quinta-feira, 19 de março de 2009

Mandu Ladino

Edmar Oliveira

para Paulo Machado


Da última vez que estive no Piauí, aproveitei os dias mansos de chuva e saudades para me enfiar no passado de meus ancestrais. Me deparei com as quase quinhentas páginas do romance Mandu Ladino, de Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, edição do autor, mas já na segunda tiragem. Parece que o livro agradou aos conterrâneos. Desaguei na história em poucos dias e me deliciei numa leitura agradável. O moço tem o dom da escrita e pode-se dizer, já no seu primeiro livro, que estamos diante de um artífice do ofício das letras.
.
Importante sabermos de quem se trata. O autor, um branco legítimo Castelo Branco da fina linhagem dos conquistadores, foi psiquiatra com formação na Espanha, professor e depois reitor da Universidade Federal do Piauí,Secretário de Saúde, carreira política esperada para a elite local, por fim presidente do Tribunal de Contas do Estado, e aposenta-se como escritor. Aqui a surpresa. O branco, alto e de feições européias, historia o herói índio na sua luta contra a opressão e a constituição histórica do nosso povo. Luta heróica e perdida como são as de todas as causas justas numa sociedade injusta.
.
O romance começa na nascente colonização da nossa terra no século XVII. Personagens reais, como os matadores de índios Domingos Jorge Velho e Bernardo Aguiar estão nas páginas da ficção e da história. A colonização do Piauí, como um grande pasto para a criação do gado, dizimava o índio ou o escravizava matando sua cultura. As mulheres índias, escravas nos serviços domésticos e possuídas pelos brancos geraram a nossa gente mameluca, vaqueiros e meeiros, agregados à casa grande da fazenda. O único problema do romance, o que não se traduz em prejuízo ao leitor, é que a ficção se socorre da história e a história se faz ficção. A história de Aluhy, irmã de Mandu, e Miguel, filho de Bernardo, aos moldes índia com branco de José de Alencar, não se sustenta. A história não permite a ficção do bom nativo, e esse romance se perde no livro em função da saga de Mandu.
.
Mandu, criança índia escravizada depois de uma matança rotineira, é entregue a um jesuíta para a conversão e cresce num aldeamento na Paraíba. Se torna Ladino pelo domínio dos idiomas brancos e gentios. Numa revolta, no aldeamento jesuíta, foge de volta as terras do rio Longá, em busca de sua origem, e é novamente escravizado. Em nova revolta lidera uma guerra de índios contra a dominação branca até ser abatido, como que representando o extermínio de todos os índios dos sertões do Piauí.
.
O romance aguça a história: somos os mamelucos filhos das irmãs de Mandu Ladino violentadas pelo português. Somos os vaqueiros, os meeiros, os agregados das fazendas. Nós, os filhos das índias, somos os despossuídos dessa sociedade, na qual os nossos irmãos e o pai branco, na fazenda, são os nossos opressores e a elite dominante. Somos os filhos bastardos dessa elite e não reconhecidos como tais. A nossa mãe era usada por vários brancos para o não reconhecimento familiar. Essa é a história que se ergue das páginas do romance de Castelo Branco, ele próprio descendente de outro exterminador de índios, já no século dezoito, descrito como “El Matador”, num belo poema de H. Dobal.
.
Nesta volta à Teresina mergulhei na minha história nas páginas de Mandu Ladino. E foi um branco da casa grande quem contou essa história, agora que um descendente de Mandu, o indiozinho ladino, com nome de Wellington, governa o Estado.
.
Depois de ler o romance é que entendi que agora eles querem que nós lembremos que somos parentes. Mas eu sou piauiense por parte de mãe para que me lembre do extermínio dos meus ancestrais pelo povo do meu pai...

2 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto,como piauense longe da terra a identificação é instantanea.Parabéns Edmarl.

Clotilde Tavares disse...

Vi um comentário sobre esse personagem numa palestra do escritor Leandro Cardoso e fiquei curiosa. Como amo história colonial nordestina comprarei o livro. Parabens pelo comentário