domingo, 19 de abril de 2015

BRANCO SAI, PRETO FICA


(Edmar Oliveira)

Adirley Queirós foi jogador de futebol, estudou cinema na UNB e faz filmes. Branco sai, preto fica é um soco no estômago dado com precisão, enquanto ele conta uma história de ficção científica que consegue transmitir metáforas demolidoras a partir de um documentário. Mistura documentário com ficção científica. Que diabos de cinema é esse? Cinema amador com baixíssimos custos de produção, que nos remete às experiências com super-8 da década de 1970? Ou uma ousadia cinematográfica que transforma sobreviventes de uma chacina policial da década de 1980 em excelentes atores, apesar das mutilações decorrentes daquela chacina?

Pois bem, o cadeirante Marquinhos da Tropa e o amputado Shockito são os principais atores deste filme que conta a chacina num baile funk da Ceilândia, ocorrida em 1986. Marquinho está perfeito e fez jus ao prêmio de melhor ator no festival de Brasília. O também ótimo Dilmar Durães é um viajante do tempo, cuja nave espacial é um container que balança na areia vermelha do planalto central e o piscar de luzes faz o “truque” da viagem no cinema.

Esse viajante tem a missão de colher provas para que o Estado brasileiro seja responsabilizado pelo massacre que a polícia executou no baile no passado. Por outro lado os sobreviventes do massacre estão fazendo uma bomba para explodir Brasília. Ah, Brasília é governada por fundamentalistas cristãos e tem uma polícia de “ação social” que separa os pobres da periferia da capital federal. A polícia submete a Ceilândia a blitz frequentes e solicita que as crianças saiam das ruas. E para o morador da periferia entrar em Brasília é necessário um passaporte que é exigido nos postos de controle. Algo tão real! A ficção é que é o documentário?

Enquanto o locutor de uma rádio clandestina – o personagem de Marquinhos – faz um solitário programa noturno e o Shockito conserta próteses para outros “companheiros de infortúnio”, a história do massacre que aconteceu é contada com os mínimos detalhes e de como ela marcou a vida dos moradores reais de uma Ceilândia feia, abandonada, triste, cheia de grades e terra vermelha, com esgotos a céu aberto. O DJ Jamaica faz um fabricador de bombas em trocas de passaportes para entrar em Brasília. E eles recolhem os forrós da periferia, os sons da feira de Ceilândia, a cultura pobre da periferia para rechear a bomba que explodirá sobre Brasília. E Brasília, tão perto da Ceilândia, não aparece no filme. O metrô às vezes é uma viagem no tempo, mas Brasília é inacessível.

Senti pena de o filme ser tão precário tecnicamente por não poder ver uma explosão fantástica de Brasília e delirei com multidões apavoradas tentando tapar os ouvidos invadidos pelos sons da periferia. Estas cenas “desejantes” não existem no filme, mas acho que Adirley as fariam com mais recursos.


Ou quem sabe ele só quer que nós sejamos capazes de imaginar o que acontecerá se não houver tempo. Talvez a reparação das culpas do Estado pelo abandono que faz às populações periféricas não venha a tempo de evitar a explosão da revolta. Branco sai, preto fica pode significar também a explosão da vingança. E se um cineasta me faz imaginar tanto, ele faz o melhor cinema. Apesar das deficiências técnicas, Adirley faz cinema do bom.     


   

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