domingo, 4 de março de 2012

PENSAR/ESCREVER O ANIMAL - ensaios de zoopoética e biopolítica

Luíz Horácio 
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Um chaveiro virou mania na China, é o seguinte: um cubo contendo um líquido, em seu interior nada (ou agoniza?) uma minúscula tartaruga da Amazônia. Diz o manual que o tal líquido contém nutrientes suficientes para a infeliz criatura sofrer durante um mês. Vencido o prazo de validade joga fora e compra outro. É assim que eles ensinam a respeitar a vida. Mas calma, nós, da pátria das tartaruguinhas infelizes, não ficamos atrás. Até ontem carregávamos patas de coelho como chaveiro.
Desrespeito é nosso sobrenome. Olhos rasgados ou não, pouco importa.
Pois bem, os estudos culturais já não apresentam grandes novidades, chegamos aos dias dos estudos  animais. O homem é um ser superior? Existe uma cultura animal? E a animalidade do homem, como se apresenta?
Enfim adentramos o campo dos radicalismos. De um lado a facção que entende bicho como algo a serviço do homem e do outro a facção ultrarradical que prega direitos iguais para bichos e homens. Creiam, tal facção existe. E o pior, não é formada exclusivamente por zé mane. Entre eles o radicalíssimo Paul Singer. Não defendo a crueldade, o desrespeito, seja com bicho seja com gente, mas essa onda de humanizar a bicharada, ora cômica, ora patética, carece de uma seriedade.
O x da questão não está na tartaruguinha do chaveiro, nem na baleia que dá show sem folga no parque aquático, tampouco está nos ratos de laboratório. O câncer que corrói qualquer ética, seja humana, seja animal, é o animal humano. A propósito, quantas espécies esses seres superiores já exterminaram?
Maria Esther Maciel organizou "Pensar/ escrever o animal: Ensaios de zoopoética e biopolítica”, a continuidade do ainda incipiente  estudos animais. Estudos que em "O Animal Escrito: Um Olhar Sobre a Zooliteratura Contemporânea”,  de Maria Esther Maciel apresenta ao leitor motivos para enveredar pela pesquisa acerca da presença do animal na Literatura. O bicho além da metáfora. Um trabalho brilhante da professora Maria Esther. Por outro lado em “Pensar/ escrever o animal; Ensaios de...”  a originalidade passa longe. Trata-se de um assunto no mínimo curioso embora apresente um quase nada de novidade.
Mesmo assim cabe um elogio à  Editora Ufsc que  se mantém um passo a frente no quesito editoras de universidades.
Dividido em quatro seções, talvez por didatismo, essa reunião de ensaios beira a repetição enfadonha. Funciona como sugestão de leitura, visto que a maioria dos autores se socorre incansavelmente em Derrida, Levinas, Deleuze, Bataille, Heidegeer, Foucault.
Citar Kafka, quando o assunto é humano se transformando em animal é banal. Por que não analisar “Porcarias' uma fábula que deve, e muito,  à 'Metamorfose'  de Kafka, nesse âmbito da transformação do humano em animal? Em “Porcarias” Marie Darrieussecq, apresenta uma vendedora que à medida que se prostitui com alguns clientes vai se transformando numa porca.
Mas isso também não é novidade, Ionesco já fizera. Antes, bem antes, Ovídio e sua Metamorfose.
Por que não falar de Incitatus, o cavalo preferido de Calígula, nomeado senador?Não, preservacionista leitor, o animal a ser estudado não são os que costumamos chamar de bichos, mas sim o animal humano.

O animal que J.M. Le Clézio mostra em Pawana, responsável por um terrível extermínio de baleias, o animal que Ana Paula Maia descreve em Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos
 “Eu não seria capaz de matar um animal enquanto dorme- responde Erasmo Wagner. Ele engole um pouco de sangue que sai de seu dente podre e dolorido.
-Gosto de olhar no olho dele. Pra entender por que está morrendo.”
É esse animal cruel que merece ser estudado.
O animal que permite a cena que Manuel Bandeira descreveu. Atual...atualíssima. 
O BICHO
Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava
engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
****************

Sim, o bicho humano, desrespeita, humilha, mata, tira proveito, mas alguns surpreendem.
Louis Ferdinande Céline, execrado por muitos, a quem este aprendiz considera dos melhores, no dia 17 de junho de 1944, deixa seu apartamento em Montmartre. Não se tratava de uma saída honrosa, longe disso, rumava à Dinamarca. Junto viajaram sua mulher Lili e o gato Bébert.
Celine? 
Um gato?
Pois é....




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