quinta-feira, 17 de abril de 2008

piauinauta



Nestes tempos de enchentes, quando os dois rios revoltados se derramam, o Piauinauta foi visto no céu, acima da imagem do Cabeça de Cuia, que, ainda desta vez, não vai conseguir comer as sete virgens. Foi impedido pela força das águas...

OS NOVOS PECADOS

Edmar Oliveira




Desde minhas primeiras aulas de catecismo, quando catequizar era um assunto sério de primeira importância, ficava encasquetado com os pecados chamados “veniais”. Pecados veniais, derivados do termo jurídico, eram pecados dignos de vênia ou perdoáveis, mas mesmo assim um pecado, que nos diminuía aos olhos de Deus. A minha preocupação de então era a transformação de quantidade em qualidade. Alguém me disse, e estes dizeres da igreja são terríveis, que vários pecados veniais podiam virar um “mortal”. Pecado mortal, ao contrário do venial, não tem perdão. Quantos dos pequenos valiam um grande? Essa era meu tormento, mesmo porque os veniais podiam ser cometidos a todo o momento. Inveja, cobiça e preguiça, quem não tropeçava neles todo dia? Orgulho, ira e gula, vez por outra não nos aconteciam? Luxúria eu não sabia bem o que era, mas imaginava ser um pouco de sacanagem. E desejar a mulher do próximo já não era um “mortal”? Tava aí o perigo da mutação...

Com o esmaecer de minha fé os pecados veniais sumiram na poeira do tempo. E alguns dos mortais ficaram sem qualquer importância quando a pós-modernidade premia o individualismo muito acima da fé na humanidade. Eis que a igreja católica tenta uma atualização dos Pecados Capitais, agora conhecidos como Pecados Contemporâneos.

Quando conheci a nova lista lembrei dos meus temores passados no tempo do catecismo. Mas tenho certeza que ficaria muito mais tranqüilo do que fui nos meus medos da fé. Posso ter cometido uma “Poluição Ambiental” qualquer, mas não da importância de um pecado. “Manipulação Genética” parece um pecado reservado aos cientistas. “Acúmulo de Riqueza Excessiva” é um pecado permitido para muito poucos em nossa desigualdade social. “Violação de Direitos Fundamentais da Natureza Humana” está na lista de pecados dos que foram adeptos da ditadura militar de triste memória ou dos policiais e bandidos de agora. “Infligir Pobreza” e “Experimentos Moralmente Questionáveis” me parecem pecados que só podem ser cometidos pelos políticos e que acontecem mais facilmente em Brasília. Portando, agora que já não sou mais católico, acho que a Igreja acertou na culpabilização de quem de direito.


E eu sempre estou num momento errado para enfrentar a realidade. Quando tinha medo do inferno ficava preocupado com os antigos Pecados Capitais. Pena que hoje não acredito mais no inferno. Pois seria bom ver no fogo eterno os que cometem os pecados contemporâneos, os quais não ameaçam minha existência...

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ILUSTRAÇÃO: "Anjo Distraído" de Paulo Moura

Poesia na Pedra


Paulo José Cunha




Mesmo que os cacos dos versos
escorram pelas sarjetas
sempre há quem os recolha
para plantar novamente
(toda poesia é semente)


Marretadas não abolem
uma verdade maior:
versos nunca viram pó
versos sempre viram pólem
Com meu abraço a todos.


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Teve uma imbecilidade em Brasilia de derrubarem Pedras de Poesias na cidade. Eram pedaços de concretos em pontos de ônibus, abandonados, onde poetas poetaram. Um administrador não gostou. PJ foi solidário ao concreto derramado...

THERESINA

Geraldo Borges


Theresina. Chapada do Corisco. Por enquanto um passeio por tuas ruínas, cortes trilhos vias férreas trem na linha uma parada na estação esplanada um encontro em uma antiga esquina velhos tempos assombração para - raios trovões poty velho cadeia velha catanã cabeça de cuia morro do querozene morro do urubu morro da jurubeba cajueiro barrocão pacatuba memorare, matadouro maria sapatão maria xerém manuel avião ou manelão cinema poeira jaime doido nicinha pedro cabeção geraldo come gente bibelô não se pode porca do dente de ouro braguinha vermelha do laurindo piçarra casa amarela rua paissandu quitadinha clube dos diários footing na praça pedro segundo gelado no mercado velho na banca de seu paulirio rosa do banco rio parnaíba casa dos sete tabacos estrada do gado cruzeiro seu caçula sua garapeira padeiro de madruagada. leiteiro com seu leite batisado.burro jumento caroça galinha caipira beiju de tapioca água de pote em caneco de alumínio areado mata- mosquito com bandeira amarela na porta campo de aviação feira de amostra ilhota catarina matinha mafuá maria tijubina palmerinha estrela glória beco do alberoni maria da inglaterraa vapor gaiola fiação baixa da égua palha de arroz tabuleta alto da moderação capelinha de palha.lucaia. ônibus da macaúba tá na boca gregório pirajá santa rosa pipira sabiá banana passada em quibane para secar zezé leão bar imperaial teresina cajuina por enquanto tens outra arquitetura novas paisagens e outros personagens de teu nome tiraram o H que era mudo mas me fez cantar.

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Geraldo, Borges Eremita em Pantanal, declara amor por ter-te Teresina...

1000ton



Ainda no Palácio deTabriz, no Irã...

MUDAMOS TODOS?

Edmar Oliveira

Num belo soneto, que fazia também muito bem, Machado de Assis se pergunta se mudaria o natal ou mudou ele, visto as transformações ocorridas no tempo. E esta dúvida machadiana nos assalta quase diariamente na revelação da realidade na pós-modernidade. Não só no natal, mas em todos os outros dias os acontecimentos não ocorrem como esperados no passado. E na avalanche de recortes o século XXI parece não ter nos acontecimentos da história pregressa o respaldo e suporte da sua compreensão. Não quero aqui fazer nenhuma reflexão filosófica para entender os acontecimentos de agora, embora goste da leitura dos autores que tentam a explicação dos fenômenos pós-modernos. Deixo a estes autores a tarefa para a qual não estou preparado. Mas não tenho vergonha de exibir a minha santa ignorância com a perplexidade do que me parecem paradoxos.



Senão vejamos. Perseguimos correndo (às vezes da polícia) a solidariedade, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, ideais da Grande Revolução do século XVIII, para nos encontramos neste início do século XXI com o individualismo, o consumismo, a competição numa guerra ruidosa. Batalha onde o “eu” deve ser o melhor; derrotar os adversários (todos em volta), o objetivo; chegar ao topo, o prêmio maior. Mudaria o natal ou mudei eu? Bem inda agorinha, ali no século passado, na mesa de bar não tinha lugar para discutir o BBB. O Big Brother discutido era o do Orwell, que previa para 1984 uma deformação dos que queriam mudar o mundo pelo socialismo. Pior, no capitalismo de último tipo o Grande Irmão é a mídia que domina as massas. Massa hipnotizada que admira o grande herói da individualidade. Herói que pisa nos demais para ser o solitário vencedor. Vencedor que só ganha quando derrota todos os outros. Outros que babam de inveja do vencedor.


E se o vencedor é solitário não precisa do julgamento ético. Não há pra quem prestar satisfação. Os que foram derrotados saúdam o vencedor e invejam, ao mesmo tempo, estar neste lugar. Não é assim que pode ser explicada a luta da multidão para conseguir um lugar no leilão dos despojos de Juan Carlos Abadia? Vejam bem: um vencedor, sem nenhuma ética, traficante de drogas, conseguiu um milhão de dólares em bens materiais. Com sua prisão estes bens foram a leilão. Aparelhos eletrodomésticos, sapatos, roupas, inclusive cuecas do traficante foram disputados por uma multidão indomável que parecia brigar por ingressos para uma final de campeonato. O jogo em cena não seria a disputa de um legado do herói das massas? Como um pedaço de roupa ou do capacete de Airton Senna? Herói imolado, legião sem rumo. Mudaria a ética.


E nós, que tanto festejamos a Grande Marcha chinesa, somos pegos agora tentando apagar a tocha olímpica dos jogos de Pequim em solidariedade ao Tibete? Mudamos todos?

Arnaldo Albuquerque






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Arnaldo Albuquerque, o gênio da câmera Super8 da década de 70, publicou pela Editora Corisco, apadrinhado por Cinéas Santos, a primeira revista de quadrinhos do Piauí. Chamava-se "Humor Sangrento" e corria o ano de 1977. Após 30 anos ela foi republicada, agora revista com desenhos e quadrinhos publicados na Revista Presença e Cadernos de Teresina. Peço desculpas pela reprodução que perdeu qualidade sendo feita a partir de uma câmara digital. Hara kiri, onde um "buda" comete o suicídio japonês em ritual de uma cesariana, é fenomenal. Coisa que Arnaldo sempre foi...

DAS VEZES EM QUE SALVEI CRISTO

Cinéas Santos





No final do milênio passado, convidaram-me para ministrar um curso numa cidadezinha perdida no sertão do Piauí. Terra pobre, gente simples, mas extremamente hospitaleira. Não sei se por carência de um hotel decente ou por excesso de generosidade, hospedaram-me na Casa Paroquial, deferência só concedida aos “do andar de cima”. O padre era um típico pároco do sertão: rotundo, comilão, bonachão, ostentando na carantonha bovina o resignado ar dos mansos. Tinha alguma sensibilidade cultural e gostava dos temas ligados ao folclore. À noite, depois do jantar, digo, depois da ceia digna de um bispo em desobriga, fomos para a biblioteca prosear um pouco. Falamos de Leonardo Motta, Câmara Cascudo, Fontes Ibiapina. Conversa de compadres velhos.

Talvez pelos excessos da ceia, dormi mal e acordei cedo. Levantei-me e fui vistoriar o quintal da Casa Paroquial. Entre as fruteiras, havia um autêntico umbuzeiro do sertão: atarracado, tortuoso, com galharia impenetrável. Lembrei-me daquela descrição antológica de Euclides da Cunha. Naquele umbuzeiro empoleiravam-se as galinhas para dormir. De repente, me dei conta de algo insólito no chão: era a imagem de um Cristo crucificado, ou melhor, o que restara dela. Na verdade, faltavam-lhe as duas pernas, um dos braços e a mão direita. Não bastassem tantas mutilações, a imagem estava recoberta de titica de galinha. Experimentei uma sensação estranha, misto de piedade e indignação. Eu sabia que era apenas uma imagem de gesso, dessas que se compram a preço de banana em fim de feira. Mas aquela imagem, com certeza, fora benta. Diante dela, centenas de fiéis persignaram-se, desnudaram-se, confessaram-se arrependidos de suas culpas e, naturalmente, imploraram pela salvação de suas almas. Era, portanto, uma imagem impregnada do que há de mais humano em nós. Transumana, se me permitem o termo. Agachei-me e, com alguma dificuldade, consegui resgatá-la. Enrolei-a num jornal velho e levei-a para os meus aposentos. Na hora do café, pedi ao velho pároco que me desse aquele Jesus mutilado. Ele me olhou com uma pontinha de desconfiança e perguntou: - Pra que você quer isso? Expliquei-lhe que sou vidrado em coisas antigas e que pretendia restaurá-la. O padre, que não era nada bobo, propôs o seguinte: - Deixa isso aí e te dou uma novinha, trazida de Roma, benta por Sua Santidade. Declinei da oferta e, para comover o vigário, recitei o belo poema “Gesso”, de Manuel Bandeira, que termina assim: “Hoje esse gessozinho comercial/É tocante e vive, e me faz refletir/ Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu”. O padre acabou aquiescendo, e o Cristo mutilado e obrado veio comigo. Guardei-o em casa. Com o tempo, esqueci-me da sua existência. Como qualquer cristão relapso, só me lembro de Cristo nos momentos de agrura.

No domingo passado, mandei limpar o quarto das inutilidades e eis que a imagem de Cristo, recoberta de poeira e pátina, veio à tona. A cidadã que limpava os trastes me perguntou: - Posso jogar isso no lixo? Antes de dizer não, perguntei-lhe: - Por quê? Sem rodeios, respondeu-me: - Isso me incomoda. Foi aí que me dei conta de que Cristo, mesmo reduzido a escombros, continua incomodando, ou seja, continua vivo. Resolvi guardá-lo num sarcófago improvisado. Como sou um pecador inconverso, mas honesto, confesso que não agi desinteressadamente. O raciocínio é simples: por duas vezes, em menos de dez anos, salvei aquele Cristo do lixo. Se Ele é, como rezam as Escrituras, todo compaixão e amor, há de me salvar pelo menos uma veizinha. Espero e confio.

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Mestre Cinéas no Purgatório. Pego da "Oficina da Palavra" ali embaixo...

EXILIO E LITERATURA

Geraldo Borges


Geralmente os exilados sentem-se estranhos no ninho, principalmente logo que chegam ao seu novo meio. Levam tempo para se adaptar, conhecer pessoas do seu mesmo estado, da sua mesma cidade, fazer amigos, ser considerado. O exilado não esquece a sua terra, mesmo que em certas circunstâncias ela lhe tenha negado o pão. Ninguém esquece a terra onde passou a infância porque a infância é a descoberta do mundo. A fase da vida em que descobrimos os nossos fantasmas, o nosso lobo mal e nos reconciliamos com ele.


Mas o exílio tem as suas vantagens, como toda moeda, com a sua cara e coroa. Ele nos coloca em relação com a criatividade literária. A vantagem do exílio é o distanciamento e a nova visão do que deixamos para trás. Dificilmente percebemos com intensidade o que está muito perto de nossos olhos.

Gonçalves Dias que se auto exilou a procura de saúde ficou famoso com o seu poema a Canção do Exílio. Minha terra tem palmeira onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Seu poema é tão famosos que alguns de seus versos fazem parte do hino nacional. Poderia oferecer outros exemplos de autores brasileiros, no exílio. Mas, por enquanto, me abstenho, já que o próprio leitor ilustrado pode se lembrar de alguns, se quiser, principalmente se ele também tiver passado pela experiência do exílio.

Por falar em Gonçalves Dias, exilado por questão de saúde, me lembrei de Thomas Mann autor da Montanha Mágica, este romance é feito de personagens que se exilaram em um sanatório na Suíça para se tratar de tuberculose. O próprio autor passou muito tempo exilado. Nos EUA fugindo da perseguição nazista.

Manuel Bandeira, como Gonçalves Dias, também foi um exilado por força da saúde. Em 1913 esteve se tratando em um sanatório de Clavadel, perto de Davos Platz, Suíça. Ali ele escreveu o seu primeiro livro de poesia – Poesias Melancólicas. Onde, com certeza, expressa a saudade de sua terra. Ao deixar o sanatório esqueceu os originais. Tentou refazer o livro depois. Mas não o conseguiu integralmente. O poema Alumbramento data desta época,. O poeta diz: Eu vi o mar/ Lírios de espumas/Vinham desabrochar à flor/ Da água que o vento desapruma... Em 1914 o poeta retorna para o Brasil.

Jorge Amado, por exemplo, esteve muito tempo no leste europeu. e de lá deve ter visto melhor a Bahia e os seus personagens. Outros escritores estiveram exilados por força de seu próprio trabalho, diplomata, Murilo Mendes passou a sua vida quase toda na Itália, e também escreveu a sua Canção do Exílio. Um fragmento.

(.. Eu morro sufocado
Em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
Nossas frutas mais gostosas
Mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
E ouvir uma sabia com certidão de idade.

Clarice Lispector, por força de seu casamento com um diplomata, viveu no exílio. Os exemplos são muitos. Mas como eu já falei. O leitor vá atrás dos exemplos para que tenha o prazer de se sentir um colaborador da crônica. O poeta Ferreira Gullart esteve exilado por motivos políticos. Entrou num Rabo de Foguete como diz em seu livro de memórias, e, no exílio, doido para voltar para casa escreveu o seu Poema Sujo. Já saiu mais alguns exemplos leitor precioso? Se não, vou dar mais um e parar por aqui.


Trata-se de Graciliano Ramos, o velho Graça, como era conhecido entre os amigos. Quando saiu do cárcere teve que ficar no Rio de Janeiro, longe de seu Nordeste, praticamente exilado, e, pior, tuberculoso. E ali na antiga capital federal escreveu o melhor de sua obra: Vidas Secas, Infância, Memórias do Cárcere. Todos esses textos fundamentados na vivência redescoberta com a sua terra natal.
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Geraldo, o Borges exilado... Igual a um psicanalista o crítico interpreta quem se atreve a escrever.

Imán Maleki




O pintor Iraniano Imán Maleki,
génio do realismo, foi galardoado
com os prémio William Bouguereau e "Chairmanás Choise" na II Exposição Internacional da Art Renewal Center.
Alguns consideram-no o melhor pintor
de arte realista do mundo. “Os seus traços
competem com as câmaras digitais de
10 Mega pixes“; dizem. (roubo da internet, como deve ser, das coisas boas)




Ainda o Dengue

Cândido Espinheira


Os homeopatas estão assanhados. Várias receitas são veiculadas na internet para a prevenção e cura do dengue.


Com toda a epidemia, dos 6 milhões de habitantes da cidade, até o momento, temos menos de 50.000 casos de dengue, que estão atingindo principalmente os pobres da zona oeste. A classe média, que tem e-mail e acredita em homepata, é muito pouco atingida e, no final, poderá afirmar que se livrou da dengue pela receita homeopática! Continuamos na lógica do tem mais otário caindo do que malandro dando pernada...
Abaixo, a experiência chinesa:

Simília simílibus curantur (este o princípio da homeopatia...).
Melhor ainda que gotas de crotalus horridus (crotalus não é algo derivado daquilo que primeiro vem à mente; provavelmente é suco de cascavel) é a ingestão, com água do Yangtsé, de membros (esclarecendo: pernas e braços) do aedes aegypti ou, ainda, do aedes albopictus - este, mais raro e eficaz. Sempre da fêmea que, desde Eva, é a responsável pela pelo dengo...

A cada duas horas, devem ser ingeridos dois membros da inseta, com o cuidado de serem retirados de lados opostos de uma mesma bichinha. Serão necessárias, pois, quatro mosquitas/6 pernas/dia.


A China deu um show na erradicação da epidemia por este método: seus 1.300.000.000 de habitantes ingeriram perninhas de 5 bilhões e 200 milhões de mosquitas/dia. No décimo-sétimo dia da campanha os disciplinados chineses já não conseguiam encontrar os insumos indispensáveis, mas seus cientistas atribuíram à enorme eficácia da homeopática infusão o não surgimento de novos casos da doença (os anticomunistas negam os méritos da receita e divulgam que os mosquitos, na verdade, foram exterminados durante os treinamentos para os Jogos Olímpicos, quando toda a população chinesa vem sendo obrigada a, diariamente, treinar aplausos de hora em hora, o que causa enormes baixas entre os animais alados, excetuadas aves de maior porte e eventuais dragões).

Deixando as aleivosias dos reacionários de lado, informo que comprovaram, também (tanto os cientistas chineses quanto os da OMS), que em áreas rurais, e nas de baixa densidade populacional, tipo Silva Jardim e que tais, a dengue não tem condições de proliferar, sendo, portanto, locais ideais para se testar novas fórmulas homeopáticas.

Em tempo: Macaé assim como Olinda, Jaboatão dos Guararapes, São Gonçalo, etc, não são indicadas para pesquisas sobre qualquer tipo de doença, pois o cidadão objeto do estudo tem uma grande probabilidade de ser vítima de homicídio antes de qualquer conclusão. Mas registre-se que há defensores da tese de que a homeopatia resolverá brevemente os problemas de violência que afeta aquelas populações (parece que basta usar o extrato de penas das axilas de pombas brancas enquanto se aguarda que as quadrilhas se exterminem).

Saudações alopáticas (efusivas).
Cândido

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Meu amigo Cândido Espinheira, cândido vez por outra, espinheira quase sempre, manda este comentário. Ele é filho de uma e tem um filho com o mesmo nome. Muitas espinheiras cândidas no mundo. Mas, Cândido, o cético, oferece doses alopatas do seu humor corrosivo. Um prazer publica-lo pela características dos espinhos de Cândido. (Edmar)

BRASÍLIA, ESSA ESFINGE INDECIFRÁVEL

Paulo José Cunha

Passam-se os anos, as décadas, e esta cidade mais e mais se esconde em seu segredo, mais e mais se oferta em desafio. Passarão os séculos, os milênios, legiões de nuvens desfilarão pelo céu, o tempo deixará suas marcas nos painéis de Athos, sobre as curvas de Niemeyer, e nem assim o enigma se decifrará.

Eternamente intraduzível, suas ruínas se erguerão um dia, ao sol do Planalto, desafiando os visitantes. Que deuses eram cultuados nesses altares a céu aberto? Que força conduziu a mão do gênio para traçar as linhas desses horizontes infinitos? O que significam esses campos largos onde naves espaciais pousarão em busca de antigas civilizações?


Os anos passam, e o enigma cada vez mais cresce e desafia. Quase meio século depois de ofertada ao mundo, tal como os primeiros candangos continuamos, espantados, a devorar os olhos da esfinge, em busca de uma resposta. Quanto mais os devoramos, mais se agiganta o enigma.

Resta-nos então admirar (sem tentar entender muito) as retas e curvas dessa esfinge do cerrado, feita de céu e de gramado; de suor e riso; de concreto e aço e gênio e ousadia.

Brasília:

Quanto mais a devoramos, menos
Deciframos esta bela imagem do cerrad0.



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Paulo José nos explica a inspiração:



Amigo(a)s,

Como sabem, a "Crônica da Cidade", da TV Globo, já acabou faz algum tempo. Mas o meu carinho por Brasília, a "cidade que eu plantei pra mim" (como diria Torquato Neto), este não termina nunca.

Para ela, aí vai um presentinho de aniversário. Dia 21 ela completa 48 anos. E continua maravilhosamente indecifrável. Com disse André Maulraux, quando a conheceu, na época ainda pouco habitada: "Se não der certo e for abandonada, que belas ruínas produzirá!".

Se entendesse um pouco de computadores, mais do que simplesmente enviar e receber e-mails, ilustraria com fotos e uma música bonita, suave. Não entendo dessas coisas. Portanto, peço que apenas leiam o texto devagarzinho, e imaginem ou lembrem grandes paisagens da Esplanada desenhada por Lúcio Costa, detalhes da Catedral, os gramados sem fim, os palácios imponentes e horizontais, ornados com as curvas de Niemeyer, os horizontes profundos e o por-de-sol indescritível. Ah. E assoviem uma valsa, talvez o "Danúbio Azul", aquela de "2001 - Uma Odisséia no Espaço", que tocava quando a nave viajava pelo espaço.

Abraços.

PJ

MAFUÁ DO SÃO FRANCISCO


O Espaço Cultural São Francisco, no Mafuá, volta a vernissar. Todos ao Mafuá, que além de Panelada, Mão de Vaca e Bolo Frito, tem Cultura maiusculosa. Salve Cícero e Mafuá. Na terra não se pode perder. Os visitantes também não...



Comoção pela morte de Isabella

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Artigo escrito em 10 de abril na Folha da São Paulo. O autor não está culpando o casal, mas analisando a comoção causada em todos nós pela morte da menina Isabella. Analisa esta comoção a partir de afetos dolorosos que não queremos ver em nós. Entretanto, se forem aceitas as provas levantadas contra o pai e a madrasta, o autor acerta no concreto. O que é muito mais dolororoso em nós...
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CONTARDO CALLIGARIS


A tragédia nos lembra afetos dolorosos que regram nossa maneira "moderna" de casar


HOJE, QUARTA-FEIRA, quando acabo esta coluna, não conhecemos os eventos que levaram à morte de Isabella Nardoni; só sabemos que a menina, de cinco anos, foi assassinada, intencionalmente ou não, enquanto estava na custódia do pai e da madrasta. E conhecemos um pouco a história da família: a mãe e o pai de Isabella não chegaram a se juntar -foi um romance adolescente que acabou antes de Isabella nascer. O pai tem dois filhos pequenos com sua mulher atual.É uma situação trivial: a pensão mensal, as visitas, o padrasto ou a madrasta, os meio-irmãos etc. Mas a banalidade dessa situação não deveria disfarçar o emaranhado de afetos dolorosos que ela produz -afetos que muitos vivem e que todos preferimos esquecer. Não sei se esses afetos são responsáveis pela morte de Isabella. Mas talvez eles sejam responsáveis pela extraordinária comoção produzida pela sua morte. Como assim? A morte violenta de uma criança nos fere a todos: é como se, ao mesmo tempo, alguém nos arrancasse um pedaço de nosso próprio futuro e destruísse a fantasia nostálgica da infância, que sempre cultivamos, mesmo que o primeiro período de nossa vida tenha sido infeliz.
Mas a história de Isabella nos comove também por outra razão: as tentativas de "explicar" o acontecido evocam, inevitavelmente, as dificuldades de nossa maneira "moderna" de casar. São dificuldades nas quais, em geral, preferimos evitar de pensar. É comum que o marido ou a mulher (às vezes, ambos) levem para o casamento filhos que são frutos de uma relação anterior. Espera-se que isso aconteça sem complicação: afinal, se descasamos e casamos por amor, por que o mesmo amor não reinaria pelo lar todo? Pois é, o amor é uma coisa complicada. Exemplos. A rivalidade, que sempre existe entre irmãos, vinga entre enteados e meio-irmãos. E vinga redobrada, justamente por ser mais inconfessável do que a rivalidade entre irmãos -por ser silenciosa, reprimida pelo esforço geral de compor uma nova família ideal, em que todos os integrantes se amariam. Na nova família, à primeira vista, o homem convive com seus enteados melhor do que a mulher. Não é nenhum milagre do "instinto" paterno: o homem encontra uma satisfação narcisista no exercício da paternidade. Ele, aliás, curte ser e se sentir amado por suas qualidades "paternas". Pare ele, saber ser pai de filhos e enteados faz parte de uma virilidade que ele quer que seja reconhecida e festejada pela mulher. Mas cuidado: a encenação da paternidade, embora às vezes espalhafatosa, não resiste à pressão da culpa de dar para seus filhos de sangue menos do que para seus enteados. Essa culpa, envergonhada e reprimida, é inevitável, porque há uma coisa que o homem, na grande maioria dos casos, dá mais aos enteados do que aos filhos: sua própria presença no lar. A mulher, ao contrário, vive quase sempre uma rivalidade dramática com seus enteados: compete com eles como se ela fosse mais uma filha. Para a mulher, o enteado ou a enteada não usurpam o lugar dos filhos que ela trouxe de um casamento anterior, nem o lugar dos filhos que nasceram no novo casamento: eles ameaçam usurpar o próprio lugar dela. Essa rivalidade, escondida, expressa-se de maneiras travessas: por exemplo, numa crítica assídua das manifestações do afeto paterno do homem para com o filho ou a filha dele. Ou seja, para não admitir um ciúme envergonhado do enteado, a mulher censura o "excesso" dos sentimentos paternos do marido. Esse, criticado como pai, sente-se diminuído como homem. O desastre está às portas.
São apenas exemplos. O casamento "moderno" é um nó de afetos reprimidos, uma convivência explosiva que aposta no amor do casal como se fosse remédio para todos os males. Não se trata de condenar a idéia de que seja possível refazer sua vida com outro ou outra e, nessa ocasião, levar consigo os filhos dos casamentos anteriores. Mas seria melhor que a gente se engajasse nesses projetos sem a ilusão de que os bons sentimentos prevalecerão por conta própria. Seria melhor, para começar, que nossas disposições menos nobres, em vez de silenciadas e reprimidas, fossem faladas, explicitadas. Isso, para evitar que, de vez em quando, a trágica morte de uma menina nos lembre, por um dia ou uma semana, que a vida das famílias "modernas" é muito mais difícil do que parece.
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Folha de São Paulo, 10 de abril de 2008. Contardo Caligaris, psicanalista e escritor é colunista colaborador da Folha de São Paulo.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

PIAUINAUTA II

Edmar Oliveira

Antes de Yuri Gagarin, naquele dia memorável de 1961, dizer que a terra era azul - numa forma poética de explicar que o céu era aqui - eu era quem ficava à noite vendo os satélites cruzarem o espaço. Lembro que, antes do Gagarin, a cachorra Laika foi mandada ao espaço para ver como seria a ação do espaço num animal próximo ao homem. Ali descobri que o cachorro é o melhor amigo, não o homem. Ainda quando morava em Codó, Maranhão, nas noites escuras do interior, ficava olhando o céu, acompanhando os satélites que desfilavam entre as estrelas. Em terra estrangeira já era um “Piauinauta”. Era uma tal de corrida espacial. Os americanos e os russos brigavam lá em cima no espaço e eu assistia aqui de baixo. Os satélites saiam piscando dos lados do rio Itapecuru, passavam por cima lá de casa e iam desaparecer por trás da paróquia de santa Rita e Santa Filomena. Os meninos daquela época não sabiam o que era esquerda e direita. A gente era Ford ou Chevrolet, Botafogo ou Flamengo, Vassoura ou Espada, Americano ou Russo. Eu tinha um tio esquisito, que além de ser internado num hospício algumas vezes, dizia que era comunista. Como eu gostava do meu tio, eu era russo. E quando o pisca-pisca do satélite avermelhava, eu jurava que era o russo.


Tinha dez anos quando o Gargarin foi rodar a terra lá em cima pra dizer que azul era aqui em baixo. O espaço não tinha cor, não tinha nada. Mas além do meu time ganhar a corrida espacial – o Botafogo aqui na terra era imbatível – Gagarin foi por em xeque minha aulas de catecismo. O azul do céu era cá embaixo. Mesmo quando os americanos, que nem o Flamengo depois, conquistaram a lua, pisando nela, o que me interessava era a fotografia da terra azul, no espaço escuro, feita a partir da lua. Coisas de Botafoguense.

Acho que daí vem essa minha mania de olhar pro céu pra ver se entendo alguma coisa aqui embaixo. E neste espaço virtual me coloco como um “Piauinauta”. Daqui deste espaço tento entender o que se passa na terra neste século XXI. Posso só tá olhando os satélites nas noites escuras de Codó, mas é com a mesma vontade que tento entender o passar dos acontecimentos...

PÁSSAROS ENCADEADOS

Paulo José Cunha

Às vezes,
quando a gaiola fica aberta
os sonhos fogem voando
atravessam a janela
e os pássaros encandeados
vão explodir lá fora
contra as paredes brancas


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PJCunha,piauinauta candango, cantando como um pássaro...

1000ton




  • Este cartoon está em exposição no Palácio de Tabriz, Irã, numa mostra internacional. O anjo cristão e o garoto da favela entre os muçulmanos. Boa, 1000tão!

Um por de sol no Guaíba

Edmar Oliveira


ter-te teresina



num dia claro, quase chegando em Timon...

CANTANDO TERESINA

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Longe da terra, Geraldo e eu falamos da Tristeresina, que é mais triste em nós...
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THERESINA


Geraldo Borges


Theresina arde em minha memória
No calor do mormaço o casario
Tua velha arquitetura tua história
No cais abandonado passa o rio.

Theresina tuas páginas vou virando
E assim vejo vinhetas do passado
Velhos vapores no rio navegando
Sempre no cais no horário demarcado.

Theresisna eu te canto nesta hora
Quando já não mereço o teu amor
Pois te abandonei e fui embora.

Theresina por que não me perdoais
Pois se eu fui um amante traidor
Talvez eu volte à beira do teu cais.




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DÍVIDA COM TERESINA



Edmar Oliveira



Para Manel Avião, Nicinha e Bibelô


ter-te
ter a sina da dívida
que tenho contigo
de não te devolver o amor que tens em mim

na marca dos quintais,
do cais do rio, do mercado,
o bolo-frito com café preto,
o troca-troca das bicicletas, dos passarinhos.
Trocar olhares na praça Pedro II
até as nove horas,
depois descer a velha rua Paissandu
de romances venéreos,
aventuras nos seriados do cinema
e nas tertúlias no clube dos Diários...

ter-te
ter a sina dividida
que tenho o castigo
do filho ingrato que mais usufruiu o teu carinho

na marca dos quintais,
do beira-rio, do pecado,
Maria Izabel e o segredo
no troca-e-rouba um beijo, a flor dos descaminhos.
Roubar pitombas nos quintais
após as nove horas,
depois descer à Palha de Arroz
em encontros etéreos,
princesa dos rios de alfazema
Não-se-Pode um cavaleiro solitário...

ter-te
ter a sina dividida na dívida
de que Manel Avião, Nicinha e Bibelô,
personagens de tuas ruas,
muito mais te deram na tua construção
(sem nada em troca)
do que eu, que muito te tenho em mim...

PRÊMIO NOBEL

Geraldo Borges

Estou bastante surpreso. Não acredito. Mas, no fundo, não posso disfarçar o meu contentamento, por ser o primeiro brasileiro a ser escolhido para o prêmio Nobel da literatura. Até que enfim o Brasil ganhou o prêmio. Um espetáculo. Não sei mesmo por que não deram para o mestre Jorge Amado, que fez da cidade da Salvador o grande cenário dos seus romances. Não sei por que não deram para Nelson Rodrigues, que conhecia tão bem a nossa classe média E por que não deram para o Paulo Coelho, o autor de o Alquimista, bem que merece pela sua condição de mago e mágico ao mesmo tempo, pois faz chover, ou fazia; se ainda não levou o prêmio foi porque não quis . Não está interessado. Melhor para mim. Eu vou levá-lo.



Mas o melhor do prêmio não e a fama. Não estou preocupado com a fama, com os holofotes, na minha idade prefiro ser um simples vaga – lume. O melhor do prêmio é a bolada. E vou gastar este dinheiro com mulheres e viagens. Algumas lindas secretárias.


Logo estarei embarcando para Estocolmo para receber o prêmio tão aclamado das mãos do rei. Esqueci-me do nome dele. Talvez seja George, Gustavo, Guilherme. Preciso me lembrar. Já pensou? Vou ter que enfrentar o frio de um pais nórdico. Comprar: sobretudo, casaco, luvas, botas, meias de lã, cachecol. Estou imaginando as notícias nos jornais, televisão. A mídia querendo me entrevistar. Todo mundo querendo ler os meus romances, que estão encalhados nas editoras, dormindo nas prateleiras dos sebos. Agora as editoras me disputarão. O estado do Piauí vai adorar e sentir-se orgulhoso de seu filho querido.


O Nobel tem mais de cem anos Muitos escritores de nosso continente, estou me referindo a América Latina, já ganharam o prêmio. Gabriela Mistral (Chile), Otávio Paz (México), Neruda (Chile), Astúrias (Guatemala), Gabo ( Colômbia). Portugal ganhou uma vez. Mas a língua portuguesa lá de Portugal não é igual a nossa. Embora muitos escritores brasileiros do século passado tenham sofrido influência estilística de Eça de Queiroz. Machado de Assis se tivesse começado a escrever no começo do século, não tivesse morreu em 1908, e a língua portuguesa tivesse expressão internacional positivamente teria ganhado o prêmio Nobel.


Sei que o leitor bisonho está se perguntando. Quem é este cara? Eu nunca ouvi falar dele por estes brasis afora. Nunca o vi mais gordo. Mas como ele diz que ganhou o premio Nobel e o papel agüenta tudo, vamos esperar o que a diz a Imprensa. Eu já sei o que ela vai dizer. Vai me colocar nos cornos da lua. De repente virei celebridade. Mas acho que já estou me repetindo. Mas este é o meu estilo. O estilo do brasileiro: redundância, redundância.


No avião lembrei-me de um autor famoso que foi receber o prêmio completamente embriagado. E na hora de fazer o seu discurso na presença do rei Augusto, Guilherme, Gustavo, George, não se exatamente qual deles vomitou no salão nobre da recepção. Como era um grande poeta e além do mais laureado, a sua ação foi considerada uma excentricidade. Não obstante o constrangimento do seleto público, ali presente.
Agora tenho que fazer o meu discurso diante do rei. Nunca pensei ou sonhei em minha vida que isso fosse acontecer. Um escritor rabo de cabra ser alçado a estas alturas.



Falar em altura o avião está descendo no aeroporto de Estocolmo. Um dos itens do meu discurso, o qual encaixarei no último parágrafo, será uma sentença propondo que ele acabe com este negócio de premio Nobel da literatura, o que duvido muito que ele acate. Caso leve a minha proposta em consideração eu serei o último e o único brasileiro a ganhar o prêmio Nobel da literatura. Uma façanha para ficar nos anais da república das letrss.



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Geraldo Borges, de Estocolmo para o Piauí.

A BERMUDA DO MOSQUITO



Edmar Oliveira

As autoridades sanitárias da cidade do Rio de Janeiro passaram a recomendar que o traje de moda neste verão seja calça comprida, sapato e meias para homens, mulheres e crianças. A recomendação, estranha para uma cidade que costuma vestir bermudas, shorts, calções, sungas e biquínis nos seus verões, justifica-se pela epidemia de dengue que aflige os cariocas. Segundo esta imprevisível ciência chamada epidemiologia, a ocorrência da doença em maior número em mulheres e crianças acontece pela maior exposição dos pés e pernas ao mosquito transmissor da dengue. É que o mosquito voa baixo e esta região parece ser a mais vulnerável. Muito bem, em Nome da ciência mudem-se os hábitos e os monges.


Na minha modesta opinião de palpiteiro, acho que a moda não vai pegar, a recomendação não será seguida e as autoridades devem pensar em outra estratégia para deter o vôo do mosquito. Alguns costumes levam muito tempo para uma modificação. Na orla, na zona sul, o verão é a estação de mostrar os corpos trabalhados nas academias. E é desta exposição que se faz um verão no Rio. Imaginem todos de sapato, meias, calça comprida. Não é o Rio. Deste ponto de vista seria preferível mudar o nome da cidade primeiro. E o subúrbio carioca? Até nas novelas a indumentária suburbana é exaltada: mulatas de mini blusa, mini short, mini tudo, e rapazes de bermudão abaixo da linha da cintura, mostrando o rego de trás e camisa regata, na maioria das vezes, sem vestir, sobre o ombro. É o outro lado do Rio. Sem eles não há cidade. E não é nada econômico sujar sapatos, meias e calças dos pirralhos, quando possuem, na vala negra das comunidades abandonadas e ocupadas, também, pelo mosquito.



Por outro lado, acho que as autoridades sanitárias foram pegas de calças curtas nesta epidemia que, segundo me informaram, era previsível. Ela só podia ser minimizada com ações conjugadas para diminuir a quantidade de mosquito em circulação. E não é só uma questão da área da saúde. Preservadas as condições atuais, mesmo um número de mata-mosquitos quase igual ao dos mosquitos não me parece solução. Autoridades responsáveis por saneamento, habitação, educação, assistência social, postura urbana, para falarmos de apenas alguns, teriam que empreender ações conjuntas com os profissionais de saúde para melhorar os índices de infestação.


Esta proposta desesperada de vestir as vítimas parece que surgiu porque deixamos os mosquitos de bermudas passeando pela cidade, sem serem incomodados...

neurônios

Edmar Oliveira



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Ibitipoca, nas Gerais, a tarde ia...

A Bilha

Alberto da Costa e Silva


Cerâmica e tear: as mãos trabalham

e constroem o amor num fim de tarde,

como jarro de rústico gargalo

ou fino pano arcaico. Sobre o barro




põem desenhos mais jovens de suaves

moças dançando e restos de paisagens

da infância e da montanha: perfis núbios

sobre o vermelho poente desse jarro...




E a substância mais tímida do sonho,

nas mãos do artesão, faz de seu pranto

e cismas, riso e ardor, tecido raro




em que se borda uma novilha, bela

como o beijo em setembro, em que se fez

o amor com outro fio e um outro barro.



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De "Poemas dos Vinte Anos". Alberto, poeta, diplomata e africanista, é filho do poeta simbolista Antonio Francisco da Costa e Silva (1885-1950). A bilha é cerâmica composta em barro e água para guardar água.

O Assinalado

Cruz e Souza (1861-1898)



Tu és o Louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela a extrema Desventura.



a essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu'alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.



Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco.



Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Todas as Mulheres do Mundo

Por todas elas me apaixonei. Você não? Roda e avisa...