião. Quanto ao cargo, parafraseando Dobal, eu diria: o poder é somente uma dessas coisas que vêm e que vão. Bom carnaval para quem curte.

______________

O Piaunauta passou o carnaval em Teresina. Esse artigo o Garrincha me mandou para colocar uma briga dele com o Cinéas. Como esta edição é local, de dentro da Nave-Mãe, publico e explico. Acontece que o Garrincha, com sua irreverência peculiar, tentou fazer um bloco de carnaval que intitulou "Ô Povo Feio" e convidou vários famosas caras de Teresina para participar. Cinéas respondeu. Só não fui porque o bloco não saiu... Desculpem os da periferia da minha Teresina...

Recado de poeta

Recebido do poeta Climério Ferreira e publicado por merecimento:


ed,

a poeta Cristina Bastos escreveu os versos abaixo:


INTENSIDADE

Breve
foi a água despencando

cara de eternidade

o intenso
tem essa mania

pode durar
menos de um dia

mas fica
colado na paisagem



não é uma maravilha ter uma amiga assim?
climério

A ética, a plática e a dissimulação

Paulo José Cunha*

O príncipe não precisa ter de fato todas as qualidades imaginadas pelas pessoas, mas deve se esforçar ao máximo para parecer tê-las. Deve disfarçar bem sua natureza mais animal (a raposice, por exemplo) e ser um grande simulador e dissimulador.

Maquiavel sabia das coisas. Imune à ética, trabalhava no limite da realidade política, abstraindo qualquer traço de idealismo. Para ele, a sociedade precisa ser examinada com base nos fatos inerentes à natureza humana, à prática humana, sem considerar defeitos ou virtudes. O que importa é o fim. A ética que se dane. E assim consagrou o vale-tudo do método político.

Na civilização da imagem e do som, a sociedade foi adestrada para a convivência bovina com a dissimulação. Um condicionamento sedimentado tão bem que sobre ele não se levantam questionamentos. É assim porque é assim, porque sempre foi assim, e assim deve continuar a ser. A percepção do mundo passou a advir do audiovisual – do que se vê e do que se ouve. E a realidade objetiva? Bah, que canseira esse papo de realidade objetiva. Num projeto de resultados, importa é a imagem projetada, produzida e distribuída para o atingimento de determinada finalidade. O voto, por exemplo. Com o advento das campanhas eletrônicas, ele é dado muito mais à forma do que ao conteúdo. E ponto final.

A lei Ricupero (“O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”), fixada em 94 quando estourou o escândalo da parabólica, é a tradução tupiniquim mais precisa das lições de Maquiavel. Neste limite opera o marketing político, inclusive em períodos não eleitorais. É socialmente aceito em todas as democracias que o candidato exponha suas qualidades e omita seus defeitos. Jamais, numa campanha eleitoral, ver-se-á candidato ostentando honestidade e ao mesmo tempo revelando ter dado cheque sem fundos. Ou seja: não revelar pode. O limite vai até aí. Passar dele é ingressar no território da anti-ética política. Que nem soco abaixo da linha de cintura em luta de boxe.

Em dois episódios recentes a arte da dissimulação para fins políticos raspou perigosamente a trave da anti-ética. O primeiro foi a plástica de dona Dilma. Como toda plástica recente, repuxou um pouco o rosto da ministra, mas rejuvenesceu-a no mínimo uns dez anos. Nada contra as cirurgias plásticas. Atendem à vaidade feminina. Funcionam como uma maquiagem, digamos, um pouco mais radical. Embelezam as mulheres. Tornam o mundo um lugar melhor pra se viver. Mas quando a plástica é feita com finalidade política, como foi o caso, a finalidade de fazer alguém passar-se pelo que não é, comete-se um pecado não capitulado nas tábuas de Moisés – o pecado da dissimulação. E olha que dona Dilma nem precisava disso. É uma candidata e tanto, cheia de méritos, coberta de realizações, o diabo. Cada ruga que carregava no rosto testemunhava um pedaço de sua rica trajetória. Rugas? No más. Na ditadura midiática da juventude a qualquer preço, importante é ser, e se não der pra ser, pelo menos parecer jovem. Dona Dilma preferiu parecer.

Da mesma forma a fotomontagem dos prefeitos no encontro organizado pela Confederação Nacional dos Municípios. Esbaldaram-se deixando-se fotografar entre “bonecos” de Dilma e Lula, como se estivessem ao vivo com os dois. Tal como a plástica de dona Dilma, a fotomontagem em si mesma não tem mal nenhum. É engraçada, eu mesmo já fiz várias, posando de Lampião, de Chacrinha, de James Bond. Só de folia. Passa a ter algum mal quando seu uso carrega finalidade eleitoreira, como revelou um dos prefeitos, com a foto na mão: “Vou mostrar aos meus eleitores. Traz um pouco de credibilidade porque é a candidata do presidente e amanhã, se for eleita, pra gente é bom”. Vi uma dessas fotos. A montagem é grosseira. Mas para populações pouco esclarecidas pode mesmo passar por foto real, insinuando um flagrante do prefeito na intimidade do presidente e da candidata à sua sucessão.

O príncipe, como ensinava pragmaticamente o florentino, não precisa ter as qualidades imaginadas pelas pessoas, mas deve se esforçar ao máximo para parecer tê-las. Querer passar-se por jovem para iludir o eleitor, ou iludi-lo duplamente fingindo intimidade inexistente com os poderosos da hora (inclusive com quem estica o rosto para passar-se por jovem), vai na contramão da origem etimológica da palavra candidato. Ela vem do latim candidatus, isto é, vestido de branco, a cor que simboliza a pureza, com tudo o que tal simbolismo possa ter de politicamente incorreto atualmente. Só pra refrescar a memória dos mais jovens, pureza, um dia, já foi condição para alguém se candidatar a cargo público. Eu juro.

Se ainda não chegamos ao cinismo de aceitar qualquer ação como parte do vale-tudo eleitoral, alguém aí pisou na bola. E a pureza? Cala a boca, menino, que isto não é hora pra inconveniências!
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*Paulo José Cunha é professor e jornalista

Caras de Teressina 2


Maioba

Moiséis

Poetas João Carvalho, Graça Vilhena e Willian

Alencar, Ruth e Assaí Campelo

Assaí Campelo e Kenard Kruel

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desculpem mas o Blog hoje tá muito familiar. São os habitantes da Nave-Mãe que nem todo mundo conhece