quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

CANDIDATO À ACADEMIA



Geraldo Borges


Quando eu era jovem, na minha província, arrogante, vanguardista, odiava as academias de letras, não sabendo que eu possuía a minha própria igreja onde queimávamos o nosso incenso juvenil. Hoje beirando a velhice, tão eufemisticamente chamada de terceira idade, já não me dou ao luxo esnobe de odiar nada. Minha mente, como um rádio, sintoniza todas as freqüências, admira todas as cores do arco–íris .
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Neste momento, pasmem os meus amigos, proponho-me uma cadeira na academia Não pensem que é na APL, academia piauiense de letras. Proponho uma vaga na ABL. Nessa academia onde fecharam as portas para Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Mario Quintana, e muitos outros que o leitor pode nomear. E abriram-na cordialmente para Ivo Pintanguy, um cirurgião plástico. Talvez Freud explique. Beleza e imortalidade se refletem no mesmo espelho.
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O meu desejo de entrar na academia é o chá, o chá das cinco, com torradas, junto com os velhinhos, vestindo aquele uniforme esquisito, chamado fardão, de estilo me parece barroco, rococó, numa palavra, extravagante. Quero ter a sensação de como aquele figurino vai sensibilizar o meu corpo, e como eu vou me comportar dentro dele. Outra coisa: quero ver a beleza das porcelanas, a sonoridade dos pires nas chávenas. Os enfeites vazados no bule. Não acredito que acadêmicos usem garrafas térmicas para servir o seu chá. Seria o cumulo da falta de bom gosto. Um bule clássico serve de emblema, sem duvida, à aristocracia das letras brasileira.
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Tenho para mim que a academia foi uma das maiores invenções de Machado de Assis, seu principal livro enciclopédico, com o maior numero de personagens, que, vão se sucedendo, de gerações em gerações, embora, sejam imortais. E eu como sou um ser fictício, um ente de papel, gostaria de fazer parte deste sodalício, palavra bela que, me fez muita inveja, na juventude.
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Agora me acho-me psicologicamente amadurecido para entrar na academia. Mas para adentrar as portas deste solene recinto, deste templo da imortalidade e provar do elixir da longa vida, quer dizer, de seu chá, com torradas, é preciso escrever livros, discursos políticos, manifestos. Parece que houve acadêmicos que, entraram na Academia, assim como guerreiros, que entram na igreja montados em cavalos, mais pelo fio da espada do que pelo bico da pena. Hoje a Academia inclinou-se bastante para o campo político, é tão obliqua e dissimulada como os olhos de Capitu. Talvez isto aconteça por uma questão de sobrevivência. Muitos personagens de Machado estão na Academia. Rubião, por exemplo, um grande finório que enrolou o filosofo Quincas Borba... Bentinho deve estar lá também, com certeza, pois escreveu Dom Casmurro. Exposto o meu desejo de entrar para a Academia Brasileira de Letras. Vou meter mãos a obra e começar a minha campanha eleitoral. Para isto, de antemão, vou rezar para que alguns velhinhos tomadores de chá morram o mais rápido possível as despeito de toda sua imortalidade, pois quanto mais vaga no Cenáculo melhor. Eu já li em algum lugar por aí, como é, mais ou menos, o ritual, os procedimentos, que se deve seguir para angariar votos e simpatia para ser eleito. Quem melhor talhou este ritual para arranjar votos, e foi eleito rapidamente, chama-se Paulo Coelho. Talvez tenha feito magia. È um mago. Não teve dificuldade de entrar na Casa do bruxo Machado de Assis. E não venha com esta de dizer que Paulo Coelho não é escritor. É sim. Vou escrever uma carta, com o mesmo teor, para todos os acadêmicos, e desejar-lhes Feliz Natal e próspero Ano Novo. Pode ser que não seja eleito logo na primeira investida. Sempre é bom arranjar um padrinho, alguém lá de dentro que sensibilize os outros acadêmicos. Não vou desistir. Um dia chego lá. A academia está de portas abertas para quem quiser vestir o fardão da República das letras. E quando um belo dia, eu chegar a academia, vou matar duas lebres com uma paulada só. Pois na condição de imortal, e autor que ainda não é defunto, eu tenho certeza que a academia piauiense de letras me abrirá as portas por unanimidade. E aí eu vou apadrinhar o Kenard Kruel, que também está doido para ser membro deste sodalício..

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