domingo, 30 de março de 2014

A guerra das águas


(Edmar Oliveira)
Rio Tietê, ontem, hoje.
 
Eu tinha até uma impressão de que a guerra ia acontecer, mas achava que não iria viver tanto para vê-la. Além do que também achava que a guerra ia começar noutros países e até chegar neste Brasil e sua imensa riqueza hídrica ia demorar mais ainda. Vez por outra lia notícias de falta d’água em outros continentes que provocavam algumas escaramuças, mas a guerra não tinha começado.

Por bem da verdade a falta d’água expulsou levas de nordestinos pobres, mas só os desvalidos, que a indústria da seca sempre foi rentável para as elites. Tinha a guerra da fome, não por água. Os miseráveis acalmavam-se com a polícia.

Mas nesse verão a água das duas grandes metrópoles ficou escassa. Por um fenômeno meteorológico não choveu, como de costume. As chuvas retidas fizeram a cheia do rio Madeira no Amazonas e as represas do sudeste ficaram em estado crítico. São Paulo deixou morrer o Tietê como o Rio deixou agonizar a Guanabara e toda sua bacia hídrica. O Rio só tem um rio – doente, mas ainda vivo – que saindo de São Paulo corta todo o estado e vai até perto do Espírito Santo desaguar no mar. Mas só este rio Paraíba alimenta todas as cidades deste estreito estado. Pois o governador de São Paulo ameaça tirar água dos afluentes e do começo do Paraíba no estado de São Paulo. Acha que tem o direito de sangrar o Paraíba para matar a sede dos paulistas. O governador do Rio, acostumado às bravatas, responde que no Paraíba ninguém mete a mão. O governo federal não se mexeu para legislar a guerra d’água. O pau vai comer feio. Foi dado a largada para a guerra das águas. Com a poluição avançando tanto, o precioso líquido logo vai valer mais que petróleo. Aliás, em alguns restaurantes do Sudeste, meio litro de água vale mais que um litro de gasolina. O bicho vai pegar!

E fico aqui imaginando como era rica de água a minha Teresina nascida entre dois rios. O Parnaíba está morrendo a olhos vistos, desde a construção da barragem de Boa Esperança e assoreado nas duas margens. Os esgotos da Teresina velha sempre poluíram as águas do “velho monge” – como o poeta o chamava – e sua batina barrenta tá ficando podre. Pior destino teve o outro rio. O Poty recebe “in natura” os esgotos dos prédios da Teresina dos novos ricos e a água ficou tão suja, que um tapete verde de aguapés – que crescem em contato com a merda – cobre todo o espelho d’água. Eu mesmo já desci debaixo da ponte velha que sai da avenida Frei Serafim e constatei que a merda dos ricos é jogada sem tratamento no rio Poty. Teresina tem o seu próprio Tietê e já, já, vai entrar numa guerra das águas com o Maranhão!
Rio Poty, deixando acontecer agora!
 

Salgado Maranhão:



Antes que tu me buscasses
no rastro do girassol,
só havia palavras
e o desejo ferido de ausência;
agora,
há lábios de carne e músculo aceso
e há gemidos que afagam o silêncio.
 
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desenho: Gabriel Archanjo






Livros

(Geraldo Borges)
 
Não me lembro mais do nome da figura. Era uma pessoa importante da política municipal, à época.  Setembro de 2011. Andava vendendo o meu livro, recém-publicado, novinho em folha. E achei por bem chegar até à casa dos vereadores. Em chegando lá me dirigi à biblioteca. Um espaço pequeno, acanhado.  Feio e triste. Quase não tinha livros. De alegre mesmo apenas a moça que me recebeu. Ofereci-lhe o meu livro. Aí ela fez uma cara triste. Com certeza se ganhasse um salário razoável, teria me comprado, ou não? Fica a dúvida.

De boa vontade, querendo me ajudar, levou-me ao presidente da Câmara, essa distinta pessoa de quem não me lembro mais o nome. Falou-me com toda segurança, de uma criatura, que, ainda acredita, no valor dos livros, que ele compraria, um ou dois, para a biblioteca.

Chegando lá, ofereci-lhe o meu livro de crônicas o qual ainda não declinei o nome. Ele olhou para mim como se eu fosse um alienista. Parecia enfadado. Eu apostaria que a sua postura era de quem faz muito tempo não abre um livro. Mandou que eu falasse com fulano de tal que devia estar na recepção. Ele me compraria um livro. Fiz o que ele mandou. Só que o cara da recepção não estava lá. Mandaram que eu esperasse. Aí começou o chá de cadeira. E eu pensando, que situação. Um escritor brasileiro, ainda, por cima, piauiense, esperando numa antessala de um gabinete de um vereador para vender um livro para a biblioteca da municipalidade. Que ridículo. Pensei. Mas já estava ali. O que me restava era esperar. Pensei em Kafka. O tempo passava. Eu me retorcia na cadeira. Levantei-me. Fui ao bebedouro.

Quando de repente entrou alguém na sala, acompanhado de outras pessoas que traziam apetrechos de televisão. Este alguém eu o reconheci, estava mais gordo, e trajava paletó. Era o jornalista Erivaldo Carvalho, nome que não esqueço. Velho companheiro do tempo em que lutamos pelas Diretas já. Perguntou-me o que eu estava fazendo ali. Uma das funções do jornalista e fazer perguntas. Respondi. Estou esperando alguém que vai comprar o meu livro. Aí mostrei um exemplar para ele. Leu o titulo: Província Submersa. Perguntou o preço. Eu disse. Ele comprou um exemplar E pediu que eu o autografasse. Depois desapareceu, alegre e satisfeito, em uma sala.

Continuei esperando. Até que enfim o cara chegou. Eu o abordei e ele me disse que não tinha dinheiro. Só no fim do mês. Notei que ele queria, ou estava insinuando, que eu deixasse o livro e viesse pegar o dinheiro depois. Loucura. Queria que eu continuasse esperando por ele. Pensei novamente em Kafka.

Resolvi voltar para casa. Antes, porém, fiz uma visita à vereadora Maria do Rosário Bezerra, e lhe ofereci o meu livro. Ela terminara de fazer um discurso no plenário. Estava entusiasmada. Alegre. De pronto perguntou quanto era. Declinei o preço. Ficou com um exemplar.

Estes episódios, aos quais me refiro, aconteceram no ano de 2011.

Em 2012 a Assembleia Legislativa através de um projeto, de uma deputada, agraciou,  o escritor  Ignácio de Loyola  Brandão,  com o titulo de cidadão  piauiense. Se o espírito não me engana já era cidadão teresinense. O escritor alugou um terno no dia do ato de sua diplomação. E fez um discurso na Assembléia para um publico de estudantes. Havia alguns deputados no plenário. Eles não deram ouvidos ao discurso do escritor. Desatenção. Descompromisso com os livros.

                        Para colocar ponto final nessa crônica e iniciar uma dúvida que pode ser certificada, eu perguntaria. Existem livros do ilustre escritor Ignácio de Loyola Brandão nas estantes da biblioteca da casa dos deputados e da casa dos vereadores?  Se existe, muito bem. Loyola ficará satisfeito, e sentir-se-á orgulhoso e alegre de ser um cidadão piauiense. Senão do que adianta a liturgia dos títulos, até porque a melhor maneira de se elogiar e eleger um escritor é comprando seus livros.

CINZAS

 
CINZAS  
DEPOIS  QUE  TERMINAMOS  VIROU  CINZAS
QUANDO O  AMOR  É  FOGO E  VIRA   CINZAS
É  QUE  O ESPELHO  DO  TEMPO  
PARTIU-SE   EM   LENTA   AGONIA
AMARELANDO   A  FOTOGRAFIA
NOS  TRANSFORMANDO   NUM  VELHO   POSTAL 
E  CIGARRO  QUE  TRAGO  ENTRE  OS   DEDOS   
COMO    AMOR   TÃO  BANAL
COMPANHIA   FUGAS  QUE  VIRA CINZAS
CINZAS
POR  QUANTAS   LUAS  FUI  TEU   MENESTREL
E  A  TUA  LUVA  NEGRA  SOBRE  O  MEU  CHAPEL   
ENXUGAVA  A  GAROA  FINA  DOS  MEUS  AIS   
QUE  NADA  MAIS  QUE  ERAM  
CINZAS 
QUANDO  O  DANCING   FECHA  A  BAILARINA 
VÊ  QUE  A  FLOR   QUE  GANHOU  JÁ  MURCHOU  EM  SURDINA 
PARA  SEU  DESCONSOLO   O  PERFUME  SE  ESVAI 
 
poema: Lázaro José de Paula
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desenho: Gabriel Archanjo

Latuff: 1º de abril


1 verso

 
 
NOSSA REAL BLADE RUNNER

Para Bráulio Tavares

Penso que os andróides
Não sonham com carneiros elétricos
Acho que se julgam humanóides ou antropóides
E findam por preferirem belas ginóides

Possuidores de características humanas...
A ponto de confundirem-se com eles
Em verdade, seres nenhuns, extra-terrestes
Produtos mecânicos da robótica

Obterão, graças à inteligência artificial,
Alguns sentidos básicos dos homens
Haverão de ter órgãos via células-troncos
E por novas mídias serão educados rapidamente

Eis que, assim, teremos
Nossa não mais ficcional Blade Runner

(Climério Ferreira)
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desenho: Amaral

1000TON: cidade partida


habitar-te

 
 
Deixa que eu te habite
antes que o galo cante
e por três vezes me negues
e, para sempre, eu te renegue.
Deixa que eu te habite
ao menos uma vez
como quem habita casa amiga
onde se sabe o lugar de cada coisa
que dá prazer
 
(Cinéas Santos)
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desenho: Gabriel Archanjo

Drummond antes de virar estátua


Diploma de Nordestino - Geraldo do Norte

.
Vídeo de Carlinhos Nascimento

domingo, 16 de março de 2014

Quaresmeiras


(Edmar Oliveira)
 
Depois da quarta feira das cinzas vem a quaresma. São quarenta dias cristãos até a páscoa que, tomada dos judeus, ressuscita o Cristo. Criado por uma mãe católica não conseguia entender os santos cobertos por panos roxos, nesse período. Dizem que já não é mais obrigatório, mas no meu tempo era. Ficava me interrogando se os santos estavam com vergonha do carnaval. Depois fui associando aquela cor roxa ao martírio do Cristo morto na paixão. Algo muito triste e cadavérico representava essa cor para mim. Depois perdi a fé e isso ficou sem muita importância.

Mais importância ganhou uma árvore que a natureza enfeita de roxo nesse período. A quaresmeira. Já a conhecia nos cafundós dos palmeirais e da barreirinha. Quando descia a serra de Petrópolis, já aqui no Rio, me encantavam as quaresmeiras que via pelo caminho. Mas nada igual a que tinha no quintal da minha avó: era uma árvore sagrada. As flores da quaresmeira enfeitavam a casa na quaresma. E, nas noites que rolava um terço, as vozes das mulheres tinham o perfume da flor da quaresmeira e me embalavam os sonhos.

Depois eu tive notícias de uma quaresmeira branca e até mesmo de uma “mutantis” que conjuminam as cores branca, rosa e roxa. Mas essas o povo chama de manacá da serra e só existe nos estados do sudeste e do sul. Entretanto, é da mesma qualidade da quaresmeira, que, segundo a ciência, flora duas ou três vezes no ano e não só na quaresma. Mas eu tenho uma certeza afetiva que a da minha avó só florava na quaresma, acompanhada de jaculatórios em orações vespertinas na luz de vela do lusco-fusco do entardecer.

Esse ano, entretanto, elas já deram o ar de sua graça, as flores já caíram e murcharam, agora só na próxima quaresma. Aconteceu de a quaresma deste ano ser muito arrastada para uma paixão que só acontece em abril. Aí já não vai ter nem o cheiro da flor. Não sei se a ciência explica ou se as quaresmeiras perderam a fé, que nem eu.   



 

Mulher



 
Depilo tuas vestes íntimas
obcecado pelo mergulho
em teu luminoso abismo.

Há consenso e quietude em tudo. No
entanto há em mim
uma urgência atávica:
...
febril, como urgência da vida
feroz, como o decreto da morte.

E mergulho amparado
em minha certeza inútil; a mesma
do meu pai e de todos
os meus ancestres; a mesma
dos que morreram e morrerão em ti
-- alegremente! –
desde Adão

Salgado Maranhão
(Do livro o Mapa da Tribo; 7Letras, Rio, 2013)
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Opinião

Uma cidade incendiada , a presença de nazistas no sertão brasileiro , histórias de amor, idealismo e sonhos . Tudo ali, na TERRA DO FOGO, tudo ali no Piauí. A vida narrada em seu estado puro pelo meu amigo Edmar Oliveira . Recomendo !
(Chico Regueira, jornalista)
 

A Bíblia como fonte literária


(Geraldo Borges)  

“Compreender que a linguagem da Bíblia é fluida, corrente e literária , não rígida, fixa e cientifica é o primeiro passo  para  boa compreensão da Bíblia.”
                                                                                 Matthew Arnold
                    

                     A Bíblia entrou  em minha vida pelo portal da religiosidade. É que a minha família era protestante. E lá em casa, cada um tinha a sua Bíblia  contando toda a história do povo hebreu, desde a criação de Adão e Eva, passando pelos patriarcas, Moisés Josué ,  os juízes, os reis, os profetas. A derrubada do Templo. A escravidão no cativeiro da Babilônia. A subordinação aos gregos, aos romanos. E em fim o nascimento de Cristo em Belém dando uma nova esperança ao povo judeu que, agora,  conforme a profecia, ia ter um rei Jesus Cristo, da raiz da casa de Davi.

                     Em casa, menino, inocente, eu lia a Bíblia ao pé da letra, com o instinto religioso. Descobri  que a palavra milagre é aquilo que você não põe em duvida, não discute. E como os crentes diziam que a Bíblia era a palavra de Deus, eu passei a acreditar e tudo que ela contava. Trombetas derrubando os muros da cidade de Jerico, Moisés abrindo o mar Vermelho. Fazendo água jorrar das rochas, Josué  ordenando ao sol que parasse, Jonas sendo tragado pelo ventre da Baleia e muitas  outras peripécias e proezas.

                     Ora, aconteceu que comecei a ver as histórias da Bíblia no cinema E em casa entusiasmado recontava os episódios. E via que havia muito mais cenas recriadas, que extrapolavam o texto original. Então, comecei a pensar, se a Bíblia pode ser filmada, pode se adaptar a um roteiro, e se a base da literatura de ficção é a narrativa,  nada nos impede de reconhecer a Bíblia como um grande mural da literatura hebraica.

                     Já por esse tempo, notei que a minha leitura da Bíblia tinha mudado de tom, de perspectiva. Já não lia mais a Bíblia com o instinto religioso, em busca de receber a graça do senhor. A Bíblia continuou sendo o meu livro de cabeceira. Mas, como eu tinha abandonado a religião, já não era um homem de um livro só. E na leitura de outros livro foi observando o sinal estilístico, que acredito seja uma redundância,, ou temático da Bíblia.

                     Machado de Assis, por exemplo, matou sua sede de leitura nos livros da Bíblia. Pode-se observar isto muito bem em sua narração. No romance Memórias Póstumas de Brás  Cubas  Logo no começo, na apresentação do livro, podemos ler. “ Moisés que também contou  a sua morte, não a pós no introito, mas ao cabo: diferença  radical entre esse livro  e o Pentateuco.” Isto é apenas um exemplo, e em verdade vós digo, que estiver interessado em aprofundar a questão e só manusear a obra do bruxo do Cosme Velho. E para ventilar  a memória do leitor, Machado  escreveu um romance com um titulo que foi pescar  em Genesis. Trata-se de Esaú e Jacó, onde coloca o conflito do ciúme entre irmãos.

                     Temos também, ainda no livro de Genesis, a história de Jacó que trabalhou para o seu tio Labão  para conquistar o amor de Raquel e o finório do tio lhe deu a Lia. Teve que trabalhar mais sete anos. Desse pequeno episodio da história ficcional do povo hebreu nasceu um dos mais belos sonetos da língua portuguesa, e que começa assim. Sete anos de pastor Jacó servia\ Labão pai de Raquel serra bela\ Mas não servia ao pai servia a ela...

                     É inumerável a influencia da literatura hebraica, como fonte de inspiração, tanto para os clássicos como para os modernos. Se eu ficasse aqui citando exemplos teria que fazer um livro. Mas para citar o livro de Genesis de novo, apresento ao leitor a obra prima de Milton, o Paraíso Perdido. Só muita imaginação e genialidade  pode construir uma obra mitológica como essa.. Podemos citar ainda José e seus irmãos, baseado na história de José do Egito, da autoria de Tomas Mann.  

                     O Novo Testamento também é fonte de inspiração para muitos autores. Todo mundo conhece. Força de expressão, é claro, o romance Evangelho segundo o Filho de Norman Mailer, redigido na primeira pessoa. E Barrabas, de Pär Legerkvist; quem não o conhece, esta figura simbólica, que é trocada por Jesus, e que sai das profundezas da prisão atordoado e termina se tornando cristão. Nada se sabe de Barrabas no texto do Novo Testamento. Mesmo assim o autor do romance constrói uma história dramática com um pequeno episódio do julgamento de Cristo. O romance foi filmado.

                     Eu acredito que a Bíblia toda já foi filmada, todo o seu texto narrativo, e também, se a memória não me engana impressa em quadrinho. Seus heróis me foram apresentados, na infância, como super-heróis. Figuras mitológicas. Verdadeiros deuses. E na verdade vos digo meu caro eleitor, a Bíblia continua sendo meu livro de cabeceira. Primeiro  me foi apresentado como um livro religioso, e finalmente  o redescobrir como um grande marco da literatura   que  não deixa de ser também uma espécie de religião.

1 verso

FOTO DE FORMATURA

A foto antiga
Aquela da minha formatura
No curso primário
Está repleta de estranhos íntimos

De quem são aqueles risos
E aqueles olhos brilhantes
Aprisionados na foto?

Sei do pedestal da estátua
Sei que aquele ser de bronze
Foi um herói do passado

Hoje na perene imobilidade
É visitado pelos pombos cansados
E sua imensa barba tesa
É imune aos movimentos do vento

Na foto antiga
Não mais consigo divisar as amizades
Que ela certamente tenta perpetuar
Mostrando-me figuras frágeis
Que me escapam da memória

(Climério Ferreira)

Latuff e Gervásio



Lágrimas





Tristonha tarde, fria, lacrimosa...
De temporal a epiderme ungida,
a lagoa se açoita, revolvida
pela fúria da chuva tormentosa.

O vento encrespa a nuvem distendida
entre o céu e a terra... suspirosa,
a nívea lã inflou-se; desditosa,
uma saudade dissimula a vida.

Água doce em gotículas caindo
para os peixinhos lépidos, fluindo
sobre um vasto lençol d’água salgada...

Vi-me em delírios de melancolia:
a vivência encenada parecia
um turbilhão de lágrimas da amada!...

(Juarez Montenegro)

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in memorian: Juarez nos deixou as lágrimas de sua despedida


Tabatinga


Livrinho bom taí:

 
CONVALESCÊNCIA

Já não te busco - a alma ensandecida -
por todas as estradas....
Há muito, não se ouve meu uivo lancinante
varando madrugadas.
A grama dos jardins, sem a fúria dos meus dentes,
já cresce sossegada...
Eu te esqueceria fácil, fácil,
não fosse essa maldita moda,
que não passa,
de todas as mulheres vestirem a tua face.

(Cineas Santos- Pétalas)

Miquimba



Plebeia é uma composição de Jorge Curuca, interpretada pelo grande Monarco, que está no novo trabalho do presidente da casa Lima Barreto. Seu novo cd chama-se Miquimba, réquiem para um pé de chinelo, um primor de trabalho. Sorte de quem ouvi-lo. O trabalho dó vídeo acima é de Carlinhos Nascimento, que também fez a arte do cd abaixo:

domingo, 2 de março de 2014

Õ Jardineira...


(Edmar Oliveira)
Carnaval das antigas
 
O Piauinauta desta quinzena sai no domingo gordo de carnaval e muitos foliões não se darão conta. Meus carnavais ficaram pra trás, pra outros tempos de brincadeiras que já não voltam mais. “No Guarapari / eu vou brincar só / é um grande clube / no coração de Codó”. Essa primeira marchinha me ecoa na lembrança dos carnavais de Codó, no interior do Maranhão. O outro clube da cidade era o do Operário, que, como o próprio nome diz, não era frequentado pelas elites da cidade da macumba. Mas o “terecô”, como nós chamávamos o tambor de criola de lá, corria solto nos terreiros debaixo dos mangueirais. Os “fofões” dominavam o carnaval de rua e eram semelhantes aos Clovis do carnaval do subúrbio do Rio.

Em Teresina lembro do carnaval de rua e suas figuras símbolo: o Bernardo Cruz, a Nicinha que vocês conhecerão mais na crônica da Graça Vilhena nesta edição. Tinha o corso e o famoso “Caminhão das Raparigas” para insultar a elite. No mais era uma exibição “dazelites” desfilando em seus carros para uma plateia que ia à pé. Meu pai tinha um Jeep Willys e a gente desfilava no corso atrás de automóveis importados, aero willys, simca chambord, vemaguetes. Em pleno Zé Pereira que morreu de caganeira. Na folia dita da rua tinha as escolas de samba: “escravo quer mostrar o seu valor / que preto pode ser doutor” cantou uma delas que ainda ecoa na minha memória. Na Baixa da Égua tinha o Sambão. E o Bloco Aprontação do Pierre Baiano agitava no Beco do Prazer. Depois teve a Banda Bandida que ainda hoje sobrevive. Mas o tempo foi esmagando o carnaval de Teresina, com todo mundo indo brincar a folia nas praias do litoral. Morreram os bailes do Clube dos Diários, das Classes Produtoras, do Piauí Esporte Club. E a cidade mingua no carnaval.

O maior do mundo...
Agora, me dizem, o corso foi reativado em alguns anos e a moçada tem orgulho de ter entrado para o livro de Recordes como o “maior corso do mundo”. Tem um caminhão das raparigas fake e quando a Bety Cuscuz quis botar suas raparigas de verdade pra desfilar teve o maior quiproquó. Não tive ainda oportunidade de ver esse Zé Pereira, mas acho que ele continua se cagando todo. Com a quantidade de carrões que tem agora a Teresina que mora do outro lado do Poty acho que as elites desfilam os novos modelos orgulhosos de hilux com as raparigas de luxo. Depois o corso toma o caminho de Altos com o PIB teresinense indo “se banhar” nas praias de Luís Correia. E o carnaval fica na melancolia do Sanatório Geral da cidade que perdeu o Meduna. O maior corso do mundo foi pra praia deixando a cidade triste e o sob o sol do equador sua filha chora.

O Rio é tomado de um frenesi nesse verão mais quente que Teresina. Vou pras montanhas de Minas que são quem me acalmam dessa efervescência momesca. Fui!   

 

Tempo de ser Feliz

Garrincha e Nicinha
Graça Vilhena

Quando penso em Carnaval, a primeira lembrança alegre é a do corso, que arrastava os blocos de rua, os homens vestidos de mulher e, principalmente, o caminhão das raparigas, o Bernardo Cruz e a Nicinha. Eram as três atrações mais esperadas, embora algumas senhoras fechassem a cara e fingissem não ver as mulheres com suas saias brilhantes, enfeitando o caminhão. 
Bernardo Cruz era alfaiate e foi o primeiro homossexual assumido de Teresina, pelo menos de meu tempo. Desfilava no corso, vestido de baiana, com uma saia longa e um sutiã, enfeitados de renda. Na cabeça trazia um adorno com balangandãs e, no pescoço, vários colares coloridos. Dançava todo o corso, e girava sua saia, para alegria de quem assistia ao espetáculo. Bernardo, em paz e feliz, soltava a baiana que morava dentro dele.
Nicinha era pobre, vivia de favores e ninguém sabia muita coisa sobre ela. Com seu passinho miúdo, espalhava alegria pelas ruas e dançava como se estivesse num salão de festa. Por não ser mais jovem, sua resistência era motivo de admiração, um milagre que se repetia todos os anos. Não usava fantasia, mas um vestido que, muitas vezes, parecia de festa, enfeitado com rendas e babados. Prendia os cabelos com uma fita de seda, ou apenas usava uma flor. Mas quem a conheceu nunca esquecerá o seu batom vermelho, sempre borrado, os óculos com lentes “fundo de garrafa” e a bolsa a tiracolo. 
Depois do carnaval, todos voltavam para seus devidos lugares: as raparigas para os cabarés da Paissandu, Bernardo para a seriedade de sua alfaiataria e Nicinha talvez se encantasse, pois também ninguém sabia onde ela morava. 
Por três dias, a “alta sociedade” contaminada pela alegria do momento, esquecia a pobreza de Nicinha, os trejeitos homossexuais de Bernardo e a libidinagem animada, que emanava do caminhão das raparigas. O próprio Carnaval criava seu espaço, sem regras, onde tudo era possível, até sonhar com a liberdade, num momento mágico sem exclusão.

SAGRAÇÃO

Te aceito como se música
a tocar-me os ossos, como
se um rito 
me abrisse em brisa,

ó tiara de lua cheia!, 
ó chão de xananas!

Vê,
o mar sangrou meus frutos 
em tuas falésias. O mar
que é memória 
e sagração.

Se disseres à lua nômade
--dança sobre as águas, ó
flor invertebrada, ela 
o fará. Porque

tudo se rende ao secreto
dom de amar.

É assim que mordes minha casca
mítica, 
por onde escorrem
estrelas sobre ti.

(Salgado Maranhão)
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desenho: Amaral

Os olhos da cobra

 
O olhar verde da cobra
Cobre de luz meu olhar
Nada mais da vista sobra
Depois da cobra me olhar
Os olhos da cobra verde
Veda de luz o que vejo
Mata de luz minha sede
Transforma em luz o desejo
Almejo não ver de novo
O olhar da cobra no meu
O verde do olhar removo
Com minha crença de ateu

Não amava quem amei
Por não querer a saudade
E pra viver de verdade
Não amava quem amei
Por minha serenidade
E em respeito à bondade
Não amava quem amei
Pelas ruas da cidade
E pelas sombras da tarde
Não amava quem amei
Por toda felicidade
Nas réstias da claridade
Não amava quem amei

A cobra de verdes olhos
Envenenou meu olhar
E deslizou na floresta
Da minha falta de amor
Entre arbustos e abrolhos
A cobra veio picar
Com seu veneno de festa
Minha sossegada dor

(Climério Ferreira)
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foto: Fátima Morgado

e a vida continua por 1000ton


ENTÃO FICA COMBINADO ASSIM

Foto: primeiro
 
ENTÃO  FICA   COMBINADO   ASSIM
VOCE   É  BOA  E  CHEGA  CEDO 
E  EU  SOU  RUIM   DE  TER  MEDO
 
(Lázaro José de Paula)  
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desenho: Gabriel Archanjo

Cartoon genial: Don Piroro


Tabatinga

Piauí da gente!
mas vamos comemorar baixinho pra não ter perigo de acordar ninguém...

Cara dum, fucim do outro!

GERVÁSIO fez o 1000TON, 1000TON fez o GERVÁSIO
Técnicas diversas, mas impriauzim o um e o outro

Naeno e Climério