quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Estrela de Belém
O Piauinauta, na noite de natal, viu riscar o céu uma estrela de Belém, que descambou lá pros rumos do sertão. Lembrou que Palmeirais, onde nasceu, primeiro se chamou Belém. Será que a estrela foi prá lá?
Feliz Natal pra todo mundo, que eu aqui sou feliz com Marcelina, Januária, Juliano e Janaina, meu particular espaço sideral.
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O Piauinauta sai numa quarta feira porque é Natal.Se você não aceitá-lo como presente bote debaixo da árvore. Alguem pode querer um presente qualquer.
OUTRO CONTO DE NATAL
para Viviane Fonseca
Aquele dia era diferente dos outros. Os carros buzinavam mais, as pessoas pareciam mais felizes, o sol era mais brilhante, o movimento de tudo era diferente dos outros dias. Foi fácil conseguir dinheiro para um refresco e um salgado no primeiro lanche do dia, antes da primeira hora de malabarismos no sinal. Nos outros dias, quase sempre, só conseguia comer alguma coisa à tarde. Foi de novo para o sinal e logo tinha grana pro almoço. Nem pensou em cheirar cola naquele dia. As pessoas, diferente dos outros dias, não estavam irritadas, brigonas. Riam, abaixavam o vidro do carro. As crianças, muitas crianças dentro dos carros, davam adeusinho, num cumprimento de sorrisos. Como era criança também, daquela vez sentiu uma inveja sem raiva de estar dentro dos carros. Almoçou sem pedir. Descansou de barriga cheia, que era um cansaço gostoso e dava sono. Fazia tempo que não se sentia assim. Despertou com um ho, ho ho, de um gordo papai-noel que passava na carroceria de um carro, ao som de um gingo-bel natalino, pedindo para as pessoas comprarem um presente de última hora na loja tal, que ficaria aberta até muito tarde. Nem lembrava que já era natal. E não podia ir pra casa hoje. Não tinha presente, não tinha natal, não podia voltar pra casa. Devia droga a uns carinhas no morro e fugiu, jurado de morte. Estava perto, mas muito longe se não podia voltar. O pai não tinha, a mãe chorava e rezava por ele, tinha certeza. Anoitecia, as ruas se esvaziaram e ficou triste. O pisca-pisca das luzes de natal nos apartamentos em volta. A felicidade lá em cima e a tristeza cá em baixo na solidão da rua vazia. A tristeza da noite trouxe a penumbra das poucas luzes dos postes. Mas as luzes coloridas do natal, piscando nos prédios, eram estrelas de Belém em várias casas. Nenhuma estrela dizia que ele estava ali. Nunca ficou tão só. Cheirou cola e se sentiu melhor no meio daquelas luzes de natal. Sentiu até que elas desciam dos prédios para ficarem perto dele numa árvore de natal cintilante. Adormeceu sob a marquise e sonhou que a estrela de Belém ficava acima do morro em que tinha sua casa. E que os três reis magos levavam presentes para o morro. Mas ele não estava lá. Estava só, sem manjedoura, sem família, sem presentes, sem natal. Era um filho de Deus bem mais pobre que o outro...
Natal
CANDIDATO À ACADEMIA
Quando eu era jovem, na minha província, arrogante, vanguardista, odiava as academias de letras, não sabendo que eu possuía a minha própria igreja onde queimávamos o nosso incenso juvenil. Hoje beirando a velhice, tão eufemisticamente chamada de terceira idade, já não me dou ao luxo esnobe de odiar nada. Minha mente, como um rádio, sintoniza todas as freqüências, admira todas as cores do arco–íris .
Neste momento, pasmem os meus amigos, proponho-me uma cadeira na academia Não pensem que é na APL, academia piauiense de letras. Proponho uma vaga na ABL. Nessa academia onde fecharam as portas para Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Mario Quintana, e muitos outros que o leitor pode nomear. E abriram-na cordialmente para Ivo Pintanguy, um cirurgião plástico. Talvez Freud explique. Beleza e imortalidade se refletem no mesmo espelho.
O meu desejo de entrar na academia é o chá, o chá das cinco, com torradas, junto com os velhinhos, vestindo aquele uniforme esquisito, chamado fardão, de estilo me parece barroco, rococó, numa palavra, extravagante. Quero ter a sensação de como aquele figurino vai sensibilizar o meu corpo, e como eu vou me comportar dentro dele. Outra coisa: quero ver a beleza das porcelanas, a sonoridade dos pires nas chávenas. Os enfeites vazados no bule. Não acredito que acadêmicos usem garrafas térmicas para servir o seu chá. Seria o cumulo da falta de bom gosto. Um bule clássico serve de emblema, sem duvida, à aristocracia das letras brasileira.
Tenho para mim que a academia foi uma das maiores invenções de Machado de Assis, seu principal livro enciclopédico, com o maior numero de personagens, que, vão se sucedendo, de gerações em gerações, embora, sejam imortais. E eu como sou um ser fictício, um ente de papel, gostaria de fazer parte deste sodalício, palavra bela que, me fez muita inveja, na juventude.
Agora me acho-me psicologicamente amadurecido para entrar na academia. Mas para adentrar as portas deste solene recinto, deste templo da imortalidade e provar do elixir da longa vida, quer dizer, de seu chá, com torradas, é preciso escrever livros, discursos políticos, manifestos. Parece que houve acadêmicos que, entraram na Academia, assim como guerreiros, que entram na igreja montados em cavalos, mais pelo fio da espada do que pelo bico da pena. Hoje a Academia inclinou-se bastante para o campo político, é tão obliqua e dissimulada como os olhos de Capitu. Talvez isto aconteça por uma questão de sobrevivência. Muitos personagens de Machado estão na Academia. Rubião, por exemplo, um grande finório que enrolou o filosofo Quincas Borba... Bentinho deve estar lá também, com certeza, pois escreveu Dom Casmurro. Exposto o meu desejo de entrar para a Academia Brasileira de Letras. Vou meter mãos a obra e começar a minha campanha eleitoral. Para isto, de antemão, vou rezar para que alguns velhinhos tomadores de chá morram o mais rápido possível as despeito de toda sua imortalidade, pois quanto mais vaga no Cenáculo melhor. Eu já li em algum lugar por aí, como é, mais ou menos, o ritual, os procedimentos, que se deve seguir para angariar votos e simpatia para ser eleito. Quem melhor talhou este ritual para arranjar votos, e foi eleito rapidamente, chama-se Paulo Coelho. Talvez tenha feito magia. È um mago. Não teve dificuldade de entrar na Casa do bruxo Machado de Assis. E não venha com esta de dizer que Paulo Coelho não é escritor. É sim. Vou escrever uma carta, com o mesmo teor, para todos os acadêmicos, e desejar-lhes Feliz Natal e próspero Ano Novo. Pode ser que não seja eleito logo na primeira investida. Sempre é bom arranjar um padrinho, alguém lá de dentro que sensibilize os outros acadêmicos. Não vou desistir. Um dia chego lá. A academia está de portas abertas para quem quiser vestir o fardão da República das letras. E quando um belo dia, eu chegar a academia, vou matar duas lebres com uma paulada só. Pois na condição de imortal, e autor que ainda não é defunto, eu tenho certeza que a academia piauiense de letras me abrirá as portas por unanimidade. E aí eu vou apadrinhar o Kenard Kruel, que também está doido para ser membro deste sodalício..
O QUE CADA UM MERECE NA CARA
quando recebeu uma torta na cara
Jean-Luc Godard começou a tirar
a torta da cara com o dedo e comentou
(levando o dedo à boca):
“a torta está uma delícia”
José Genoíno devia ter tido a mesma reação
mas não
ninguém lhe jogou na cara o dedo duro
de um morto em Xambió-ah!
que papelão
jogaram uma galinha na Marta
fiquei na minha
não dá farofa farinha com farinha
eu jogaria um violão na cara do Sérgio Ricardo
um veado nos braços de Kassab
quem sabe?
jogaria uma cueca na cara
do Wando da calcinha
e ficaria na minha
jogaria um disco de cera
quebrado
na cara do Flávio Cavalcante
não jogaria bacalhau
na cara do Chacrinha
na cara do Maluf
um Vulcabrás sem mais
e no cu um vibrador lhe enfiaria
afinal
estupraria mas não mataria
jogaria uma sapato gostosa
o que é que tem?
nos braços da prefeita
de Fortaleza
lá no Pecem
jogaria um beijo
nas bochechas da Bündchen
seria uma beleza
e me jogaria avec plaisir
nos braços da Bruni do Sarkozy
o Bush?
agir como ele age!
(e na minha cara mesmo
só poemas safos de Bocage)
não jogaria um sapato em sua cara
hesito, temo mas não tardo:
na cara do Bush jogaria um petardo
Durvalino
16.12.2008
Flor sobre rodas
O HOMEM TRANSFERIDO
Próximo da virada do ano, sinto-me o homem transferido, conduzido para lá e para cá, sem autonomia, dependente das pessoas e das circunstâncias.
Há uma semana a situação era outra. Andava pelas ruas de Sampa sob devaneios libertários. Pensava no quanto são pouco importantes para a esquerda de hoje os únicos marxistas que para mim valem a pena serem conservados após o óbito da idealizada revolução que prometia pôr o planeta nos eixos: Rosa de Luxemburgo e Antonio Gramsci. Pensamento dialético, para Rosa, era, sobretudo, ter respeito pelas convicções contrárias. Enaltecia a dúvida, o espírito crítico (e autocrítico) constantemente alerta, a radical tolerância às diferenças, para evitar a radicalização sectária e revanchista que mais tarde conduziu os países sob governos marxistas a regimes de exceção mais bárbaros do que aqueles que seus dirigentes haviam combatido. Gramsci foi mais longe. Enquanto para a plêiade marxista tudo o que importava era a política – até um peido era um ato político –, para ele a função da revolução era meramente aprimorar o processo civilizatório, para propiciar sistemas mais justos. Foi o primeiro comunista a aceitar o jogo democrático. Mas fazia um alerta: se a política prepondera em uma nação, é porque as coisas não vão bem.
Estas foram minhas últimas divagações, quando o farol verde para a passagem de pedestres se abriu. Ainda olhei para conferir se os carros tinham mesmo parado. Quando estava quase chegando ao canteiro central da avenida, a senhora à minha frente gritou "cuidado". Nos milésimos de segundos seguintes fui "transferido" de onde estava para uns quatro metros adiante, sobre o jardim do canteiro (o que me salvou a vida), com os seguintes resultados: uma perna quebrada (e os músculos gravemente feridos), um braço com múltiplas fraturas, um rim bastante ferido, um olho com descolamento do vítreo (causa interferências na imagem, com a sensação de mosquinhas rodopiando o campo de visão) e escoriações até na cabeça do pau. Claro que Rosa, Gramsci e os esquerdistas boçais do nosso tempo nada tiveram a ver com o que aconteceu. Apenas mais um motoboy irresponsável que, num ato político homicida, passou a toda pelo sinal vermelho.
Daí por diante, vivi o purgatório danteano. Por desleixo, não tenho plano de saúde. Fui transferido de hospital para hospital, só conseguindo passar pela cirurgia – que deveria ser de emergência – quatro dias depois. Nesse período, estive nos cenários mais sórdidos desse nosso medieval sistema público e privado de saúde. Passei por todo tipo humilhações e contaminações possíveis. Respondi a dezenas de questionários idiotas. Usaram-me como caso para aula prática para alunos de Medicina. Nenhuma das minhas solicitações foi atendida e nenhuma das minhas dúvidas respondidas. Sobrevivi graças ao empenho desesperado da minha mulher.
Estou bem? Resignadamente, respondo a todos que sim. Vou dizer o quê? Meus visitantes estão tão eufóricos com a virada do ano, apesar dos auspícios da crise, e não gosto de jogar merda no pirão de ninguém. De vez em quando o bostinha que quase me matou telefona. Liga choroso para saber como estou. É evangélico. No final da conversa, sempre deseja que Deus fique comigo. Ao que respondo da mesma forma: muito agradecido, mas prefiro o meu Deus, do qual não cobro nada, nada me cobra, respeita os sinais de trânsito e preza a vida das pessoas.
Para finalizar da forma mais idiota possível, conforme a etiqueta de fim de ano, desejo um bom 2009 para todos. Da minha parte, para o ano que entra e para os demais vindouros, ficarei com um olho no gato e o outro no peixe. Melhor dizendo, um olho na vida e o outro no trânsito.
Terra Natal
O que resta em mim de minha cidade
Tirei da sua raiz e de seu humo
Do seu chão não tenho mais saudade
Nem do balanço de seu fio de prumo.
O que resta em mim do quarteirão
Da esquina da praça e da igreja
Postais perdidos riscos do borrão
De um passado um eco que flameja.
O que resta em mim do som do sino
Do Parnaíba correndo no seu leito
Da minha calça curta de menino
É este soneto molhado que derrama
Da raiz do humano do meu peito
Feliz Natal, ou NO PAÍS DE BETTY E MADONA, E ARREDORES
Betty Boop, essa mulherzinha sensacional, personagem de desenhos animados, criada por Max Fleischer, fez sucesso nos states e no mundo todo, na mesma época da grande depressão e do Al Capone, mestre em imundas falcatruas e bárbaros assassinatos, pelos quais passou quase incólume. Dançou porque fraudou o imposto de renda. A pequenina e formosa pin-up foi censurada na época, por dançar com o cachorrinho Bimbo, seu namorado, em trajes menores, com as coxas de fora não podia (por aqui, a xuxa não foi molestada, trepar com ursinho de pelúcia pode).
Órgãos de informação, hora e meia, teimam em comparar a grande depressão com a queda de pressão sanguínea, momentânea, dos atuais big shots da especulação desenfreada. Os grandões tomam apenas pequenos sustos dentro de suas limousines, no percurso pavimentado até o próximo cassino, sem problemas. É como se fosse um escorregão da Madonna. Ela levanta rápido, e continua o seu chôu, lépida e fagueira. Nossotros continuamos dançando ao som de “Soy loco por ti, America”.
“Sifu” mesmo é quem comprou ou negociou os papéis podres vendidos por esses profissas.
O mais engraçado de tudo isso é que, lá nos anos 30, o governo americano não dispunha da altíssima tecnologia da qual dispomos hoje, desde a escuta telefônica até os mais sofisticados aparelhos de rastreamento, sem falar nos aparelhadíssimos birôs de contra espionagem e contrainformação.
Com todas essas vantagens, os nossos modernos iluminados cabeções não descobriram na-da, na-da, nadinha, mermão! Méritos pros contadores, técnicos e detetives das antigas, com suas maquininhas mecânicas de manivela, à luz de velas, com lupas embaçadas, noites e mais noites pesquisando, escarafunchando, vigiando...E conseguiram enjaular talvez o maior gângster de todos os tempos, bró !
Escorregando para os nossos dias, agora, cagar regra depois do acontecido, há, há, há, Miriam Leitão e PAUL VOLCKER (me perdoe, oh! meu querido Paul, de tantas contribuições científico-econômicas para a humanidade, colocar-te aqui junto com essa lesma lerda!). É mole ? ”Indícios havia...sinais de alerta...alguns observadores já haviam detectado...” Ora, vão todos pra bolsa que ruiu !...
Bicho, aqui na terra do Zé Carioca, desde a década de 30, quando já se fazia uma fezinha no tradicional “jogo do bicho”, valia o escrito e vale até hoje, viu ?
Nessa mesma década do Capone também valia o escrito: tantos por cento pro chefe de polícia fulano, tantos por cento pro senador sicrano, tantos por cento pra obra de caridade de beltrano, estava tudo nos conforme.
Na terra da Betty Boop e da Madonna, pasmem, indagorinha mesmo, não valeu o escrito!
O papel era de mentirinha, tal e qual a encantadora personagem, só existia nos desenhos animados. Boop-Oop-A-Doop !(tradução: bu-bu-pi-du!)
E a face do papel foi desbotando, desbotando, assim como a maquilagem da Madonna, ao término de mais uma de suas feéricas apresentações, deixando evidente o cansaço, as rugas e a envelhecida face real de um sistema decrepto, que teima em “circular” pelo mundo, feito um papai noel mortovivo, sem uma tumba para descansar o sono eterno.
Dá pra ouvir algumas palavras, murmuradas bem baixinho, pelo combalido e maltrapilho velhinho, ouçam:
“Ho! Ho! Ho! Onde fica o próximo cassi... No! No! No!”
anoquevemsejafeliz
UM CONTO DE NATAL
Nasceu num quarto de chão batido, o mesmo chão lambido pela vaca e pela cabra em busca do sal da terra. Debaixo do mesmo sol que ressequia o sertão e evaporava a água que não tinha. Maria lhe deu o nome de José, como o pai. José de Jesus, como promessa da redenção por novo provir. O mês era dezembro, o dia vinte e cinco, mas que tanto fazia ser outro dia como todos tão iguais. Vingou, como José Antônio, José Francisco, José Pedro, Maria das Dores, Maria de Fátima, Maria do Amparo e Maria de Jesus, esta também como ele, nascida em outro Natal. Os santos marcavam o calendário do tempo que era de uma seca toda igual. Os outros, tantos quantos os vivos, morreram na primeira desavença do ser com o mundo. Febre e caganeira mataram mais de três. Catarro e tosse braba uns dois. Fraqueza e quebranto outros tantos. Nem dos nomes ninguém mais lembrava. Mas com ele Maria teve mais esperança. Não só de vingar, como em mudar a sina de quem se acabava em cima daquela terra, na qual mais se colhia sofrimento do que de comer. Mas é dos resistentes que o sertão é pátria. Do filho deste solo és mãe, gentil pátria minha sertão. Este José de dezembro ficou taludo, escapando de todas as artimanhas do árido. E começou a gostar das dificuldades. Um dia foi embora tentar a vida no sul. Morou na casa de uns primos, filhos do tio Baltazar. João Batista foi seu condutor na cidade grande. Ensinou o caminho do Rio das Pedras. Pedro e Lucas hoje contam suas aventuras. Pois que José de Jesus ganhou muito dinheiro na cidade grande quando mandou buscar Maria e seus irmãos. José, o pai, já tinha falecido. Maria agradeceu a Deus pelo filho que tivera. No seu barraco na favela tinha um conforto tão grande que nunca vira no sertão. Água encanada, então, Deus é pai. Televisão e luz elétrica era mais que milagre. Comida no prato, todo dia, era muito mais do que desejara. Enquanto viveu este filho só lhe deu alegria, até ser atravessado por um tiro de fuzil, no alto do morro, em confronto com o caveirão da polícia. Subiu aos céus na semana santa. E em todo Natal Maria lembra do filho imolado para que seus irmãos tivessem uma vida mais decente nesta terra abençoada. Toda segunda feira Maria acende uma vela pro seu Jesus. E esta segunda feira é véspera de Natal...
AGORA
Agora
Que você resolveu
Querer estar
Agora
Que percebeu
Sentir amor
Depois de tanto tempo
Refletindo
Tanta dúvida
Ao me olhar
Agora que sorriu
E disse venha
Agora
Me convença
A ficar.
Copacabana
Alguem sonhou comigo
Às vezes sinto-me tão bem
Que chego a pensar
Que eu sou o sonho bom de alguém
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Pedra Furada
O AFETO QUE SE ENCERRA
Amigo é coisa pra se guardar do lado não sei do quê das canções que escutei. Mas é mais. Amigo é pedaço, cultivo da semente da planta que a gente quer bem. É nossa construção e fica fazendo parte de nós. Quase como um órgão vital que faz o nosso ser funcionar e às vezes nos adoece.
É que têm as desavenças, as discordâncias da gente com a gente mesmo. Se é das amizades se tolera os atropelos. Mas há a possibilidade do rompimento. Não é que se queira, mas há. E pior, a gente nem sabe quando foi a ruptura. É muito depois que se descobre a quebra. E aí não há possibilidade de descobrir onde aconteceu. Um acúmulo. A tal da gota que transborda o copo e não tem nada com o derramamento do conteúdo. Aquela última gota coube, a outra é que saiu. E quando se torna fato o que não se quer é de um sem jeito danado. Outro dia me senti assim. E a gente fica sem entender que um pedaço seu tem que ser extirpado na cirurgia dolorosa dos encontros.
E aquela pessoa, tão amigo seu, se distancia na imensidão de um espaço que se não conhecia. E é como se nunca estivesse estado ali próximo. É na distância que se colocam as divergências insuperáveis. Porque as há. Não que se queira, mas elas se impõem. E a fase de uma separação de amigos é dolorosa, como é a falta de um pedaço seu.
Mas mais dói, mais destrói a alma, é descobrir a dor da insignificância do tempo que teceu aquela amizade. Uma dor de que aquele tempo enorme parece nunca ter existido. Que é uma dor de alívio, como já não existisse razão até de se falar deste assunto. Mas de quê mesmo se estava a conversar? Ah! Cantando música de amigo que já não há. O que se imagina é mais verdadeiro que o que se percebe. O que era um amigo pode muito bem ser um bom filho da puta. E ai a gente se acalma porque o filho da puta pode ser eu, do lado de cá de nós também. Não ganhamos o jogo, mas o empate pode ser um resultado além das expectativas. Porque não há um lado que fica ruim, mas os dois juntos saem bem, passada a contenda. Não foi o amigo que deixou de ser. Mas o eu, dentro de nós, na construção do que não tinha...
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ILUSTRAÇÃO: Amaral de Teresina, o gênio dos traços computadorizados.
ÍNFIMA
Digo às palavras
Que teimam em fugir
De mim
Não quero mais brigar...
Mas façam-me uma sentença
que faça sentido
e eu as deixo em paz...
não peço mais que um sentido...
Não me importa o véu
que se danem as certezas
que proliferem dúvidas
não me importa
mas não me roubem um sentido
uma ínfima afirmação
que me permita
o recomeço
que me devolva
o traçado
a trilha
o fio que me reconduza a ti ...
Encontro Sinistro
De repente, ao passar pela praça da Bandeira, vi, ao pé de uma estátua, a figura de um amigo, vestindo calça e camisa vermelha. Há mais de três anos eu não o avistava. Pois fazia muito tempo que eu não voltava a minha cidade. Agora estava de volta, sentido o clima, tentando ver se valeria a pena voltar de vez, para sempre, ao meu berço natal. Notei, que, meu amigo, mesmo olhando para mim, não deu sinal de vida.
Na verdade, quando o vi, achei-o velho, decrépito, duvidei que fosse ele. Tomei um susto. E não fiz nenhum movimento para me aproximar dele e cumprimentá-lo. Olhei para ele disfarçando e como não vi nenhum brilho nos seus olhos encravado em seu rosto, pálido, desisti, e arrepiei caminho. Se fosse mesmo o meu amigo, teria correspondido o meu olhar e me dirigido a palavra. Mas que parecia com ele, parecia, descontando um pouco as feições envelhecidas.
Ele ficou para trás, escorado, na estatua de um morto famoso.
De repente me deu vontade de mijar. Se estivesse em Roma, rapidamente teria mijado, por que lá existem muitos banheiros públicos entre suas velhas ruínas, e até as estatuas se dão ao prazer de mijar ornando lindas fontes. Mas eu estava em Teresina à margem do rio Parnaíba. Calor quarenta graus.
Procurei um banheiro fora da praça, em um bar. Não foi fácil. Finalmente encontre-o De bexiga aliviada retorno para a praça pelo mesmo caminho.
De repente tomo um susto de novo. Agora é o meu amigo mesmo de verdade que está ali. Não é uma alucinação, embora o sol esteja quase derretendo a minha moleira. Só que não está mais perto da estatua. Está sentado em um banco. Eu o vejo e o reconheço. Chamo-o por seu nome e me aproximo dele. Dou-lhe um forte abraço. Aí conto - lhe minha história recente.
- Não podia ser eu mesmo. Cheguei aqui agora.
Digo-lhe que a única diferença é que ele está vestido de preto, o outro estava de vermelho.
Começamos a recorda a nossa infância e adolescência na rua Campo Sales. Eu falei que estaria voltando para a cidade onde moro, na quinta feira, dia 30 de outubro. Estávamos no dia 25. Ele pediu o meu telefone para telefonar no outro dia e marcar um encontro para tomarmos umas cervejas. Até me perguntou se eu ainda bebia. Ele também me deu seu telefone. Despedimo-nos. Como estava de preto eu pensei que estivesse de luto de alguém. Mas preferi não perguntar.
Passaram-se três dias. Nada de meu amigo me telefonar. Resolvi ligar para ele. Atenderam de uma agencia funerária. Perguntei por ele.
- O Fausto?
- Sim. O Faustino.
- Está morto. No cemitério.
- Que dia ele morreu?
- Amanhã é sua visita de cova.
Bati o telefone, sem entender nada. Depois deste acontecimento resolvi que não voltarei mais a Teresina nem a passeio. Pois toda vez que chego nessa cidade tenho noticia da morte de um amigo.
Anotação Instigante de Lima Barreto no Diário do Hospício
ASSUNTO
EU AMO A BOMBA
COMEÇAR DE NOVO
UM CASO DE AMORROR
Faz tempo que não que não me escutas
Tu dizes que meus uivos ferem teus ouvidos
Faz tempo que não passeamos agarradinhos
Tu dizes que tens pavor da noite
Faz tempo que a gente não namora
Tu dizes que meus pelos eriçados te arranham
Faz tempo que não dormimos juntos
Tu dizes que minhas garras e meus dentes te machucam
Faz tempo que não brindamos nosso amor
Tu dizes que tens nojo de sangue jorrado
Faz tempo que não jantamos a sós
Tu dizes que te enjoa a carne crua
Faz tempo que não recebemos amigos em casa
Tu dizes que eles se portam como cães danados
Faz tempo que não vamos ao cinema
Tu dizes que não gostas dos filmes do zé do caixão
1000TON
1000 nudes
Giuglielmo Marconi, 1870. Subtraído de Joca Oeiras que publica esta preciosidade e várias outras do livro "1000 nudes" da editora "Taschen". Uma raríssima coleção de nus entre 1839 - 1939.
Um Conto de Luíz Horácio:APENAS OS IDIOTAS CONSEGUEM EXPLICAR O AMOR
para Rejane
Quando ele veio trouxe uma mala velha cheia de livros. Naquele mesmo dia enfiou-a embaixo da nossa cama. Todas as manhãs colocava a mala em cima da cama e ficava a olhar e chorar em meio às páginas dos livros. Um dia tomei coragem e perguntei a razão daquilo e ele respondeu que chorava pelas pessoas tristes que assim eram porque não tinham coragem de chorar. E chorou ainda mais, dia após dia, depois daquele dia.
Quando ele veio, também trouxe consigo uma outra mala, não tão velha, cheia de CDS. Tinha de quase tudo, de jazz a bossa nova passando por MPB, samba e rock. Alguns ele costumava ouvir no carro, mas a maioria escutava em casa quando me mostrava e se entristecia por eu não gostar. Com a música ele não chorava, mas não parava de fazer anotações a cada disco que escutava. Dizia que as músicas acordavam lembranças e que tudo que escrevia resultava dessas recordações, por isso anotava.
Ele gostava de rir, agora eu sei que ele ria para encobrir a tristeza. E ele era triste por tantas coisas, um dia, a garrafa de vinho pela metade, me confessou que tudo o entristecia e que por isso pensava seriamente em se matar. Sei que foi feliz comigo, que foi feliz com o que eu podia lhe dar; não posso almejar mais do que isso. Em primeiro lugar, porque ele não me permitia outras ações, em segundo; porque ele era assim e mais tarde entendi o porquê de ele viver dizendo que as pessoas não mudam. Ele bem que tentava, mas não conseguia mudar.
Uma vez uma amiga o aconselhou a rezar e ele disse que não acreditava em rezas e tampouco em Deus.Como crer em alguém capaz de prometer uma vida eterna à uma criança e logo permitir que ela morra com pouco mais de dois meses de vida.
Anteontem, no começo da noite ele ligou o computador e me chamou.
-Sim.
-Gostaria que você lesse e me desse sua opinião.
Ele tinha acabado de escrever mais um de seus livros. Antes de ler tomamos uma garrafa de vinho.Depois, vim para o computador, ele sentou no sofá e mais uma vez começou a ler o Dom Quixote. Por volta das quatro da manhã terminei de ler o livro. Não sabia o que dizer. Ele dormia no sofá em minha frente, acordei-o.
-Leu?
-Li.
-Está bem escrito?
-Está.
-E da história, você gostou?
-Primeiro quero saber se você gostou? Você gosta das histórias que cria?
-Gostei, gosto.
-Mesmo com tanta dor, tanta morte?
-A morte é o apogeu da dor. Mas dói, escrever me dói tanto, meu amor, me faz sofrer tanto,eu me vingo de mim, eu me vingo...
Vivo a me perguntar: será que um dia conseguirei me consertar?, às vezes me canso de mim...queria tanto ser mais útil para aqueles que precisam de mim, principalmente meus filhos. Preciso escrever um livro sem defeitos. E afinal, você gostou?
-Preciso ler de novo.
Mas saiba que essa insatisfação não é sua apenas. Eu poderia fazer muito mais se não fosse tão desorganizada e até certo ponto "irresponsável". Por certo, poderia dar uma condição de estabilidade futura muito melhor a meu filho, uma qualidade e vida melhor a meu pai e mais tranqüilidade a todos que me cercam.
Não seja tão duro com você.
Sofra, porque isso é inevitável, sempre podemos fazer melhor. Sinal de consciência, mas não tanto que aniquile com sua felicidade. Por favor!Por que eu dependo dela.
Seja um pouco mais modesto. Aliás, não. Quem sabe possa escrever o tal livro perfeito, afinal você é você.
-Se você vai precisar ler de novo é sinal que está ruim, um livro bom não precisa de mais de uma leitura para ser entendido.
Levantou e saiu. Fui dormir.
Quando acordei ele estava escrevendo.
-Deixa eu ler de novo?
-Deletei.
-Você está brincando! Tinha umas frases tão bonitas, pena que não anotei.
-Agora é tarde.Estou escrevendo outro.
-Sobre o que é?
-É a história de um homem que tinha dois medos; de amar e de morrer.
Eu sabia que se tratava da história dele. Afinal de contas um homem que se separa cinco vezes é porque tem medo de amar. Se bem que às vezes fico em dúvida. Talvez ele não tenha medo de amar, o que ele faz é assustar com seu jeito de amar.
Lembro do dia em que ele me revelou que se descobrira apaixonado por outra mulher, mas isso não significava que precisasse deixar de me amar. Pedi que explicasse e ele contou que uma antiga colega de faculdade tinha revelado que sempre prestara atenção nele, tinha um interesse especial. Ele estava comigo e me amava, nunca tive dúvida, mas ouvir ele dizer que a ex-colega também lhe despertava interesse, não me fez muito bem. Tentei deixar pra lá, afinal de contas desde o começo de nossa relação me convenci que o que ele mais precisava era de amor e atenção.Nunca vi alguém tão carente e solitário quanto ele. Impressionante! Ele precisava de amor e atenção das pessoas que ele escolhia, não era o amor de quem precisava amá-lo. Coisa de enlouquecer. Não, não foi nem uma nem duas vezes que cheguei a pensar que ele estava ficando louco. Ao mesmo tempo me perguntava como um louco conseguia ser um amante quase perfeito. Louco ou quase louco não importava, eu o queria ao meu lado. Mas eu sofria.
-Querido, vou te amar pra sempre, no que depender de mim essa relação nunca terá fim.
-Deixar de te amar...só se eu enlouquecer.
-Mesmo assim, continuarei a te amar, te amarei feito uma louca.
Ficamos juntos um longo tempo e agora tenho que admitir que foi um erro. A pior escolha que uma mulher pode fazer é essa, viver com um escritor; estão sempre insatisfeitos. A ele tudo incomodava, nunca entendi a facilidade com que chorava, para que serve um escritor, por que não escrevem coisas só para a gente se distrair, por quê? Ele precisava da tristeza, da dor, para escrever.
Quando ele veio me trouxe um medo: que a cada mulher inteligente e culta que conhecesse, seria capaz de amar, afinal de contas tinha me dito que entendia ser amor sinônimo de liberdade. E de vez em quando se punha a falar das ex-mulheres;o que incomodava não eram as lembranças das fartas frustrações de seus relacionamentos e sim a lembrança/saudade dos momentos bons vividos com aquelas mulheres.Por que não as esquecia por completo? É assim, as coisas ruins existem para nos fazer lembrar das coisas boas, eu não suportava, embora ele estivesse aqui, comigo.Sempre muito carinhoso. De tanto sentir medo escrevi um livro de poesia, todas sobre o mesmo tema. Uma é esta.
Acho que é impossível mascarar o medo
...o medo é uma merda...mas
De todos os medos que me castigam
Tem um que é especial
Ele se fantasia
Com as cores da crueldade e da compaixão
É mais triste que o medo da morte
Mais frio que o medo da noite
Ou mais alienante que o sonho da sorte
É o medo louco de não ser ninguém
de virar mendiga
Patética criatura do chão
Onde só fotógrafos sádicos
Conseguem focalizar poesia
Em tamanha degradação
Quando ele veio trouxe um vazio imenso que conseguimos amenizar, tinha dias que ao vê-lo tão triste me dava vontade de queimar aquela mala, parecia que as dores que o castigavam estavam todas ali. E ele fazia questão de renová-las.
Hoje pela manhã ele se foi.
-Por quê?
-Só tenho repetições a lhe oferecer, você merece mais.
-Mas que pretensioso, quem você pensa que é para dizer do que preciso ou deixo de precisar?
-Não sei de mais nada, tenho uma certeza apenas; tudo é muito triste. Em certos dias quase tive certeza do meu amor por você.
-E agora, agora...que dia é hoje? Dia da incerteza? Então quem sabe amanhã você tornará a me amar?
- Não estou brincando. Faz tempo que o amor é só mais um pedaço do meu sofrimento, cansei.
-Porra, mas que merda de amor é esse que opta pela separação?
-Esse é o meu amor, um jeito de amar que me desagrada, mas basta!, apenas os idiotas conseguem explicar o amor.
Hoje pela manhã ele se foi, não levou a mala.
Quando ele voltar...............
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Luíz Horácio, Jornalista, Escritor, Professor de Literatura, Porto Alegre. Autor dos romances "Perciliana e o Pássaro com Alma de Cão" (ed. Conex) e "Nenhum Pássaro no Céu" (ed. Fábrica de Leitura). Já meu amigo, sem o conhecer. Escreve pro Piauinauta da fronteira do sul do país. E o Piauinauta atravessa o Brasil. Foto: Paraty, Edmar.
LAVRA
Lavrar, lavrar e lavrar,
A lavoura como destino,
Mesmo em desuso das aras
Nesta última sesmaria.
Orar com o antes da hora,
De trinar os passarinhos,
Pão frugal e mãos à obra
Até à última ave-maria.
À forja com o que é músculo,
Na têmpera de cara e caráter;
Abrandar só ao crepúsculo,
A sede da impertinência.
E para que tanta lavoura?
Se a Terra não vale verde?
Se as ervas são bem daninhas
Se o trigo não é mais ouro?
Justamente, bem por isso,
Para agastar a esperança,
Na teima do todo dia,
Na faina da experiência.
Se há semente, haja sentido!
Ainda que ao fim e ao meio
Se saiba o que se sabia
Que o deserto é uma ciência.
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Recebi assim de Climério:
edmar,
um exemplo da lavoura cabralina do meu amigo Luiz Martins, com toda a secura da árdua labuta.
Climério.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Estômago
o homem e a faca
ABOIO
De primeiro
Quando eu era menino
Meu pai foi vaqueiro
Do meu destino.
O tempo foi passando
E a boiada cresceu
Meu pai foi aboiando
Até que desapareceu.
Virei um boi velho
Girando o meu engenho
Na roda da vida
Sem ouvir conselhos
Apenas me empenho
Em jogar a partida.
GRITO
Teresina num supetão
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Edmar, O Piauinauta está, mais do que ótimo, necessário. Por favor, não deixe de fazê-lo. Vou escrever, aqui mesmo, "de supetão", uma pequena coisa e se você achar que deve editar, você sabe:
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Não é que Teresina seja uma cidade pequena. Quase um milhão de habitantes?Não é culpa nossa. Nem que seja uma cidade atrasada. Aqui convivem espécimes da raça de todas as origens. Nossos mamelucos são fidalgos, e nossos portugueses são loucos por negras e índias. Até abandonaram o coitado do Fidié, na guerra da independência.
Não que Teresina não tenha evoluído: as moças já não rodam na praça PedroII. O Teresina Shoping é bem mais confortável. O Atlantic City recebe abanda Calipso com uma estrutura que nada deve às melhores casas de show de Chicago. E se Hollywood era fashion, lascou-se: nós também temos nosso Beverly Hills. Na área da construção civil, aí é que ficou porreta:
Teresina tanto se internacionalizou (é a globalização), que estamos prontos para receber turistas do mundo inteiro. E com uma grande vantagem: nem precisamos mais falar português. The International Theresyna que o diga: Irineu'fotos, Pallazo Poty, Atlantic City, San Pietro Residence, Aldebaran Ville etc.
Sem contar a grande vocação que Theresina revela com relação à sua capacidade quase esperántica de atrair esses milhares de turistas, mesmo que venham de Caxias, Sobral ou - e olhe lá - Araripina.
Ontem mesmo fui testemunha desse fenômeno: a agência de um grande banco resolveu a poliglotia. No estacionamento, uma belíssima placa adverte:"parking rotativo".
O que Teresina não parece ter mesmo é a cafonice do passado. Aquela cafonice que fez e faz nossos filhos e os filhos dos nossos amigos honrarem o Piauí. Aquela cafonice que fez e faz dos piauienses campeões das disputas de vagas em vestibulares, em concursos públicos, em medalhas de ouro no esporte (A Sara Menezes não atrai mídia, a bola da vez é a"Gysele BBB), com a dignidade do silêncio.
O que Teresina não parece mais ter é uma década sufocada, que fez os jovens talentosos da cidade ousarem com o superoito, com belíssimos poemas e lindas músicas, com arrojados projetos culturais, com a coragem política e com o destemor das paixões. E com Chico Buarque. Porque nem existia televisão, e ninguém morreu. E nem existia "banda calipso", e ninguém ficou histérico.
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Recebi essa crônica do Paulo Vilhena, mestre em jornalismo, professor da Universidade Federal. O mais surpreendente e que fui, com meus colegas de época, objeto da tese do mestre: imprensa alternativa no Piauí. Isso traz orgulho com velhice, o que é uma merda...
Mas você sempre será bem vindo neste espaço, Paulo. (Edmar)
Foto da Igreja do Amparo: Patricia Basquiat.
DOMÉSTICAS!
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Pancada! De volta ao Piauinauta, o poeta piauiense Durvalino Filho e o poeta paulista Aderval Borges juntam suas forças e saem em defesa das domésticas de todo o Brasil, numa correspondência que mantêm há anos, onde acertam os ponteiros de suas idéias nem sempre politicamente corretas. Agora, Aderval e Durvalino (Dervas e Duda, respectivamente, como se tratam nas missivas) saem de pau na classe média idiotizada do país, principalmente aquela que se acha de esquerda, bem pensante e pouco atuante.
Durvalino defende o direito que as domésticas têm de, nos lares onde trabalham, saberem que estão sendo filmadas, como acontece com todos nós ao nos depararmos com a infeliz plaqueta de todos os dias que diz: SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO.
Aderval radicaliza ainda mais: diz ele que as novas gerações que estão saindo só não são mais idiotas devido aos cocorotes e pescoções que um dia pegaram dessas heroínas do nossos lares. Confiram.
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Caro Dervas:
Eu sei que você lembra – às vezes chegávamos no Sujinho, na Vila Madalena, depois do ensaio dos Verdadeiros Artistas, e o clima era de esbórnia. No meio daquela confusão de bêbados e doidões, era comum nos depararmos com crianças dormindo em duas ou três cadeiras agrupadas, enquanto pai e mãe festejavam alucinados (às vezes só a mãe, outras só o pai). É isso mesmo! Falo em nome das empregadas domésticas, essas mesmas que praticamente educam os filhos desses putos e agora vivem sendo levadas para as delegacias, sob a acusação de agressão às crianças. Ora veja. Pai e mãe vão trabalhar na selva da cidade, vez ou outra ligam para as crianças em casa (na maioria das vezes nem se lembram), trabalham duro e, quando chega o fim do dia, esses putos não resistem e partem para a “happy hour”. Muitas vezes emendam e chegam em casa lá pras tantas, a mil por hora e com tudo (tudo mesmo) na cabeça.
Os pestinhas, portanto, passam o dia infernizando a vida da pobre doméstica, que tem que lavar, passar, fazer comida, arrumar a casa e ainda cuidar dos putinhos. Se estes não comem, a patroa acusa a qualidade da comida. Se bagunçam a casa, a culpa também é da doméstica.Ora pombas, essas pobres mulheres que moram lá na casa do caralho e que têm de pegar até trem para chegar em casa não podem nem dar um cascudo nos pestinhas para que comam tudo e parem de sujar o tapete! O que os patrões fazem? Escondem entre os livros que nunca mais leram uma sorrateira câmera digital de vários megapixels para flagrar a pobre doméstica dando um brogue na cabeça do desgraçado do moleque que não quer comer ou que está pegando em sua bunda.
Protesto! Exijo que os patrões, doravante, sejam obrigados a afixar em todos os cantos da casa a célebre plaqueta que a gente vê nas padarias, nos postos de gasolina, supermercados e até nas empresas onde trabalhamos: SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADA.
Em nome das domésticas, reivindico esta providência. Vamos levar essa questão para o sindicato dessas heroínas dos nossos lares. Tenho dito.
Duda
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Duda:
Esteja dito e reafirmo embaixo: as domésticas merecem todo o nosso apreço e estima, principalmente pelas merecidas porradas que dão nos moleques. Tô numa fase que não suporto mais moleques ou molecas. Estas, só levo em consideração quando têm um bom chumaço de pelos constituído acima das xotas. Meu instinto de paternidade está a zero. Por isso, minha solidariedade com as empregadas "do lar" é total.
Hoje, pus no clipping matéria sobre as projeções populacionais do Brasil e doutros países pra 2050. Vai decrescer a nacional, mas bem menos do que deveria. Certamente colaborarão em muito os milhões de sem-terra enfurnados em acampamentos pelo país afora, fazendo porra nenhuma, só mamando umas canas e mandando ver na senhora sem-terra, em prol de uma extensa prole de sem-terrinhas. Pena que não possam ter suas empregadas domésticas sob o barracão de lona, pra meter umas porradas nesses mal nascidos.
Quanto à classe média a que você se refere, prossegue sendo o primor da babaquice. Especialmente a de esquerda, que se acha bem-pensante. Os filhos desta, principalmente, é que merecem uns bons petelecos educativos. Para não repetirem o percurso dos pais. Estes (os pais machos) passam a vida na farinha boliviana e nas cervejadas diárias, não lêem porra nenhuma, não vêem porra nenhuma, mas têm extensíssimas opiniões formadas sobre tudo. Quando cabeças-brancas e barrigudos, contam lorotas - para os infelizes que se prestarem a ouvi-los - sobre as glórias do passado. Os pais fêmeas (as mães) dão pra todo mundo quando atrativas - graças a Deus, pelo menos isso - e depois que desabrocham as pelancas, viram místicas retardadas. Ainda bem que estão lá as domésticas pra casquetar uns cascudos nessa molecada, pra jamais serem assim.
Com exceção das domésticas, de todos que trabalham de verdade e das mulheres com xotas admiráveis que se dão a todos os prazeres possíveis, não tenho mais qualquer compaixão pelos da minha espécie. Mas minha compaixão é sobretudo baixíssima por crianças, tendo em vista a alta probabilidade de um dia serem parecidos com os pais.
Na linha da tua indignação com as afrontas dos pais às empregadas domésticas que dão uns merecidos corretivos em seus pimpolhos sem limites: Enervam-me atrizes/atores/manequins/cantores/esportistas e outros de formação limitada que arrotam publicamente que acreditam em Deus e soltam aquela ladainha melosa e idiota na qual até o bom Roberto Carlos já caiu.
Adorei uma entrevista do Edmundo (atualmente no Vasco), com a sinceridade que lhe é peculiar, dizer que quando um colega se declarava "atleta de Cristo", ele procurava manter distância, para não atrapalhar a dedicação do outro a Jesus.
Acabo de ler nas páginas dos limpa-cus do dia que um bostão chamado Fábio Assunção, ator de novelas, está licenciado da Globo pra se tratar. Caso evidente de cheirador que passou dos limites e não está mais conseguindo controlar a rotina de trampo. Daí o puto anuncia que vai tratar da saúde e que "Jesus guiará meus passos". Aiaiai.
A exemplo de Darlene Glória e Gretchen, que deram pra Deus e o mundo, e agora só dão pra Deus (viraram evangélicas), toda celebridade gostosa que passa do ponto de ter altos atrativos sexuais, se torna fervorosa devota. Até Gal Costa tá nessa.
Tomara que o Angeli tenha saúde, depois dos trocentos picos que já tomou, pra inseri-los todos na sua gigantesca lista de personagens idiotas da República dos Bananas.
Dervas
1 POEMA DE GRAÇA
faça de conta
que o amor
é copo d'água:
basta-lhe a sede
e não o mar
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Assim foi postado por Climério. 1 poema de graça. Já gosto de Graça Vilhena ha tempos. Poeta piauiense, de uma familia de letristas. Salve Graça, sempre benvinda no Piauinauta (Edmar)
Ao Relento
O seu abraço
baú de guardados
onde eu deitava,
insones, meus sustos
Onde entrava,
fôlego preso,
pra respirar, trancada
meus absurdos
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Ainda não conheço a Keula. A moça. A alma conheço e me apaixona, com todo o respeito do poeta. Este poema recebi ainda quentinho e perguntei por e-mail:
"E esta pérola tem título, princesa? Edmar"
A resposta veio em rente e certeira:
De tão recente, ainda nem foi batizado. Vamos lá...Vou chamá-lo, então de:
AO RELENTO
Keula Araújo
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Como o Piauinauta tem data pra nova edição, demorou e ela me mandou outro e-mail dizendo que o poema fora publicado no site do Joca Oeiras. Faz mal não moça. Um poema dessa beleza não pode ser de um apenas. (Edmar)