domingo, 18 de março de 2012

O homem, o boi e o albatroz

Geraldo Borges

Há muitos tempos atrás, no século passado, por conta de meu trabalho, visitamos, eu e um amigo, uma fazenda no interior do Piauí. O dono tinha um engenho de cana e um canavial, e produzia uma das melhores cachaças por toda a redondeza e alem fronteira. Levou - nos ao engenho para mostrar por onde começa o processo da feitura da aguardente: a colheita da cana, o esmagamento da mesma para fazer o caldo, o cozimento, e por fim o processo mais lento de destilação. A cachaça era a sua principal atividade econômica, embora, tivesse uma pequena lavoura e algumas cabeças de gado.

Depois que visitamos o engenho, quer dizer a fábrica de cachaça. Pois ali se fabricava cachaça a nível industrial e se distribuía e vendia por todo o nordeste, nos levou ao canavial: uma faixa de terra úmida, num baixio à beira de um riacho, que descia lento e raso

Depois da nossa visita ao canavial fomos para a sua casa, e sentamos em bancos rústicos, no terreiro. Ele enrolou um cigarro de palha com paciência e habilidade, e depois o acendeu. Fizemos-lhe algumas perguntas atinentes ao nosso trabalho.

 Depois nos contou a história de um touro, um reprodutor. Sua voz tremia, e, no meio de uma palavra e outra, pigarreava. O touro era bonito e gostava de vir comer sal no terreiro. Deu para comer saco de plástico, o próprio saco de plástico de sal e outras embalagens que se jogavam por ali.  Ficou triste, deixou de cobrir as vacas, e morreu. Quando tirei o couro do animal e o abri, fiquei  pasmo. Estava cheio de porcaria dentro: sacos de plásticos. E eu não tinha para onde reclamar. Mandei esticar o couro para secar e depois levei para o curtidor. Hoje ele se encontra estendido no meio da sala, aqui de casa. Vocês podem ver. Ás vezes quando piso nele tenho a impressão que ouço seu berro. Apagou o cigarro e colocou detrás da orelha.

 O plástico está adoecendo e engessando a terra. Este triste história de um boi lá nos cafundós do Piauí, que está entrando na rota do progresso, é apenas um pequeno elo de uma corrente poluidora que cada vez mais se alastra por todos os confins do planeta.

 Acabei de ler em um caderno especial da revista Veja – Sustentabilidade – o seguinte texto. “ Numa  atol perdido no Pacifico, albatrozes alimentam seus filhotes com a poluição das grandes cidades que vão parar no mar, e, por causa disso, eles morrem aos milhares.” Imaginemos um albatroz no céu  voando, milhares de filhotes de albatrozes. Imaginemos o verso de Castro Alves no poema Navio Negreiro. –Albatroz! Albatroz! Dá- me estas asas. Imaginemos o pobre Albatroz de Baudelaire arrastando as asas no convés de um navio, depois de apanhado?

O lixo no atol do Pacifico é só uma amostra do que está acontecendo no mundo, uma prova de que o lixo e o luxo estão transformando a geografia física e humana do planeta. Esses dois episódios sinistros, um com um touro em um município do Piauí, e o do atol do Pacifico, me remontaram a minha infância. Fez-me lembrar uma comédia que representamos quando éramos meninos no fundo do quintal da minha casa, à rua Campos Sales, quando o problema da  poluição ainda não era comentado, praticamente ninguém sabia que diabo era isso no Piauí. A cidade era bem arborizada e o sol limpo, e tínhamos apenas uma indústria de tecelagem chamada Fiação, que depois faliu.

 A comedia consistia no seguinte motivo. Dois atores; um cirurgião, o outro paciente, e que se submete a uma operação. Uma operação bem humorada. A platéia ficava curiosa. O cirurgião munido de seus instrumentos começava a operação. O paciente estava envolto em um lençol branco parecendo uma mortalha, de modo que ninguém via o corte em sua barriga. O que se via era o cirurgião drenando coisas de suas entranhas, coisas horrorosas, imprestáveis. Lixo. A platéia morria de rir. O paciente teve alta. Fechou-se o pano do palco. Aquela comédia era apenas uma brincadeira de meninos criativos, mas trazia no seu bojo uma mensagem para o futuro  -  a ficção dando um recado a realidade.

Nenhum comentário: