domingo, 22 de fevereiro de 2015

Alegoria Carnavalesca


(Edmar Oliveira)

A Beija-Flor escancarou a sujeira do dinheiro banhado em sangue para ganhar o carnaval desse ano. Foi um desfile de exaltação à riqueza imaginária dos africanos homenageados, financiado por um ditador de um país onde 95% da população vivem na miséria. Juan Ávila, escritor e dissidente da Guiné Equatorial, se diz incrédulo com a quantia anunciada, revelando que esse valor é impronunciável na desvalorizada moeda local.

Mas a Beija-Flor mostrou uma Guiné-Equatorial exuberante, tirando a nota máxima até no enredo fantasioso. O ditador ficou contente. Seu filho – e vice-presidente – alugou dois camarotes na Sapucaí por 120 mil, onde serviu paella de Bacalhau e Champanhe dom Pèrignon para 40 convidados em ambiente com decoração africana. Antes e depois da folia relaxou em uma das sete suítes do Copacabana Palace, reservadas para sua comitiva. E viva o carnaval com a riqueza esbanjada pelo novo rei do Rio, Teodorín Obliang, tão bem executada pela escola de Nilópolis na avenida, campeã do carnaval deste ano.

O país africano tem a maior renda per-capta do continente africano – pela produção petrolífera –, mas distribuída apenas entre os cinco por cento da população que têm negócios ou são parentes do ditador. Nem a metade da população tem água potável, 20% das crianças morrem antes de completarem cinco anos, tem o IDH na 144ª posição. A ditadura de Obliang-pai controla a imprensa, não permite manifestações oposicionistas e mantém sua população sob controle. Segundo "US Trafficking in Persons Report", o tráfico de pessoas é um problema e   "a Guiné Equatorial é uma fonte e destino para mulheres e crianças vítimas de trabalho forçado e tráfico de sexo."

Aqui na terra a gente brinca o carnaval e faz de conta que tudo vai muito bem.

Sinceramente acho que a Beija-Flor prestou um serviço ao desfile das escolas de samba. Mostrou o quanto o maior espetáculo da terra é financiado por uma lavagem do dinheiro sujo de sangue. Hipocritamente há uma associação do dinheiro público com o dinheiro do submundo do crime. Todo mundo sabe que as escolas de samba do Rio são financiadas por contraventores ligados ao crime organizado, milicianos e bandidos que costumam frequentar as páginas policiais. Entretanto no carnaval desfilam na avenida em companhia de políticos e governantes como se tivessem brincando num bloco de sujos no Carnaval. Alegoria carnavalesca.

Se a multidão delira na passagem de sua escola, a maioria dos cariocas se vangloria de ter desfilado num carnaval na Sapucaí, pagando por sua fantasia a culpa de participar do “maior espetáculo da terra”, minimizando o congraçamento carnavalesco com o crime organizado.

Todo mundo foi Beija-Flor um dia, apesar de ser Portela, Salgueiro, Imperatriz...


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desenho: Gervásio






Beija Flor Escola



A Beija-Flor de Antônio Máximo e uma Escola de Guiné Equatorial, que não desfilou na Sapucaí


Uma reportagem


(Geraldo Borges)

Certa vez fiz uma viagem até a Barragem  da Boa Esperança, em face de construção, para fazer uma reportagem. Tomei o ônibus na rodoviária de Teresina. Desci em Floriano, meio dia, para comer alguma coisa. Entrei em um bar restaurante. Uma moça que vinha no mesmo ônibus, ao meu lado, desceu comigo. Quando eu me sentei ela me pediu para me fazer companhia.

- Pois não, eu disse.

A moça era bonita, loura de olhos verdes e sobrancelhas cerradas, parecendo pente fino, cabelos caindo por cima dos ombros  redondos. Quando ria fazia uma covinha graciosa na face. Eu imaginava que ao reiniciarmos  a nossa viagem poderíamos conversar bastante. E eu lhe  ofereceria  a minha janela caso ela gostasse de olhar para fora do ônibus.

Chamei o garçom e pedimos o nosso lanche. Ela pediu a mesma coisa.

Quando já estávamos comendo ela me perguntou de boca cheia, a queima roupa, se eu era engenheiro, e estava indo ajudar  na construção da barragem. Eu poderia ter dito, sim. Seu engenheiro. Não custava nada.   Era isso que ela queria que eu fosse. Andava atrás de um engenheiro. Mas, a minha musa, falou mais alto. E eu disse

- Eu não sou engenheiro, sou poeta.
  
            
Ela que estava mastigando, quando ouviu a palavra poeta, quase se engasgou, como se algo estivesse atravessado a sua garganta. Pediu licença para ir ao banheiro e foi embora.

Terminei de comer e paguei a nossa conta. Eu não sei como ela vai  me encarar quando voltarmos para o nosso assento no ônibus. Mesmo assim vou lhe oferecer a minha janela. Quem sabe não vislumbrará alguma poesia na paisagem: uma vaca ruminando no pasto com um passarinho no seu lombo, picando carrapato.

Surpresa. O lugar dela estava vazio. Havia desistido de sentar ao meu lado. Eu  a avistei no fundo do ônibus. Ri para ela. Não correspondeu o meu riso. A covinha do rosto tinha desaparecido. Era como se ela não quisesse saber de prosa. Muito menos de poesia.

Acomodei-me, sozinho, no meu banco e continuei na janela penando que já havia encontrado um tema para a minha reportagem.







BLOCO NA RUA



Neste número, em que o Piauinauta lamenta as Escolas de Sambas, temos que exaltar o Bloco na Rua do Sérgio Sampaio, que saiu pelo segundo ano. Se Jards Macalé abrilhantou o bloco no ano passado, neste ano a presença de Luiz Melodia foi fundamental. Além da participação de Leo Gandelman, Moacyr Luz, Henrique Cazes. Entre nós, Renato Piau e Chico Salles

O Bloco homenageia o grande Sérgio Sampaio, concentra no Bar Botero - Mercadinho São José de Laranjeiras - e às vezes desconcentra para sair pela Gago Coutinho até os portões do Parque Guinle, andando inacreditáveis cinquenta metros. O dia de desfile é na quarta feira anterior ao carnaval. Mas durante todo ano, a diretoria e colaboradores se reúnem no BOTERO toda quarta-feira. Com este pequeno vídeo de mostra estamos convidando você para estas reuniões.  





Sócrates


Quando veio pro Flamengo, já não era mais o "Doutor Sócrates", do passe perfeito, o calcanhar único de ante-visão. Queria viver o Rio e virar o carioca em que todos se transformam venham de onde for. Merecia o Rio, assim como o Brasil mereceu a "Democracia Corinthiana' que ajudou a implantar num dos ambientes mais reacionários e obscurantistas que é o mundo da bola. Uma experiência simbólica, em que não havia distinção de "classe", presidente, diretor, jogadores, roupeiros todos tinham um único e igual voto pra decidir a vida do Corínthias (pra desgosto do goleiro Leão, como era típico), num momento de transição política que nos daria o maior movimento de massas da história do país: as 'Diretas Já", em 84, que se frustaria, num Congresso que se sabia viciado pela ditadura rumo a um colégio eleitoral para a "Nova República" (a sorte de Tancredo foi ter morrido e assim poder entrar pra história). Talentoso também com as palavras, escrevia bem expondo-se com todas as suas contradições, que, ao contrário das dos oportunistas, era o próprio fígado. Pois as contradições dos oportunistas não têm risco e logo resolvidas com a oferta disponível, ao passo que contraditórios como Sócrates são daqueles que, mudando a realidade, mudam o discurso, aparentando apenas incoerência. É, por isso, que o mesquinho prega a coerência a todo custo. Reparem.
SRN aos 61 anos do Doutor.


Antônio Máximo, texto e o primoroso desenho 




Deus e os seus

Dia desses, Dina Magalhães postou uma foto minha com um celular que pertenceu a Mafrense, peça de inestimável valor histórico e que ainda funciona. Gozação geral. Expliquei-lhe que não é prudente caçoar de velho, já que Deus é velhíssimo e protege os seus. Por sorte dela, o Pai estava de bom-humor e, em vez de castigo exemplar, apenas ordenou ao filho, Jesus, que me protegesse. Eis que Jesus Filho mandou me chamar ao escritório dele e me entregou um celular Samsung 19070,Galaxys II que,entre outras funções, tem conexão direta com o Pai, faz mapa astral, não solta as tiras, não tem cheiro, tem rastreador de mulher e muito mais. Eufórico, mostrei a geringonça eletrônica a dona Áurea que,com fina ironia, observou: "É de pouca valia pôr tecnologia de primeiro mundo nas mãos de gente de terceira". Como se pode ver, perdeu-se mesmo o temor de Deus... (Cinéas Santos)
Cinéas com o telefone do Mafrense (um dos fundadores do estado do Piauí) e o atual que ganhou do filho de Deus. Dona Áurea reprovou a função "rastreador de mulher". 


NA BOCA



Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval
Paixão
Ciúme
Dor daquilo que não se pode dizer

Felizmente existe o álcool na vida
e nos três dias de carnaval éter de lança-perfume
Quem me dera ser como o rapaz desvairado!
O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas
e gritava pedindo o esguicho de cloretilo:
- Na boca! Na boca!
Umas davam-lhe as costas com repugnância
outras porém faziam-lhe a vontade.

Ainda existem mulheres bastante puras para fazer vontade aos viciados

Dorinha meu amor...
Se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe como o outro:

- Na boca! Na boca!


(Manuel Bandeira – Libertinagem)

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Garimpado por Cinéas Santos





Eu & Minhas lembranças

Trago no bolso esquerdo
Lembranças confusas
Que o tempo depositou cedo
Como secretas e reclusas

Elas colam em meu corpo
Igual uma segunda pele
E cismam traçar um escopo
De algo que me revele


(Climério Ferreira)

Mercado editorial: a luta de David contra Golias


Ronaldo Cagiano *
No balanço das leituras dos últimos tempos, em meio ao cipoal de contradições, paradoxos e obviedades que marcaram o cenário (sempre-o-mesmo) da produção literária brasileira, chamou-me a atenção a força poética e ficcional que vem das pequenas editoras, sobretudo quando os mais importantes prêmios literários do País vêm reconhecendo qualidade e vigor em autores publicados fora do eixo tradicional do mercado editorial.
Os editores dessas pequenas casas – entre as quais Confraria do Vento, Dobra Idéias, Patuá, Oito e Meio, Scriptum, Móbile –, apenas para citar alguns exemplos de quixotismo e resistência, vêm trabalhando com afinco e dignidade, sem dever favor algum ao mercado e às diatribes do círculo viciado e vicioso das grandes editoras, para publicar autores de talento e valor estético, cujas obras, inclusive, vêm desbancando pesos pesados da bibliografia nacional, como é o caso, nos últimos anos, de Suzana Montoro, Paula Fábrio, Jacques Fux, Guilherme Gontijo Flores, Everardo Norões, Gastão Cruz, Ana Luísa Escorel.
As pequenas editoras têm exercido papel fundamental ao dar vez e voz a alguns nomes, tantos deles rejeitados pelos imperdoáveis silêncio e indiferença do oligopólio editorial, este cada vez mais suscetível às relações sociais e políticas de seus editados do que verdadeiramente movidos pelo talento. Basta ver que o lixo literário vem adquirindo, de forma avassaladora, status de boa literatura no mercado.
Exemplo cabal desse nivelamento por baixo é o deboche e a fraude poética de poetas de escritores de algibeira, que ganham páginas inteiras na grande imprensa, enquanto autores verdadeiramente com tutano criativo são esmagados pela máquina apodrecida do mundo cultural e literário, onde prevalecem hegemonicamente o estrelismo, o narcisismo, a “vida literária” (feiras, patotas, igrejinhas, grupelhos, máfias, gangues, cozinhas, vitrines para todos os gostos, onde são sempre os mesmos os convidados) e não a literatura.
Exemplo deprimente e desalentador desse cenário é o ostracismo a que foi relegado o escritor brasileiro Julio César Monteiro Martins, recentemente falecido na Itália, onde vivia há mais de vinte anos como professor de literatura brasileira na Universidade de Pisa. As novas gerações, tributárias da literatura de Philip Roth, Paul Auster, Thomas Pynchon, Roberto Bolaño, Coetze, Amós Oz, Enrique Vila-Matas etc e toda a bibliografia internacional imposta goela abaixo pelo acachapante sistema editorial, ignoram solene e despudoradamente um autor como esse, que nos anos 70 e 80 pontificou no cenário editorial brasileiro, além de ter sido proprietário da editora carioca Anima, que traduziu alguns clássicos.
A negligência se generaliza não apenas no meio editorial e na monopolizada rede de livrarias (que vê literatura como negócio, mercado e lucro), mas também entre escritores e crítico, entre os quais não há o mínimo interesse em (re)conhecer o que produziu não apenas um Julio Cesar Monteiro Martins, mas esses que enchem os pulmões em entrevistas para declinarem suas influências (e afluências) e seus créditos a gurus literários estrangeiros, pretensamente alimentando uma dicção que seja absorvida pelas editoras internacionais, também desconhecem que no País há tantos escritores completamente alijados não só do mercado, mas das bibliotecas, entre os quais Cornélio Penna, Lúcio Cardoso, Rosário Fusco, Samuel Rawet, Dantas Motta, Ricardo Guilherme Dicke, Geraldo Maciel, José Agripino de Paula, Renato Pompeu, Ewelson Soares Pinto, Eugênia Sereno, Orides Fontela, Maura Lopes Cançado, Dora Ferreira da Silva, Jaime Rodrigues, Antonio Fraga, Lupe Cotrim, Gilka Machado, Moreira Campos etc (a lista da proscrição é grande, entre vivos e mortos) completamente relegados ao anonimato, por culpa e obra de uma cultura literária que avaliza esquemas e panelinhas, alberga o pornô-chic, respalda a modernidade vazia e despótica (porque sem humanismo), aceita a badalação como literatura e rejeitam o que é linguagem e densidade, para incensar a mediocridade, lançar holofotes na estupidez, legitimar modismos.  São falsos criadores que vampirizam a vida literária, dissimulados em seus altares mercenários.
Em um artigo lúcido publicado na edição nº 816 (16/9/2014) do Observatório da Imprensa, o jornalista Alexandre Coslei enfrenta a questão do camelódromo da literatura, apontando as mazelas desse setor em que escritor e editor se rendem e se vendem cada vez mais ao mercado, num cenário em que não se importam com a qualidade, mas com as cifras e os holofotes.  Ele conclui: “Na rendição do escritor às frivolidades do mercado editorial é que se dá o encontro entre Fausto e Mefistófeles, é quando a literatura perde a alma.”
A literatura morreu! Julio morreu! Viva a Literatura! Viva a verdadeira criação!
Vivas aos lúcidos e corajosos criadores, que resistem às pancadas e injustiças!
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Ronaldo Cagiano é escritor, reside em São Paulo
enviado por Paulo José Cunha


Cícero Manoel



Cícero Manoel herdou da mãe um pequeno armarinho no Mercado do Mafuá, em Teresina. Artista plástico, transformou o mini armarinho (+ ou - 2 x 2 metros) no Espaço Cultural São Francisco, que ostenta o título mundial de "menor espaço cultural do mundo". Manteve o "São Francisco" do nome da lojinha da mãe e ali promove pequenas mostras de artistas piauienses. Virou um ponto turístico e de encontro entre os admiradores da arte. Preservou ainda as características do armarinho onde vende miudezas, inclusive uma antiga máquina de "cobrir botões" em funcionamento. Vende miniaturas, objetos exóticos (pinguins de geladeira, uma jarra em forma de abacaxi, telefones e rádios antigos, revistas e discos de vinil, entre outras coisas que parecem brotar no pequeno e mágico espaço. Quando vou a terrinha, sempre passo no Mafuá para dar um abraço no Cícero. O Paulo Tabatinga fez o vídeo de sua exposição.  

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A guerra da água

(Edmar Oliveira)

Chegamos ao estágio em que o estado representa as corporações, sua elite que orbita as empresas e nada tem a oferecer ao distinto público, que quanto mais periférico habita as cidades, mais sofre com os serviços oferecidos.

Tomemos o caso da água em São Paulo, para a localização do problema, mas vai acontecer no Rio ou em qualquer parte do planeta.

É certo que tivemos uma estiagem grande, prejudicando o nível dos reservatórios e que a população vem aumentando exponencialmente, enquanto a água é ofertada na mesma quantidade. Falhou São Pedro, e não tendo programação alternativa de captação, é certo a seca.

Mas quem vai sofrer com a falta d’água? Não se pode mais esconder que 70 a 80% do consumo de água são destinados ao agronegócio. Produzir soja, carne e outras commodities para exportação tem um custo de lavagem n’água excepcional. Um hectare de soja consome 4,6 milhões de litros de água, por exemplo. Um quilo de carne “custa” 200 litros de água. A indústria fica em torno de 20 a 30% do gasto da água. Para o comércio e os habitantes de uma cidade esse gasto fica em torno de 10%. Portanto não é o banho demorado o culpado pela falta d’água.

Foi criada uma culpa coletiva para que se economize água na residência de cada um. A madame do Morumbi vai ter que desativar uns quatro dos seis banheiros da mansão. A SUV não vai ser lavada toda semana. A piscina não vai ter água trocada com o costume de sempre. Os jardins não podem ser regados com mangueira. Um dia ou dois a água pode ser racionada, mas a caixa d’água da mansão sustenta madame sem que falte água na torneira. Afinal ela tem de economizar, pois a empresa da família não pode parar e o país está numa situação de crise “que essa gente do PT criou”.

O Zé Mané da periferia também tá economizando água. Não lava mais a calçada, não deixa as crianças brincarem com a torneira aberta, baldes e latas guardam um pouco d’água para um vaso sem descarga. Mas mesmo assim o seu chuveiro vai parar de pingar, sua torneira da cozinha deu um nó e a louça suja faz um monte. O calor tá de matar. Se no racionamento do Morumbi a água falta dois dias e volta nos outros, na periferia pinga num dia, quando pinga.

O Zé não sabe o que é agronegócio, não tem empresa, mas é o mais sacrificado na falta d’água. Não é de se espantar se uns pneus forem queimados na rua, que é a única maneira do Zé Mané dizer, pra ser ouvido, que falta alguma coisa. A guerra por água vai começar. E nunca se sabe por que as guerras começam...


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desenho do Gervásio
gráfico do Zé Maria do PSTU, que dessa vez tá certo.

MAGNA 2



Agora, 
teus mitos entram na fila
por um cigarro. Houve

um dia uma lança
e um reino,
cujas lendas reprisam
os povos e o mármore.

Devagar, 
as inscrições se apagam
na balbúrdia do efêmero;
e estátuas de sombras 
jantam teu crepúsculo.

Resta o som da memória
sob a escória que nos arrasta;

resta o arresto do sonho.
(E um certo mar
que nos grafou
tua alma mediterrânea.)

Ouvem-se fanfarras;
ouvem-se cantos litúrgicos
aos novos deuses do níquel.

Cuja insânia e acídia,
secam os olhos de Homero.


SALGADO MARANHÃO
(Do livro Ópera de Nãos)

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desenho de Antonio Máximo (Iemanjá)

UM MEDO SÓ



Se eu disser que sinto medo
Não se espante muito
Eu às vezes sinto um medo danado

Um medo absolutamente sem razão
Apenas um medo medonho
Que não sei de onde vem
E nem sei do quê 
Apenas medo
Esse sentimento me assalta
Em plena luz do dia
Nos momentos mais inesperados
Acho que vem de saber-se só
Só como se nasce
E como se morrerá
Só como em todos os minutos
Só na companhia de mil solidões
Numa cidade de pessoas sós
Meus amigos são solitários
Todo mundo é só
Todo mundo finge não ser só
E o ser humano ao saber-se só
Sente esse medo absurdo
Que eu sinto


(Climério Ferreira)
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desenho: Gabriel Archanjo

De títulos de romances



(Geraldo Borges)

Esta historia de dar titulo a romance é um pouco complicada. Mas se formos  pesquisar os primórdios da nossa literatura, quero dizer, da literatura  ocidental, iremos encontrar a fonte onde podemos beber os ensinamento da titulação. Que é o de titular o romance com o nome de seu herói o personagem principal.

Este modelo vem historicamente da tradição de Miguel Cervantes (1547 – 1616) um dos pilares da formação do romance europeu, com a publicação de Dom Quixote, mais propriamente: O Engenhoso Hidalgo Dom Quixote de La Mancha,  todo grande  romance adotou como bandeira  o nome de seu herói. Podemos oferecer muitos exemplos ao longo da história da literatura de ficção, tanto na Europa como na Rússia que  sofreu grande influencia cultura do Velho Continente, estendendo –se depois para a America do Norte, e posteriormente para o Brasil e America Espanhola.

Seguindo, mais ou menos, uma ordem cronologia, sem muito rigor, poderíamos citar  outro precursor do romance ocidental. Trata-se de Daniel Defoe (1660 – 1731), autor do romance  Robison Crusoe, um romance que vale a pena ser lido e relido, pois reflete a corri da para a colonização do Novo Mundo, é um clássico. Enriqueceu-nos também com o romance Moll Flandres,  historia de uma anti-heroína, contada na primeira pessoa.

Podemos  incluir nessa lista de escritores Henry Fielding (1707 – 1754 ) com a sua grande obra  intitulada Tom Jones, dando relevância ao seu personagem principal.

Não podemos também deixar de  citar um dos grandes mentores de Machado de Assis, com o qual ele  aprendeu a fazer digressões, e retardar a narrativa,, Laurence Stern , (1713 – 1768)  com o seu celebre romance – A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy.

No século  dezenove o romance desenvolveu –se plenamente e participou do banquete da burguesia, mesmo sendo um filho bastardo do capitalismo, e lido de preferência por mulheres .E continuou  expondo na capa os nomes de  seus heróis ou anti – heróis, quase uma biografia. Dando ênfase a individualidade  dos  personagens, a caracterização dos tipos O folhetim era o seu principal meio de expressão.

Charles Dickens (1812 – 1870 ) movimenta a vida literária  da Inglaterra, com seus grandes romances, - David Copperfield, Oliver Twist ; seus romances  são tão realistas  que sensibilizaram a burguesia e a nobreza  da Inglaterra, a ponto de a história de David abandonado pelas ruas de Londres  impressionou de tal maneira os ingleses, que contribuiu para  a instituição  de assistência à infância desvalida da Grã Bretanha .

Vejamos  como os  escritores franceses se comportavam   no exercício de dar titulo aos seus romances. Começamos por um  dos mais ilustres romancista Frances , o genial Honoré de Balzak, (1799 – 1850 ) Quem não  conhece  Eugénie Grandet. Le Pére Goriot, Le  Colonel  Chabert  e muitos outros personagens importantes que dão nome aos títulos de seus romances.

 Segue-se Gustavo Flaubert  ( 1821 – 1880 ) autor  de  Madame Bovary, romance realista que lhe valeu um processo. Perguntado  no tribunal que era Madame Bovary . Disse. Madame Bovary sou eu. Continuando na França. Quem não  conhece o Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas, e a Dama das  Camélias de Alexandre Dumas filho?  E  Jacques, o fatalista de Diderot?

Passemos agora  para a America do Norte  e  citemos Mark Twain (1835- 1910 )  autor de  As Aventuras de Tom Sawyer,  Huckieberry Finn. O tema é muito extenso  e vale  a pena ser pesquisado .
Vamos agora para o Brasil. Começando por Machado de Assis, ( 1839 – 1908). Os seus romances, da segunda fase, quando abandona o romantismo, leva  o  nome do personagem principal: Dom Casmurro,, Quincas Borba  Esaú e Jacó . Memórias Póstumas de Brás Cubas r Memorial de Aires.

Outro ilustre romancista brasileiro, Lima Barreto, (1821 – 1922) seguiu o meso ritmo da tradição, criando personagens inesquecíveis que dão títulos aos seus romances; Vida e Morte de M J Gonzaga de Sá, Clara dos Anjos, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Recordação do Escrivão Isaias  Caminha.


 Bom. Eu acho que a tradição de titular o romance  com o nome do personagem principal ainda não faliu, pois o capitalismo privilegia a disputa pessoal, o sucesso biográfico,  se bem que conhecemos na literatura brasileira  romances cujo o titulo simboliza uma comunidade embora a sombra do personagem principal, como por exemplo o Cortiço de Aluísio de Azevedo. O Ateneu de Raul Pompéia, São Bernardo de Graciliano  Ramos; esse podia  ser chamado  de Paulo Honório. Mas Graciliano sabia o que estava fazendo. Foi além da individualidade do personagem. Deu lhe apenas  permissão para escrever a sua história e reconhecer o seu fracasso.   

       

rio seco


Lembro de quando naveguei este rio nos vapores de Palmeirais. Navios de ferro fundido que a queima de lenha (depois o diesel) movimentavam gigantescas pás laterais singrando as profundas e caudalosas águas do Parnaiba. Em camarotes ou redes nos convés viajantes acompanhavam as margens de canaranas, pescadores em pequenas canoas e, nos portos, as mulheres batiam roupa e secavam no quarador. 
Hoje o rio morre asfixiado em bancos de areia. A reserva hídrica da minha terra se esvai.
A capital do Piauí se encostou no Rio porque ele era o caminho que levava ao litoral e ao fundo do sertão, no interior. Até hidroavião pousou nas suas águas.
Hoje esquecido morre numa cidade que não cuida da sua história.
Só a saudade pode atestar o que foi outrora um Parnaíba que agoniza no cais de uma cidade que não mais o quer.

(Edmar)
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Foto roubada de Kenard Kruel Fagundes me fez escrever este texto num celular.

sincity

(Ofélia, Millais, 1852)

Eu te reconheceria morta

Em qualquer crime da cidade
Ainda que teu corpo decomposto
Encontrado sob a Ponte da Amizade,
Ainda que o salto do alto do Eurobusiness
Te desfigurasse o rosto
E aos cães e transeuntes teu coração
Bombeasse exposto,
Eu te reconheceria morta
Em qualquer crime da alta sociedade.

(Valciãn Calixto)

quando o império morreu de sede

Em 1889, uma grave crise hídrica só foi resolvida com a mobilização do povo, uma imprensa combativa e a habilidade de um jovem engenheiro. O governo não durou muito

Rodrigo Elias e Marcello Scarrone
3/2/2015



         
Rio de Janeiro, capital do Império, início de 1889. O clima é quente. Auge do verão, a cidade alterna períodos de calor e secura com dias de chuvas torrenciais. Não há um sistema de esgoto eficiente. Áreas alagadiças no entorno do centro urbano favorecem a proliferação de mosquitos, hospedeiros de doenças que assolam toda a população desde os tempos da colônia. No final do século XIX, médicos e cientistas já haviam percebido a relação entre epidemias tropicais e a má-gestão da água.


As semanas passam, as chuvas rareiam. O calor aumenta. Com ele, a febre amarela. Aqueles que podem, tomam o trem e sobem a serra de Petrópolis. Aproveitam, como Pedro II e sua família, o clima ameno da cidade imperial. Na corte do Rio de Janeiro, fica quem tem que trabalhar. Ou seja, a maioria da população.
Dois de fevereiro. A epidemia aumenta. A Revista Illustrada, tocada pelo redator-caricaturista Angelo Agostini, propõe “medidas sanitárias” para resolver o problema. Entre elas, aumentar o abastecimento de água. Ao longo do mês, o problema se agrava. No dia 9, o mesmo semanário denuncia a situação alarmante: enquanto o surto de febre mata crianças indefesas, os funcionários do governo não fazem nada além de consultar livros e escrever ofícios.

O carnaval vai, a febre amarela fica
Final de fevereiro. O carnaval se aproxima. Os problemas continuam. Mas o que importa é a festa. O centro das atenções, no início do mês seguinte, é a Rua do Ouvidor. A rua é estreita, mas é ali que passa o Zé Pereira abrindo os festejos, no domingo. Na segunda-feira, Os Tenentes do Diabo. Os últimos a passar, levando o público nas janelas à loucura, na terça-feira, são Os Democráticos e Os Fenianos.
Agora o problema divide a opinião pública. De um lado, partidários do governo, como José do Patrocínio, que abandonou a causa republicana, eternamente grato à princesa Isabel. A tribuna de Patrocínio é o jornal Cidade do Rio, que dirige. Do outro lado, críticos do Império, como Rui Barbosa. Seu palanque é o Diário de Notícias, que assumira naquele mesmo mês de março.Na semana seguinte ainda se fala na festa, mas a maior preocupação é outra. A mesma Revista Illustrada abre os olhos do público: o carnaval vai embora, a febre amarela volta para ceifar mais vidas e os ministros, sempre distantes das necessidades reais da população, voltam para o ameno refúgio em Petrópolis. A primeira página da edição de 9 de março traz uma charge que ironiza o ministro da Agricultura, Rodrigo Silva, que tropeça na questão da falta d’água.
O jornal de Patrocínio tenta minimizar a crise. Diz, na edição de 9 de março, que o problema não é deste governo (o jornal governista conseguia livrar a cara de um governo que já tinha quase cinco décadas). A falta d’água, argumentava, é uma questão antiga e, para resolvê-la, é necessário pelo menos um ano de trabalho. Sabe-se que os dois meses de estiagem, aliados às altas temperaturas e ao aumento do consumo de água – reflexo, sobretudo, das questões sanitárias – transformava o problema em uma verdadeira crise de abastecimento. Portanto, a responsabilidade, na visão da imprensa aliada ao governo, era dos administradores anteriores, do clima e, é claro, das pessoas que consumiam água.

O povo vai às ruas pela água
O editorial do Diário de domingo, 10 de março, na primeira página, afronta o governo sem rodeios. A febre amarela, que já tomou a cidade e agora se alastra pelo interior, é apenas uma consequência. A causa, a seca. A solução: “água, água, água”. O governo, diz a matéria, não a coloca ao alcance da população por que não quer. Aponta uma possível saída: as águas da Serra do Comércio, a cerca de sessenta quilômetros ao noroeste da cidade, atual Baixada Fluminense. A redação do jornal ouve alguns especialistas e declara ao público que o problema pode ser resolvido em apenas seis dias. O editorial tem como alvo o Ministério da Agricultura, que barganha os preços de mananciais próximos à corte. Seus donos pedem 470 contos de réis. O ministério oferece quatrocentos – a falta d’água era, para os entes privados que controlavam as suas fontes, uma ótima oportunidade para lucrar.
O jornalista é enfático: “Estamos vendidos à peste por setenta contos de réis” (em anúncios do Jornal do Commercio daquele mesmo ano, o preço de uma chácara em uma região próxima ao centro da cidade podia variar entre trinta e cinquenta contos). Mas não fica nas afirmações. Convoca a população: “Se o povo do Rio encher a rua e disser que quer e terá água, tê-la-á.” A discussão ganha as ruas.
No dia 11, o jornal de Rui critica novamente o governo, divulgando o número de mortos pela febre. A reação popular é imediata. No dia seguinte, terça-feira, 12 de março, cerca de duas mil pessoas marcham no centro da cidade em um protesto pedindo água – uma quantidade nada desprezível para as demonstrações públicas na época. O povo carrega estandartes e cobra providências. O movimento é desqualificado pelo jornal Cidade do Rio, que o chama de “passeata fúnebre”.
Um dia antes do protesto, entretanto, o governo já se via encurralado, situação que só se tornou mais urgente com o povo na rua. Rodrigo Silva procura o Diário de Notícias para entrar em contato com os engenheiros que prometeram acabar com a seca em seis dias. O jornal, controlado por Rui Barbosa, dá os nomes de José Américo dos Santos e de Luís Carlos Barbosa de Oliveira, profissionais experientes. No mesmo dia, o ministro incumbe o primeiro de levar a cabo as obras. Deveria desviar as águas da Serra do Comércio (atual Maciço do Tinguá, na Baixada Fluminense) para as cabeceiras do rio Tinguá, que também abastecia a corte. O editorial da edição de terça-feira, 12 de março, dia do protesto, aplaude a iniciativa do ministro. Elogio precipitado.
O engenheiro explicou ao ministro que conseguiria realizar a obra em pouco tempo, mas em apenas seis dias seria impossível. O ministro, vaidoso, diz que não há negociação. Seis dias ou nada. Obviamente, a tribuna de Rui não deixa barato. Diz que, caso o projeto tenha a previsão superior a seis dias, que a capital morra de doenças e sede – assim pensa o Ministério da Agricultura e, consequentemente, todo o governo. As palavras do editorialista expõem, assim, a aliança entre a inoperância e a arrogância em um dos mais importantes ministérios do Império.
É a oportunidade que o governo esperava para tomar as rédeas da situação. Outros engenheiros aproveitam a chance de entrar em um negócio rentável. Propostas são feitas através dos jornais, estipulando prazos para a solução do problema, que variam entre um mês e quarenta dias. Rodrigo Silva rejeita todas. O ministro anuncia que vai fazer as obras “administrativamente”, ou seja, com pessoal, recursos e projeto do próprio governo, sob a responsabilidade do diretor das águas da corte, Francisco Bicalho. Prazo estipulado: quarenta dias.



Frontin: Água em seis dias
A solução de Paulo de Frontin
O jornal governista de Patrocínio precipita-se e dá o caso por encerrado. Na primeira página, anuncia: “Está resolvida a questão do abastecimento de água.” Dá mais alguns detalhes do plano do governo, como a limpeza das tubulações de esgoto. Informa ainda que a epidemia diminuiu, desaprovando a atitude de certas pessoas que, “irresponsavelmente”, culpam o governo por tudo. Porém, no mesmo dia, o Diário lembra a promessa feita pelo ministro da Agricultura, há menos de uma semana, no Jornal do Commercio: se alguém apresentar um plano para trazer água à corte no prazo de seis dias, o governo não poupará despesas para concretizá-lo.
Sábado, 16 de março de 1889. Primeira página do Diário de Notícias, “Água em seis dias!” Sob este título, é publicada uma carta assinada por Paulo de Frontin. Seu autor, à época com 39 anos, um professor da primeira instituição do país dedicada à engenharia civil, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, propõe aumentar o abastecimento de água da cidade em 15 milhões de litros diários (o abastecimento normal, sem a se­ca, era de 70 milhões de litros). Diz que o prazo de seis dias é razoável e dá o preço de oitenta contos de réis. A compra dos mananciais, por sua vez, ficaria em menos de noventa contos.
O jornal de Patrocínio, que também recebeu a carta, faz troça com o ilustre desconhecido que quer, em um prazo menor do que aquele em que o Criador fez o mundo, matar a sede do povo.
Rodrigo Silva, já com a palavra publicamente empenhada e coagido pelo imperador, que o mandou analisar a “proposta do moço”, não tem o que fazer a não ser assinar o contrato.
No dia seguinte, um domingo, o Diário de Notícias afirma que, assinando o contrato com Paulo de Frontin, o Ministério da Agricultura assinou moralmente a própria demissão. Mas Silva não foi ingênuo. Apostou no fracasso de Frontin. Estipulou multas exorbitantes para cada dia de atraso. Não previa nenhuma garantia ao engenheiro no caso de imprevistos naturais ou descumprimentos por parte do governo. Aparentemente, estava mais preocupado em salvar a pele do governo frente às críticas da imprensa e das ruas do que em resolver efetivamente o problema de forma ágil e eficiente.
No mesmo dia parte a primeira turma de engenheiros e operários do Largo de São Francisco, sede da Escola Politécnica, cujo prédio abriga atualmente o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seguindo para a Serra do Comércio. O governo, que havia prometido ajuda no transporte da tubulação, nada faz. Segundo o jornal situacionista Cidade do Rio, tudo não passou de um mal-entendido. Já percebendo que havia comprado uma briga perdida, o periódico muda o tom. Diz que o povo pediu água e “água há de vir”.
Na segunda-feira, pouco antes das oito da noite, Paulo de Frontin parte do centro com uma comitiva de trezentas pessoas. Depois de uma hora, chegam à estação da estrada de ferro Rio do Ouro, na ponta do Caju. Enquanto os engenheiros conversam na plataforma de embarque, o trem parte. Às pressas, funcionários conseguem uma máquina e vão atrás do trem, fazendo-o parar. Os engenheiros não fazem cerimônia e embarcam em um vagão de bagagem, que é conduzido até o comboio.
O número de trabalhadores ainda é insuficiente. Os jornais publicam anúncios da Comissão Frontin convocando operários para a obra na serra, pagando cinco mil-réis a diária. Na quarta-feira, dia 20, já são quinhentos trabalhadores que, sob chuvas torrenciais, abrem cinco quilômetros de valas. Todos os dias candidatos se alistam para participar das obras. O leque social que os abrange é vasto. De “simples” trabalhadores braçais e estudantes de engenharia a médicos voluntários, entusiasmados com a iminente vitória da razão científica e da mobilização popular sobre as politicagens do governo central.

Água em seis dias
Na quinta-feira, dia 21, já são quase mil trabalhadores, mesmo sem a ajuda de operários prometidos pelo Império. Em telegrama, o correspondente do Diário de Notícias resume a situação: “Geral êxito, esplêndido triunfo.” No dia seguinte, 350 homens sob a orientação do engenheiro Carlos Sampaio abrem uma vala de quatro quilômetros e fazem uma calha com folhas de zinco ligando a cachoeira de Macuco a um novo reservatório, construído havia apenas dois anos, chamado Barrelão. Frontin organiza e distribui o trabalho em outras subcomissões, que, no mesmo compasso, vão dando cabo do projeto.
No sábado, Frontin descansou.
Os correspondentes enviam mensagens aos seus respectivos jornais e revistas, informando a vitória da empresa. A quantidade de água conseguida pelas obras é superior aos 15 milhões de litros propostos pelo engenheiro. A engenharia oficial, junto com o ministro e o diretor de águas, haviam, por outro lado, sido colocados em xeque. É o que noticia o Diário na edição de domingo, dia 24. Sua edição de segunda-feira, obviamente, tripudia sobre a desmoralizada burocracia imperial. Conclama Rodrigo Silva e Francisco Bicalho a dar vivas a Paulo de Frontin.
O engenheiro chega à corte naquela mesma segunda-feira. Ao contrário do povo, Rodrigo Silva não vai recebê-lo. Muito menos Francisco Bicalho, o responsável pelas águas da corte, que teve oito anos para resolver o problema de abastecimento. Tão falastrão quanto Silva, havia dito uma semana antes que o trabalho não poderia ser feito em menos de seis meses. Mas, tentando se redimir, o governo anuncia um contrato com Frontin para manutenção das obras. O agora ilustre personagem é conduzido com festa pelas ruas do centro, seguindo para a Rua do Ouvidor, onde discursa em frente às redações dos jornais. Entra na sede do Diário de Notícias e diz que a glória é do jornal.
O diário de José do Patrocínio, por sua vez, contemporiza. Na edição de terça-feira, aplaude o engenheiro, mas também louva o governo. Diz que sem o apoio e a compreensão do ministro Rodrigo Silva, os esforços de Frontin seriam inúteis.
A charge publicada no dia 30 de março pela Revista Illustrada, com toda a força das alegorias elaboradas por Angelo Agostini, resume todo o episódio. As águas trazidas por Frontin arrastam toda a ineficiente estrutura do governo, incluindo o ministro tagarela.
Pouco mais de seis meses depois o Império cairia, efeito de um movimento de militares descontentes e republicanos conspiradores. Mas suas engrenagens ineficazes já haviam sido expostas ao público por um desconhecido engenheiro e 17 milhões de litros de água. Em apenas seis dias.
Rodrigo Elias é editor e Marcello Scarrone é pesquisador da Revista de História da Biblioteca Nacional. Uma versão anterior deste artigo foi publicada na revista Nossa História, em setembro de 2004.


Garimpado por Marcos Ailton de Freitas


como um corvo cover



COMO  UM  CORVO    " COVER "   DE MIM  MESMO
DESEJO  GIRAR  CENTO  E  OITENTA  GRAUS
SÓ  PARA  VER  AS  IMAGENS   BORRADAS  NO  ESPELHO 
DO  INICIO//FIM   A N T R O  P O F A  G  I  C  A  M E N T E
ELES   QUE  SE  DANEM !!!!! 
NOS  SOMOS  GATOS, GATA
E  QUANDO   O  CIRCO  PEGAR  FOGO
ESTAREMOS  ASSISTINDO  DE  CAMAROTE
ESPICHADOS  E  SE   ESPREGUIÇANDO 
E .NÃO´ GASTAREMOS  NENHUMA   DAS  NOSSAS 7  VIDAS
ESTAREMOS   DEITADOS     
ETERNAMENTE  
EM BERÇO  ESPLENDIDO
AO  LONGO   DO  BELVEDERE AZUL

(Lázaro José de Paula)

O RIO QUE FAZIA UMA VOLTA...




O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Manoel de Barros

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garimpado por Cinéas Santos