domingo, 28 de abril de 2013

Cidade moderna


Edmar Oliveira
 
Uma reportagem, outro dia, trazia os arranha-céus que crescem desbragadamente nas capitais do nordeste e a geração de seus consequentes problemas. Parece que grandes prédios são sinônimos de desenvolvimento, mas a falta de infraestrutura e fatores climáticos complica a situação. A concentração de prédios e seus habitantes em uma pequena área, sem uma rede de abastecimento e esgoto adequada geram um despejo de esgoto em natura que, certamente, é responsável pela morte de nosso rio Poty em Teresina. Cisternas cada vez maiores e bombeamento de água ininterrupto, com certeza, contribuem para o escassez  de água potável. A devastação ambiental necessária à construção e a altitude dos prédios dificulta a circulação dos ventos e elevam a temperatura já quente da região.

Ao mesmo tempo vi, na TV, uma matéria sobre Masdar City. A cidade sustentável que os Emirados Árabes fazem no deserto de 40º. Projeto carbono zero para só usar energia natural. Todos os pequenos prédios (em altura) são cobertos por placas de energia solar. Além disso, há no deserto improdutivo uma área de mais de dez campos de futebol com placas solares e energia eólica. A cidade, mais perto do equador que Teresina, tem ruas estreitas (esperteza árabe que eu vi na Espanha) e no sentido sudeste-noroeste para que sejam sempre sombreadas. Em vários cruzamentos há torres altas que captam vento por pressão negativa e distribui pelas ruas, que os prédios arredondados ajudam a manter. Lembrei-me o velho Wilson aí de Teresina que dizia que só ia ventar na cidade quando encanassem o vento. Brincando, ele estava certo.

O que eu quero dizer é que chega de imitar os desenvolvidos do norte para sermos desenvolvidos também. Esse comportamento papagaio de imitação é deletério. Lembro-me dos prédios dos Correios e da Escola Técnica aí em Teresina que ficaram sem usar o último andar por causa do calor debaixo da laje, antes da banalização do ar condicionado. Quem mandou imitar o concreto armado de laje e forro baixo das construções modernistas do sul maravilha? Outro dia conheci a moderna arquitetura de um restaurante grã-fino aí de Teresina, todo em madeira e palha de carnaúba, que é uma delícia de se estar, mesmo sem ar condicionado. Eles imitaram a nossa arquitetura do interior. Hoje tem como preparar a palha para não queimar. A casa do arquiteto Amauri Barbosa toda em carnaúba (madeira e palha) com alguns elementos modernos é sensacional. Os projetos do Gerson Castelo Branco em Parnaíba, com forte influência indígena, exemplificam do que estou falando. Se o Amauri e o Gerson usassem placas de energia solar, estavam no conceito de Masdar City.  

Se é pra imitar, que se imite o futuro como Masdar. O nordeste, com sol o ano inteiro, pode plantar placas de energia solar em terras improdutivas, como verdadeiras fazendas árabes que vi na Espanha.  E os nossos arquitetos bem que podiam bolar prédios sustentáveis, com ruas estreitas sombreadas para recuperamos no futuro o nosso passado. Será que há tempo?

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Para ver Masdar (Fonte, em árabe):


 

Cigarras & Formigas


     
Geraldo Borges

.
            De que vale uma cigarra
            Junto de tantas formigas
            Se ela canta o dia inteiro
            Para festejar desobrigas. 
.
            E não possui um celeiro
            Para forrar  a sua barriga. 
.
            De que vale o seu talento
            Cantando na freguesia
            Se na vida o seu alento
            E só de musica e poesia. 
.
            O que vale é que a cigarra
            Não esconde a sua garganta
            Morre cantando tem garra
            É uma artista e se suplanta.

           

Eita!

 
Lázaro José de Paula
 
EITA !!! QUE  MUNDAREU  DE  GENTE  !!!
PRA  ONDE  VAI  ESSA  MULTIDÃO ???!!!
SERA  QUE  O  SEU  CÉU  SÓ   TEM  POEIRA DE 
ESTRELAS    DE  QUINTA    GRANDEZA ???
E  QUE  NÃO  CONVEM  SER  SOMENTE ISSO  
NUM   MINISTERIO  DAS  GALAXIAS
QUE  INDIO  QUER  APITO
E  NÃO  ESPELHO  ????
NESSES  CASOS,  NESSA  HORA
É  DE  BOM  TOM  CONCORDAR
COM  O  POETA  QUE   DIZ  :
COMO  É   BOM  PODER   TOCAR   UM   INSTRUMENTO!!!     

1 verso

 
AMANHECI SOLAR
.

Hoje amanheci plenamente solar

Fiquei parecendo manhã de férias

Dessas que a gente passa em frente ao mar

Sem pensar em coisas sérias

.

Hoje amanheci plenamente eu

Liberto dos pensamentos negativos

Sendo o meu próprio jubileu

Completamente vivo entre os vivos

.

(Climério Ferreira)

Correcorre


Perdi uma poesia que me veio assim
quando eu pensava

enquanto via um pássaro lá no alto e
o vento me despenteava e um sol
gostoso tomava conta de mim
é que o trem chegou e eu não podia
me atrasar
saí correndo caiu minha bolsa
perdi meu batom perdi meu lápis
só não perdi o pensamento em você

        
           LelêEmojiFernandes





1000TON



The show must go on

 

 

(Contudo, se todas as autoridades políticas de destaque, bem como os ilustres personagens do mundo das finanças e artístico, aqui mencionados, desejarem aproveitar a ideia, abro mão desde já de qualquer direito autoral vinculado ao tema)

 

EVENTO INTERNACIONAL:

ENVOLVIMENTO DE PERSONALIDADES DE NOTÓRIA RELEVÂNCIA NUM MAJESTOSO ESPETÁCULO TEATRAL.  

HOMENAGEM PÓSTUMA:

À GRANDE DAMA DE FERRO MARGARETH THATCHER, PELA SUA CORAGEM E DETERMINAÇÃO.

PROTAGONISTAS:

ILUSTRES CONVIDADOS DO MUNDO ARTÍSTICO, POLÍTICO E FINANCEIRO INTERNACIONAL.

LOCAL: ALEXANDERPLATZ, BERLIN.

PATROCÍNIO: FMI, DEUTCH BANK, CITIBANK, GOLDMAN SACHS.     



Margareth Thatcher comandou a mudança no Reino Unido de uma economia industrial para uma economia financeira pelo viés do Deus Mercado.

Ela privatizou a habitação pública, empresas de telecomunicações, petróleo, gás, portos, siderurgia, indústria aeroespacial, aviação e automóveis.

A “Dama de Ferro” corajosamente enfrentou a resistência dos sindicatos, dos empregados de empresas estatais e da esquerda britânica.

A Intrépida Senhora terminou por desarticular o poderoso movimento operário britânico do pós-guerra.

Nada mais oportuno do que louvar a trajetória de tão importante e corajosa criatura, tão apaixonada por sua missão, a ponto de assumir ares de rainha com o eleitorado e com o seu próprio gabinete.

 

RESUMO DO ROTEIRO:

Thatcher será a principal estrela de um majestoso espetáculo teatral, cujo palco é a cidade de ”Happy Valley”, situada no velho oeste americano, outrora próspera.

Em função do pequeno número de negócios, os fazendeiros, estancieiros, comerciantes e empresários estavam demitindo vários trabalhadores.

Além disso, a pacata rotina da cidade era constantemente ameaçada por bandoleiros saqueadores e assassinos impiedosos.

Sem contar com o fato de pequenos rancheiros de gado suíno e equino sofrerem com a estocada de índios hostis e carniceiros.

A cidade possuía uma pequena mina de carvão em precário estado, uma estação ferroviária necessitando de reformas e uma serraria desativada.

O Banco da cidade passava por momentos difíceis: a carteira de empréstimos sofrera um baque pela inadimplência de seus tomadores, além de ter sido recentemente assaltado por bandidos.

Com a colaboração da poderosa Senhora Margareth Thatcher, a cidade conseguiu inverter a situação dramática pela qual passava.

Por interferência de ricos fazendeiros da região como avalistas, o tesouro americano autorizou um bom empréstimo para o banco da cidade, cujo pagamento seria a perder de vista.

Foi criada uma força tarefa para recuperar o dinheiro roubado pelos bandidos, entretanto, no meio do caminho, houve embate com índios ferozes, porém a intrépida missão foi cumprida e o dinheiro recuperado.

Em todas essa situações difíceis a mocinha Thatcher (Merkel), com extrema coragem, teve intensa participação, demonstrando ser uma exímia articuladora, bem como provou sua habilidade no manuseio de armas de fogo.

Liderados pela Dama de Ferro, através de entendimentos mantidos com os proprietários, os empregados mais antigos da mina de carvão foram todos demitidos, assim como os trabalhadores ferroviários.

Os mais qualificados foram recontratados com salários pela metade do valor que recebiam e nenhuma indenização foi paga aos demitidos.

Apenas foram fornecidos pequenos mantimentos e uma passagem de trem para uma cidade bem longe dali.

No tocante à serraria, a Senhora Thatcher conclamou os cidadãos, comerciantes e empresários a se quotizarem para recomprá-la, através de uma COOPERATIVA, a qual levaria o seu nome, o Banco sendo o financiador e avalista das negociações.

Várias festas na cidade foram promovidas em homenagem à Dama de Ferro.

O Saloon, também com seu nome, vivia cheio e os espetáculos musicais atraíam gente de todo o oeste.

A cidade crescerá, dando início a uma nova era de prosperidade, levando a saga de Margareth Thatcher a todos os cantos dos Estados Unidos da América!

 

CENAS DE DESTAQUE:

·       O assalto ao banco da cidade.

·       O ato heróico da Sra. Thatcher, enfrentando  bandoleiros e índios carniceiros.

·       O resgate do dinheiro roubado pelos bandidos.

·       Os discursos da Dama de Ferro em prol da reorganização econômica da cidade.

·       A fundação da Cooperativa.

·       Duelo entre o chefe do bando dos bandidos com o valente mocinho.

·       Festas no Saloon com as “girls” e seus trajes ousados.

·       Casamento da filha do fazendeiro com Bruce Willys.

 

ELENCO (Personalidades Convidadas):

Mocinha: - Angela Merkel1ª Ministra da Alemanha, no papel da própria

Margareth Thatcher.

Mocinho: Bill Clinton.

Próspero Fazendeiro: Mitt Romney- candidato derrotado por Obama.

Banqueiro: Vladimir Putin.

Caçador Implacável de Índios: George Bush.

Charreteiro da carroça que leva o dinheiro roubado do banco: Fernando Henrique Cardoso. Não aceitou o papel, soube-se que achou pífio para a sua importância internacional. Declinou do convite, alegando compromissos.

Chefes da Turba de Bandoleiros que assaltam o banco: Mendonça de Barros e André Lara Rezende.

Xerife: General Americano Joseph Dunford, Comandante da Missão da Otan no Afeganistão.

Chefe dos Bandidos: Silvio Berlusconi

Voluntários ao lado do Xerife:

   Ferreiro e dono de uma oficina de carroças- Bruce Willys

   Estalajadeiro e comerciante: Arnold Schwarzenegger            

Meninas do bordel: Ativistas do "Tea Party", lideradas por Sarah Palin.

Chefe dos Bandidos Mexicanos: Felipe Calderón, Ex-Presidente Mexicano. 

Mercenários Mexicanos Bigodudos: Membros do PRI Mexicano. 

Figurantes: NEOCONS, fazendo papéis de bandoleiros, frequentadores do saloon e de índios cheyennes e cherokees, dentre outros.

 

 

                                                                                                  1000TON

 

contos mínimos 3

Não entendia porque as chamas das velas, que recolhia e conservava, uma a uma, no congelador, continuavam ardendo que nem fogo.

(Paulo José Cunha)

duas do Tabatinga


poesia
não tem métrica
poeta não tem poesia
tudo é uma questão de querer ou não querer prender o sol.

(Paulo Tabatinga)

Contículos Paranóicos I

(iniciamos a série de Léo)

Primeiro movimento

Primeiro ela pediu com carinho: morde, morde.
Ele cuspiu um pedaço de carne e sangue. Ela não reclamou. Ficou caladinha, gemendo baixo.
- Morde aqui.
E ele cuspiu um dos mamilos. O sangue escorrendo pelo queixo, manchando sua barba grisalha.
Ai, ela gemeu, não sei mais o que lhe pedir.
E ele então apertou a gravata em torno do pescoço. Ela revirou os olhos enquanto gozava e morria.

(Léo Almeida)

Salgado Maranhão


domingo, 14 de abril de 2013

História do Cordel


Edmar Oliveira
 
Acabei de ler um pequeno grande livro. Trata-se de “apontamentos para uma HISTÓRIA CRÍTICA DO CORDEL BRASILEIRO”. Pequeno porque o livro de ADERALDO LUCIANO tem apenas 96 páginas, mas é de uma densidade de argumentações que o tornam um grande livro.

Aderaldo destrói os mitos que cercam essa arte e se tornaram verdades consagradas pelos próprios autores do Cordel. A partir de uma nomeação de Silvio Romero sobre “literatura de Cordel” que circulava no nordeste, similar a conhecida denominação portuguesa, apressadamente os estudiosos do gênero filiaram o Cordel nordestino ao português. Parecia que a literatura de Cordel atravessou o Atlântico para se espalhar no sertão nordestino. Aderaldo corta aí o cordão umbilical da filiação direta, provando que quando Romero escreve sua opinião se referia apenas aos livros portugueses que aqui chegaram – reproduções baratas e parciais de obras do poeta Chiado ou do fabulista Trancoso, entre outros, – não tendo parentesco com o que conhecemos como o nosso Cordel, gênero literário nascido no árido sertão dos estados nordestinos muito depois da definição de Romero. Os argumentos são sólidos e convincentes. Nomeia Leandro Gomes de Barros como pai e maior escritor do Cordel brasileiro.

Mas Aderaldo não fica por aí. O doutor em Ciências da Literatura, cuja tese de doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro resultou nos “apontamentos” – embora modesto no título – destrói outras construções. Da definição proposta por Veríssimo de Melo – “o cordel é poesia narrativa, popular, impressa” – nada fica em pé. Aderaldo convence que o Cordel não é apenas narrativo, discute brilhantemente a falácia entre os conceitos de popular e erudito, ao mesmo tempo em que desbanca a característica do Cordel pelo formato como é editado desde seu começo, além de argumentar que nem a forma como ele é vendido caracteriza o gênero.

Nessas poucas páginas ainda sobra espaço para diferenciar o Cordel da Cantoria e da poesia Sertaneja, para mais adiante encontrar o marco fundador do nosso Cordel. Claro que Aderaldo com o nosso jeito de ser – sempre com a peixeira à mão – desagrada escritores e os considerados historiadores da “literatura de Cordel”. Essa denominação ele também ataca, chamando o gênero de Cordel sem o “literatura de”, evidente que apresentando argumentos convincentes. Afinal um livro que nasceu para ser polêmico, como é a própria figura do Aderaldo Luciano. Mas os seus contendores terão que discutir contra-argumentos com o Doutor do Cordel, pois a academia lhe deu esse título com louvor. E o homem é chamado para aulas em vários locais, inclusive em universidades da Europa.

Embora admita que sua própria, dele Aderaldo, classificação é embrionária, nos promete novos estudos nessa direção, o que – de minha parte – aguardo ansiosamente.

Aderaldo Luciano atropelando os mitos do Cordel
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E atenção sertão do Piauí. Aderaldo Luciano viajará em caravana para conhecer a Serra da Capivara – vai que ele descobre que as cantorias começaram com as múmias de Niède Guidon! Fará uma passagem pela capital do fundo do Sertão, a maravilhosa Oeiras,  e será recepcionado pelo Anjo Adarilho Joca Oeiras. Não é ainda dessa vez que ele conhecerá Teresina e o Litoral – ou será?
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Existe uma página no FaceBook chamada “apontamentos para uma história crítica do Cordel brasileiro” onde os interessados poderão saber como adquirir o livro.    

 

Um rapariga loura

Geraldo Borges

            Quando a vi pela primeira vez, não sei por qual associação de imagens, me lembrei da rapariga loura de Eça de Queiros, talvez por que  quando ela chegou aqui em casa eu acabara de ler o conto do autor. E, além do mais, era loira. Ela veio trabalhar em minha casa. Eu era solteiro, e estava precisando de uma criada para cuidar das coisas domesticas, e, também, limpar os meus livros, de vez em quando, para que não encham de tanta poeira.        
            Nos primeiros dias de trabalho tudo correu bem. Como eu vivia sozinho, na companhia de uma gata, não me importava em colocar os objetos em lugares ordenados, ficavam a vontade. Com a presença dela as coisas começaram a mudar. Falo isso, porque a minha bolsa vivia em cima do criado mudo dentro de meu quarto. Eu não tinha me dado conta que a minha personagem tinha singularidades de uma rapariga loira.

            Certo dia eu abri a minha  bolsa e dei por falta de dinheiro, a quantia não era tão grande. A minha gata não podia ser. Não precisava. Chamei a empregada para um diálogo. Ela fez beicinho. Tentou representar. Negou tudo. Disse até que eu poderia mandá-la embora.

            Dei-lhe mais uma oportunidade. Só que o caso aconteceu de novo. Dessa vez a quantia foi muito maior. O mais racional é que eu devia ter tirado a bolsa de cima do criado mudo e colocado em um lugar mais seguro, no bolso de minha calça.

             Mentiu-me de novo.

            Para falar a verdade eu já estava  começando a gostar dela. Não podia mandá-la embora. Por que não fiz isso logo na primeira vez?

             O caso era simples. Não adiantava chamar a policia. Em vez disso foi ao cartório e me casei com ela. E assim, resolvi a questão. Se ela quiser me furtar que furte, é como se tivesse furtando dela mesma. Só que de agora em diante viverá um uma prisão domiciliar.

 

DEU ZEBRA

 
Lázaro José de Paula
 
VOCE  ME  AJUDA  ESCALAR
ESSE   CUME   ALTÍSSIMO 
QUE  É  O  DIA  A  DIA
MAS   VOCE ,  COMO  O  FUTEBOL, 
É  UMA  CAIXINHA  DE  SURPRESA
E  COMO  UMA  ZEBRA 
RESOLVE   BRINCAR  COM  O  MEU  TIME  
LOGO   AGORA AOS  QUARENTA  E  CINCO
DO  SEGUNDO  TEMPO

O homem menos o homem



 
 
Leo Almeida

 

                            para Ferreira Gullar 

 

Que será do vento sem velas enfunadas

sem os cabelos soltos de Anna Beatriz?

Que é do perfume sem nariz?

Que será da coisa sem o homem,

do objeto sem magia e misticismo,

da estátua de São Judas Tadeu sem nossa fé,

do touro de bronze de Wall Street sem nossa ambição?

Que será do sol sem minha pele ardendo,

de Copacabana sem a puta e sem a dama

sem os passos do poeta pela santa,

do ar sem pulmões para entranhar,

da água sem quilhas para feri-la,

sem corpos para penetrá-la

sem sereias para sonhá-la?

Que é do mundo sem o humano tato,

sem a humana manipulação do barro?

Que é de Deus sem nossas preces,

sem a genuflexão amorosa e cheia de temor?

Que resta das cruzes sem os crucificados?

Que será da lua sem uivos e delírios

senão a força invisível das marés para ninguém?

Não! Sem nós nada existe mesmo existindo.

Nada, nada, um grande nada existe em nossa inexistência

Se um dia me perguntarem:

- O que se passa numa estrada sem viventes?

Direi com o espanto estampado nos meus dentes:

- Talvez o som de pegadas sem donos no oco do silêncio,

nos trilhos copulando seus dormentes,

a invenção de um homem que caminha lentamente... 

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desenho: Gabriel Archanjo 


contos mínimos 2

Quando o elefante trouxe a notícia de tsunâmi, a arvorezinha feia, de raízes fundas, deu um sorriso maroto e ofereceu ao lírio sua mais sincera solidariedade. 

(Paulo José Cunha)

. . .SEBO NAS CANELAS, estou chegando lá!


 1000TON  
.
             Dia desses estava eu passando perto de um sebo novo, que eu não conhecia... eu disse sebo novo?
           Bem, pode parecer contraditório, mas o personagem sobre o qual eu farei comentários em seguida, com referência à sua brilhante trajetória biográfica, verifico ser o encaixe perfeito da mão-substantivo com a luva-adjetivo, a característica principal da sua personalidade, ou seja, o composto sebo novo.
          Sim, como eu dizendo, ao tentar garimpar alguma preciosidade literária naquela pequena loja da rua Visconde do Rio Branco, deparei-me, por acaso, com uns 30 exemplares de certo  livro que estavam encalhados, escondidinhos, ali naquele canto, todos empoeirados, coitados, mofados, esquecidos ali entre os tantos outros adormecidos...
          O título era: “A arte da Política”. Custavam 7 (SETE!) merréis, estava escrito em cada uma das etiquetazinhas amareladas, juro. Agora, claro, já dei toda a pista, a maioria dos meus meia dúzia de leitores já sabe da figura impoluta, à qual estou me referindo, né não?
         Bingo! O autor é ele mesmo... Aquele que vendia as cartelas de jogo para UNS executivos empedernidos, com seus garbosos ternos, ele era aquele que “cantava” as pedrinhas, gritava para a platéia quais os números sorteados, tirados da sacolinha, balançada por suas trêmulas mãos, com uma volúpia ensandecida, e, quando algum dos presentes completava todos os quadradinhos, ele soltava a voz de júbilo-prazer: BINGOooo!!!
         _”O Senhor, aqui à minha direita, acaba de levar uma telefônica, BINGO! O Senhor lá no fundo, perto da janela, acaba de levar uma mineradora, BINGO! A Senhora ali, de vestido longo, acaba de levar uma companhia de eletricidade, BINGO! BINGO! BINGO!...” 
           E o Brasil quebrou 3 vezes!...
           Me ajuda, Raul Seixas: “... Nós não vamo paga nada! Nós não vamo paga nada!”....É tudo free! Tá na hora, agora é free...Vamo embora!”
           Tempo passa e o “sebo” toma conta da mente do nosso personagem, do seu corpo, do seu terno, da sua gravata, da sua língua, da sua boca mole, e ele, sem perceber, ou fingindo não perceber, a sua decrepitude mental e física, tenta, a todo custo, a todo pano, vender a sua imagem como:
          “O Novo”, aquele que pensa o Brasil do futuro, aquele que iluminará o caminho para o sucesso do nosso imenso Pindorama, infelizmente, hoje, “atolado na lama da corrupção, no atraso, sem rumo, sem norte, à beira da morte...”
           “Ainda falta muito por fazer, ainda falta A PETROBRAX, ainda falta A CAIXA, ainda falta O BANCO DO BRAZIL, enfim, estou de volta para caminharmos juntos novamente!”
           Meus caros leitores, esse cara não percebeu, apesar do auxílio luxuoso da imprensa marron-golpista, que estava falando pras paredes, que estava discursando pro vazio, e aí, quando percebeu que não tinha mais platéia, que sequer viv’alma prestava atenção ao que ele dizia, resolveu então, fazer sabe o quê? Advinha, meu povo, advinha...

          Resolveu candidatar-se à ABL !... (sentir-se-á em casa, lógico). Sim, tomou a nobre iniciativa de pleitear uma cadeira dessa academia sebenta (assim como ele próprio), da velha e carcomida Senhora Brasileira de Letras, cadeira outra que já recebera, recentemente, El Impoluto Merdal Pereira, cadeira futura outra que, quiçá, poderá pertencer à Sra. Emérita Economista Míriam Leviatã, ou, quem sabe, ao Guru Global Sardento-Berg...

 

          TREMEY SARNEY!!!
          O “YMPERADOR DE HYGYENÓPOLYS” ESTÁ A CAMYNHO!
          O SEBO NOVO,
          ÊPA HEI!
          CREDO EM CRUZ!
          PÉ DE PATO, MANGALÔ, TRÊIS VÊIZ!
 
 
 



 

 

 

Boa poesia cantada

 
Augusto de Campos bem analisou o fosso entre poesia escrita e poesia cantada no livro Balanço da Bossa. Não basta construir versos com perfeita marcação rítmica, aliterações, combinações de rimas internas e externas, para se fazer boa poesia melódica. Com exceção de Vinicius de Moraes e Bertolt Brecht foram raros os casos de reconhecidos poetas de poesia impressa que se deram bem como letristas. A contrapartida também ocorreu: com exceção de Torquato Neto e Waly Salomão, no Brasil, ótimos letristas se revelaram pouco convincentes como autores de poesia impressa.

Segue o exemplo da canção Em nome de Deus, do último disco de Sérgio Sampaio (“Cruel”). A letra – segue abaixo – apartada da canção soa piegas, banal, ingênua. Mas cantada pelo próprio compositor, acompanhado originalmente apenas por seu próprio violão, com as características batidas de blues, é visceral. O disco reúne as canções que Sampaio compôs no período em que viveu na Bahia. Na reedição, em 2006, foram acrescentados, pontualmente, piano, sax e outros instrumentos.
(Aderval Borges)

A canção Em nome de Deus pode ser ouvida pelo link http://www.youtube.com/watch?v=6ur5OiX0w-4


Em Nome De Deus

(Sérgio Sampaio)


Eu nunca pensei que pudesse querer
Alguma mulher como quero você
Se o mago soubesse
Juntasse o meu nome em S
Ao seu nome em C
Nas cartas de todo tarot que houver
Em todo o I-Ching eu podia não crer
Mas tudo é tão verde em seus olhos
Não dá pra não ver

Mas tudo é tão verde em seus olhos
Você que se esconda, que eu vou procurar
Você nem se iluda, que eu vou lhe encontrar
Você pode ir e sair e sumir por aí
Que não vai se ocultar
Eu vejo seu rastro onde ninguém mais vê
Eu pego carona até na Challenger
E vou nos anéis de Saturno buscar por você

E vou nos anéis de Saturno
Sem ser João Batista, você batizou
Meu corpo na crista das ondas do mar
E aí me abriu feito ostra
E colheu minha pérola pra Yemanjá
Agora que estou à mercê de sua luz
Em nome das águas lá de Bom Jesus
Em nome de Deus, me carregue
Me pregue em sua cruz

Em nome de Deus, me carregue