quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O AFETO QUE SE ENCERRA

Edmar Oliveira

Amigo é coisa pra se guardar do lado não sei do quê das canções que escutei. Mas é mais. Amigo é pedaço, cultivo da semente da planta que a gente quer bem. É nossa construção e fica fazendo parte de nós. Quase como um órgão vital que faz o nosso ser funcionar e às vezes nos adoece.
É que têm as desavenças, as discordâncias da gente com a gente mesmo. Se é das amizades se tolera os atropelos. Mas há a possibilidade do rompimento. Não é que se queira, mas
há. E pior, a gente nem sabe quando foi a ruptura. É muito depois que se descobre a quebra. E aí não há possibilidade de descobrir onde aconteceu. Um acúmulo. A tal da gota que transborda o copo e não tem nada com o derramamento do conteúdo. Aquela última gota coube, a outra é que saiu. E quando se torna fato o que não se quer é de um sem jeito danado. Outro dia me senti assim. E a gente fica sem entender que um pedaço seu tem que ser extirpado na cirurgia dolorosa dos encontros.
E aquela pessoa, tão amigo seu, se distancia na imensidão de um espaço que se não conhecia. E é como se nunca estivesse estado ali próximo. É na distância que se colocam as divergências insuperáveis. Porque as há. Não que se queira, mas elas se impõem. E a fase de uma separação de amigos é dolorosa, como é a falta de um pedaço seu.


Mas mais dói, mais destrói a alma, é descobrir a dor da insignificância do tempo que teceu aquela amizade. Uma dor de que aquele tempo enorme parece nunca ter existido. Que é uma dor de alívio, como já não existisse razão até de se falar deste assunto. Mas de quê mesmo se estava a conversar? Ah! Cantando música de amigo que já não há. O que se imagina é mais verdadeiro que o que se percebe. O que era um amigo pode muito bem ser um bom filho da puta. E ai a gente se acalma porque o filho da puta pode ser eu, do lado de cá de nós também. Não ganhamos o jogo, mas o empate pode ser um resultado além das expectativas. Porque não há um lado que fica ruim, mas os dois juntos saem bem, passada a contenda. Não foi o amigo que deixou de ser. Mas o eu, dentro de nós, na construção do que não tinha...


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ILUSTRAÇÃO: Amaral de Teresina, o gênio dos traços computadorizados.

2 comentários:

Netto de Deus disse...

Passei por isso umas poucas de vezes nestes últimos 53 anos.
Edmar, olha só: O Afeto que se Encerra é um livro do Paulo Francis que eu ajudei (re)produzir numa gráfica aí no Rio, por isso peguei na boca do "forno"; a ilustração do meu conterrâneo e amigaço, Amaral, bem que poderia ser mim, nos anos 70, também aí pela República do Catete e região metroplitana(Glória,Flamengo,Laranjeiras, Botafogo, Humaitá...).

Anônimo disse...

A ilustração do Amaral é qualquer um e nós na década de 70. Por isso está ali, que estas amizades são de tanto tempo. O livro do Paulo Francis, como também o hino, onde o sentido é o contrário, são citações com o propósito de nos levar ao passado.
Edmar