domingo, 5 de dezembro de 2010

aniversário


O Piauinauta comemora seu terceiro ano no ar. Iniciou esta viagem em 20 de novembro de 2007. Tão distraído estava que esqueceu de comemorar na data certa, na edição passada. Já comemora 3 dobras no tempo...

O Piauinauta deve ir passar o Natal e Ano Novo em casa. De volta no ano que vem. O quarto no espaço...

Canção do Amor Tranquilo



Como o Piauinauta vai passar o Natal em casa, podem abri-lo vez por outra para repetir essa beleza de canção, ainda inédita, mas que estará no próximo disco de Climério Ferreira, duvidam?

o conto deste Natal



Edmar Oliveira
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O Capitão Nascimento saiu da tela do cinema, convocado que foi pelo governador Sérgio Cabral, para comandar a invasão do Complexo do Alemão. Assumiu a missão após a debandada dos bandidos da Vila Cruzeiro correndo a esmo, ao vivo e com aplausos de transeuntes nos shoppings e lojas de TV. Aquela ação na Vila Cruzeiro havia sido comandada pelo aspira André que morrera no último filme de cinema e estava liberado para a ação real.

Quando o Nascimento assume o comando das tropas, ordena uma ação politicamente correta, que aprendeu com o deputado Freixo, para não repetir as atrocidades do primeiro filme.

- Quero atenção com a comunidade. Só vale estapear bandido. Chega na porta gritando "Pede pra sair"! - e o capitão ainda se preocupava com os policiais corruptos que já começavam a saquear os comunitários - "se eu vejo um merda desse lambendo sua caceta, eu boto pra fora do Bope num tapa".

As velhinhas beijavam o Capitão, que, com as crianças no colo, comandava a tropa.

- Sobe a viela, mete o pé na porta. Não tá vendo que essa é casa de marginal disfarçado de morador?

O pessoal aplaudia, uma velhinha se acocorou demoradamente por causa do reumatismo, mas escapou dos tiros, que o Padilha mandou filmar em câmara lenta. O Capitão Nascimento comandava a tropa arrodiado de crianças que faziam uma algazarra brincando de Bope. Em duas horas e meia o Complexo do Alemão foi retomado pelas forças do bem.

Vinte e quatro toneladas de maconha, duzentos e cinquenta quilos de cocaína, armamento pesado e farta munição. Casa a casa foram revistadas. Os bandidos evaporaram. Mas a tropa entregou ao Nascimento duas cabeças do tráfico. Um menino de dezoito anos tão assustado que denunciava a culpa de ter aterrorizado a população indefesa e um garoto de vinte anos no qual as tatuagens denunciavam a culpa: "Fernandinho Bera Mar", "Maconha só de boldo" e "Eu cheiro" entre outros. Nascimento exibia o troféu enquanto a câmara do Padilha transformava as tatuagens em legendas.

- Pede pra tirar! - gritava o Capitão querendo arrancar àquelas inscrições à tapa.
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Um Papai-Noel que saia pra trabalhar olhava a cena e imaginava o que leva um moleque marcar o próprio corpo com a falta do futuro. O Papai-Noel, de natais passados desistia. Aquele menino não tinha passado, presente ou futuro, e, se era culpado por ameaçar nossas vidas, como exibia a televisão ao vivo, nós já tínhamos tirado a sua vida. E pra quem não tem nada, nem mesmo a vida, não há presentes de natal.

Papai-Noel voltou pra casa na comunidade e o jingo bell se transformou na música dos caveiras.

Ruminantes considerações bovinas



Geraldo Borges




Quando nos, os animais, falávamos, até que podíamos desabafar. Hoje tudo mudou. Ninguém mais abre o bico. E se e ainda possuíssemos este dom eu abriria o verbo para dizer um bocado de coisa que está atravessado em minha garganta. Eles não entendem o nosso berro. Fazemos parte da historia da humanidade, tanto da história natural como cultural. Pertencemos a mitologia. Quem não se lembra de Pasifae, a rainha, que se apaixonou por um touro branco saído da espuma do mar e por engenhosidade de Dédalos o possuiu. Deste estranho congresso nasceu o Minotauro, metade homem, metade touro, e que até hoje assusta os turistas no Labirinto.Também estamos no zodíaco . E no Wall Street. Mas para possuirmos a celebridade que temos tivemos de trabalhar muito de sol a sol desde os primórdios dos arados no Egito, servimos nos moinhos, nos carros de bois. Mas nunca nos deixa morrer de vclhice, cansados. Sempre estão prontos para nos matar e aproveitar o couro. Isto quando nos somos manadas do plantel de engorda, prontos para o matadouro.



Em uma província do sertão Nordestino, o Piauí, que se dedicou abundantemente a nossa criação no período colonial, tinha mais boi do que gente, de modo que um ovo de galinha era mais caro do que uma res. Pode acreditar meu pálido leitor. Caso não bote fé no que estamos dizendo e só consultar os anais da história econômica da província. Era tanto boi que nasceu a civilização do couro, dentro de um contexto bárbaro. Aí os homens, esses verdadeiros deuses, nossos criadores, que se alimentam de nosso sangue, de nossos ossos e tutanos, começaram a construir camas de couro, canecos de couro, portas de couro, chapéu de couro, perneiras de couro, gibão de couro, tamanco de couro, cinturão de couro, relho de couro, tabaqueira de couro, algibeira de couro. E haja couro de boi espichado e curtido.



Mas vamos passar para a nossa carne. E dessa iguaria que os homens gostam. Alimento nobre. Vitela. No começo quando éramos abatidos nos matadouros, sem muito higiene, ao ar livre, no meio das moscas e dos cachorros,a carne, era uma só, misturada com ossos. Não tinha este negocio de nos dissecar anatomicamente em várias partes qualificadas, em mais nobre, menos nobres. Como por exemplo: patim, posta gorda, cupim, alcatra, filé, contra filé, colchão mole, etc. Sem falar na rabada, na costela, na mão de vaca, nas vísceras para panelada. Hoje a maioria das pessoas que podem adoram a picanha os domingo nos churrascos.



Hoje a população do mundo está cada vez maior e não para de nos usar como alimento. E nos também estamos crescendo com eles. Mas o pior é que todo homem que come carne está condenando a vinte ou mais de seus semelhantes a passar fome. Com o incentivo do homem nos somos um grande predador. Para produzirmos um quilo de carne temos de ingerir pelo menos quinze quilos de alimentos vegetais - muitas vezes alimentos que poderiam ter sido consumidos diretamente pelo homem.



Ninguém sabe no que a pecuária vai resultar. O certo é que tem muito boi na linha. E vai ser grande o atropelo. Mas nos estamos dando muito trabalho para sermos criado. Às vezes precisamos até de ar condicionado, principalmente quando somos um bom reprodutor. Estes duram mais tempo e não vão para o cardápio do dia. Precisamos de uma mão de obra bem treinada para darmos resultado. Muito antibiótico, vacina, chip. Assistência diária com veterinário Não mais tão simples como nos velhos tempos em que se precisava apenas de um cavalo areado, um bom vaqueiro, com gibão, espora, chocalho, creolina para curar bicheira. Chuva para o capim crescer, e formar um bom pasto. O gado era crioulo, rijo, habilitado a enfrentar o agreste. Boi pé duro, de lombo liso, sem cupim e que agüentava carrapato e mutuca.



Hoje, a nossa criação, como já disse, carece de muita tecnologia, de cursos universitários. Matadouros e frigoríficos são coisas tão profiláticas que parece até que estamos em uma sala de hospital. Higiene absoluta. Morte limpa. Sei não. O que sei mesmo é que é um terror. Quando nos aproximamos do corredor da morte, muitos deles, morrem do coração. Um choque antecipado, antes da hecatombe.



De certo modo os homens tentam compensar o nossos sacrifício criando uma cultura em torno de nós, como se quisesse dignificar a nossa alma. Por isso mesmo adoram o bezerro de ouro. Viramos Bumba Meu Boi e outros bichos folclóricos por ai, e, sem o mínimo de pudor, entramos na intimidade familiar com os nossos cornos. E as vezes saímos vingados quando conseguimos matar um toureiro.



Quem sabe um dia vamos deixar de ser a boiada. Continuaremos apenas mito para o desafio dos homens. Eis finalmente algumas considerações de um animal ruminante que gostaria muito de falar para poder se defender da sanha faminta dos homens.

Gestação

Ana Cecília Salis



São minhas,
As palavras são minhas...
E aos cuidados do tempo
Posso parí-las em poesia...

Filhas meninas que protejo
De todo julgamento de feiura
São lindas as minhas poesias
Porque são minhas...

Cirandeio e deságuo nelas...
Soam-me música...
Abraçam-me apertado...
Distraem-me o silêncio...

E uma a uma...
Testemunham
A minha fêmea travessia
Pois são vivas as minhas poesias...

Quando tristes, são plenas...
Quando arteiras, são ferinas
Quando solitárias, andam juntas
Quando feias, as faço belas

Se são minhas,
são herdeiras...
Pois sou mãe
De todas elas...

Clichês


1000TON


Casablanca, de Michael Curtiz: simplesmnte genial ! 2ª Guerra - todos os clichês possíveis e imagináveis estão nessa fita – charme, dor-de-cotovelo, fossa, arroubos de paixões e de nacionalismo, o vilão aproveitador da situação, desempenhos magistrais dos atores. Até o Douglas DC-3 contracena maravilhosamente com os dois protagonistas Bogart e Bergman. Aliás esse aviãozinho é considerado uma das máquinas mais perfeitas já inventadas pelo homem (foi criado em 1941 e o nosso glorioso Correio Aéreo Brasileiro utilizou essas aeronaves até os 70’).

E não é que o nosso Molusco Presidente também ficou bem numa outra fita? “O cara” simplesmente promoveu a “desfederalização”, pelo avesso, dos Estados Unidos do Brasil !

Eu explico:

A súcia da elite paulistana, incluindo os tucanos, que pensam o Brasil a partir de Higienópolis, reúne-se todos os dias da semana em torno do seu tea party das 5 da tarde. Há decênios, desde a revolução de 32, pretendem fazer de São Paulo um Estado só para os paulistas de nobre linhagem, varrendo pobres e nordestinos do mapa ou afogando-os, conforme sugere a nossa bonitinha-mas-ordinária-nazistinha-estudante-de-direito Mayara Petruso.

Bem distante dali, os catinguentos paus-de-arara receberam, no Governo Lulamolusco, bem sucedidos programas sociais e projetos de desenvolvimento para o Nordeste. É inegável, fizeram tanto sucesso que hoje podemos constatar:

NÃO FOI SÃO PAULO QUE SE SEPAROU DO NORDESTE E, SIM, O NORDESTE É QUE SE SEPAROU DE SÃO PAULO ! Tá inteindêindo, ô meu? Hoje são os paulistas que estão precisando dos nordestinos e não o contrário! Ainda por cima são mal agradecidos, porque a migração de cabeças-chata para poluir a paulicéia desvairada diminuiu consideravelmente.

Que o digam as madames paulistanas, aquelas que na sala de espera dos consultórios médicos só lêem “Caras” e rasgam as folhas de “Contigo” para ler em casa, porque têm vergonha de comprar na banca. Esse analfabeto operário deixou-as sem mão-de-obra barata para pilotar as suas Dellano-cozinhas com seus Brastemp-fogões, além das Electrolux- máquinas-de-lavar e Celite-tanques de roupa...

Evidentemente ainda falta muita coisa para ser feita, lógico. Falta, por exemplo, a inclusão do Maranhão, o estado mais pobre do país, Sinecura do Clã dos Sarney, essa SARNA que se abriga no poder desde a ditadura militar, passando anteriormente pelos governos Collor, Itamar e FHC.

Ô xente! Os nossos irmãos nordestinos, depois dessa boa sacudida na nossa tupiniquim pirâmide social, agora incluídos como cidadãos brasileiros, estão ficando tão arretadamente satisfeitos que já estão querendo imitar o chá das 5 dos Higienopaulistanos, os paulistanos higênicamente limpos e puros, os dignos e legítimos representantes da raça braZileira.

Estão até pensando em programar, todas as tardes, um ”Macaxeira Assada com Cajuína. Só que este convescote será programado para ter início lá paras 6 e meia ou 7 da noite. Sim porque os nordestinos dão um duro danado, só estão largando o pesado às 5 ou 6 horas da tarde e até chegarem em casa leva um tempinho, né?

Fiquei sabendo que no happy-hour do nordeste pode ir quem quiser, o evento não é, absolutamente, excludente. O objetivo principal é a confraternização entre todas as raças, todos os irmãos, vindos de todos os cantos desse Brasilzão. A Vila (Euclides) não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também (e xote, xaxado, baião, côco, etc).

Como prova disso até o provecto Jabour foi convidado, mas não apareceu...Preferiu participar, como de costume, do encontro dos barões de sangue azul-tietê, todos muito elegantes e cheirosos, cujo principal e ilustre convidado é o filósofo das profundezas abissais, o FHC, desde priscas eras, seu guru e provedor de esperma.

Big Sentido




O Piauinauta, a partir dessa Edição tem o prazer de publicar poemas do capítulo "Lingerie" do livro, ainda inédito, Big Sentido, do poeta DURVALINO COUTO FILHO. Deliciem-se.

(justo na edição 69)

Lingerie


Se não conseguir enxergar coloque óculos ou click na imagem para vê-la melhor...




Terra do Sol



Edmar Oliveira


Natal é uma cidade em que chove raramente. E o sol desponta às quatro e meia te convidando à praia. Como tenho ido ali em demasia, testemunhei uma chuva. Na minha terra, chuvisco. Já à noitinha uma garoa se arrisca a cair do céu, quando nuvens enganam o sol que nunca sai do firmamento enquanto a lua não vem. Os pingos se atrevem a sair miúdos, como a pingar do bico de um regador em ventania: chove mais em vertical que na horizontal. E logo não há mais chuva.

As nuvens não se aquietam no céu pela ventania do tempo. O mar se encrespa desenrolando na areia devagar. Na preguiça nordestina. O sol se levanta cedo demais, mas demora muito mais a ir ao meio do céu. A manhã é muito comprida em Natal. Você caminha na orla, mergulha ao mar, enjoa do sol, vai à cerveja com camarões, passeia no artesanato potiguar, almoça carne de sol com jerimum, ou camarões e macaxeira, ou uma peixada com queixo coalho, ou mistura tudo depois de ter provado uma tapioca com ginga na Redinha. E deita na rede pra cochilar pensando em quanto a vida pode ser devagar para se viver um pouco mais.

E percebe que o que parece um mês em qualquer lugar nem sequer é um meio de dia em Natal. À tarde, o quê fazer? – Ai, que preguiça! – diria Macunaíma. O sol se espreguiça na tarde, o cajueiro de Potengi faz mais uma rama, a rota do sol se ilumina em Búzios, nas lagoas, que são atravessadas num braço de mar rumo a Timbau: - Meu Deus, que lindo! O paraíso foi organizado nessa lagoa de aluá. O por-do-sol se esconde dentro dela. A noite chega, muito devagar, que se podem sentir pedaços do dia no claro e outros em escurecer. Como que se atravessar do dia pra noite fosse uma decisão minha e não do tempo.

Amanhã começa tudo de novo, como se o paraíso pudesse ser recriado...

___________


foto: por-do-sol em Timbau do Sul (edmar)

Fascínio


Juarez Montenegro



A luz esplende um céu engalanado,


alvejando inda mais as nuvens brancas


que resvalam sedosas... como as ancas


das supimpas beldades dum bailado.

*

A noite encanta um vate inebriado...


e palavras tropeçam, ficam mancas,


pensamentos se abrem como sancas...


um coração palpita extasiado.

*

Mas, se vens ao encontro deste afeto


como a luz que constela o firmamento


e abrasa um cometa predileto,

*

este ser ofuscado se defende


exaurindo as razões do sentimento...


a luz um céu engalanado esplende!


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Tá danando o mestre Jura. O vate engalanou as moças...

O livro



Paulo José Cunha

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O livro não é o livro,

mas principalmente sua cor,

seu cheiro,

sua pele.

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Além do livro,

a anotação tatuada em suas margens,

o reencontro marcado

no canto dobrado da página.

.

Mais que o livro

é o dorso puído,

a dedicatória quase ilegível,

a mancha de café

e o bilhete de namoro,

escondido entre as páginas,

cheio de maravilhosos erros de concordância.

.

Mais que as páginas,

o livro é o infinito de páginas da rosa ressequida,

por anos esquecida

dentro do livro

e de repente achada e lida,

e relida

em cada pétala,

em cada página da vida

revisitada

e

revivida.

João Pessoa



Edmar Oliveira




Surpreendente a pequena João. Se a Paraíba é macho, sim senhor, João Pessoa é feminina. Da bela lagoa do Parque de Lucena as ruas partem em direção ao mar. E chegam logo. No centro histórico a conservação arquitetônica e o conjunto católico de São Francisco é de uma beleza colonial, conservada desde muito antes de mudar de nome para o mártir que provocou a revolução de 30.


A orla se desdobra em praias maravilhosas ao norte e ao sul. A ponta do Seixas, com seu farol modernoso numa arquitetura de gosto duvidoso de um general da ditadura militar indica o ponto do território nacional mais próximo da África. Onde o sol nasce primeiro. A cultura nordestina se impõe em todos os lugares. Até na praia os repentistas do cordel se oferecem no seu improvisar em sete versos, que é a forma cantada do falar paraibano, mostrando o orgulho de ser nordestino.





O hotel Tambaú, outro crime arquitetônico fincado na areia do mar e dentro d’água pela arrogância dos anos de chumbo, ficou bonito e se tornou um símbolo da cidade. E é interessante testemunhar a grandiosidade de concreto armado com que o Sérgio Bernardes desafiou Niemayer. Mas é impagável testemunhar a modernidade dos anos sessenta ser açoitada pelo mar na maré alta. E singular o estacionamento dos barcos dos pescadores no fim da tarde trazendo o pescado ao mercado do peixe.


A culinária do sertão é exuberante na João Pessoa. Carne de sol na nata com arroz de leite e feijão verde em caldo farto é muito bom. Mas os pescados são de botar água na boca também.


Agora tem um passeio imperdível no fim da tarde: o pôr-do-sol do Jacaré. Vá até a praia fluvial do jacaré, no rio Paraíba, que fica no caminho de Cabedelo e espere o relógio marcar cinco e dez da tarde. Jurandir do Sax aparece como mágica numa canoa e de pé sobra o bolero de Ravel que é transmitido para os amplificadores de todos os bares e restaurantes. E neste inusitado surreal o sol se põe embevecido pela sonoridade do Jurandir. Absolutamente sensacional sem qualquer tom de breguice, como quem ainda não viu pode imaginar.


Para quem é do mar tem ainda o passeio de jangada aos arrecifes que se fazem terra firme na maré baixa. Mas como quem é do mar é regido pelo calendário lunar da tábua das marés, tem uma fase da lua que eles não aparecem. Na vez que fui eles não apareceram.


Hoje trago um abraço pra ti, pequeninha. João Pessoa ainda vai ser descoberta como já foi Fortaleza e Natal. E aí vai ficar menos bonita.


Mario Faustino



SONETO

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Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
.

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

.
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.

.
(Mário Faustino - O Homem e sua hora - 1955)

ilustração de Netto de Deus no Picinez-Piauí

poemicro

MEMÓRIA RECENTE

Para não esquecer anoto os versos,
Mas não sei aonde deixei o caderninho

(Climério Ferreira)

El Pintor




Não sei o que acontecia na Teresina dos anos sessenta para os setenta do século passado, mas fomos invadidos por boleros e guarânias em casteliaños, que ressoavam da Rádio Difusora até a Rua Paissandú. Quem viveu naquela época lembra dessa. E esse era um sucesso equatoriano. Cacete!


Garimpado por Lázaro José, me passada por Etim.

domingo, 21 de novembro de 2010

EXTRA, EXTRA! MONTEIRO LOBATO CONDENADO POR ATO DE RACISMO É BANIDO DAS ESCOLAS!

Edmar Oliveira



Uma das (poucas) vantagens de ter já uma certa idade é poder compreender o ridículo a que se expõe moços recém instados a cargos públicos, que não conseguem enxergar a linha evolutiva do tempo. É como se assim fosse desde sempre. Explico-me: um burocrata do Ministério da Educação e Cultura (MEC) achou de censurar “As caçadas de Pedrinho”, obra consagrada de Monteiro Lobato, por racismo. Quem se enredou nas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo lembra dessa: Narinho e Pedrinho organizam uma caçada a uma onça pintada que escondida nas mata de taquaraçus perto do sítio. Sem o conhecimento de tia Nastácia e Dona Benta, claro, pois reprovariam. Na aventura a onça faz tia Natácia subir numa árvore “que nem uma macaca”. Pronto: a preta Nastácia é comparada aqui a uma macaca em frontal ataque racista, atacou o censor do MEC sugerindo a proibição do livro nas escolas públicas. Nós, lá atrás na linha do tempo, vimos agilidade porque conhecíamos os macacos nas árvores e não a associação símio verso afrodescendentes, que para nós e o Lobato eram negros, sem nenhuma ilação feita pelo politicamente correto censor do MEC. Não era assim no passado. Aliás, o moço deve condenar a turma do sítio por uma caçada a uma onça-pintada, animal em extinção que deve ser protegido por leis ambientais severas. Não era assim também.



Quem nasceu no sertão em tempos passado lembra que a gente sabia que as lagartixas (ou labigós, no nosso piauiês) balançavam a cabeça nervosamente quando nascia um menino homem. É que uma das funções dos meninos naqueles tempos era caçar labigós com nossas baladeiras (estilingue no idioma português) e matar beija-flor para comer o seu coração, ainda sangrando, para ficar “guabes” (ter boa pontaria). E ninguém ficou psicopata por isso, apesar de, nos dias de hoje, isso ser considerado psicopatia. Não era assim. Não tinha o politicamente correto que foi se formando com o passar dos anos. A gente tinha era que “fobar” (gabar-se), dizendo ter matado um beija-flor, mesmo nunca tendo conseguido a façanha.



Lembro da vez que fui a Sete-Cidades, sítio arqueológico no Piauí, com meus filhos. As iguanas andavam entre os meninos com tanta calma e não me lembrava de quando eu era menino ter convivido com iguanas naquele mesmo lugar. Ora, imaginei, os moleques de ontem corriam atrás dos camaleões para matar (nas perversidades naturais de menino, que nós mesmos fomos educando de outra forma) e era natural que eles corressem de nós quando nos viam. Mudaram os camaleões e os meninos. Os tempos são outros. Mudou o mundo. Com certeza para melhor, pelo menos nesse aspecto. Portanto as aventuras do sítio eram noutro contexto e não da exigência politicamente correta de hoje. E não se pode julgar o passado com os costumes do presente, que lá não existiam. E se não existiam não podiam seres infringidos. Que os professores expliquem isso, se um chato politicamente correto perguntar.



E mais, o censor precisa saber que Monteiro se inspirou na Anastácia, babá querida de seus filhos, para criar o personagem. Só falta ele dizer que isso também é racismo: criar a empregada baseada na sua empregada afrodescendente. Lembro que os tempos são outros e naquele tempo tinha que ter uma tia Nastácia nas histórias, que eram da nossa realidade.



Aliás, essa sanha do “politicamente correto” é tão chata que republicamos o artigo abaixo, falando muito bem deste assunto.

O Cravo Não Brigou com a Rosa



Roberto Rabat Chame (Jornalista)



Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi
comovente: a briga entre o cravo – o homem – e a rosa – a mulher – estimula a violência entre os casais. Na nova letra “o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada”.
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte
de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas
recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão daminha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da
desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e nãoprocurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava
militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma. Daqui a pouco só chamaremos o anão – o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil – de deficiente vertical . O crioulo – vulgo
picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) – só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo – o famoso branco azedo ou Omo total – é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia – aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno – é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo – outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão – é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito,
tobogã de piolho e pouca telha. Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho.
Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais… Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a “melhor idade”.
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

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garimpado da internet por Claudia Pereira. Espero que os créditos estejam corretos

Minha Sombra

Geraldo Borges

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Minha sombra acompanha-me tranqüila

Mas a sombra ao sol a sombra é outra

Que de noite se recolhe em minha argila

E se desfaz em fragmentos de posturas

.

Às vezes pela mão em uma avenida

Conduz-me por um lago azul de cisne

E faz troça do meu amor e arrependida

Propõe-me um oráculo e uma esfinge.

.

Embora queira mudar o meu destino

Está sempre pisando nos meus pés

E afagando o meu dorso de felino.

.

A minha sombra é meu encantamento

Que me assombra e me olha de viés

Por que além da verdade é fingimento.

.



Ganha-Pão





1000TON





Seria possível estabelecer-se alguma conexão entre um mecânico de máquinas de lavar, a ferida de um pobre indigente, uma empresa de dedetização e um recém-formado advogado?



Siga-me raro e caro leitor de meus medíocres artigos e constatarás que não são estapafúrdias as comparações que virão a seguir:



Dona Ermelinda possuía uma velha máquina de lavar roupa, era mesmo do “tempo do onça”, uma Westinghouse para 12kg de roupa. Seu Firmino sempre dava seu jeitinho de manter a geringonça nos trinques, sabedor do amor da patroa pela amiga e companheira da lufa-lufa diária.



O mecânico, não se sabe como, ou canibalizando peças de ferro-velho ou até fundindo peças de reposição, ia fazendo seu pezinho de meia, à custa dos reparos, quase quinzenais, da “velha senhora”.



Um belo dia Seu Firmino quase teve um “troço”!



Dona Ermelinda apaixonou-se por uma novinha em folha Brastemp...



Numa esquina de Copacabana com muito movimento, lá pelos idos dos anos 70’, passa um médico e fica comovido com o sofrimento do mendigo, perna com ferida exposta. Morador da área com consultório nas imediações ofereceu seus préstimos para curá-lo e recebeu a seguinte resposta:



_ Seu Dotô, se o senhor me dá uma esmolinha e se há de ter uma pomadinha pra aliviar a dor desse pobre esquecido por Deus, eu aceito sim. Agora, de primeiro, num posso sair daqui não, porque se eu saio, vem logo um “colega” e pega meu ponto. E dispois, se eu acabar com a “fedegosa”, aí sim, é que eu vou morrer de fome mesmo, sabe? Com tanto concurrente, quem é que vai ficar com pena de mim, Seu Dotô?



Raimundinho trabalhava para o Seu Joaquim numa pequena casa de dedetização ali na rua larga e não estava lá muito satisfeito com a merreca que ganhava. Percebeu logo que, como todas as outras firmas do ramo, o bom negócio ERAM os insetos, e não ACABAR com os insetos...E aconteceu uma coisa engraçada:



O portuga, que tinha o coração mole, não com os seus empregados, claro, que são uns molengas, como dizia, viu na televisão aquela propaganda de um inseticida. Lembram? Aquele que uma baratinha, coitadinha, implorava: Não! Rodox não! É covardia! Rodox não! Pois é, mudou de ramo, com pena de todas as milhões de baratinhas que matou durante 30 longos anos. Resultado: o Raimundo e mais uns companheiros conseguiram comprar a lojinha do seu Joaquim. Um deles tinha um nome muito esquisito, Zoroastro. Raimundo, que não era bobo nem nada, arrumou logo o nome e o slogan do novo negócio: DDTIZAÇÃO ZOROASTRO, MATA TUDO E NÃO DEIXA RASTRO!



A última história é aquela velha conhecida, a do recém-formado. Marcelinho, agora, lia com orgulho na placa de bronze em cima da sua vistosa mesa: Dr. Marcelo Botelho Pederneiras ADVOGADO.



No escritório novinho que o papai, também advogado, montou para ele, ainda tinha o cheiro de verniz dos armários e prateleiras repletos das coletâneas mais caras e mais raras do mundo jurídico, havia também secretárias gostosas de tailleur e mini-saia, tudo, tudo.



Assaz dedicado, trabalhava com afinco, afinal de contas tinha que mostrar para o pai a sua competência quando, um belo dia, o velho abre abruptamente a porta, sem bater, e vomita aos berros:



_Seu imbecil, seu safado! Eu gastei os tubos para montar este império e você, seu canalha mal agradecido, termina com aquele inventário que eu mantive, a duras penas, durante 45 longos anos!...



E segue a vida:



Lá embaixo da pirâmide a maioria come o pão-que-o-diabo- amassou. Muitos comem pão-dormido. A grande massa trabalha duro para ganhar o pão-nosso-de-cada-dia, enquanto muito poucos, lá no ápice, arrotam brioches.


_____________________


Baratinha do Valbercy Ribas








Sereno...

Ana Cecília Salis



É quando a chuva fina
e fria..
se parece ao fio da navalha...

e machuca a pele...
tal como palavras

poucas
e pequenas palavras...
que caídas a esmo

choram mais que mil chibatadas...

pequeno oásis



Cinéas Santos

PERGUNTAS, PERGUNTAS?

Simão Curuca



Sei lá...
Sei nada.
Será que me cegaram o IAPI da Penha
Estupraram minha resistente utopiazinha
Assassinaram o menino bobo
Quebraram a generosidade do velho tolo

O que atrevessa meus olhos
O que arranha os recôndidos do que chamam alma
O que me coisifica, o que me glorifica
O que me emputece, o que me esclarece

Tava lá moleque, paralisado na voz, nos olhos, nos quase gestos...
paralisado nos sonhos. Nos sonhos?
Tava lá, na Figueiredo Magalhães,
esquina com Siva Castro,
o desempregado vendendo cajuzinhos.


(e eu que dei duas merrecas ao moleque
e tive vergonha de comprar os doces do desempregado,
e eu que chorava depois, tomando domecqs,
a miserabilidade dos seres
a onipotência dos haveres,
e, de porre, esgrimia meu ódio inútil
e minha fútil humanidade
e chafurdava em minha própria miséria
e me crescia em descrenças e desavenças
e me diminuia em gênero humano)


Sei lá..
Sei nada.

Não fossem as meninas
que mandam flores virtuais
que me falam de jabuticabas
e mandam o Enem tomar no cu,
o que seria d'eu?
A não ser o cão das lágrimas de Saramago
O que lambe prantos
E mantém a zoohumanidade entre despojos de lixo e cadáveres.



nota des/necessária:
1. a metáfora das jabuticabas, embora linda, tem tantos "donos", inclusive de um Pastor, que me parece do bem, chamado Ricardo Gudim (acho que é este o nome) que realmente não sei a origem; tendo a acreditar no Mario de Andrade;
2. as flores vituais mandei-as aos meus amigos; meu irmão Edu respondeu com a mesma emoção que aquelas violetas virtuais suscitaram;
3. a referência ao Enem é da minha filha, que, graças aos céus, só puxou ao pai nos palavrões. Podia ser pior;
4. como já não tenho idade para a boiolagem, acho mesmo é que estou ficando babaca.

Clara Mello



Clarinha é filha de Patrícia Mellodi. Portanto, convoco os piauiseiros para estarem lá.

Mário Quintana



BILHETE

.
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

______________

Caricatura de Netto no Picinez

Resgate so Nós & Elis



Deusval L. Moraes




Cheguei em Teresina em março de 1985. Naquela época, o bar Nós & Elis já havia se firmado como point de frequentadores de vários matizes: intelectuais, artistas, políticos, profissionais liberais, estudantes, boêmios, etc.

Claro que, com qualidades tão inovadoras, passei a frequentar assiduamente o Nós & Elis até os seus estertores em 1994. O Nós & Elis nos deu oportunidade de fazemos amizades, encontrarmos com as pessoas o conhecermos novos talento piauienses. O tempo passou e ficaram gravadas na minha memória inesquecíveis lembranças do bar, até que me deparei na banca de revista com o livro organizado pelo jornalista Joca Oeiras “No Nós & Elis: A gente era feliz – e sabia”, que tornaram ainda mais vívidas todas as minhas lembranças dos fatos e acontecimentos vivenciados e ocorridos naquele estabelecimento de entretenimento.

O jornalista Joca Oeiras, que não conheceu o bar, fez um trabalho primoroso; foi atrás dos tradicionais frequentadores e, como arguto escritor, organizou uma coletânea de textos e crônicas que se transformou numa obra deliciosa. O Nós & Elis era um ambiente saudável, aconchegante, acolhedor, social, performático, politicamente correto, além do expressar manifestações artísticas e culturais de vanguarda, ou melhor, era uma casa que aliava a boemia com produção cultural. Como casa noturna de esquerda (criada à imagem e semelhança do saudoso Elias Ximenes do Prado Júnior, posteriormente deputado estadual pelo PDT) também era frequentada pela direita, e por isso tornavam as discussões políticas bastante acaloradas. Lá também era ponto de encontro social, onde flertes, namoros, noivados, casamentos e desilusões amorosas também aconteciam.

No Nós & Elis desfilaram vários artistas, como Geraldo Brito, Edivaldo Nascimento, Aurélio Melo, a família Fonteles, Roraima, Carlos Ramos, Patrícia Melo, Netinho da Flauta, grupos Candeia e Varanda, entre outros, transformando-se num marco da cultura piauiense, com manifestações de várias tendências artísticas, como quarta poética, representações teatrais e humorísticas, no mesmo clima de abertura política vivida naquele período no Brasil. Não poderia deixar de destacar aqui o músico sanjoanense Netinho da Flauta, de saudosa memória, que praticamente fez do bar Nós & Elis a sua casa, e que por sentir-se em casa fez lá apresentações memoriáveis, era sem dúvida nenhuma um dos artistas mais identificados com o Nós & Elis, flautista de raro talento, mas que muito cedo nos deixou, ficando na nossa lembrança o som afinado da sua flauta.

Por tudo isso, foi uma grande sacada do jornalista Joca Oeiras em produzir a obra “No Nós & Elis a gente era feliz – o sabia” por resgatar um espaço que se tornou referência de uma geração de piauienses no processo de redemocratização do País, além, naturalmente, de prestar uma grande homenagem ao seu idealizador Elias Ximenes do Prado Júnior, que, sem o seu espírito efervescente, o bar Nós & Elis jamais teria atingido a magnitude que alcançou e por via de consequência, teria ensejado produzir-se tão magistral livro.

torquato tnt



Paulo José Cunha

poemicro

A MORTE PRECOCE

Os que morrem cedo nunca saberão
Como eram tolos seus receios

(Climério Ferreira)

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Espaço Torquato Neto: a mais nova atração turística de Teresina



Paulo José Cunha




Quando for a Teresina não deixe de visitar o Espaço Torquato Neto. Fica num daqueles casarões antigos, ali no centro da cidade, desapropriado para acomodar a lembrança de um dos melhores representante da poética brasileira contemporânea. Lá você vai entrar em contato com textos, fotos, documentos, rascunhos, desenhos e raridades do “Anjo torto da Tropicália”. Vai poder acompanhar a evolução de alguns textos, desde o primeiro lampejo até o verso definitivo de algumas das canções mais importantes da música popular brasileira da segunda metade do século passado. Vai conhecer o artista multimídia Torquato Neto, através da exibição permanente de vídeos-documentários sobre ele ou inspirados em sua obra. Vai ver e ouvir depoimentos sobre o poeta, dados por parceiros, poetas, músicos, cineastas, artistas plásticos, designers gráficos, amigos e parentes. Vai ter acesso à obra do poeta organizada de forma a que o visitante entenda a evolução do pensamento de TN desde o início de sua produção, na Teresina dos anos 50 até seu suicídio, em 1972. O Espaço Torquato Neto é uma das mais simples – e também das mais arrojadas – concepções destinadas à perpetuação da obra e do espírito inquieto de um artista que não sai de moda, que continua desafinando o coro dos contentes e influenciando gerações e gerações de artistas pelo Brasil e pelo mundo.
A característica mais moderna e curiosa do Espaço Torquato Neto é que ele não é um museu, no sentido de ser um memorial onde se guardam as lembranças de um personagem, como o Memorial JK ou o Abraham Lincoln Museum. O Espaço TN, ao contrário, é uma usina de criatividade, onde artistas de todas as áreas fazem exposições ou ministram, em rodízio ou simultaneamente, oficinas de poesia, composição, cinema, vídeo-arte, computação gráfica, mídias interativas, arte cibernética, percussão, fotografia, teatro, cordel etc. Algo como o Espaço Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro (Hélio, aliás, foi um os grandes amigos de Torquato e foi quem o convenceu a exilar-se em Nova York quando as ameaças do Comando de Caça aos Comunistas começaram a preocupar seriamente o poeta).
Enfim, o Espaço Torquato Neto é dessas atrações turísticas que se tornam obrigatórias. Provavelmente Teresina, a cidade onde Torquato Neto nasceu, não tivesse a projeção turística que tem hoje se não houvesse o Espaço Torquato Neto, que estabeleceu um link definitivo entre a bela e calorosa capital piauiense e o melhor das vanguardas das mais diversas áreas. Eu próprio, que sou de lá, quando visitei pela primeira vez o Espaço, fiquei profundamente emocionado. Eu, que convivi direta e intimamente com Torquato, senti-me como que embarcando numa nave do tempo, e reencontrando o primo e amigo naqueles tempos em que, apesar da barra pesadíssima, a criatividade estava à flor da pele, entre tropicálias, geléias, festivais e bananas ao vento.
O texto acima é profundamente verdadeiro não fosse por um detalhe quase imperceptível: o Espaço Torquato Neto (ainda) não existe. E não existe porque apesar dos apelos dirigidos por mim aos prefeitos e governadores, nas últimas três décadas, nenhum deles teve a iniciativa de colocar o projeto em pé. Provavelmente não entenderam que, qualquer que seja o governante a concretizá-lo, estará associando seu nome à palavra Futuro, uma vez que a obra de Torquato Neto continua a ser uma das mais provocativas no panorama poético e musical brasileiro, e como já foi dito, não sai da moda.
Há poucos dias estive em Teresina e, junto com o primo George Mendes, passeamos a vista e a memória por dentro de um pacote de inéditos do poeta, que a viúva Ana Maria Duarte mandou do Rio de Janeiro. Textos datilografados, manuscritos, letras de músicas, fotografias, esboços e até desenhos daqueles que a gente faz distraidamente nas páginas de caderno estão lá, aguardando apenas que o atual ou o futuro governador, o atual ou o futuro prefeito acordem para a importância dessa obra e criem um local onde tudo isso possa ser visitado e conhecido. É bom lembrar que o interesse e a curiosidade por Torquato permanecem os mesmos, atestando a atualidade e a permanência de sua obra. O poeta estaria completando 66 anos. Que tal iniciar – agora – o projeto do Espaço Torquato Neto? Como ele mesmo diria, com aquele jeitão que deixou saudades: Câmbio, governador! Câmbio, prefeito! “Este menino crescido, que tem o peito ferido, anda vivo, não morreu”!

Macalé e Paulo José interpretam Torquato


Essa edição veio cheia de Torquato (9 de novembro de 1944 - 10 de novembro de 1972) por ser o mes da vida e morte do poeta.

domingo, 7 de novembro de 2010

3 em 1



por Gervásio




por Netto





por Latuff

Tropa de Elite, o filme 2



Desta feita o capitão Nascimento não é o desejo do mal do filme anterior. Ele se humaniza em nós: enche de porradas o Álvaro Lins/Itagiba, denuncia os podres do Governador Garotinho\Rosinha\Cabral (que é tudo igual), expõe com competência a palhaçada e a picaretagem miliciana de Wagner Montes/Datena, prende o Jerominho\Natalino, se identifica com o deputado Marcelo Freixo (até deixa o cara comer sua ex-mulher para ficar mais parecido com ele), mas o Nascimento não é real. O Nascimento do Tropa 2 parece um arrependimento cristão do Padilha, diretor do filme. Que se não consegue matar o alter-ego de super-herói politicamente incorreto, mata seu amigo negro, o aspira André, que saiu da favela pra estudar na PUC e tava devendo ao "sistema".


Tecnicamente o filme é bom, e convoca ao aplauso cenas do correto 2, da mesma forma que convocava no 1, o politicamente incorreto. E que contribuiu para a esquerda achar o primeiro filme fascista, tendo saído da discussão do filme para a representação que ele criou nos espectadores. Mas ele era muito mais cinema que o 2. O Tropa 2 parece uma alegoria ao que conhecemos dos noticiários dos jornais. Se o Padilha chama atenção para a realidade, ao mesmo tempo converte o personagem de ficção num admirador do herói real, o deputado Freixo, que convocou uma CPI e ajudou no desmascaramento das milícias como um remédio muito pior que a doença. O agora tenente-coronel Nascimento chega mesmo a admitir que o BOPE tem culpa na formação das milícias e parte para uma briga com a sua consciência submetendo o personagem de ficção à realidade.


Agora que quase tudo é real no Tropa 2, o tenente-coronel Nascimento, subsecretário de Segurança, fica muito parecido com o tenente-coronel Saraiva Júnior que foi flagrado com uma carteira falsa de policial e participava da cúpula da Segurança Pública do Rio de Janeiro, chegando mesmo a representar o bom Beltrame, Secretário de Segurança do Rio, em reuniões oficiais. Como a arte imita a vida (ou o contrário) o tenente-coronel Nascimento antecipou o surgimento no real do tenente-coronel Saraiva Junior, que era um militar falso.



No tropa 2 falso é o capitão Nascimento por ter saído do Tropa 1, obra de ficção, para a realidade.


Republico abaixo a critica que escrevi sobre o filme Tropa de Elite, o primeiro, obra de ficção de verdade. Na época fui atacado por defender o filme fascista. Comparem as crônicas e os filmes.


Equívocos da Tropa



Edmar Oliveira




Vi uma entrevista do José Padilha na TV em que ele dizia ser um cidadão politicamente inviável: - “Fui acusado de ser radical de esquerda em ‘174’, por fazer o filme do ponto de vista do bandido. Agora sou acusado de radical de direita por ‘Tropa de Elite”.



Não concordo com este julgamento. Padilha é viável como um radical do cinema-documento. Ele e seus pares, destacando Marcos Prado na produção desse filme e que foi o cineasta-verdade do cortante “Estamira”, são responsáveis por boa parte da safra preciosa do cinema nacional contemporâneo. O cinema deles é bom. Este é um ponto.



Agora, Padilha, obra de arte é coisa sobre a qual não se tem controle. Depois que ela cai na boca do povo é que ressoa no autor reformada ou deformada como um corpo estranho. Na música, por exemplo, a linda “Sabiá”, de Chico e Tom Jobim, foi vaiada no papel de uma canção alienada, no momento que se estava precisando contestar a ditadura. “Pra não dizer que não falei das flores”, do Vandré, virou uma bela canção de liberdade, apesar da pobreza melódica em tom de canção marcial. Brigas da arte com o seu tempo. No cinema, Clint Eastwood, ao levar seu cowboy, bem formatado por Sergio Leoni, para a São Francisco do século XX, no personagem Dirty Harry, colou sua mensagem no justiceiro durão. Bem ao gosto do público americano, que aplaudiu também o canastrão Charles Bronson ou o bom ator Bruce Willis travestidos em coisas do tipo “Duro de Matar”. Só depois que escapou desta “aprovação popular”, na qual o personagem era mais importante que o filme e o ator, Eastwood é reconhecido como um mestre da direção em clássicos como “Os Indomáveis”, “Entre Meninos e Lobos” e “Menina de Ouro”. O problema do “Dirty Harry”, que teve continuações, era a “mensagem” do personagem que interessava ao público muito mais que a obra e o ator.



Parece que autores e atores de “Tropa de Elite” foram surpreendidos por esta mensagem da força do Capitão Nascimento. Famosa é a declaração de Vagner Moura, que sentiu náuseas com sabor do pastel de cordeiro da festa de estréia, por se dar conta de que as barbaridades do seu personagem excitavam a platéia. Padilha declarou que, na sua escala de valores éticos, a tortura é pior que a corrupção. Mas o filme faz sucesso aí, no “Dirty” Nascimento. E não importa se Bruce Moura ou Vagner Bronson, o público tirou da tela, para dar vida própria, foi o “Nascimento Duro de Matar”. E a partir deste momento, o filme deixa de ter importância como obra de arte e passa a ser apenas um veículo para uma discussão política e social.



Ninguém se deu conta que tinha uma multidão desejosa de um herói do tipo Nascimento. E ele nasceu para delírio e gozo da tropa de equívocos, vítima e algoz da falta de segurança desta grande metrópole. O Capitão fala na primeira pessoa: faz uma ilação simplória entre ONGs e intelectuais com o tráfico; separa os corruptos dos justiceiros durões; acha inevitável para a segurança de uns, ser necessária a insegurança de outros (os da zona do conflito, os mais pobres); entende que se a culpa é evidente, o justiçamento se justifica; a tortura pode ser usada para manifestar a evidência. Enfim, Moura dá vida a um Capitão do Bope, com sua visão idiossincrática da realidade. O problema é que ele sai da tela, toma vida e representa uma tropa sedenda de justiça rápida, mesmo que alguns erros possam ser cometidos. Ainda mais que estes erros não são tão graves, pois há indícios de relações: quem mora na favela conhece o tráfico, quem usa drogas ou não se importa permite o tráfico. No fundo, eu e o Nascimento estamos livres destas relações perigosas e protegendo a sociedade de iguais a nós. Caveira!



Agora, incidindo no mesmo erro dos que acham o filme bom por gostarem do Nascimento, há, no outro extremo, quem ache o filme ruim por discordarem do personagem. E estes não vêem o ator, que é muito bom, nem o filme, obra digna de um grande cineasta. O julgamento da direita e da esquerda não está na tela. As duas saíram do filme para brigar na platéia. E é claro que aqui fora precisamos de posições firmes do diretor e dos atores sobre as conseqüências do filme, no papel do cidadão politicamente viável. Separando o filme das conseqüências.



Estamos numa encruzilhada. O ovo da serpente está no ninho. O filme pode contribuir para a discussão do problema e ajudar a mostrar o equívoco do Capitão Nascimento. Como um bom filme, que mostrou esse equívoco simplista da resolução de problemas complexos pela via da repressão policial. Ou se deixar levar pelo personagem e seu sucesso e fazer o nascimento da serpente da vingança, com continuações indecorosas para a TV. São as conseqüências fora da tela que vão determinar os papéis do filme no imaginário do presente momento político. Estes papéis, que podem ser assumidos no presente, em nada abalam a consistência da obra de arte no futuro, afinal “O Nascimento de uma Nação” de Griffith, cinematograficamente é muito bom... (e com trocadilhos, por favor).



06/10/2007

Brasilíada









Gervásio







Nicolas Behr, o maior poeta candango, em lançamento do livro no Rio de Janeiro, na última quarta. Procurem o livro nas livrarias: Brasilíada, Lingua Geral, RJ, 2010.




o primeiro mito

de brasília

é jk



o segundo, renato russo



o terceiro mito sou eu



mas isso

vocês não sabem

porque ainda não morri







Um ilustre ladrão de livros

Geraldo Borges



Hoje, saí pelas ruas da minha cidade, com a firme determinação de visitar os sebos e as livrarias para comprar livros, perdão, melhor dizendo, furtar. Mas, primeiro, devo esclarecer. Não é qualquer livro que merece ser furtado. Os auto ajuda estão na moda, mas para mim, não valem nada, embora o livro sempre valha alguma coisa. Eu comecei a furtar livros muito cedo, desde a minha infância, desde o dia em que li em uma livraria a orelha de um livro que dizia: se você não pode comprar este livro, por favor, furte- o. Furtei- o. Deu certo. Aí descobrir a minha vocação.



De lá para cá me tornei um ilustre ladrão de livros, coisa que pratico no anonimato, e que agora estou trazendo à luz. A sorte é que nunca me apanharam. Ou, quem sabe, pode até ter acontecido que um livreiro humanista tenha me pego com a boca na botija e não tenha dito nada. Tudo pode acontecer no mundo dos livros. Uma vez furtei um livro, faz muito tempo, na livraria de um amigo – A arte de furtar. Pensei que pudesse apreender alguma coisa com ele. Nada. Não apreendi nada. Um bom ladrão tem que ser autodidata, aprender com a experiência.



A esta altura algum leitor bisonho está querendo me censurar, Deve ser um cara insensível. Quem nunca furtou um livro que atire a primeira pagina. Não sou a única pessoa a fazer isto. Tive muitos amigos que me pediram livros emprestados e nunca mais tiveram a dignidade de me devolverem. Considero isto um furto descarado. Mas tudo bem. Ladrão que rouba ladrão. Caso eu fosse listar o nome de livros que eu emprestei e nunca retornaram as minhas mãos não haveria espaço nesta página, e dariam para formar uma biblioteca. Mas tudo bem. Vamos furtar livros È uma pratica intelectual que não faz mal a ninguém,



Após todas estas reflexões pelas ruas e esquinas da cidade cheguei a um sebo, e olhando as estantes mal arrumadas me deparei com uma edição antiga do romance Guerra e Paz. Não vou ficar em paz enquanto não leva lo comigo. Sempre conduzo à tiracolo uma bolsa de pano de aspecto rústico, artesanal, justamente para facilitar o meu serviço Ainda bem que os três volumes do romance são exemplares de bolso, e estão unidos por uma corrente plástica



Uma vendedora se aproxima de mim e me pergunta. Posso ajudar. Eu penso comigo. Pode desde que fique cega. Obrigado. Estou apenas olhando sem compromisso. Ela se afasta com um sorriso nos olhos, desatenta. Outro vendedor esta atendendo um freguês. O momento oportuno é agora. Sem titubear, como quem desfere um golpe de espada empalmo a grande historia do povo russo, com a ajuda do general inverno, e da derrota de Napoleão, e num rasgo de coragem coloco o romance dentro de minha bolsa de pano. Um risco tremendo. Uma guerra. Suspiro aliviado. Disfarço. Estou em paz. Mais uma vitória em minha missão. Quem quiser sentir a mesma sensação é só entrar em minha pele. Em tudo é preciso agir com método e precisão. É o que faço. Precisamos ter como principio que na rua ninguém presta atenção ao seu semelhante, todo mundo está andando em torno de seu umbigo. Claro que eu não vou revelar o meu método.



Tenho me saído muito bem até hoje. Sou um cara honesto. Um cidadão respeitável. Costumo devolver os livros que me são emprestados. E sei que não é crime furtar livros, desde que seja para o seu uso próprio. E sei também que o preço dos livros são um absurdo Os livreiros são muito ambiciosos, e o pobre do leitor é quem paga. Minha biblioteca é constituída de livros autografados por amigos, alguns escritores, poucos comprados. È um patrimônio maravilhoso para quem tem bom gosto e sabe que a leitura é um processo criativo que nos conduz a muitas revelações. Este patrimônio vai ficar por aí com os meus herdeiros. Ou quem sabe eu o doarei a uma fundação respeitável que saiba fazer bom proveito dele.



Boa parte do comercio de livro hoje está entregue nas mãos da pirataria, o que não deixa de ser um novo caminho na historia do livro com muitas encruzilhadas pela frente. Caso um dia me peguem furtando livros, com certeza, saberei argumentar em minha defesa. E o livreiro rendido a minha conversa me deixará levar o livro como cortesia. Talvez possa até me favorecer com um autografo.



Na volta para casa, depois desta minha última aventura livresca, tive uma surpresa ao entrar no metrô. Encontrei, no banco onde me instalei,um exemplar da Divina Comedia, Peguei o livro e fiquei folheando. Um rapaz que estava a meu lado não disse nada. Na próxima estação ele saiu. Continuei lendo o livro. No meio do caminho da nossa vida. Quando cheguei à minha estação abandonei o livro no mesmo lugar como se ele fizesse parte daquele trem.



E senti que chegaria um dia em que não se precisaria mais furtar livros. Pois eles estariam ao nosso lado por toda parte. Bastaria o leitor estender a mão.