domingo, 13 de abril de 2014

APUNHALADO POR VON MEDUNA NA TERRA DO FOGO (*)


(Edmar Oliveira)

 
Eu já tinha até me aposentado das atividades profissionais quando uma amiga do Piauí me propôs fazer uma aula inaugural de um curso em Teresina. Sabe como é, na terra da gente a gente abre uma exceção e faz de um tudo para colaborar.

De aproveitamento ainda pesa a força do cordão umbilical de ver de novo a terrinha. Sou meio aperreado, como se diz por lá, e fiquei querendo saber logo a hora do voo para me organizar, pois a viagem era justo no dia que ainda faço uma atividade pós-aposentadoria, aquela que se faz pra não perder o costume. Mas a bicha custou a chegar. Recebi uma mensagem por celular que a passagem estava no aeroporto sob um protocolo cheio de consoantes em que constava a reserva, na companhia aérea que tem base em Campinas. Saindo de noite, já sabia que mofaria na cidade paulista para pegar um voo na madrugada para a Filha do Sol do Equador. Não existem voos diretos para Teresina, o que é uma desconsideração do sudeste com o meu estado. Por isso, qualquer voo dura uma eternidade em trocas de avião. Chegaria lá, se não houvesse atraso, madrugada a dentro. E ainda por cima, a minha aula era de manhã cedo, mas não esmoreci por isso. Tudo por uma justa causa! Vamos nós.

Mala pronta, despedida da família, rumei para o aeroporto. Ainda bem que aqui perto no Santos Dumont. No check in, procura dum lado, procura do outro e nada. Quando eu consegui soletrar todas as consoantes da reserva que foi lida no celular, a mocinha com minha identidade na mão dizia que aquela passagem estava em nome do Sr. Vieira. De modos que fui impedido de embarcar, tendo que voltar pra casa furibundo. Não consegui uma autorização para comprar outra passagem antes da saída do voo.

Como sou muito bairrista, ficava achando era bom ter acontecido comigo, que sou filho da terra. Imagina como pegava mal para nós piauienses, se a trapalhada organizativa tivesse se dado com um professor carioca ou paulista. Tem coisas que parece só acontecer em Teresina!

Mas fiquei muito triste, não posso negar. Tem coisas também que castigam lá na nossa vaidade. Uma vez que me hospedei num hotel, em Teresina, o recepcionista ficou louco de alegria por ter reconhecido o autor do blog “Piauinauta”. Eu também, porque afinal estava atingindo um rapaz humilde filho da terra, o que não era pouca coisa. Ele fez questão de entrar no blog no computador da recepção do hotel para dizer que a folha era um dos seus sites favoritos. E tenho testemunha, meu amigo Pereirinha estava presente.

Eu que tenho dois livros publicados dedicados à terra fiquei sentido. Afinal o pessoal de uma Universidade não me conhecia e fui tratado como um ilustre desconhecido, o senhor Vieira. Além do constrangimento de me fazer passar pelo professor Vieira e querer embarcar no seu lugar.

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(*) “A incrível história de von Meduna e a filha do Sol do Equador”, Oficina da Palavra, The, 2011 é um livro sobre práticas em Saúde Mental do Piauí. “Terra do Fogo”, Vieira & Lent Casa Editorial, Rio 2013 é um romance que se passa em Teresina na década de 1940. Meu primeiro livro “Ouvindo Vozes”, Vieira & Lent Casa Editorial, Rio 2009 é muito conhecido no meio acadêmico também no Piauí.

Salgado Maranhão

 
ORDEM DA HORDA 2 (poemas para gritar)

Acharam a cabeça num saco,
entregue aos urubus; acharam
os pedaços no asfalto -- vandalizados:
sem nome,
sem endereço,
sem regalias.

Agora, estão procurando a alma;...
os sonhos perdidos;
a dor da morte inumerável.
 
(Salgado Maranhão)


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azulejos baseados em Manoel da Costa Ataíde (1762-1830) pintor barroco mineiro



O crepúsculo de um general


(Geraldo Borges)
 
O revolver estava em cima da mesa coberta com uma lamina de vidro, e o seu reflexo deformado crescia debaixo do espelho. Na mesma mesa, sentado, o velho coronel pensava naquela arma, tinha sido herança de seu pai, que também fora militar. De cabeça inclinada  entre as mãos ele pensava em sua biografia que resolvera escrever,e, também, sobre a vida de seu pai que na ditadura Vargas tinha lutado contra os comunistas esta praga de fogo no monturo que nunca se apaga  e lhe  houvera incutido o ódio contra essa ideologia.

 

Ele também passara por uma ditadura e conforme os princípios do seu  pai, que eram os mesmo seus, fizera a mesma coisa. Mas, hoje, não sabia por que  acordara nebuloso  pensando no filho que deveria ter seguido os seus passos, e, no entanto, fizera um desvio no trilho político de sua família. Virou uma ovelha negra, um lobo vestido de cordeiro. E terminou sendo torturado e assassinado pelos soldados da revolução. A sua angustia não tinha limites quando pensava nisto. Via o rosto do filho desfigurado, em forma de vitral no espelho da mesa ao lado do revolver. Não agüentava mais. Olhou em volta do quarto. Viu o guarda – roupa.

 

Levantou-se. Abriu uma porta do guarda-roupa e viu em sua frente a sua farda de gala verde oliva. O uniforme condecorado, suas medalhas no peito, suas estrelas nos ombros, sua espada na bainha cravejada de prata. E reviu sua vida passada de atropelos e desmandos, tudo em nome da ordem e do progresso. Fechou o guarda – roupa e pensou em queimar todo  aquele fardamento. Antes de fechar viu uma barata saindo do bolso do seu dólmã. A barata parecia uma cápsula de bala cor de cobre. Deu um piparote no inseto. Ele caiu em seus pés. Rápido como quem dispara uma arma frente ao inimigo o general pisou no inseto e ouviu um estalo seco debaixo de seus pés. Nunca havia matado uma barata, nem mesmo nos seus tempos de recruta na Academia. Aquilo era oficio para sua mulher que já era falecida. Ele tratou durante a sua vida de mortes mais sérias.

 

Morta a barata dirigiu-se ao espelho do quarto. E viu o seu rosto crispado, o cabelo cortado rente, alemão, tinha a mascara de um monge. E lembrou-se de seu querido pai, um Caxias, e do filho, um comunista. Era preciso acabar com esta história, terminar com sua biografia. Ele era um dos últimos generais que ainda estavam vivos, e que sabia de muita coisa escondida, que, com certeza, envergonharia o seu filho, se ainda estivesse vivo.

 

Voltou a sentar-se à mesa. Pegou o revolver. Encaixou o cano no ouvido esquerdo, e disparou o gatilho. O sangue correu pelas frinchas do espelho quebrado e inundou a mesa de um crepúsculo sangrento.

 

 

Conflito

 
(Graça Vilhena)

fosse apenas o sol
na tarde que flutua
eu não seria poeta...
é necessário que o mundo
se inquiete
e se debata em dualismo
de pardais e desesperos

1 verso

 
A DOR DA VIDA

Para Mirabô Dantas

Só o difícil constrói
O fácil nada ressuscita
O dilaceramento nasce do amor
E o amor quando amizade é mais

O amor não move o social...
Ele é próprio da solidão
Todo indivíduo é só
O amor é um pacto dos solitários

Todo prazer antecede o abismo
Beira ao cessar o hediondo pavor
Todo prazer antecipa o caos
Ergue uma ponte sobre o precipício

Só o difícil constrói
A tristeza da existência transcorre lenta
A morte espreita a cada coisa bela
A vida só é bela sem esperança

É bom saber que não há depois
A vida nasce todo dia

(Climério Ferreira)

A lenda de Karnak (no país da memória)


O atual Palácio de Karnak foi adquerido ao sr. Mariano Gil Castelo Branco - o Barão de Castelo Branco - para o governo do Estado do Piauí, em 1924, pelo então governador João Luís Ferreira.
Anteriormente pertenceu o referido prédio ao ilustre Dr. Gabriel Luís Ferreira, pai de Dr. João Luís Ferreira, que fez a construção mais ou menos em 1885, residindo ali vários anos e mantendo também nesse local um colégio, onde estudou quase toda a infância e mocidade de recursos daquela época.
Já em 1874, o Frei Serafim de Catânia iniciara a edificação da Igreja de São Benedito e de então começaram a surgir, nesta parte da cidade, habitações confortáveis.
Exatamente no local comprado pelo Dr. Gabriel para fazer a casa que denominou Karnal, morava, havia anos, uma velha cujo nome era Justiniana. Ali ela tinha a sua choupana, criava galinhas, cultivava craveiros, fazia bolos fritos e também trabalhosas rendas de almofadas, que eram indispensáveis na confecção das ricas toalhas de batizados.
Na ocasião de dar início às obras, o Dr. Gabriel avisou à moradora que desocupasse o terreno com a maior brevidade possível.
A velha Justiniana, atendendo à ordem recebida, retirou-se dentro de poucos dias, mas, no momento em que deixava para sempre sua aprazível vivenda, ergueu o bastão e rogou, em voz alta, a seguinte praga: - “Tenho fé que todo aquele que para aqui vier, sairá como eu, às pressas”. Por uma mera coincidência, alguns governadores tiveram que deixar o Palácio de Karnak inesperadamente.
O próprio Dr. Gabriel Luís Ferreira, primeiro governador eleito da república, e que dava suas audiências no Karnak, pois naquele tempo aainda não havia sido adquirido para o Palácio do Governo o prédio da Praça Deodoro. Consta que ele foi desposto; pelo menos pressionado pelos militares, deixou o governo às pressas e viajou.
Entretanto, a julgar pelos últimos tempos, a terrível praga nos sugere esta alternativa: ou perdeu o valor ou a velha Justiniana resolveu revogá-la.
A vida tem seus mistérios.

Nota: Quando eu tinha dez anos de idade, um dia chegando à venda do sr. Segisnando, ele contava a história, ouvida de seu pai, que narrei com a máxima fidelidade, omitindo apenas alguns detalhes que julguei sem importância.

(Texto de Helena Aguiar Jacques, do livro Genu Moraes, a mulher e o tempo de Kenard Kruel)

- deu meio um branco! por 1000TON


PARA CONFIRMAR O COMPLEXO DE VIRA-LATA


Luíz Horácio
(de Porto Alegre)
  


Sonhos e imaginação literária. Essas duas substâncias podem ser admitidas no meio científico? Podem ser transformadas e matéria da ciência? Não me atreveria a um palpite. Mas Freud, grande leitor, desde cedo lia Shakespeare, transformou os sonhos em elemento da ciência. Ao longo de sua trajetória profissional o leitor atento perceberá que muitas das teorias de Freud foram nutridas por obras literárias. Até aí nada de novo, muitos fizeram e continuam a fazer isso. Mas teria algo de novo em Freud com os escritores? Quem sabe se  tratado  como uma denúncia: “percebam, caros leitores, o quanto a  psicanálise deve a literatura”. Sim, eu sei que você dirá que cheguei  a uma conclusão medíocre e que me faria um grande bem se procurasse um analista. Quem sabe...quem sabe.

A obra de J.B. Pontalis  e Edmundo Gómez Mango, ambos psicanalistas, trata exatamente dessa junção; psicanálise e literatura. Mais precisamente a relação de Freud com alguns autores.

Embora o viés psicanalítico da obra, os autores apresentam um Freud amante da literatura, capaz de demonstrar afeição por este ou aquele personagem. Com você isso não ocorre, caro leitor? Também ocorre. Então sigamos em nossa desesperada busca de algo que justifique este Freud com os escritores.

Um outro ângulo para examinar a obra dos psicanalistas franceses: Literatura e Psicanálise dividiriam o mesmo objeto? A complexidade do ser humano, seus conflitos, sua porção obscura, Mais precisamente, ambas buscariam  a tradução desse enigma.

Mas deixemos parte dessas ferramentas de lado, a psicanálise. Prefiro não juntá-las visto que a esta cabe a doença  e não me parece que a literatura tenha igual pretensão. Se bem que pode auxiliar em algumas curas. Pelo menos momentâneas.

Freud com os escritores deve ser uma excelente leitura para psicanalistas e amantes dessa profissão. Por mais que se estabeleça a relação psicanálise/literatura, esta, embora seu papel de protagonista no livro, estará sempre a serviço da referida ciência. Pelo menos na obra de Pontalis e Mango.

Sei que temos o patético hábito de enaltecermos o rótulo estrangeiro. Isso vale para toda e qualquer atividade; dos automóveis aos vinhos sem esquecermos da literatura e da música. E por falar em música, talvez esteja aí  nossa maior prova de falta de amor próprio. Importamos e consumimos péssimas canções, apesar de nossos insuperáveis Luan Santana, Latino, Naldo  e a boçalidade extrema Ivete Sangalo e seu clone Claudia Milk.

Feita a digressão, retomo. Se não me engano me referia a elementos que podem interessar aos não psicanalistas, um deles: saber da relação de Freud com este ou aquele autor, o significado de determinado personagem, despertar nossa curiosidade ao descobrirmos que certo personagem ajudou na criação de tal teoria. Embora a relevância desse saber seja quase zero.

Afora isso, esclarecido leitor, você se defrontará com uma obra das mais óbvias. Faça uma análise acerca da lista de autores pelos quais Freud se interessava e depois me diga se não são os mesmos pelos quais você se interessa, que qualquer pessoa que tenha o hábito da leitura e costume ultrapassar os limiares melequentos de Crepúsculo, Código Da Vinci,  se interessa. A lista é grande, alguns integrantes: Shakespeare, Goethe, Schiller, Heine, Hoffmann, Dostoïevski,Stefan Zweig, Arthur Schnitzler, Romain Rolland, Thomas Mann.

Talvez um ou dois citados ao longo do livro  ainda sejam desconhecidos pelas “terras brasilis”e você  ainda não teve a oportunidade de aprender  aquela língua.

Eu sei, pelo menos bilingue leitor, e você também sabe que o livro foi muito bem recebido na França. Mas seria pelo seu valor literário ou pelo que traz de curiosidade acerca dos gostos literários do autor do Livro dos sonhos?

Um aspecto bastante curioso, por favor “ouça com bastante atenção”, é o sutil conflito que se estabelece em Freud entre seu amor à literatura e sua devoção à ciência.

“Freud com os escritores” obriga tal postura ao leitor não psicanalista, procure, cave, vá mais fundo, releia e talvez você encontre a razão. Eu não encontrei. Mas não sou parâmetro, sei muito bem de meu lado tosco. O que não impede de lembrar outro livro, e sem rótulo estrangeiro, um livro essencial principalmente para quem gosta de Literatura e alimente curiosidade acerca dos gostos de Freud. Falo de “Os dez amigos de Freud”, Paulo Sergio Rouanet. Cia. das Letras,2003.

Atendendo pedido de um editor vienense, Hugo Heller, Freud relacionou  livros com os quais mantinha uma relação de amizade.

São os "dez amigos" do título do livro de Sergio Paulo Rouanet. Os autores escolhidos por Freud foram Multatuli,Thomas Macauley, Rudyard Kipling ,Émile Zola, Anatole France, Gottfried Keller, Conrad Ferdinand Meyer, Theodor Gomperz, Dmitri Merejkovski e Mark Twain.

Rouanet, num trabalho minucioso e didático, analisa  cada um desses autores. Engano seu, caro leitor, caso acredite que a tarefa assim termina pois Rouanet cita  autores a quem o referido editor também solicitara uma relação de livros-  de Arthur Schnitzler e Herman Hesse, entre outros - e estuda suas listas, comparando-as com a de Freud. Um trabalho magnífico, em mais de 800 páginas uma obra indispensável.

Excetuando o viés psicanalítico, o qual não atrevo a comentar, o que tem em “Freud com os escritores” que não tem em “Os dez amigos de Freud”? Não vai responder, reflexivo leitor, não vai?

Então vou inverter a questão: o que tem em “Os dez amigos de Freud”  que não tem em “Freud com os escritores” ? Essa eu respondo.

Tem muita coisa, mas prefiro citar um detalhe, Sergio Rouanet cria uma psicoficção, apresenta o que podemos chamar de monólogo interior onde  simula processos associativos que poderiam ter ocorrido a Freud  quando fazia sua auto-análise.

“Freud com os escritores”  só em caso de não encontrar “Os dez amigos de Freud”.

 

Trecho

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Naturalmente, Shakespeare tinha o melhor quinhão: edições inglesas e alemãs. Dostoiévski, cujos romances admirava embora depreciasse o homem, demasiado neurótico a seu ver, é igualmente bem-representado. Surpresa: as uvres complètes de Flaubert na edição Conard (dezoito volumes), Maupassant (vinte volumes) e Anatole France (21 volumes ilustrados). Inúmeras e caras aquisições de bibliófilo.
Dentre os autores de língua alemã, Goethe, Heine e, em lugar de destaque entre os escritores contemporâneos, Thomas Mann, Arnold e Stefan Zweig. Curiosamente, nenhum sinal de Schnitzler, a quem, não obstante, considerava o seu "duplo".
Em certos livros, há frases sublinhadas. Às vezes, encontramos também observações na margem: "Não, não! Burrice. Estúpido". Atento e exigente, o leitor Freud não era do tipo que lia na diagonal.
Ao percorrer o catálogo, como não ficar impressionado com a variedade dos interesses de Freud, sua curiosidade insaciável, a extensão de sua cultura? E como não se perguntar: ele, que escreveu tantos livros, tantos artigos, que enviou tantas cartas a seus inúmeros correspondentes e teve em análise tantos pacientes, sim, como encontrou tempo para ler tantos livros? A resposta poderia perfeitamente ser esta: ele era um homem do livro. Talvez para ele, como o sonho interpretado em sua obra inaugural, a Traumdeutung, que ele chamava de Traumbuch (livro do sonho, ou livro-sonho), talvez jamais terminássemos de ler o mundo. Um mundo que, depois de Babel, era povoado por todo tipo de línguas e dialetos, um mundo cuja língua secreta se chamava inconsciente. 

Autores

 

J.-B. Pontalis (1924-2013), filósofo e psicanalista, é autor de, entre outros, A força de atração e Perder de vista (ambos pela Zahar, 1991), e À margem dos dias (Primavera Editorial, 2012), além de coorganizador de Vocabulário da psicanálise (Martins Editora, 2001). Edmundo Gómez Mango (1940), professor de literatura, psiquiatra e psicanalista, é autor de La place des mères (1999), La mort enfant (2003) e Un muet dans la langue (2009), publicados pela Gallimard.

 

             Título original: Freud avec les écrivains

             Tradução: André Telles

             Capa: Sílvia Nastari

             Páginas: 304

             Formato: 14 cm x 21 cm

             Área: psicanálise

             Editora Três Estrelas

Tabatinga


delivery é o cacete!

Paulo José Cunha comenta uma manchete da FOLHA DE SÃO PAULO: "Com estilo vintage, padeiros aceitam encomendas e entregam em casa".
Veja no site: http://www1.folha.uol.com.br/comida/2014/04/1434194-com-estilo-vintage-padeiros-aceitam-encomendas-e-entregam-em-casa.shtml


Povo bobo. 
Lá em Teresina, quando eu era menino, todo dia o padeiro ia deixar o pão da gente, quentinho, coberto por um pano de prato impecavelmente branco, na porta de casa. Vinha numa bicicleta, com aquela cestona na garupa. Tocava uma buzina que nem a do Chacrinha. Depois chegava o leiteiro. A mesma coisa. E nada mais ecológico: não trazia o leite empacotado nem engarrafado: em cada casa, quem ia receber na porta  levava a própria garrafa bem lavadinha e ali, na hora, ele enchia com o leite que saía borbulhando de uma torneira presa a um latão. Tudo de bicicleta. Bem ecológico e moderno, né não? Bem verdade, diziam, que metade do leite era água... Mas, que diabo: não existe nada mais antigo do que a fraude. E até nisso somos pioneiros. E tinha também o carvoeiro, o homem das vassouras, outro dos espanadores e uma velha que vendia vasculhadores, aquelas vassouras altonas pra varrer o teto das casas por dentro, no tempo em que não havia forro pra esquentar os ambientes. Tudo ali, na porta de casa. 
Pagamento? Era por mês. Tudo anotadinho numa caderneta. Muito mais econômico e racional do que esse tal de cartão de crédito. No dinheiro. E a gente ainda podia pechinchar, momento ótimo pra falar mal do custo de vida e desse governo e desses políticos safados que não fazem nada pra melhorar essa situação.  
É isso: queiram ou não o Piauí já está na vanguarda há séculos! Depois é que vieram os retrógrados que inventaram os supermercados, esses templos do consumo sem alma nem personalidade e nos puxaram pra trás. Mas já fomos bem mais modernos. 
Ah. Naquele tempo o nome disso “ entrega de porta em porta” ou “a domicílio” (assim mesmo, errado - porque o certo é “em domicílio” - como errada e linda é a língua do povo, como dizia o Oswald). Agora é que inventaram esse tal de delivery, macaqueando os gringos. 
Sou mais é nóis! Esses paiulistas bem que podiam dar um pulinho por lá e conversar com os mais velhos. Iam aprender como é que se faz...