domingo, 19 de abril de 2015

Escrever com a mão




(Edmar Oliveira)

Reparo que as pessoas vão desaprender a lidar com a palavra manuscrita. Fora o curto período do uso dessa escrita nos primeiros anos escolares, logo há uma “evolução” para a escrita no computador. Também essa escrita de computador foi deslocada da sua antecessora, a escrita da máquina de escrever. O computador permite uma escrita “cata milho” bastante rápida e ninguém vai lembrar porque as letras do teclado são dispostas dessa forma embaralhada.

A disposição das letras no teclado foi herdada da antiga máquina de escrever mecânica e correspondia a maior uso das letras na língua inglesa e a um distanciamentos entre as pás mecânicas para evitar que uma pá trepasse em outras e travasse a máquina. Também caducou o curso de datilografia que nos ensinava a lidar com o teclado das antigas máquinas de escrever.

Pois bem, agora o texto é digital. Todas as outras formas de escrita foram sepultadas desde a popularização da escrita digital, coroada na propagação dos Smartphones. Hoje um simples número de telefone ou uma receita culinária é anotada diretamente em linguagem digital, aposentando definitivamente a caneta e o papel.

Por outro lado, a difusão desta linguagem digital ajuda a modificar sobremaneira o idioma escrito. Verbos novos como deletar são incorporados, preponderantemente, anulando o verbo apagar. Abreviações e imitações onomatopeicas tornam essa linguagem comum das redes sociais indecifrável para os mais velhos. Ainda mais quando caras e símbolos, conhecidos como ícones “emotions”, aparecem para significar tristeza, alegria, felicidade, saudade e outros sentimentos emocionais, que são escritos agora com a linguagem das cavernas pré-históricas neste futuro apressado. Verdadeiras frases são construídas com estas carinhas e desenhos popularizados nas redes sociais.


E, às vezes, essa linguagem vem muito antes da escrita manuscrita. Laura, minha neta de pouco mais de um ano já sabe apertar tela de Smartphone para interagir com essa escrita digital. Não sei se vai precisar ela apreender a escrever com a mão. Mas que eu vou tentar ensinar esse traço da nossa pré-história, isso vou.   





Ladainha


Porque erguemos palafitas
sobre as distâncias que nos secam
as juntas; sobre
a fuligem dos piolhos
onde almoçamos estatísticas --
e amamentamos as víboras
com a seiva dos ossos.
Porque vendemos as pupilas
por um prato de sonhos
e só temos lágrimas
para o jantar -- nesse
X-tudo de fuck you!
Porque turvaram-se as runas
e os olhos dos videntes;
porque nos encerraram às vielas
e nos assassinam por amor...
SALGADO MARANHÃO
(Do Livro "Ópera de Nãos")
__________
desenho de Gabriel Archanjo em foto de Tabatinga 

BRANCO SAI, PRETO FICA


(Edmar Oliveira)

Adirley Queirós foi jogador de futebol, estudou cinema na UNB e faz filmes. Branco sai, preto fica é um soco no estômago dado com precisão, enquanto ele conta uma história de ficção científica que consegue transmitir metáforas demolidoras a partir de um documentário. Mistura documentário com ficção científica. Que diabos de cinema é esse? Cinema amador com baixíssimos custos de produção, que nos remete às experiências com super-8 da década de 1970? Ou uma ousadia cinematográfica que transforma sobreviventes de uma chacina policial da década de 1980 em excelentes atores, apesar das mutilações decorrentes daquela chacina?

Pois bem, o cadeirante Marquinhos da Tropa e o amputado Shockito são os principais atores deste filme que conta a chacina num baile funk da Ceilândia, ocorrida em 1986. Marquinho está perfeito e fez jus ao prêmio de melhor ator no festival de Brasília. O também ótimo Dilmar Durães é um viajante do tempo, cuja nave espacial é um container que balança na areia vermelha do planalto central e o piscar de luzes faz o “truque” da viagem no cinema.

Esse viajante tem a missão de colher provas para que o Estado brasileiro seja responsabilizado pelo massacre que a polícia executou no baile no passado. Por outro lado os sobreviventes do massacre estão fazendo uma bomba para explodir Brasília. Ah, Brasília é governada por fundamentalistas cristãos e tem uma polícia de “ação social” que separa os pobres da periferia da capital federal. A polícia submete a Ceilândia a blitz frequentes e solicita que as crianças saiam das ruas. E para o morador da periferia entrar em Brasília é necessário um passaporte que é exigido nos postos de controle. Algo tão real! A ficção é que é o documentário?

Enquanto o locutor de uma rádio clandestina – o personagem de Marquinhos – faz um solitário programa noturno e o Shockito conserta próteses para outros “companheiros de infortúnio”, a história do massacre que aconteceu é contada com os mínimos detalhes e de como ela marcou a vida dos moradores reais de uma Ceilândia feia, abandonada, triste, cheia de grades e terra vermelha, com esgotos a céu aberto. O DJ Jamaica faz um fabricador de bombas em trocas de passaportes para entrar em Brasília. E eles recolhem os forrós da periferia, os sons da feira de Ceilândia, a cultura pobre da periferia para rechear a bomba que explodirá sobre Brasília. E Brasília, tão perto da Ceilândia, não aparece no filme. O metrô às vezes é uma viagem no tempo, mas Brasília é inacessível.

Senti pena de o filme ser tão precário tecnicamente por não poder ver uma explosão fantástica de Brasília e delirei com multidões apavoradas tentando tapar os ouvidos invadidos pelos sons da periferia. Estas cenas “desejantes” não existem no filme, mas acho que Adirley as fariam com mais recursos.


Ou quem sabe ele só quer que nós sejamos capazes de imaginar o que acontecerá se não houver tempo. Talvez a reparação das culpas do Estado pelo abandono que faz às populações periféricas não venha a tempo de evitar a explosão da revolta. Branco sai, preto fica pode significar também a explosão da vingança. E se um cineasta me faz imaginar tanto, ele faz o melhor cinema. Apesar das deficiências técnicas, Adirley faz cinema do bom.     


   

Saberei chorar na hora certa


Aberta em cruz, a cidade
engole seus presságios;
ergue sua cabeça nua,

sua fronte suspensa sobre
a fome e a omoplata.

Nunca a desprezo ou subestimo
suas sandálias em carne viva.
Cáusticas, curtidas onde o ranço
é moeda que o tempo não paga.

(a luz metálica das seis
e o chão enclausurado sob medida).

Este descanso que por vezes
se diz crepúsculo.

Noutras, tocaia.

(Nathan Sousa)
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foto: "tragadas" de Paulo Tabatinga




Prêmio Nobel de Literatura

Sentido horário: Mistral, Astúrias, Neruda, Gabo, Paz e Llosa

(Geraldo Borges)

Prêmios literários não classificam nem desclassificam os seus detentores, nem, muito manos, as suas obras. Não seja por isso. Mesmo assim ouçamos o que nos diz Pablo Neruda, um ganhador do premio Nobel.

 “A verdade é que todo o escritor deste planeta chamado terra quer alcançar alguma vez o prêmio Nobel, inclusive os que não o dizem e também os que o negam.”

               Conheço mais ou menos a história do Premio Nobel e espero ate hoje um escritor brasileiro ganhar esse prêmio. Está difícil. Mas, em compensação, a lista dos premiados hispano-americanos é razoável. O espanhol é mais conhecido que a língua portuguesa.

               “A última flor do Lácio, inculta e bela. És a um tempo esplendor e sepultura. Amo-te assim, desconhecida e obscura.”

               Do tempo de Olavo Bilac para cá não mudou muito não. Não obstante o Itamaraty e os consulados brasileiros pelo mundo afora, muita gente pensa que falamos espanhol.

                Com mais de um século de vida o Premio Nobel premiou apenas um escritor da língua portuguesa, - Saramago, um comunista histórico. No momento em que os comunistas não metem mais  medo em ninguém.

               O primeiro escritor latino americano que ganhou o Prêmio Nobel da Literatura, 1945, chama-se Gabriela Mistral, grande poeta. Também foi professora primária. A sua celebre página - Oração da Mestra - é um hino que ainda ecoa em nossos dias.  Ouçamos.

               “Senhor! Tu que ensinaste, perdoa que eu ensine e que tenha o nome de mestra, que tiveste na terra. Dá-me o amor exclusivo de minha escola; que mesmo a ânsia da beleza não seja capaz de roubar-lhe a minha ternura de todos os instantes. – Mestre faze perdurável em mim o entusiasmo e passageiro o desencanto.”

               Pouco mais de vinte anos depois eis que surge um novo escritor Miguel Ángel Astúrias, da Guatemala, autor do romance O Senhor Presidente. Ouçamos  o que diz dele Gabriela Mistral.
              
               “E uma obra fenomenal que focaliza numa linguagem incisiva, poética, realista, a tirania na América; sem a menor dúvida uma das narrações mais fortes, mais cruas, mais impressionantes já publicadas em qualquer idioma.”

               O idioma espanhol mais uma vez está de parabéns, e a literatura barroca  abrindo caminho para o realismo mágico.

               Não se passaram quatro anos lá vem Pablo Neruda, 1971, de novo um Chileno, grande poeta e prosador. Ouçamos o que ele diz aqui a respeito de seu irmão Garcia Lorca.

               “Não sou político nem jamais participei da na contenda política, e minhas  palavras, que muitos teriam desejado neutras, estiveram tingidas de paixão. Compreendei-me e compreendei que nós, os poetas da América espanhola e os poetas da Espanha, nunca esqueceremos nem perdoaremos o assassinato de quem consideramos o maior dentre nós, o anjo deste momento da nossa  língua. E perdoai-me o fato de que de todas as dores da Espanha só vos recorde a vida e a morte de um poeta. E que nós não podemos nunca esquecer este crime, nem perdoá-lo. Não o esqueceremos, nem  o perdoaremos nunca. Nunca”.

               Uma década mais tarde o realismo mágico abre caminho para Gabriel Garcia Marques, 1982. Quem não se recorda de Cem anos de solidão? Foi então quando começamos a dar mais importância aos escritores hispano-americanos. Consideramo-nos os melhores. Como disse Paulo Mendes Campos:

               “Era indício de mau gosto ou birutice gostar dos sul-americanos,  a não ser de Pablo Neruda.”

               Só queríamos saber dos europeus.

               Em menos de dez anos depois, 1990, Otavio Paz, poeta e prosador mexicano empalma o Premio Nobel. Há muito tempo que vinha  perseguindo-o. Nós continuamos na espreita. Em compensação no futebol, somos penta campeão.

               Por enquanto temos ainda um premado, 2010. Vargas Llosa, Peruano.
Carlinhos de Oliveira

               Quem sabe o próximo não será brasileiro. Se bem que na crônica de ficção brasileira encontrei um personagem detentor do premio Nobel. Trata-se de uma crônica de nome: Autobiografia, na qual o escritor José Carlos de Oliveira diz: “Já detentor do Prêmio Nobel, o controvertido escritor brasileiro  fixou residência em Londres, cidade que ama como a nenhuma outra, e se declarou  acometido de   terríveis duvidas de caráter religioso.”

               O nosso consolo é que pelo menos na imaginação somos detentores do Prêmio Nobel.



Billie Holiday de 1000TON



100 anos da diva.
A lendária vocalista de jazz Billie Holiday nasceu com o nome de Eleanora Fagan Tosse em Baltimore em 7 de abril de 1915, de uma mãe nova e de um pai que abandonou a família logo após o nascimento. Depois de estuprada aos 10 anos, Billie foi abandonada pela mãe, indo viver com parentes distantes. 

Para se sustentar ficou fazendo pequenos serviços e esfregando o chão de um bordel foi que ela ouviu jazz pela primeira vez, foram gravações ruins de Louis Armstrong e Bessie Smith no fonógrafo de casa. Com a idade de 12 anos Billie se mudou para New York onde se tornou uma prostituta. Em 1930, Billie convenceu um dono de boate para que a deixasse cantar numa noite, com o nome de Billie Holiday, em homenagem ao astro de cinema Billie Dove. 

Depois de ser descoberta por John Hammond, Billie foi apresentada a Benny Goodman que a ajudou na primeira sessão de gravação em 1933; durante os próximos 11 anos Billie gravou mais de 200 músicas de jazz e swing. 

No final dos anos 30, Billie se apresentava com Count Basie, Artie Shaw e outros, mas não gostava de atuar em orquestras por várias razões. Entre 1939 e 1945 Billie lançou vários sucessos, entre eles, "Fine and Mellow", "God Bless the Child", "Lover Man" e o anti-racista "Strange Fruit".

Porém em meados de 40, Billie era viciada em heroína; apesar de tudo ela continuou trabalhando bastante para se tornar um dos melhores cantores de jazz dos Estados Unidos. Com sua marca registrada, gardênias brancas no seus cabelos, "Lady Day" construiu uma reputação formidável como vocalista, capaz de cativar as audiências com o seu fraseado incomum, apesar da falta de um treinamento formal. 

Enquanto Billie era reconhecida como uma artista brilhante, a sua vida pessoal era um desastre sempre crescente. Ela se casou e divorciou três vezes durante os anos quarenta, sofrendo freqüentemente abuso por parte dos maridos. Embora com seus concertos ganhassem uma boa renda, Billie não obtinha vantagens das gravadoras, que nunca lhe pagavam qualquer royalties. 

Depois de anos de vício, Billie foi presa e encarcerada sob acusação de droga em 1947, fazendo com que mudassea sua carreira. Ela começou a excursionar pela Europa, onde era mais popular que nunca, mas em 1956 ela estava presa pela segunda vez e entrou em programa de reabilitação. Embora ela lutasse terminar com o abuso que a droga e o alcool lhe faziam, Billie morreu prematuramente em 17 de julho de 1959. 

Apesar de morrer muito cedo, ela permanece como um das mais populares cantoras de jazz de todos os tempos. Em 1972 a dura vida de Billie foi revelada no filme "The Lady sings the Blues" sendo interpretada por Diana Ross.

Texto de Clube do Jazz


A FRASE PERDIDA


Tem noite 
Que o sono demora a chegar

Em noites assim
Ouço os passos compassados
Da escuridão se aproximando
Carregada de planos e presságios

Sinto que uma frase redonda
Desperta os sentidos
Mas sei que amanhã
Quando acordar não mais 
Me lembrarei dela

O sono que a noite traz
Deitará sobre minhas pálpebras
Adormecendo a frase redonda
Os passos compassados da escuridão
E junto com a frase 
Planos e presságios desmoronam

(Climério Ferreira)
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foto: Moisés Oliveira

PÁSCOA ENSANGUENTADA


(Edmar Oliveira)
Estou muito transtornado com esta páscoa ensanguentada. Trabalho numa comunidade vizinha ao Alemão. São todas parecidas, Alemão, Jacarezinho, Manguinhos. São habitadas por pobres, negros e nordestinos. E a polícia não respeita estes habitantes. Os direitos humanos dos quais se falam no asfalto não existe naqueles lugares. A polícia trata a todos como se fossem traficantes, bandidos. É sentida em cada fala o medo da polícia, que os tratam como se fossem inimigos. Há pouco tempo, na comunidade em que trabalho um adolescente foi morto pela polícia à queima roupa. Recentemente um menino já mortalmente baleado respondia ao policial porque estava correndo (a corrida foi o motivo do tiro):
- Estava brincando, senhor!
A brincadeira de pique-esconde foi a causa da morte daquela criança. Que ainda gravou com o seu smartphone a própria agonia enquanto morria.
- Estava brincando, senhor!
Mesmo morrendo ainda respeitava aquela autoridade, que deveria proteger sua inocente brincadeira, mas que a interpretou como o inimigo em fuga. E mesmo fugindo foi alvejado, isto é, de forma covarde e não recomendada nos manuais militares. Qual a culpa daquela criança? Espero que este policial ouça sempre na sua consciência o eco daquela voz pedindo desculpa por estar morrendo.
- Estava brincando, senhor!
Agora, na páscoa, numa sexta feira que deveria ser santa, uma criança de apenas dez anos encontrou a morte num tiro de um fuzil de uma guerra que não era sua. Eduardo era um excelente aluno. Era a esperança de redenção da sina daquela família que veio do Piauí em busca de vida melhor. O pai um migrante nordestino, como também sou. Também do Piauí. Com trajetória de migração semelhante a dos seus pais, Eduardo podia ser meu filho.
Mas eu moro no asfalto, quase em frente à residência oficial do governador. Uma viatura policial está na frente do meu prédio 24 horas por dia. Eu faço parte da sociedade, na qual essa democracia grega coloca a polícia para minha proteção e a me tratar bem. O pai de Eduardo, o meu conterrâneo, não tem essa mesma proteção. A polícia acha que se Eduardo crescer será um criminoso. Eduardo estudava, era um excelente aluno, e a mãe estava fazendo uma economia para matriculá-lo num curso de inglês, que ele tanto queria.
A comunidade do alemão agitou panos brancos nas janelas querendo paz nessa páscoa ensanguentada. E sonhando em poder gritar para a polícia parar de atirar.
- Eles estão só brincando, senhor!

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Esta crônica foi publicada no dia de Páscoa nas redes sociais. Aqui republicada em respeito aos leitores que ainda se recusam a cair nessas redes. Tem os que ainda estão no tempo do e-mail. Consigo chamá-los para o blog. Depois do  whatsapp, do messenger e outros aplicativos de visão imediata os e-mails ficaram obsoletos. Mas respeito os que não se fazem acompanhar dessa liquidez dos tempos modernos.
Desenho 1000TOM



Galeano por Máximo



As veias da América Latina estarão sempre abertas a sua Memória
Morreu Eduardo Galeano. Além do clássico, libelo anti-colonial, bibliografia de referência em qualquer curso de Ciências Humanas, "As Veias Abertas da América Latina", Galeano tinha um lado pouco conhecido,mas com a mesma combatividade crítica e elegante: era um apaixonado por futebol e seu livro 'Futebol ao Sol a à Sombra" em que traça pequenos perfis de grandes craques da história do futebol é outro libelo contra a mercadorização do mundo da bola sob controle da Fifa. (Antônio Máximo)





Briga de Foice

Briga de Foice (Manassés de Sousa)
Manassés de Sousa - viola de 12 // Luis Miguel - baixo fretless
Mingo Araújo - zabumba, surdo, pandeiro, timbales, talking drum, lâmina de aço, triângulo, caxixis, frame drum, crash e vozes

Vídeo de Carlinhos Nascimento



domingo, 5 de abril de 2015

Ultra paranoia


(Edmar Oliveira)

O desocupado às vezes se enche de inutilidades ou de problemas que não deviam lhe chamar a atenção. Estava vendo um programa de TV sobre a relação entre os cientistas da computação e os hackers, seus concorrentes na ilegalidade.

Os primeiros montam os segredos para dificultar a invasão dos segredos que os computadores possuem. Os segundos, tentado violar esses segredos. Os hackers quase sempre ganham, o que faz a ciência da computação evoluir mais ainda.

Tomemos um problema simples: a criptografia alfa numérica da maioria de nossas senhas banais. Isso já está sendo desvendado pelos hackers com facilidade. Os dados de nossa conta bancária, ou a simples senha dos nossos e-mails já são violados facilmente com a criptografia que estamos usando no momento.

Mesmo as impressões digitais ou o reconhecimento de nossa íris, já implantados em alguns computadores bancários, podem ser desvendados pela ação dos hackers, segundo o programa de TV que estava vendo. Portando os cientistas da computação já estão estudando outras formas de criptografar nossas senhas.

Uma delas está sendo conhecida por criptografia quântica. Na física quântica um objeto pode estar em alguns lugares diferentes ao mesmo tempo. Se eles conseguem trocar a criptografia digital entre o zero e o um, como acontece no comportamento das partículas quânticas, os hackers não vão saber distinguir entre o zero e o um trocando de lugar o tempo todo. Não me perguntem como eles fazem isso porque eu jamais saberia explicar. Mas que é interessante, é.

Mais maluca é uma segunda tentativa chamada de “computação ultra paranoica”. Nessa o computador capta o movimento de como digitamos nos botões. Os cientistas malucos descobriram que cada um de nós tem uma forma peculiar de digitar senhas, executar notas musicais, ou fazer um texto no teclado do computador. Esse modo padrão é interno e nós não nos damos conta de que ele existe. Portanto, as senhas do futuro nem vai precisar que nós saibamos delas. O computador vai interpretar o “jeitão” de cada um digitar um teclado.

Isso mesmo que vocês estão pensando. Na “computação ultra paranoica” nem nós saberemos a senha que teremos. Se o cientista não for internado, os hackers  vão ter um trabalho dos diabos para violar os segredos de um computador tornado esquizofrênico...


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ilustração: Gervásio






Sombras na esquina de um bar


(Geraldo Borges)

Ontem em me encontrei com Oscar Wilde em uma esquina de minha cidade. Perguntei o que ele estava fazendo por essas bandas. Reconheci que era Oscar Wilde, por causa de seu traje típico, aquele que a gente vê dentro das brochuras de seus livros. Ele me disse que tinha fugido da prisão de Reading. Notei que estava com um livro debaixo do braço, Era o De Profundis e a Balada do Cárcere de Reading.

Oscar Wilde estava pálido, e não parecia mais aquele homem tão conversador e elegante que animava os salões literários  de Londres. Não foi  fácil acreditar que estava conversando com o próprio escritor irlandês. A maioria  dos escritores da língua inglesa  é de origem irlandesa.  Para me garantir que estava conversando com Oscar Wilde lhe perguntei se ele conhecia o conto: o rouxinol e a rosa.

Yes. Yes,  fui eu que o escrevi.

Falei-lhe, então que o rouxinol e a rosa foi um dos primeiros contos que me deslumbrou na minha adolescência, que o seu enredo é doloroso, deixa  a gente muito triste.  Aí comecei a lhe recitar o começo do conto.

Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse uma rosa vermelha, mas não há nem uma rosa vermelha no meu jardim. O rouxinol ouvindo esta historia  começou a cantar toda a noite  com um espinho cravado no coração até que lhe surgiu do peito ensanguentado uma rosa vermelha.  O estudante  levou-a para a moça, ela não quis  mais. Já tinha outro pretendente.

O estudante jogou a sua flor na lama. Uma carroça, que vinha na mesma direção,   passou por cima.

Oscar Wilde sorriu, amargurado, tirou a sua flor da lapela e me ofereceu. Aceitei-a. Ai ele me perguntou se eu conheci o Retrato de Dorian Gray. Disse que sim. E que o seu enredo me impressionou muito. E que considero o seu romance uma das obras primas da literatura ocidental.  Mas a sua obra que mais mexe comigo é  De Profundis e a Balada do Cárcere de Reading  que me parecem completamente diferente do plano do resto de sua obra.

Sim. Sim. Foi feito num novo período de minha vida, quando eu mergulhei no inferno do cárcere  e conheci outras experiências, outros homens. Na verdade a minha obra anterior é bastante cerebral, feita com inteligência e vaidade; resultado de muita leitura, repleta de artifícios, sem o sangue da realidade, sem o sangue do rouxinol. No Retrato de Dorian Gray eu apenas olhava para mim mesmo, era o meu retrato.
                             
Não precisamos entrar no bar, sentamos em cadeiras  distribuídas  na calçada. E começamos a beber. Foi quando chegou  Lima Barreto, maltrapilho e com a botas sujas de lama, cigarro no bico. Pediu uma dose de parati  e disse como vai Oscar Wilde.


A esta altura eu já estava bêbado e resolvi ir embora. No meu do caminho  lembrei-me que tinha esquecido a flor da lapela do poeta em cima da  nossa mesa. Voltei para pegá-la. Chegando lá   encontrei a  fossilizada no  asfalto junto com tampinhas de cerveja. As portas do bar já estavam fechadas.



Pequena crônica sobre o tempo


(Edmar Oliveira)

Eu nunca acreditei muito naquela história da explosão inicial do Universo, mas tinha o Big-Bang como um dogma científico. Sim, porque se os ateus não creem nos dogmas religiosos, eles precisam acreditar nos dogmas científicos, aos quais não compreendem, mas alguns cérebros mais evoluídos endossam a crença. Algo assim como se teu cérebro tivesse uma evolução ainda paralisada no elo perdido, a explicação que falta para compreendermos a evolução do macaco ao homem.

Deixemos de macaquices e voltemos a explosão inicial – o Big Bang –, cuja explosão inaugura o universo que pensamos conhecer. Ocorre que os cálculos dos cientistas maravilhosos e suas teorias voadoras descobriram, recentemente, que alguns quasares parecem existir desde muito antes que os cálculos da explosão inaugural.

E, ao invés de refazerem os cálculos que parecem ser incompatíveis e também parece não ter solução para o problema, imaginam agora que o Big-Bang pode não ter ocorrido e o universo existiria desde sempre. Ora, que não tenha fim nos parece ser mais fácil acreditar, até porque gostaríamos de não morrer. Mas como não ter princípio? O universo sempre existiu? Mas esse não era o Deus dos crentes? Não dá pra ter nem umas explosõezinhas aqui e ali para acertar os cálculos que foram atrapalhados pelos quasares? O universo não começou e nem termina?

Não, essa trapalhada dos cientistas não me fará mais crente, teimoso que sou em desacreditar. Prefiro concordar com Mário Quintana que o Tempo é uma invenção da Morte. Ele engole tudo para acabar com o que existe. E o Universo deve conter o Tempo para não ser engolido por ele. A poesia me é mais explicativa que a ciência ou a religião.

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Poema do Quitana sobre o Tempo:

AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

(Mário Quintana, in 'A Cor do Invisível')
    


ZÉ DA PRATA, o maior poeta de Altos

JOSÉ FERNANDES CARVALHO, vulgo "ZÉ DA PRATA", nasceu na localidade Prata, município de Altos-PI, no dia 1º de Junho de 1871. Violeiro, poeta, trovador e repentista e repentista de grande talento, produziu vasta obra que continha mensagens polêmicas para a sociedade de sua época, como o erotismo e críticas de cunho político. Tocava Sanfona com rara felicidade e tinha o hábito de cantar nas festas. Casou-se com Liduína Paiva, filha de João de Paiva Oliveira (o filho do fundador de Altos). Foi lavrador, funcionário da Prefeitura Municipal de Altos e escrivão da Coletoria Estadual, em Altos. Veio a falecer em 14 de março de 1945, na localidade Canto Alegre (parte integrante do atual município de Coivaras, que se desmembrou do município de Altos em 01 de janeiro de 1993). Zé da Prata não deixou obra escrita, mas seu talento é reconhecido e sua poesia permanece viva na memória popular, tendo sido transmitida às gerações posteriores através da tradição oral. 

(Extraído do perfil atribuído a Zé da Prata no Facebook




Poemas publicados por Zózimo Tavares, garimpados por Durvalino Couto:


SOBRE A MOÇA QUE SE CASA!
A moça quando se casa,
Todo castigo merece.
Troca pai e troca mãe
Por alguém que mal conhece
E fica na obrigação
De amolecer um cambão
Toda vez que endurece!


LENDO A MÃO DE UMA ESPIVITADA!
Rapa, rapé e raposa
Lá nas barra do Sambito,
Onde o diabo deu no cão,
Onde o cão deu no maldito,
Onde a cabra deu no bode
E o bode deu no cabrito, 
Pra baixo eu vejo a terra,
Pra cima o infinito.
No rosto dessa garota
Vejo dois olhos bonito.
Você não pode negar
Em sua mão está escrito
Que um rapaz aqui dos Altos
Já pegou no seu priquito!


OUTRO QUE SE DEU MAL COM A LEITURA DE MÃO!
Eu vejo que és devoto
Devoto de São Raimundo.
Mas essa tua mão feia
Vê coisa de outro mundo,
Mostra que tu és baitola
E dá o cu pra todo mundo!


JÁ IDOSO E BRINCANDO CONSIGO MESMO!
Minha correia ta fina
Que só bico de sovela.
Tudo o que ganhei na vida
Eu hoje gasto com ela,
Assim mesmo não evito
Que mije a minha chinela!
-x-x-x-x-x-x-x-
Se vejo mulher bonita,
Meu corpo ainda se bole,
Mas sei que já estou velho, 
É melhor que me console...
De que serve eu ter desejo, 
A correia assim tão mole?
E a correia desse jeito
O priquito não engole;
Mesmo botando a cabeça, 
Tirando a mão escapole.
E não posso dessa forma
Fazer mais o bole-bole.


FALANDO SOBRE MULHERES!
O bicho que mata o homem
Mora debaixo da saia.
Tem asa que nem morcego,
Esporão que nem arraia, 
E uma brecha no meio,
Onde a madeira trabaia.
-x-x-x-x-x-x-x-x-
Há uma espécie de arraia
Que os homens gostam dela, 
É enfeitada de fiapos, 
Tem um dente na titela.
Na hora que vai comer
Se abre que nem moela
E amolece nervo duro
Mais ligeiro que panela.


DIZEM TAMBÉM SER DELE...
Há quatro coisas no mundo
Que mantém um homem em pé
É carne de vaca gorda,
Toucim de porco baé,
Farinha de mandioca
E priquito de muié!


ATÉ NO LEITO DE MORTE VERSEJOU!
Eu estou passando as horas
Em estado moribundo.
Mas rede e panela velha
Só se acabam pelo fundo.
E talvez nesses três dias
Viajo pra o outro mundo.


Estou aqui padecendo, 
Como a velha carnaúba
Meus lábios estão rosados
Que só tripa de cojuba
E a face tão corada
Que só flor de caraúba.
Só me dão para comer
Um triste mingau de puba.
Tô no pé de uma ladeira
E não sei como é que suba.




Frutos Estranhos

TÍTULO: Frutos Estranhos — Sobre a inespecificidade na estética contemporânea

AUTOR: Florencia Garramuño

EDITORARocco, 128 páginas

::Luíz Horácio
Florianópolis


A pesquisadora argentina, Florencia Garramuño,  professora da Universidade San Andres, em Buenos Aires, PhD pela Universidade de  Princeton, Estados Unidos, e pós-doutora  pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escolheu obras artísticas do Brasil e da Argentina  e transformou em livro; Frutos estranhos, são quatro ensaios que abordam, segundo Florencia, a arte inespecífica.

Um nome novo para algo existente, manjadíssimo para estudantes de Comunicação e Estética.
Do que se ocupa? Investiga a imbricação das variadas formas de expressão artística, atualmente também trata das possibilidades numa variedade de mídias que servem de suporte. Mas o que resulta dessa imbricação, dessa invasão do espaço alheio, que arte é essa?

Exemplo: Esquilos de Pavlov, livro de estréia da artista plástica e a partir de então escritora, Laura Erber. Nesse trabalho a autora utiliza a fotografia para tornar visível a narrativa. Outra utilidade para essa combinação é de permitir um número significativo de interpretações.

Outros, como Abel Meeropol  fizeram o caminho inverso,  seu poema Strange fruit
nasceu quando o poeta viu  uma foto de linchamento de negros nos Estados Unidos. Não demorou para o poema, nascido de uma foto, virar música e tornar-se um clássico na voz de Billie Holiday. Ainda surgiria um romance com esse mesmo título. Logo, a cumplicidade não é novidade. Desde que executada por artistas competentes o resultado geralmente é expressivo embora não seja essa a tônica.

Para enfatizar a ausência de novidade na obra de Garramuño, sugiro que o curioso leitor faça uma pesquisa sobre o termo Remediação, definido por Paul Levinson como um processo  que faz uso de novas tecnologias para melhorar as tecnologias  precedentes.

Enram em cenas os paladinos das novas mídias; internet, realidade virtual e mais e mais, erguem barreiras que as separam  das mídias anteriores.Elas, as novas, oferecem novos parâmetros estéticos. Isso se não é óbvio, é o quê? Até onde sei o novo traz novidades. Ou não?
Jay David Bolter e Richard Grusin  buscam um meio termo, acreditam que as novas mídias se justificam por atualizar as antigas mídias, a isso chamam de Remediação.
Vá atrás, curioso leitor, da obra da dupla;Remediation. Understanding new media, 2000, para isso existe Amazon.

Frutos estranhos faz parte da coleção Entrecríticas, e repete o  título de uma instalação de Nuno Ramos, essa picaretagem identificadora do estágio patético das artes plásticas, cometida no MAM, Rio de Janeiro/2010.

Diz a professora que as obras citadas nos ensaios apresentam como ponto comum a “unidade do não pertencimento”, elas se identificariam a partir de uma não indentificação. Demais para um tosco aprendiz como este que ora digita essas tristes frases. Tristes porque se ocupam de um vale tudo na terra de ninguém, tudo se justifica, tudo pode, desde que o autor saiba ostentar seus títulos e premiações. Aí a orda ignara ajoelha e aplaude. Separar o joio do trigo é prática  pra lá de obsoleta.

Mas façamos uma tentativa.O que seria esse tal “não pertencimento”.

Garramuño   defende que, em certas obras   contemporâneas brasileiras e latino- americanas, percebe-se  uma certa indeterminação, uma dificuldade de definição dos limites entre as formas de expressão, suportes e discurso, por parte dos artista,. Essa dificuldade ou confusão, caso você prefira, assim como eu, implica o tal do  não pertencimento. Resultado: o inespecífico. Profundo, não! Não, um vale tudo. Isso mesmo, não há regras. E à literatura, a nossa principalmente, que não anda bem das pernas há muito tempo, restou o papel de coadjuvante.

E por falar em Literatura, quem está no balaio?

Pois bem, encotramos por lá títulos de Luiz Ruffato, Ricardo Domeneck, Carlito Azevedo, Tamara Kamenszain, Sylvia Molloy. O que fizeram para merecer isso? Excetuando Luiz Ruffato, eles eram muito cavalos, única obra de grande relevância entre as arroladas pela autora, os demais  primam pela combinação de gêneros e misturas de ficção e realidade embora sem alcançar a ambiguidade de Philippe Forest, Christine Angot e Jean-Louis Fournier.  Fico com esses para não ocupar mais umas dez linhas. Pois bem,  alinhemos os nossos autores com os artistas plásticos Helio Oiticica, Nuno Ramos, isso mesmo caro leitor, você precisa gostar pois todo mundo gosta. Mesmo que para  isso seja necessário não entender nada sobre pintura, escultura, ah, mas precisa entender de instalação!

Mas atenção, apressado leitor, existe um detalhe extremamente importante em Frutos estranhos, e ele reside no subtítulo; Sobre a inespecificidade na estética contemporânea, algo como uma auto defesa. A ocorrência e utilização das novas mídias, a propagação das redes sociais, o leitor, um novo leitor ou o velho leitor forçosamente adaptado?, o leitor como cúmplice criador. Resumo utilizando palavras adequadas: Os antigos suportes, uma tela antigamente servia à pintura, um mosaico era destinado a um revestimento, decoração; atualmente podem, respectivamente, receber uma projeção em vídeo e um poema. Logo, os suportes ganharam outras utilidades e até mesmo novos sentidos. A interatividade é quase uma exigência, a obra, seja ela literária, temos livros onde o leitor está encarregado de concluí-lo; seja uma instalação onde a presença, a movimentação do espectador, agora coadjuvante, passa a dar sentido. Isso mesmo, estupefato leitor,inespecificidade na estética contemporânea.

Também podemos interpretar essa inespecificidade como estágio de um aprendizado, como usar as novas tecnologias de modo a produzir arte relevante. Combinar ingredientes é arte para poucos, e não podemos deixar de reverenciarmos a arte que se mantém através de séculos.E sem a mudança de suportes. Diga, honroso leitor, o que torna Bach atual, Cervantes, o que torna Rabelais um moderno? Este aprendiz não sataniza as novas mídias, mas há que saber utilizá-las, do contrário não passa e não passará de uma expressão confusa, e por vezes bastante barulhenta, da falta de talento.
Deixo aqui uma sugestão de obra onde você encontrará um tanto dessa inespecificidade, da combinação de novas e não tão novas mídias, um trabalho primoroso envolvendo literatura, artes gráficas, música, a intervenção do artista/criador, capaz de mudar o rumo da história.  Para isso um detalhe que viaja através dos tempos sem envelhecer se faz notar; talento. Melhor, talentos. Vale a pena, está em
concepção direção e textos do professor da UFSC, poeta, romancista, Alckmar Santos;vídeos e músicas do também professor da Univ.Mackenzie Wilton Azevedo


Afinal de contas Frutos estranhos é um livro de crítica literária, de artes plásticas, de antropologia, é o quê? Não é nada, se pensarmos nisso ou naquilo, ao mesmo tempo representa uma diversidade imensa de possibilidades.Para isso basta dizermos o seguinte:  é um livro de criticas sobre as novas formas de expressão artística. Mas voltemos um pouco no tempo. Alguém há de lembrar de Glauber com a câmera na mão registrando o velório de Di Cavalcanti. Era arte? É arte?
Deixo uma questão: quem escreverá um ensaio sobre  o pau de selfie?
Mas pau de selfie é arte, produz arte? Jamais subestime nossa mediocridade, inocente leitor.

TRECHO

Na análise do trabalho da artista Roni Horn, inspirado em Água viva, de Clarice Lispector - cujo pertencimento a um gênero ou forma é evitado constantemente - , Hélène Cixous explorou os vários modos como a artista deslocou as frases da escritora para azulejos de borracha colocados no chão de uma galeria, ou escritas em serigrafia que depois penduraria nas escadas e corredores do espaço. Segundo Cixous, Horn expôs “toutes les façons possibles de fuir un cadre, un enfermement, une arrestation donc une  Maison, un cage, une institution, une frontière, un tout. La désappartenance.”[ todas as maneiras de fugir de um quadro, de um encerramento, de uma captura e logo de uma casa, de uma gaiola, uma instituição, uma fronteira, um todo. O não pertencimento.] ( 2005, p.62)
Désappartenance ou disbelonging, em inglês, conservam um sentido mais ativo que negativo que eu gostaria de manter para essas práticas; um modo que, mais que exibir uma carência, faz da invenção do comum  e desindividualizante uma proposta ativa para imaginar mundos alternativos,que talvez a palavra impertinência permita sugerir com mais felicidade.

AUTORA

Florencia Garramuño é PhD em Romance, Languages and Literatures pela Princeton University e pós-doutorada pela UERJ. Dirige o Programa em Cultura Brasileira da Universidad de San Andrés, na Argentina e é pesquisadora independente do CONICET

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Luiz Horácio destrói os Frutos Estranhos da argentina. Mas ele chama atenção como é interessante o original de Abel Meeropol na voz de Billie Holliday. Para a lembrança do belo original: