(Geraldo Borges)
O revolver
estava em cima da mesa coberta com uma lamina de vidro, e o seu reflexo
deformado crescia debaixo do espelho. Na mesma mesa, sentado, o velho coronel
pensava naquela arma, tinha sido herança de seu pai, que também fora militar.
De cabeça inclinada entre as mãos ele
pensava em sua biografia que resolvera escrever,e, também, sobre a vida de seu
pai que na ditadura Vargas tinha lutado contra os comunistas esta praga de fogo
no monturo que nunca se apaga e lhe houvera incutido o ódio contra essa
ideologia.
Ele também
passara por uma ditadura e conforme os princípios do seu pai, que eram os mesmo seus, fizera a mesma
coisa. Mas, hoje, não sabia por que acordara nebuloso pensando no filho que deveria ter seguido os
seus passos, e, no entanto, fizera um desvio no trilho político de sua família.
Virou uma ovelha negra, um lobo vestido de cordeiro. E terminou sendo torturado
e assassinado pelos soldados da revolução. A sua angustia não tinha limites
quando pensava nisto. Via o rosto do filho desfigurado, em forma de vitral no
espelho da mesa ao lado do revolver. Não agüentava mais. Olhou em volta do
quarto. Viu o guarda – roupa.
Levantou-se.
Abriu uma porta do guarda-roupa e viu em sua frente a sua farda de gala verde
oliva. O uniforme condecorado, suas medalhas no peito, suas estrelas nos
ombros, sua espada na bainha cravejada de prata. E reviu sua vida passada de
atropelos e desmandos, tudo em nome da ordem e do progresso. Fechou o guarda –
roupa e pensou em queimar todo aquele
fardamento. Antes de fechar viu uma barata saindo do bolso do seu dólmã. A
barata parecia uma cápsula de bala cor de cobre. Deu um piparote no inseto. Ele
caiu em seus pés. Rápido como quem dispara uma arma frente ao inimigo o general
pisou no inseto e ouviu um estalo seco debaixo de seus pés. Nunca havia matado
uma barata, nem mesmo nos seus tempos de recruta na Academia. Aquilo era oficio
para sua mulher que já era falecida. Ele tratou durante a sua vida de mortes
mais sérias.
Morta a
barata dirigiu-se ao espelho do quarto. E viu o seu rosto crispado, o cabelo
cortado rente, alemão, tinha a mascara de um monge. E lembrou-se de seu querido
pai, um Caxias, e do filho, um comunista. Era preciso acabar com esta história,
terminar com sua biografia. Ele era um dos últimos generais que ainda estavam
vivos, e que sabia de muita coisa escondida, que, com certeza, envergonharia o
seu filho, se ainda estivesse vivo.
Voltou a
sentar-se à mesa. Pegou o revolver. Encaixou o cano no ouvido esquerdo, e
disparou o gatilho. O sangue correu pelas frinchas do espelho quebrado e inundou
a mesa de um crepúsculo sangrento.
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