domingo, 18 de março de 2012

A Moça Velha, a Moça Nova e o Cabeça de Cuia

Edmar Oliveira

Teresina tem fama em todo país de ter as mulheres mais lindas e os homens mais feios. Sorte nossa que elas já estão acostumadas com nossos defeitos. Mas elas são belas e cantadas em todo canto desse imenso Brasil. E a nós fez exigentes com a beleza delas. Fogosos baixinhos esmirradinhos, se achando!  

O símbolo da beleza feminina de Teresina tem 72 anos de beleza e graça, que num por do sol é atravessada pelas cores rubras do ocaso na linha do equador, emoldurando uma pintura surreal, assombreando sua silhueta no leito manso do velho monge. A moça velha carregava a linha férrea atravessando as águas, primeira ponte entre os dois estados, ligando as margens que o rio, como uma longa coluna vertebral, faz a fronteira natural. E bela, quanto mais velha mais bela, ilumina em mim as recordações da minha terra. Não tem Teresina sem a ponte João Luis Ferreira, nome de um governador da terra que foi amigo de Lima Barreto e mereceu dele a dedicatória do Policarpo Quaresma. E o rio Parnaíba é o velho monge, na imagem poética de Da Costa e Silva, nosso simbolista de Amarante. A ponte metálica, como nós a chamávamos carinhosamente, símbolo da cidade e vistoso cartão postal todo ligado à poesia.  

Mas eis que uma moça nova se assanhou por cima do rio Poty, ligando a cidade antiga aos bairros modernos e chiques da zona leste, e vem tomando o lugar da moça velha no coração dos jovens teresinenses. A ponte estaiada, sem um pilar dentro do rio, é sustentada por estaias metálicas que se seguram numa pilastra. No cume dessa pilastra, ligada por elevadores, tem-se a vista da chapada do corisco. A moça nova nos seduz pelo alcance de sua beleza até onde a vista alcança, sem botar o pezinho n’água.  

Confesso que as curvas da moça nova tem uma graça singular da beleza de juventude. Rebola com graça e sensualidade atirando-se de um lado a outro do outro rio dessa cidade, que tem no encontro das águas a lenda trágica do Cabeça de Cuia. A lenda matricida do Cabeça de Cuia é nossa: Crispim, o pescador desesperado dos rios, por não encontrar neles os peixes desejados mata a mãe com um osso de boi servido com água na sopa rala por falta de tudo. A mãe, antes de morrer joga uma praga: ele vagaria como um monstro nas águas, com uma cabeça enorme a boiar, até devorar sete virgens de nome Maria. A moça nova nem bota o pezinho n’água, com medo do Cabeça de Cuia.  

A cidade ficou encantada com a moça nova e esqueceu da moça velha. Há muito tempo tiraram o trem dos seus trilhos. Asfaltaram seu chão de dormentes de madeira e fizeram semáforos de lado e outro da ponte, pois ela só permite um carro por vez. Li agora, entristecido, que os semáforos queimaram e nenhuma autoridade se responsabiliza pela manutenção da ponte metálica. Interrompeu-se o trafico, abandonaram a moça velha que chora pedaços metálicos enferrujados no rio Parnaíba.

Embora a moça velha esteja com os pés dentro da água, nem o Cabeça de Cuia a quer mais. Ela não é mais virgem. E eu choro pela minha moça velha, ainda tão bonita, apesar de maltratada.   




Rio Pinheiros


Lelê Fernandes

Eu denuncio
O socó e a garça
Na beira do rio
Denuncio um ou outro manacá
As quaresmeiras
Todas as flores marginais
Os ciclistas e a ciclovia
As borboletas
As capivaras
O por do sol nas estações de trem
As curvas originais
O reflexo do sol na água
Denuncio a beleza por trás da sujeira
Por minha culpa
Tua culpa
Nossa máxima culpa
Eu denuncio o amor
Denuncio a vida
Ainda que maltratada
E desnutrida

O homem, o boi e o albatroz

Geraldo Borges

Há muitos tempos atrás, no século passado, por conta de meu trabalho, visitamos, eu e um amigo, uma fazenda no interior do Piauí. O dono tinha um engenho de cana e um canavial, e produzia uma das melhores cachaças por toda a redondeza e alem fronteira. Levou - nos ao engenho para mostrar por onde começa o processo da feitura da aguardente: a colheita da cana, o esmagamento da mesma para fazer o caldo, o cozimento, e por fim o processo mais lento de destilação. A cachaça era a sua principal atividade econômica, embora, tivesse uma pequena lavoura e algumas cabeças de gado.

Depois que visitamos o engenho, quer dizer a fábrica de cachaça. Pois ali se fabricava cachaça a nível industrial e se distribuía e vendia por todo o nordeste, nos levou ao canavial: uma faixa de terra úmida, num baixio à beira de um riacho, que descia lento e raso

Depois da nossa visita ao canavial fomos para a sua casa, e sentamos em bancos rústicos, no terreiro. Ele enrolou um cigarro de palha com paciência e habilidade, e depois o acendeu. Fizemos-lhe algumas perguntas atinentes ao nosso trabalho.

 Depois nos contou a história de um touro, um reprodutor. Sua voz tremia, e, no meio de uma palavra e outra, pigarreava. O touro era bonito e gostava de vir comer sal no terreiro. Deu para comer saco de plástico, o próprio saco de plástico de sal e outras embalagens que se jogavam por ali.  Ficou triste, deixou de cobrir as vacas, e morreu. Quando tirei o couro do animal e o abri, fiquei  pasmo. Estava cheio de porcaria dentro: sacos de plásticos. E eu não tinha para onde reclamar. Mandei esticar o couro para secar e depois levei para o curtidor. Hoje ele se encontra estendido no meio da sala, aqui de casa. Vocês podem ver. Ás vezes quando piso nele tenho a impressão que ouço seu berro. Apagou o cigarro e colocou detrás da orelha.

 O plástico está adoecendo e engessando a terra. Este triste história de um boi lá nos cafundós do Piauí, que está entrando na rota do progresso, é apenas um pequeno elo de uma corrente poluidora que cada vez mais se alastra por todos os confins do planeta.

 Acabei de ler em um caderno especial da revista Veja – Sustentabilidade – o seguinte texto. “ Numa  atol perdido no Pacifico, albatrozes alimentam seus filhotes com a poluição das grandes cidades que vão parar no mar, e, por causa disso, eles morrem aos milhares.” Imaginemos um albatroz no céu  voando, milhares de filhotes de albatrozes. Imaginemos o verso de Castro Alves no poema Navio Negreiro. –Albatroz! Albatroz! Dá- me estas asas. Imaginemos o pobre Albatroz de Baudelaire arrastando as asas no convés de um navio, depois de apanhado?

O lixo no atol do Pacifico é só uma amostra do que está acontecendo no mundo, uma prova de que o lixo e o luxo estão transformando a geografia física e humana do planeta. Esses dois episódios sinistros, um com um touro em um município do Piauí, e o do atol do Pacifico, me remontaram a minha infância. Fez-me lembrar uma comédia que representamos quando éramos meninos no fundo do quintal da minha casa, à rua Campos Sales, quando o problema da  poluição ainda não era comentado, praticamente ninguém sabia que diabo era isso no Piauí. A cidade era bem arborizada e o sol limpo, e tínhamos apenas uma indústria de tecelagem chamada Fiação, que depois faliu.

 A comedia consistia no seguinte motivo. Dois atores; um cirurgião, o outro paciente, e que se submete a uma operação. Uma operação bem humorada. A platéia ficava curiosa. O cirurgião munido de seus instrumentos começava a operação. O paciente estava envolto em um lençol branco parecendo uma mortalha, de modo que ninguém via o corte em sua barriga. O que se via era o cirurgião drenando coisas de suas entranhas, coisas horrorosas, imprestáveis. Lixo. A platéia morria de rir. O paciente teve alta. Fechou-se o pano do palco. Aquela comédia era apenas uma brincadeira de meninos criativos, mas trazia no seu bojo uma mensagem para o futuro  -  a ficção dando um recado a realidade.

voraz


não há mais
rastros de répteis
no vasto chão
dos cerrados
cortaram a linha do voo
dos pássaros
que se aninhavam
nos pequis e aroeiras
nem cupins
nem vagalumes
resistiram
à devastação


(William Soares)
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Voraz é um poema do novo livro do "Poeta William" que chega as livrarias no Piauí.

dois em um


Lázaro José de Paula

NINGUEM  DIGA  NADA
NÃO  HÁ  CHOCOLATES  NA  CASA
PRA  BOCA  AMARGA  E  VAZIA
F A N T A S I A :
A  LAGRIMA  DO  PEIXE  MORTO
ENCHE  O  AQUARIO
E   SALTA  VIVA   PARA FORA  DA PIA
PÍNTOU   SUJEIRA  :
UMA  CRATERA  ENTRE  NÓS
SOMOS  CRIANÇAS,
NINGUEM  OUVE NOSSA  VOZ
O  NOSSO OLHO  ARDEU
DEU PRA  VER  NADA
E  PRA  QUEM  VIU,  SOMOS  ATEUS
A F A S T A D OS
CADA  VEZ  MAIS   LONGE
DA  LUZ  DOS  SÓIS,  DOS  CÉUS
CADA   VEZ  MAIS  JUNTOS
NUM  COQUETEL  DE  ADEUS

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desenho: Paulo Moura. Paulo confessa, no seu blog, que quando fez esse desenho não estava pensando em nada. Eu acho que era o Lázaro quem estava pensando...

Capturando a Plenitude

 Viver não é à toa
              Se uma pessoa
                              Habita o coração
                                        De outra pessoa

(Climério Ferreira)

Un coup de dés jamais n’abolira le hasard


Escrevo
pra saber o que dizer,
na esperança,
acredito, 
de que o galope das palavras
dirá
o a ser dito.

Não colho palavras: cavo.
E não me iludo, por inútil.

Assim, sem rumo,
no escuro,
apenas escancaro a porta.
E que o verbo 
ache seu prumo.

Nada disso, minto:
palavra alguma revela
exatamente o que sinto.

Sem pretender a clareza,
escrevo na claridade,

pois as palavras mais claras
são de todas as melhores
pra esconder a verdade. 

(Paulo José Cunha)

recordando H Dobal


H. Dobal

Nas mãos do vento as chuvas amorosas
vinham cair nos campos de dezembro,
e de repente a vida rebentava
na força muda que as sementes guardam.


Nas ramas verdes rebentava a luz
e a doçura do tempo transformava
a terra e o gado na pastagem tenra,
na alegria dos rios renovados.


Cheiro de mato e de currais suspensos
no ar que os dedos do inverno vão tecendo
mais uma vez nos campos de dezembro.


E nos trovões a tarde acalentada,
cantigas de viver que a chuva traz
numa clara certeza repetida.

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Irmãos e irmãzinhas: tivesse escrito apenas este belo soneto, H. Dobal já teria deixado a marca de sua presença luminosa entre nós. Os nordestinos sabemos por quê. (Cinéas Santos)
desenho: Netto

Monsueto Menezes


Aderval Borges
.
Durante esta semana passei todas as viagens de ida e voltaCampinas/SP ouvindo os sambas do Monsueto em sua própria voz, inclusive estecuja letra transcrevo a seguir (O Couro do Falecido). Maravilhoso. Aversão que tenho do samba é bem diferente da gravação que está no link. Elemantém só o bumbo como acompanhamento, dando um tom de ponto de umbanda e, portrás, o trio de vozes femininas que sempre o acompanhou. Figuríssima! Tinhavárias facetas criativas, como Grande Otelo que, além de ator/comediante/intérprete/cantor (principal parceiro de palco de Oscarito),  era compositor e escreviaskeths cômicas para os shows do Cassino da Urca . Monsueto pesava 100 kg ecacetada. Antes de morrer, deixou uma recomendação aos amigos: nada de choro noseu velório. Queria, sim, muita alegria, samba e uma big feijoada para os queviessem ver seu corpo pela última vez. Seu desejo foi atendido e o velórioresultou em muita festa e bebedeira em torno do cadáver, bem apropriadas ao tombrincalhão desta homenagem ao cabrito, que tem moral antropofágica à la Oswaldde Andrade:    

O couro do falecido
(de Jorge de Castro e Monsueto Menezes)

Um minuto de silêncio
Para o cabrito que morreu
Se hoje a gente samba
É que o couro ele nos deu

Castigue o couro do falecido
Bate o bumbo com vontade
Que a moçada quer sambar
Castigue o couro do falecido
Morre um para bem de outros
A verdade é essa, não se pode negar


Estee outros dois sambas de Monsueto podem ser ouvidos pelo link
http://receitadesamba.blogspot.com/2011/12/tres-sambas-de-monsueto-menezes.html


Monsueto por quem o conheceu

Beth Carvalho, Marlene, João Roberto Kelly, HaroldoCosta, Jorge Goulart e Toquinho lembram histórias do sambista
"Monsueto era um gozador, muito brincalhão, estavasempre sorrindo. Nunca o vi sério. Estava sempre muito alegre e fazendo músicasincríveis", atesta Marlene, uma das cantoras que mais lançou músicas deMonsueto, como Mora na Filosofia e O Lamento da Lavadeira."É uma pessoa que tenho muita saudade. Quando eu trabalhava no CopacabanaPalace, ele ia lá toda noite bater papo", continua a cantora que estavapreparada em 1954 para gravar o samba O Couro do Falecido mas acaboumudando de idéia. "A letra dizia: ‘Um minuto de silencio pro cabrito quemorreu/ Se hoje você samba/ É que o couro ele nos deu/ Castiga o couro dofalecido (...) Morre um para bem dos outros’. Só que nessa época o presidenteGetúlio Vargas se matou. A direção do Copa não deixou que eu cantasse, e ele medeu o Mora na Filosofia, que acabei gravando".
Assim como Marlene, vários de seus colegas artistas – cantores, compositores eprodutores – se lembram dele com muita gratidão. O cantor Jorge Goulart, porexemplo, acompanhou de perto sua escalada ao sucesso e lembra de seu bom humor."Ele formou um conjunto no mesmo estilo do que o Ataulfo Alves tinha,trabalhou muito em boates com Carlos Machado e chegou a viajar também pelomundo. Era um tipo engraçado. Quase um cômico. Era muito careteiro. Foi umgrande compositor, autêntico", depõe.
Além de compositor, Monsueto brilhou como ator cômico em filmes, shows devariedades e na televisão. Atuou no cinema trabalhando 14 filmes – onzebrasileiros, três argentinos e um italiano. Entre os nacionais, participou de TrezeCadeiras (de Franz Eichhorn), Na Corda Bamba (de EuridesRamos), O Cantor Milionário e Quem Roubou meu Samba (ambos deJosé Carlos Burle), mas não chegou ao final das filmagens de O Forte, em73, vindo a falecer. Integrou espetáculos bolados por Herivelto Martins, com oqual viajou para Europa, África e América, e até montar seu próprio grupo,sempre cercado de cabrochas e outros cantores. No palco, entre os anos 50 e 60,no auge de sua carreira como showman na TV, participou de diversos programascomo Noites Cariocas, na TV Rio, ganhando o apelido de Comandante porcausa de um dos esquetes que criou.
Beth Carvalho também se lembra de tê-lo visto muito na TV, mas não chegou aprivar com ele pois em 73, ano em que ele morreu, ela ainda estava gravando seusegundo LP. "Achava ele genial, impecável, um craque. Era um tremendocompositor, criativo. Cometi o pecado de nunca ter gravado suas músicas, mascom certeza ainda vou gravar", diz a sambista, cujo samba preferido do compositoré O Lamento da Lavadeira. "É originalíssima e de cunhosocial", atesta. Beth também riu muito com seus esquetes em programas deTV. "Ele era cômico, fazia umas blagues, tipo Mussum. Era o Mussum daépoca".
Quem também lembra muito bem dessa sua faceta humorística é o compositor JoãoRoberto Kelly. "Ele trabalhou na TV Rio na década de 60 e tive o prazer detê-lo em quadros musicados por mim, em programas como Praça Onze e ORiso É o Limite", conta. "Monsueto era histriônico. Não era dechegar e fazer um monólogo como ator, ele fazia um tipo com muita graça. Era umcrioulo de 1,80m, gordo, grandão com um sorriso maior que o tamanho dele, alémde um compositor inspiradíssimo", elogia. Além disso, Kelly diz que eraexcelente ritmista e baterista. "Ele tocava pandeiro, surdo, reco-reco,chegou a participar de várias gravações como músico de estúdio. Era cantor,ritmista e baterista bissexto. Além de pintor primitivista", completa. Defato, Monsueto começou sua carreira atuando em vários conjuntos na noitecarioca, como baterista. Inclusive na Orquestra de Copinha, no CopacabanaPalace.
Essa sua face de pintor (que se iniciou em 1965) também é lembrada pelo ator,diretor e produtor Haroldo Costa. "Era uma pessoa muito ativa. Além deformar conjuntos de samba e de atuar em grandes shows e quadros difíceis dehumor na TV, era um pintor naïve da melhor qualidade", atesta. Defato, além de tudo, Monsueto passou a pintar quadros no fim da vida. Depois deganhar de uma amiga um jogo de pincéis e telas, começou a pintar pordiletantismo. Curiosamente, deu certo. Eram todas na linha primitivista, comenfoque centrado no folclore, samba, morro e Carnaval – assim como as suascanções. Até o poeta chileno Pablo Neruda comprou um de seus quadros.
O artista que popularizou expressões como "Castiga", "Vou botarpra jambrar", "Diz", "Mora", "Ziriguidum"gravou muito pouco – um LP e algumas participações. Entrou pela última vez emestúdio para fazer uma participação na divertida A Tonga da Mironga doKabuletê, ao lado de Toquinho e Vinicius, em 1971, no qual "xingava emnagô" aqueles que naquela época dura não se podia xingar em português."Monsueto é um dos maiores sambistas brasileiros, com uma linha melódicafantástica, com intervalos africanos, na linha de Batatinha, Benjor e BadenPowell. Era um compositor bem primitivo, simples, mas importante. É ainda muitopouco reconhecido", elogia Toquinho que o convidou para participar dagravação da faixa. "Vivíamos uma fase de censura muito ativa e drástica.Tudo tinha que ser disfarçado. E a Tonga foi importante porque foi umaforma de mandar tudo para aquele lugar numa época em que não se podia fazerisso. Como o Monsueto era uma pessoa muito engraçada, eu e Vinicius o chamamospara fazer um fanho na faixa, que discursava e não dizia absolutamente nada!Falando coisas como se estivesse protestando. Foi muito divertido! Quase queninguém conseguia gravar porque todo mundo ria muito".

Hoje o Cantinho Musical é de Monsueto

domingo, 4 de março de 2012

O cartoon que desagradou a gregos e tucanos


 Edmar Oliveira

Quase não entrei nas redes sociais por achar uma invasão de privacidade e exposição de situações desnecessárias. Isso não foi o problema encontrado. Me recuso a ler as fofocas e mantenho um papo com meus “amigos” dentro dos interesses comuns e, redundantemente, interessantes. Podia dividir entre meus temas: política macro (algumas vezes microssetorial), ossos do ofício (saúde mental), assuntos conterrâneos (o Piauí nunca saiu de dentro de mim), preocupação com os excluídos urbanos (até fiz um blog para aprofundar esse assunto), vídeos musicais e reportagens interessantes (pra mim e ao grupo de “amigos” mais amigos), comentários de notícias (adoro fuçar as contradições da mídia e da política), humor (sem qualquer preocupação ideológica ou politicamente correta, senão não é humor). Pois foi nesse tema a encrenca não esperada.
No último Piauinauta falei da surpresa com os posicionamentos de alguns amigos de rede sobre um prejulgamento condenatório de atitudes idem. Hoje abordo o segundo incômodo quanto ao tema do humor. O cartoon do Nani, que reproduzo acima, me fez rir e quis repartir (aprendi a dizer compartilhar) com os “amigos”. Porque ele em mim reproduziu o acerto de um bom cartoon. Nem precisava das palavras do personagem do Nani. A estrela “atucanada” dizia, no meu entender com humor e graça, da situação retratada. O cartoon é isso: um quadro vale por uma tese de mestrado ou um artigo sociológico rebuscado.
Minha surpresa foi que a piada contrariou tucanos empoleirados (querendo arriscar um novo voo) e também a estrelas cadentes (que se abaixaram muito para continuar no céu). Os dois polos brigavam entre si e principalmente com o Nani (cada um não achando graça a seu modo). Tenho amigos amigos (não os da rede) social democratas, socialistas e comunistas. Alguns até mesmo podendo ser classificados mais à direita, já que tenho por norma não pedir filiação ideológica aos meus caros amigos e espero mantê-los, tão importantes são para mim. Não quero privar da amizade de fascistas, embora tenha alguns amigos muito autoritários tanto quanto mais à esquerda e à direita. Eles até se encontram nos extremos. Mas se no grito conseguimos uma convivência democrática, até quase que na porrada, vamos levando.
E engraçado é que a raiva de ambos os lados era porque o cartunista tinha-os tornado parecidos. Um outro internauta até brincou: temos uma nova ave no céu: “tucano avermelhado”, que achei muito apropriado.
Ora, a democracia já mostrou que quando polariza entre dois opositores, eles ficam muito parecidos. O exemplo americano de um jegue azul ser quase igual a um elefante vermelho é paradigmático. Pois quando o pluripartidarismo é abolido (ou engolido) por duas forças políticas corremos o risco de tudo ficar muito igual e isso não é bom. E foi isso que o Nani ironizou no seu cartoon.

asa de bom querubim


Lázaro José de Paula

com  o  olho  manso dos umbigos
materna    ela  vem me  cravar
hosana  e  desejo assassino
rezando pro amor  me  matar
espelha  a  sua luz  mais  viva
e  afasta as  sentenças  do cais
sacode  o  andor  do sete estrelo
nas patas  dos meus  vendavais
pinga  noite nas cãs  do  meu zelo
para  um  nervo  seu  me  acalentar
desde  o canto do  galo-campina
ou  na  crina  encrespada  do  mar
repete  a  voz  do  teus   lençois
oh!  lua vermelha  de  agosto
desfila  assim rindo de mim
com  seus  cavalos  sobre o meu dorso
baila  zumbido  em  meu capim
bondosa e  nua  irmã da rua
te quero bem
asa  de bom querubim
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ilustração: fotograma de Asas do Desejo de  Wim Wenders

Chico

Edmar Oliveira

Esse é um disco que as mulheres não gostam. Pelo menos as mulheres que escutavam os discos do Chico. Para as meninas da internet o cd é bom, das antigas, mas é bom. O Chico se apaixonou por uma menina que ama o Chico. E por isso fez um disco de menino apaixonado. Thaís Gulin, numa entrevista, revelou que ouvia um Chico, entre dois sucessos do Balão Mágico, por absoluta imposição da mãe dela. A sogra atual é quem era apaixonada pelo Chico, ironia familiar. A sogra e todas as mulheres da idade da mamãe Gulin amam o Chico e seus olhos cor de ardósia. O ciúme delas é que esse olhar agora é para a Thaís.

Mas o disco (ainda é em formato redondo, por isso posso chamar assim) é bom, no patamar dos melhores Chicos. O show, então, é primoroso. O velho Chico é alçado ao pódio dos atuais artistas. Bom para o velho artista com cinquenta anos de palco (é um palquista bissexto, mas faz shows inesquecíveis). Bom aos 70 anos ser chamado de “gostoso” por meninas que poderiam ser suas netas. Aurora de um artista com jeito de alvorada.
Mas no disco, Aurora está em “Rubato”, parceria com Jorge Helder, onde não se sabe se a melodia mais bonita é a original ou a roubada para Amora ou Teodora. No palco Chico faz o compositor e o ladrão, confundidos no artista completo (todo artista é um ladrão).
Na primeira música abre as páginas de um diário de confidências, da possibilidade cristã de amar uma santa até conhecer uma paixão com orifício e a consequente crítica dos inimigos. Confissão sem culpa.
Inevitável as músicas da paixão, mas seguro de que se o amor for embora, o blues já valeu a pena em uma delas. Outra faz um dueto apaixonado com a amada, versos ternos onde o ridículo de um Lá-í-lá-rá não o é quando se ama.
Noutra aproveita para prestar uma homenagem aos cem anos do Gonzaga, mesmo ironizando o fato da amada ignorar o baião talvez, numa melodia em crescente dissonância que se desmancha num ritmado baião, digno de uma música do Lua. Homenagem posta. E bela.
“Sem você” fala de um amor ausente de quem já viveu muito uma paixão. Em “Sou Eu” a participação luxuosa de Wilson das Neves é fundamental. Barafunda exalta a mistura de Garrincha, Cartola e Mandela.
“Nina”, apesar de flertar com a modernidade, via internet, pode ser colocada no pódio das melhores canções do artista. ”Sinhá”, lembra o Chico dos dramas da política, jamais sem perder a ternura.
 Um dos melhores disco do ano que começa, certamente.

Mistérios do mais além

Graça Vilhena

Inspirada na muito bem escrita crônica do Edmar Oliveira, resolvi também dar minha pincelada nos mistérios. Para mim, além dos mistérios de Deus e da física, há outro mais rasteiro e que merece a nossa perplexidade e questionamento. Também folheando uma dessas revistas, como fez Edmar, descobri que, mesmo entrevado pelo devastador mal que o aflige, o cientista Stephen Hawking traiu sua mulher com a enfermeira que o acompanha. Até aqui tudo bem, afinal nos sentimos atraídos por alguém que compartilha de nosso sofrimento e nos ajuda a minorar nossas dificuldades. Isso poderia explicar em parte o tão humano gesto do físico, porém torna-se mistério, quando se sabe que isso é um pensamento feminino, que está anos-luz das intenções primordiais dos homens.
Diante disso, surge o mistério, exatamente este que vagueia em sua mente, neste instante, ou seja, a julgar pela física, o cientista estará mais perto dos buracos interestelares do que daquele que sua mão poderia alcançar.
É necessário que se diga que Stephen Hawking descobriu os buracos negros, mas a existência deles, continua sendo um mistério. Não sabemos, por exemplo, se esses buracos são finitos, há teorias que apontam para outros universos, além do que os físicos podem perceber. Ou pode ser que tudo se acabe dentro deles. Metaforicamente, essas teorias servem ao físico, que deixou escapar a chave do enigma, por ter riscado de suas hipóteses, a paciência e generosidade da enfermeira, mistérios que vão além do buraco negro.
Stephen Hawking, como todos os homens, em seu pragmatismo e superficialidade, não consegue entender as mulheres. Talvez um dia se surpreendam, quando for possível enxergar além da materialidade das estrelas. Há um grande mistério por detrás do mundo sensível e à mulher não falta metafísica. Por isso, para nós é muito mais fácil acreditar em Deus, que, pelo menos, nos desafia a pensar, do que na obviedade do homem.

PENSAR/ESCREVER O ANIMAL - ensaios de zoopoética e biopolítica

Luíz Horácio 
.
Um chaveiro virou mania na China, é o seguinte: um cubo contendo um líquido, em seu interior nada (ou agoniza?) uma minúscula tartaruga da Amazônia. Diz o manual que o tal líquido contém nutrientes suficientes para a infeliz criatura sofrer durante um mês. Vencido o prazo de validade joga fora e compra outro. É assim que eles ensinam a respeitar a vida. Mas calma, nós, da pátria das tartaruguinhas infelizes, não ficamos atrás. Até ontem carregávamos patas de coelho como chaveiro.
Desrespeito é nosso sobrenome. Olhos rasgados ou não, pouco importa.
Pois bem, os estudos culturais já não apresentam grandes novidades, chegamos aos dias dos estudos  animais. O homem é um ser superior? Existe uma cultura animal? E a animalidade do homem, como se apresenta?
Enfim adentramos o campo dos radicalismos. De um lado a facção que entende bicho como algo a serviço do homem e do outro a facção ultrarradical que prega direitos iguais para bichos e homens. Creiam, tal facção existe. E o pior, não é formada exclusivamente por zé mane. Entre eles o radicalíssimo Paul Singer. Não defendo a crueldade, o desrespeito, seja com bicho seja com gente, mas essa onda de humanizar a bicharada, ora cômica, ora patética, carece de uma seriedade.
O x da questão não está na tartaruguinha do chaveiro, nem na baleia que dá show sem folga no parque aquático, tampouco está nos ratos de laboratório. O câncer que corrói qualquer ética, seja humana, seja animal, é o animal humano. A propósito, quantas espécies esses seres superiores já exterminaram?
Maria Esther Maciel organizou "Pensar/ escrever o animal: Ensaios de zoopoética e biopolítica”, a continuidade do ainda incipiente  estudos animais. Estudos que em "O Animal Escrito: Um Olhar Sobre a Zooliteratura Contemporânea”,  de Maria Esther Maciel apresenta ao leitor motivos para enveredar pela pesquisa acerca da presença do animal na Literatura. O bicho além da metáfora. Um trabalho brilhante da professora Maria Esther. Por outro lado em “Pensar/ escrever o animal; Ensaios de...”  a originalidade passa longe. Trata-se de um assunto no mínimo curioso embora apresente um quase nada de novidade.
Mesmo assim cabe um elogio à  Editora Ufsc que  se mantém um passo a frente no quesito editoras de universidades.
Dividido em quatro seções, talvez por didatismo, essa reunião de ensaios beira a repetição enfadonha. Funciona como sugestão de leitura, visto que a maioria dos autores se socorre incansavelmente em Derrida, Levinas, Deleuze, Bataille, Heidegeer, Foucault.
Citar Kafka, quando o assunto é humano se transformando em animal é banal. Por que não analisar “Porcarias' uma fábula que deve, e muito,  à 'Metamorfose'  de Kafka, nesse âmbito da transformação do humano em animal? Em “Porcarias” Marie Darrieussecq, apresenta uma vendedora que à medida que se prostitui com alguns clientes vai se transformando numa porca.
Mas isso também não é novidade, Ionesco já fizera. Antes, bem antes, Ovídio e sua Metamorfose.
Por que não falar de Incitatus, o cavalo preferido de Calígula, nomeado senador?Não, preservacionista leitor, o animal a ser estudado não são os que costumamos chamar de bichos, mas sim o animal humano.

O animal que J.M. Le Clézio mostra em Pawana, responsável por um terrível extermínio de baleias, o animal que Ana Paula Maia descreve em Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos
 “Eu não seria capaz de matar um animal enquanto dorme- responde Erasmo Wagner. Ele engole um pouco de sangue que sai de seu dente podre e dolorido.
-Gosto de olhar no olho dele. Pra entender por que está morrendo.”
É esse animal cruel que merece ser estudado.
O animal que permite a cena que Manuel Bandeira descreveu. Atual...atualíssima. 
O BICHO
Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava
engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
****************

Sim, o bicho humano, desrespeita, humilha, mata, tira proveito, mas alguns surpreendem.
Louis Ferdinande Céline, execrado por muitos, a quem este aprendiz considera dos melhores, no dia 17 de junho de 1944, deixa seu apartamento em Montmartre. Não se tratava de uma saída honrosa, longe disso, rumava à Dinamarca. Junto viajaram sua mulher Lili e o gato Bébert.
Celine? 
Um gato?
Pois é....




Túnel do Tempo

bons tempos e bons filmes. Alguém aí lembra?
__________________________
pesquisa de Rodrigo Leite

ENGUIAS


Em águas
     de algaravia
as palavras -
mágicas enguias -
só beliscam
de verdade
o anzol
que as acaricia
com a isca
da eternidade

( João Batista Sousa de Carvalho)

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recebi de Cinéas: "como quem brinca com as palavras, João Batista de Carvalho vai construindo sua poesia  consequente. Uma semana luminosa para todos"

Torquato Neto

  

        A vez primeira que avistei Torquato
        O corpo gasto e a alma dilacerada
        Ele pensava por que não me mato?
        Abro a torneira de gás  e volto ao nada. 

        No rio de janeiro no seu apartamento
        Durante o seu aniversario abriu o gás
        E mergulhando no atroz veneno lento
        Deu adeus para o corvo e nunca mais... 

        Torquato Neto  esta morto por que quis
Escorpião esporou  a sua própria ferida
        Não era um poeta que queria ser feliz... 

        Foi a primeira e também a ultima vez
        Que vi o poeta em combate com sua vida
        O corpo e a alma em completa viuvez.

        (Geraldo Borges)
     


 

1 letra pro Geraldo Brito


WWW

Mando um e-mail inteiro
No meu blog meio grogue
Um fax muito difícil
Não salva minha agonia

Arranho um rock maneiro
Cantando sertão com fog
Banda larga à mais de mil
Larga a branda melodia

Sou mesmo louco por body
Eu me amarro em capote
Como maria-izabel
Ao sabor da cajuína

Quem não pode se sacode
No embalo do foxtrote
Perco dedo, salvo anel
Não me perco em Teresina

No sítio da internet
Eu lanço o meu endereço
Num ardente bate-papo
Em que mostro meu perfil

Sem comentário tiete
Me descubro pelo avesso
Bem mais príncipe do que sapo
Como um cd de vinil

(Climério Ferreira)
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(a foto só é ruim porque revela a idade do Geraldo, que ninguém sabia. rsrsrs)
Para os que não são da terra saibam que Geraldo Brito é um músico de exepcional qualidade. Hoje o Piauinauta dedica a ele seu cantinho musical abaixo.

Geraldo Brito


Para ilustrar a letra do Climério, um pouco de Geraldo Brito. Para os que não são do Piauí, conhecerem.