domingo, 13 de abril de 2014

O crepúsculo de um general


(Geraldo Borges)
 
O revolver estava em cima da mesa coberta com uma lamina de vidro, e o seu reflexo deformado crescia debaixo do espelho. Na mesma mesa, sentado, o velho coronel pensava naquela arma, tinha sido herança de seu pai, que também fora militar. De cabeça inclinada  entre as mãos ele pensava em sua biografia que resolvera escrever,e, também, sobre a vida de seu pai que na ditadura Vargas tinha lutado contra os comunistas esta praga de fogo no monturo que nunca se apaga  e lhe  houvera incutido o ódio contra essa ideologia.

 

Ele também passara por uma ditadura e conforme os princípios do seu  pai, que eram os mesmo seus, fizera a mesma coisa. Mas, hoje, não sabia por que  acordara nebuloso  pensando no filho que deveria ter seguido os seus passos, e, no entanto, fizera um desvio no trilho político de sua família. Virou uma ovelha negra, um lobo vestido de cordeiro. E terminou sendo torturado e assassinado pelos soldados da revolução. A sua angustia não tinha limites quando pensava nisto. Via o rosto do filho desfigurado, em forma de vitral no espelho da mesa ao lado do revolver. Não agüentava mais. Olhou em volta do quarto. Viu o guarda – roupa.

 

Levantou-se. Abriu uma porta do guarda-roupa e viu em sua frente a sua farda de gala verde oliva. O uniforme condecorado, suas medalhas no peito, suas estrelas nos ombros, sua espada na bainha cravejada de prata. E reviu sua vida passada de atropelos e desmandos, tudo em nome da ordem e do progresso. Fechou o guarda – roupa e pensou em queimar todo  aquele fardamento. Antes de fechar viu uma barata saindo do bolso do seu dólmã. A barata parecia uma cápsula de bala cor de cobre. Deu um piparote no inseto. Ele caiu em seus pés. Rápido como quem dispara uma arma frente ao inimigo o general pisou no inseto e ouviu um estalo seco debaixo de seus pés. Nunca havia matado uma barata, nem mesmo nos seus tempos de recruta na Academia. Aquilo era oficio para sua mulher que já era falecida. Ele tratou durante a sua vida de mortes mais sérias.

 

Morta a barata dirigiu-se ao espelho do quarto. E viu o seu rosto crispado, o cabelo cortado rente, alemão, tinha a mascara de um monge. E lembrou-se de seu querido pai, um Caxias, e do filho, um comunista. Era preciso acabar com esta história, terminar com sua biografia. Ele era um dos últimos generais que ainda estavam vivos, e que sabia de muita coisa escondida, que, com certeza, envergonharia o seu filho, se ainda estivesse vivo.

 

Voltou a sentar-se à mesa. Pegou o revolver. Encaixou o cano no ouvido esquerdo, e disparou o gatilho. O sangue correu pelas frinchas do espelho quebrado e inundou a mesa de um crepúsculo sangrento.

 

 

Nenhum comentário: