Cinéas Santos
O Garrinha que, com a inesquecível Nicinha, formou um belo par em antigos carnavais de Teresina, lançou, este ano, o bloco carnavalesco “Ô Povo Feio!” e me fez o honroso convite para o papel de abre-alas. Declinei da honraria pelas razões que se seguem:
I – Como explicar aos demais feiosos de Teresina que a escolha se deu por méritos meus e não por injunção do alcaide Sílvio Mendes? Efrén Ribeiro, Heráclito Fortes e Chico Miguel de Moura, para citar apenas três, poderiam sentir-se discriminados, o que não é aceitável.
II - Uma artrose renitente inutilizou-me o joelho esquerdo, privando-me de alguns prazeres da vida: jogar futebol, dançar e cavalgar. No futebol, minha maior frustração foi não ter feito o cruzamento adequado para o cabeceio certeiro do nosso glorioso Sima. Na dança, fiquei devendo a uma amiga amada um tango caliente em ambiente adequado. Quanto às cavalgadas, deixa pra lá, que posso falar besteira...
III – A terceira razão é de ordem puramente sentimental. Adolescente, desobedecendo à recomendação expressa do meu confessor, um espanhol franquista que afirmava ser o carnaval “o portal do inferno”, juntei-me a quatro companheiros do meu tope e fundamos o bloco “Otários do Ritmo”. O título não poderia ser mais apropriado. Com as caras sujas de carvão, caímos na folia. Por essa época, eu andava perdidamente apaixonado (encegueirado, diria dona Purcina) por uma fulaninha, réplica piorada da Capitu. Fantasiada de odalisca, a lambisgoia ditava o ritmo do cordão das meninas. As coisas caminhavam mais ou menos bem, até que pintou no pedaço um sararazinho sestroso, enxerido e chegador, que me deu um canto de carroceria e adonou-se da Odalisca. Pierrô desconsolado, voltei para casa com a cara lambuzado de carvão, suor e lágrimas, Perdi definitivamente o tesão pelo carnaval. Um triste consolo: o tal sararazinho, uma semana depois de me fazer aquela desfeita, soverteu. Nunca mais se ouviu falar dele. Posso provar, contudo, que não tive nada a ver com o isso. Deus é mais!
Entre outras coisas, o que mais me aborrece no carnaval é a obrigação de estar ou parecer “alegre”, uma espécie de felicidade compulsória da qual me sinto excluído. Todo mundo sabe que aqueles sorrisos foram cuidadosamente ensaiados e se destinam às lentes dos fotógrafos de plantão. Para não de ter de cantarolar sozinho: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com minha dor”, fico no meu canto, na companhia de amigos silenciosos: Machado, Graciliano, Borges, Drummond, Quintana...
O carnaval, como o futebol, tornou-se um grande negócio: atrai turista, gera empregos, rende divisas, etc. Funciona também como vitrine onde se exibem atrizes famosas, velhotas repaginadas, arrivistas, novos ricos e simples penetras. Quanto ao povão, longe dos desfiles de luxo, assiste a tudo na telinha da Globo. Que ninguém me venha dizer que agora, por força do cargo que ocupo, sou obrigado a desfilar em carro alegórico ou a ocupar camarote de luxo entre os bem-nascidos. Estou velho demais para reiniciar a carreira de folião. Quanto ao cargo, parafraseando Dobal, eu diria: o poder é somente uma dessas coisas que vêm e que vão. Bom carnaval para quem curte.
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O Piaunauta passou o carnaval em Teresina. Esse artigo o Garrincha me mandou para colocar uma briga dele com o Cinéas. Como esta edição é local, de dentro da Nave-Mãe, publico e explico. Acontece que o Garrincha, com sua irreverência peculiar, tentou fazer um bloco de carnaval que intitulou "Ô Povo Feio" e convidou vários famosas caras de Teresina para participar. Cinéas respondeu. Só não fui porque o bloco não saiu... Desculpem os da periferia da minha Teresina...
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