(Edmar Oliveira)
Adirley Queirós foi jogador de futebol, estudou cinema na
UNB e faz filmes. Branco sai, preto fica
é um soco no estômago dado com precisão, enquanto ele conta uma história de
ficção científica que consegue transmitir metáforas demolidoras a partir de um
documentário. Mistura documentário com ficção científica. Que diabos de cinema
é esse? Cinema amador com baixíssimos custos de produção, que nos remete às
experiências com super-8 da década de 1970? Ou uma ousadia cinematográfica que
transforma sobreviventes de uma chacina policial da década de 1980 em
excelentes atores, apesar das mutilações decorrentes daquela chacina?
Pois bem, o cadeirante Marquinhos da Tropa e o amputado
Shockito são os principais atores deste filme que conta a chacina num baile funk
da Ceilândia, ocorrida em 1986. Marquinho está perfeito e fez jus ao prêmio de
melhor ator no festival de Brasília. O também ótimo Dilmar Durães é um viajante
do tempo, cuja nave espacial é um container que balança na areia vermelha do
planalto central e o piscar de luzes faz o “truque” da viagem no cinema.
Esse viajante tem a missão de colher provas para que o
Estado brasileiro seja responsabilizado pelo massacre que a polícia executou no
baile no passado. Por outro lado os sobreviventes do massacre estão fazendo uma
bomba para explodir Brasília. Ah, Brasília é governada por fundamentalistas
cristãos e tem uma polícia de “ação social” que separa os pobres da periferia
da capital federal. A polícia submete a Ceilândia a blitz frequentes e solicita
que as crianças saiam das ruas. E para o morador da periferia entrar em
Brasília é necessário um passaporte que é exigido nos postos de controle. Algo
tão real! A ficção é que é o documentário?
Enquanto o locutor de uma rádio clandestina – o personagem
de Marquinhos – faz um solitário programa noturno e o Shockito conserta
próteses para outros “companheiros de infortúnio”, a história do massacre que
aconteceu é contada com os mínimos detalhes e de como ela marcou a vida dos
moradores reais de uma Ceilândia feia, abandonada, triste, cheia de grades e
terra vermelha, com esgotos a céu aberto. O DJ Jamaica faz um fabricador de
bombas em trocas de passaportes para entrar em Brasília. E eles recolhem os
forrós da periferia, os sons da feira de Ceilândia, a cultura pobre da
periferia para rechear a bomba que explodirá sobre Brasília. E Brasília, tão
perto da Ceilândia, não aparece no filme. O metrô às vezes é uma viagem no
tempo, mas Brasília é inacessível.
Senti pena de o filme ser tão precário tecnicamente por não
poder ver uma explosão fantástica de Brasília e delirei com multidões apavoradas
tentando tapar os ouvidos invadidos pelos sons da periferia. Estas cenas “desejantes”
não existem no filme, mas acho que Adirley as fariam com mais recursos.
Ou quem sabe ele só quer que nós sejamos capazes de imaginar
o que acontecerá se não houver tempo. Talvez a reparação das culpas do Estado
pelo abandono que faz às populações periféricas não venha a tempo de evitar a
explosão da revolta. Branco sai, preto
fica pode significar também a
explosão da vingança. E se um cineasta me faz imaginar tanto, ele faz o melhor
cinema. Apesar das deficiências técnicas, Adirley faz cinema do bom.
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