terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O CAIS DO PARNAIBA E O INFINITO




Montagem: foto de Jairo Felipe - meninos no cais do rio Parnaíba, em Teresina, pescam piabas e fisgam o astronauta em esquema da Wilkipédia.

Três Reis Magos

José Expedito Rego

(Para minha mãe, Carmem Reis)

Gaspar veio das bandas do Jurani
Tinha os cabelos louros e os olhos azuis
O rosto cheio de sardas, o nariz arrebitado
Montava uma motocicleta de sonhos
Ultrapassava todos os carros
Na avenida Transamazônica
Ouvira sua mãe dizer
Que Jesus nasceria naquela noite
E que uma grande estrela pendurada no céu
Apontava para o lugar do prodígio
Gaspar montava sua motocicleta de sonhos
E voava no rumo da grande estrela

Melchior morava ao pé do morro do Leme
Tinha o moreno afogueado dos caboclos do Brasil
Cabelos lisos e corridos
Olhos ardentes, corpo desnutrido
Montava um cavalo de talo de carnaúba
E viu a grande estrela
Na direção da grande praça
Perguntou a uma mulher que passava a seu lado
E soube que nascera o Salvador
E que haveria presentes para as crianças
Aumentou o galope de seu cavalo de pau

Baltazar desceu do alto do Rosário
Negrinho como a noite
Vinha chutando uma lata sobre os lajedos
Com o pé saído dos murais de Portinari
Viu também a estrela
Que parecia pairar sobre o largo da Matriz
E quis saber o que era...
- Foi Jesus que nasceu! - uma voz disse ao lado
Ele montou num carneiro que passava
E atravessou a ponte do riacho da Pouca Vergonha
E Gaspar
E Melchior
E Baltazar
Chegaram juntos na grande praça
A estrela estava sobre a torre da matriz
E as freiras distribuíam presentes aos meninos pobres
Mas já estava no fim
Cada um ganhou apenas um saquinho de bombons
E saíram pulando
Chupando os confeitos
Foram visitar os presepes

Entraram numa casa
Onde havia um muito bonito
Todo enfeitado de ramos verdes
Bolas coloridas e bichinhos de matéria plástica
Sobre a areia da mesa
No centro o Menino-Deus
Deitado sobre o bercinho de palha
Em volta, José, Maria, os pastores

E Gaspar
E Melchior
E Baltazar
Ficaram parados em redor do presepe
Admirando tanto bichinho bonito...
Gaspar roubou em elefante
Melchior roubou uma vaquinha
E Baltazar roubou o galo
Que estava empoleirado num ramo de alecrim
Saíram de mansinho
Sem que ninguém notasse
A não ser o menino-Jesus de barro
Que do berço sorriu seu mais belo sorriso
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Extraído do livro "Horas sem tempo", (1999) de José Expedito Rêgo

Sobre o autor: José Expedito Rêgo, romancista, poeta, médico e jornalista nasceu em Oeiras no dia 1° de junho de 1928. Escreveu, entre outros, os romances "Né de Souza" (biografia romanceada do Visconde da Parnaíba Manoel de Souza Martins) e Malhadinha, considerado pela crítica como sua obra-prima. Como jornalista editou em Oeiras em parceria com Possidônio Queiroz e Costa Machado, o jornal mensal "O Cometa" que circulou na cidade de 1971 a 1976. Foi membro titular da cadeira número 2 da Academia Piauiense de Letras.
Faleceu no dia 31 de março de 2000
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Foi Joca Oeiras, o anjo andarilho, quem mandou esta mensagem de natal. Deve ter encontrado Expedito no espaço sideral. Pesquei num e-mail enviesado do mestre Cineas. Convido Joca a andar neste espaço.(Edmar)

domingo, 16 de dezembro de 2007

UM CONTO DE NATAL


Edmar Oliveira

Nasceu num quarto de chão batido, o mesmo chão lambido pela vaca e pela cabra em busca do sal da terra. Debaixo do mesmo sol que ressequia o sertão e evaporava a água que não tinha. Maria lhe deu o nome de José, como o pai. José de Jesus, como promessa da redenção por novo provir. O mês era dezembro, o dia vinte e cinco, mas que tanto fazia ser outro dia como todos tão iguais. Vingou, como José Antônio, José Francisco, José Pedro, Maria das Dores, Maria de Fátima, Maria do Amparo e Maria de Jesus, esta também como ele, nascida em outro Natal. Os santos marcavam o calendário do tempo que era de uma seca toda igual. Os outros, tantos quantos os vivos, morreram na primeira desavença do ser com o mundo. Febre e caganeira mataram mais de três. Catarro e tosse braba uns dois. Fraqueza e quebranto outros tantos. Nem dos nomes ninguém mais lembrava. Mas com ele Maria teve mais esperança. Não só de vingar, como em mudar a sina de quem se acabava em cima daquela terra, na qual mais se colhia sofrimento do que de comer. Mas é dos resistentes que o sertão é pátria. Do filho deste solo és mãe, gentil pátria minha sertão. Este José de dezembro ficou taludo, escapando de todas as artimanhas do árido. E começou a gostar das dificuldades. Um dia foi embora tentar a vida no sul. Morou na casa de uns primos, filhos do tio Baltazar. João Batista foi seu condutor na cidade grande. Ensinou o caminho do Rio das Pedras. Pedro e Lucas hoje contam suas aventuras. Pois que José de Jesus ganhou muito dinheiro na cidade grande quando mandou buscar Maria e seus irmãos. José, o pai, já tinha falecido. Maria agradeceu a Deus pelo filho que tivera. No seu barraco na favela tinha um conforto tão grande que nunca vira no sertão. Água encanada, então, Deus é pai. Televisão e luz elétrica era mais que milagre. Comida no prato, todo dia, era muito mais do que desejara. Enquanto viveu este filho só lhe deu alegria, até ser atravessado por um tiro de fuzil, no alto do morro, em confronto com o caveirão da polícia. Subiu aos céus na semana santa. E em todo Natal Maria lembra do filho imolado para que seus irmãos tivessem uma vida mais decente nesta terra abençoada. Toda segunda feira Maria acende uma vela pro seu Jesus. E esta segunda feira é véspera de Natal...




A VACA VAI PRO BREJO

Edmar Oliveira


A Parada das Vacas é um fenômeno desta tal da globalização. Desde o início do século vinte e um começou em New Jersey e se espalhou pelas cidades do hemisfério norte. Só no ano passado chegou a Buenos Aires, Cidade do México, Belo Horizonte e São Paulo, aqui do lado de baixo do equador. Porque coisas da globalização vêm até nós, também, aqui embaixo. Pelo menos nas cidades que a globalização acha mais ligadas ao hemisfério superior. Agora chegou a vez do Rio de Janeiro. E a cidade foi tomada por vacas, feitas em fibra de vidro, decoradas por artistas nativos, com motivos muito afeitos aos cariocas. Sucesso absoluto de crítica e de público. No último fim de semana aconteceram filas para que as pessoas tirassem fotos ao lado de sua vaca predileta.
A partir de esculturas de Pascal Knapp, artista plástico suíço que fez as primeiras vacas em vibra de vidro, vez por outras elas chegam às cidades, enfeitadas com motivos temáticos de artistas locais, invadindo a urbe. Se estou tecendo estes comentários sobre a já famosa Parada das Vacas, ou, como dizem os globalizados - CowParade -, é apenas para revelar minha suprema ignorância. Passei por algumas delas e não senti emoção alguma. Não fui contagiado pelo espírito artístico que emana das criaturas modernas. Talvez por não entender muito da modernidade artística. São simpáticas, posso admitir, mas convenhamos que é muito pouco para descrever emoções da minha relação com os trabalhos artísticos. Entretanto, volto a afirmar minha ignorância no assunto. As vacas da parada não são agressivas como o touro de Wall Street, que é o guardião do vigor capitalista. Não fazem parte daquela manada. A única sensação que senti é que elas estavam indo pro brejo! Mesmo a vaca deitada na praia ou a que toma água de coco. E me pareceram levar toda a cidade pro brejo. Esta cidade, que não suporta a quantidade de problemas que tem de enfrentar, parece não achar solução que não seja o brejo. As vacas ilustraram a inviabilidade da cidade na minha imaginação. E se a maioria delas não alcançaram em mim outro sentimento, além da simpatia, pelo menos de duas eu não gostei. A literalidade da “mão-de-vaca” – uma mão gigante abarca uma vaca em tamanho natural – não corresponde ao significado da usura, nem ao saboroso prato nordestino que, certamente, o artista não conhece. E a “vaca-leitora” – sentada no banco em Copacabana ao lado do Drummond – também não me agradou. Parece avacalhar o poeta. Mas a “vaca-atolada” - iguaria mineira - ainda não achei. Esta deve mesmo já estar no brejo...



(OBS) Este texto foi escrito em outubro. Agora, as vacas já foram leiloadas, doadas à caridade e sairam da paisagem. Mas fica a impressão...

sábado, 15 de dezembro de 2007

DOBAL

Geraldo Borges
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H. Dobal é o maior de nós piauinautas. Ele, nem sei, onde anda plainando na nossa ionosfera... Geraldo, o borges, inspirou-se no poeta maior. Mandou duas. Plublico-as. Uma é melhor que a outra ( e a outra é melhor que a uma!)... (edmar)
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H Dobal



H Dobal é um poeta do sertão
Filho dos campos de Campo Maior
Sua poesia se levanta em cantochão
Seiva da terra com o melhor sabor.

H Dobal pastor de rebanho de ovelhas
Encrespando nuvens em dia de temporal
Velando goteiras em riachos de telhas
Com monturos fumaçando no quintal.

H Dobal não apenas um ancião na cadeira
É uma lenda azul no suor do Equador
Quente de sol de anil de seu torrão.

H Dobal vai reviver a vida inteira
Na memória cada vez maior
Das linhas que marcam sua canção


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H Dobal



Eu não conheço H Dobal
Senão de retrato e de poesia
Seu texto é sobretudo genial
Com ele gozo a sua companhia.

Eu não conheço H Dobal
Ele nunca me estendeu a mão
Mas já vi a sua roupa no varal
E o corpo nu nos campos do sertão.

H Dobal poeta brasileiro
Um dos maiores da língua portuguesa
Só tem um jeito de te ver inteiro

É ler teus versos com emoção e afeto
Reconhecendo a tua realeza
E assim estarás sempre por perto.

Ciekae Zdjecie



O polonês Ciekae Zdjecie não é apenas um fotógrafo. Mas, sim, um criador que tira do cotidiano as "coincidências" com as quais realiza suas produções.
Diante de suas obras a gente se pergunta: "diabo, por que eu não pensei nisso antes?" (Paulo José Cunha)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O INCÔMODO DA LOUCURA

Edmar Oliveira

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Conto de pura ficção, provocado pela falsa realidade retratada nas páginas 14 e 15 de "O Globo", edição de nove de dezembro, sobre a situação da Saúde Mental no Brasil.
A reportagem, assinada por Soraya Aggege, insinua o retorno dos manicômios para o centro da Política Pública, como solução do problema.
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Vez por outra o navio dos loucos aportava num cais de uma cidade qualquer. O capitão apitava anunciando a atracação. Alguns passageiros desciam e circulavam timidamente pela cidade. Mas quando a nave partia, os passageiros embarcavam em silêncio, mesmo tendo gostado do passeio na cidade. Vez por outra o navio atracava por mais tempo. E, em alguns cais, nem todos embarcavam de volta com a partida do barco. Houve mesmo revoltas comandadas por marujos que se recusavam a embarcar de volta com seus passageiros. De algumas, as cidades lembram bem. Teve aquela comandada por uma senhora muito pequenina, mas valente, chamada de "Revolta da Rebelde", que marcou toda uma geração. A senhorinha saiu com seus passageiros do navio e se recusou a voltar a embarcar, quando foi anunciada a partida. Distribuiu telas, tintas e pincéis para seus loucos, fazendo do cais um ateliê a céu aberto. Eles não pintaram o mar, o céu, os barcos, o pôr do sol. Eles pintaram imagens do mundo interior que mostravam o caos e a angústia da viagem no porão do navio. Mais tarde, mandalas organizaram a calma encontrada no cais e longe do navio. E depois eles conseguiram imagens que se confundiam com a própria paisagem e com a cidade. Mas, um dia o navio voltou, como acontecia sempre. E muitos foram reembarcados para a viagem ao longo do rio da vida, que raramente aportava nas cidades surgidas na travessia. E quando aportava, mais pessoas entravam e poucas saltavam. É de se confessar que algumas escaparam sem permissão. A lei era feita para embarcar os loucos na nau dos insensatos. Algumas pessoas contam que da margem escutavam gritos de dor e tristeza, quando o navio singrava manso o largo rio da desesperança. Mas a maioria das pessoas das cidades não escutava vozes e nem via o navio ao longe, tão longe que desaparecia de suas preocupações. O navio seguia, as cidades existiam livres da loucura que, sempre que era percebida, embarcava na atracação do navio. Outras cidades colocavam seus loucos em canoas e os levavam até ao navio. Os gritos de dor e tristeza aumentavam de forma ensurdecedora. Alguns marujos escaparam do navio e foram até as cidades dizer das condições de vida insuportáveis ali dentro. Algumas pessoas da cidade foram solidárias ao que diziam os marujos. O navio estava velho, pesado e sem conseguir fazer a travessia. Era uma viagem que tinha começado, mas nunca tivera fim. A travessia era a própria viagem sem fim. Tentou-se mudar o curso do navio. Não foi possível. O velho navio estava encalhado, seus passageiros feitos prisioneiros, sem conseguir fazer a travessia anunciada. Talvez presos para sempre. E para alguns que morreram na viagem, foi apenas a travessia para a morte. E outros gritaram que o navio devia ser abandonado. Mas tinha a travessia. E ela devia ser cuidadosa. De todas as cidades partiram barcos solidários para tirar os passageiros do navio. Cuidadosamente a travessia foi feita destinando cada um ao seu porto. E cada louco pôde circular na sua cidade, mas sempre que era preciso voltava ao cais e embarcava na sua pequena embarcação para um passeio no rio da vida. Ninguém foi levado de volta ao navio que foi ficando abandonado.E o cais foi alcançado pela maioria dos passageiros do navio. E cada cais, em cada cidade, ficou sendo o lugar do encontro. Dos passageiros libertos e de quem seria, no passado, um passageiro. E a partir do cais as cidades foram habitadas por seus loucos. Acostumavam-se com a loucura como um acontecer comum aos habitantes das cidades. E os marujos aprenderam também a conduzir seus passageiros em terra firme. Uma travessia que não precisa ser feita por longo tempo no porão do navio, mas de onde se ficou perdido, por entre bancários, automóveis, ruas e avenidas, como na canção do poeta. E quem ficou conhecendo cada história, de cada uma destas pessoas, sabe a diferença que fez não embarcar naquele velho navio. Sim, eu estou tão cansado... É que a história de fazer o rio da vida sem a nau dos insensatos é muito antiga. Quando tudo parecia dizer que a travessia dispensava a nau dos loucos, um jornal da metrópole anuncia nova descoberta da ciência: embarquem-se os loucos num moderno transatlântico que a travessia se fará em alto mar com tecnologias modernas. E eu, que estou tão cansado, reconheço aquele velho navio que pretende recolher o incômodo da loucura...



11/12/2007

sábado, 8 de dezembro de 2007

O ENÍGMA DA ESFINGE

Edmar Oliveira

Deu no “New York Times”: a empresa islandesa Decode Genetics, especializada na decodificação do genoma humano, anunciou o lançamento de um serviço chamado deCODEme” (algo como decodifique-me), que promete apresentar o genoma completo do cliente, bastando, para isso, uma amostra de células da parte interior da boca e um cheque de 985 dólares. De volta você recebe um mapa, anunciando prováveis doenças, características físicas como cor de cabelo e olhos, para uso próprio ou de seus descendentes. E ainda ganha de brinde um estudo dos antepassados para você saber o porquê do comportamento daquela tia esquisita ou porque seu avô não durou mais tempo no planeta, se tivesse sabido da futura causa de sua morte.
O mais impressionante no anúncio do produto é que ele não é destinado a serviços de saúde, mas ao consumidor em geral. Ou seja, assim como você pode fazer seu mapa astral, pode agora ter em mãos seu mapa de decodificação genética. Você passa a ser um feliz proprietário do seu futuro e de seus descendentes. Na compra de um “deCODEme” você ganha a possibilidade de um futuro planejado. Se você tem propensão a um câncer de próstata aos sessenta anos, porque não tirá-la aos vinte, antes que ela fique doente e eliminando todos os riscos da doença no futuro? O mesmo em relação ao câncer de mama. Antevejo garotas no futuro já sem um dos seios originais e rapazes livres da ejaculação de uma glândula potencialmente doente. Isto sem falar do uso de “deCODEmes” para avaliar um namoro planejado: “não vai dar certo, não quero ter um filho potencialmente diabético. Sinto muito. Aliás, procuro um parceiro que possa gerar filhos louros, com olhos verdes”.
Temo que estejamos construindo um futuro muito complicado para seus habitantes. E que a geração saúde, já festejada na modernidade, possa ser transformada numa geração de mutilados em nome da saúde. Muita saúde e menos órgãos possíveis de adoecimento. Isto sem falar na possibilidade de um transplante cardíaco precoce para quem tem pavor de morrer de enfarte, como atesta seu mapa genético. E que casamentos - melhor dizer acasalamentos - possam ser feitos a partir de anúncios de mapas de genomas publicados nos jornais, ou melhor, nos sites de relacionamentos da internet.
O que é mais assustador é que o enigma colocado pelo capitalismo parece não apresentar saída. Aqui, a esfinge ameaçadora não deixa possibilidades de resolução quando diz: decifro-te e te devoro!

O PARNAÍBA


O PARNAIBA
Geraldo Borges (*)


O rio Parnaíba é um rio torto
Que da voltas por dentro do mato
É um rio que está quase morto
Maltrapilho de tanto mal – trato.

O rio Parnaíba é m rio sujo
Com as mãos estendidas em suas margens
Foi se o tempo que tinha marujo
Para contar historias de torna viagens.

O rio Parnaíba está se arrastando
Esfarrapado pela beira do cais
Não agüenta o peso das pontes de concreto

O rio Parnaíba está adornando
Água esvaindo pelos seus beirais
E o seu leito vai ficar deserto.


(*) Geraldo em segunda aparição. Tão bom poeta como contista e cronista. Piauinauta perdido no espaço do Pantanal. Mas a gente está se encontrando vez por outra.

AINDA TERESINA

Cinéas Santos(*)



Ainda não é uma grande cidade, graças a Deus! Ainda há quintais, mangueiras, passarinhos e meninos para persegui-los. Ainda se vêem pipas bailando no azul das tardes de maio e, nas manhãs de agosto, ipês derramam ouro no chão. Ainda persiste o costume antigo da cadeira nas calçadas e a conversa espichada de quem espera a brisa que ficou de vir lá do litoral... O Mercado Central, com seu cheiro inconfundível, resiste. Lá onde ainda se pode comer uma autêntica dobradinha, tomar uma talagada de cana com casca de angico preto, remédio para os males do corpo e da alma. Sem gastar um tostão, pode-se consultar um raizeiro, especialista em “doenças em geral”. Os mais apressados podem “tirar um retrato” num lambe-lambe e voltarem para casa”documentados”. Um pouco mais adiante, impera o Troca-Troca onde, com paciência e jeito, pode-se trocar quase tudo, inclusive uma de 40 por duas de 20, desde que, na transação, entrem alguns caraminguás de troco. A máxima é: “Eu vivo da troca e como da volta”.
A cidade ainda é reconhecível apesar dos esforços dos que tudo fazem para desfigurá-la. Ainda existem os dois rios e os que vivem dos rios: pescadores, lavadeiras, canoeiros, vazanteiros... No Encontro das Águas, moleques entanguidos recontam, à sua maneira, a famigerada lenda do Cabeça de Cuia, nunca se esquecendo de trocar o verbo comer por devorar: “comer virgem é prosa”, garantem. Ainda persistem nos subúrbios a prática bem nossa de afixar, na parede frontal da bodeguinha, a placa com o letreiro: É AQUI O FULANO, como se a simples menção ao nome do dono da birosca fosse garantia de qualidade do que se vende ali. Nos letreiros da cidade, como bem observou o poeta Dobal, escancara-se a megalomania enrustida. Há “reis” para todos os gostos: REI DO FRANGO, REI DOS FREIOS, REI DOS ESTOFADOS, REI DOS PARAFUSOS, REI DO TUCUNARÉ e até um inusitado REI DO TAMBAQUI ASSADO.
É certo que o espectro da violência já ronda a cidade, mudando hábitos antigos. Mas ainda persiste o costume - tão nosso – de pedir “emprestado” uma colher de pó de café, dois dentes de alho, uma xícara de açúcar, com o compromisso tácito de nunca devolver... Ainda há fuxicos, brigas de vizinhos, grandes cumplicidades, gestos de solidariedade e toda essa tênue teia que dá consistência ao tecido comunitário. Graças ao Pai Celeste, ainda há um jeito teresinense de ser. Ainda somos reconhecíveis.
Mas há outra cidade que desponta veloz, que se verticaliza como se buscasse distanciar-se de tudo o que lembre a província pacata e hospitaleira. É a cidade dos edifícios modernosos onde o principal atrativo é a “segurança”. É a cidade dos que têm os pés na província e a cabeça em Miami; dos que não vivem sem o chocalho do celular; dos que só circulam à noite; dos que fazem grandes transações; dos que nada temem; dos que metem medo; dos que, tendo nascido aqui, não sabem onde fica Teresina.
Impedir que essa nova cidade, veloz e voraz, engula a cidadezinha que se fez com trabalho, suor, dedicação e carinho dos mais humildes é tarefa de todos nós.É preciso (e urgente) mostrar aos bem-nascidos que há espaço para todos; para o Teresina Shopping e para o Mercado do Mafuá; para o Tarrafa’s e para o Restaurante da Tijubina; para o Garden e para o Cabaré da Pretinha; para o Ensaio Vocal e para a dona Maria da Inglaterra, com seu famoso “Estrela de Luzilândia”, o único conjunto do mundo capaz de acompanhá-la, ou melhor, de “persegui-la”.
Que a cidade cresça e prospere, que se modernize, mas sem abrir mão do que tem de melhor: a generosidade com que acolhe a todos, como acolheu, numa remota manhã de maio de 65, este cronista de meia-tigela, que está fazendo todo esse volteio apenas para dizer o óbvio:TE AMO, TERESINA.
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(*) Pra quem é do planeta não preciso apresentar. É ele mesmo, o Imperador de Caracol que fez contato aqui no espaço sideral. Pro pessoal de fora digo o quê? O homem é um vaqueiro grande, cabeça branca, zói azul, sotaque da peste. A obra é maior que ele. Quando abre a boca solta um aboio. E escreve numa beleza da gota serena. Vamos nos encontrar mais vezes, com certeza.

GRANDES AVANÇOS, PEQUENOS PECADOS

Paulo José Cunha(*)


Diariamente enganamos, diariamente somos enganados. Mas, como se houvesse um pacto de silêncio, nem o consumidor de notícias denuncia o emissor, nem o emissor reconhece que está enganando o consumidor. E assim a vida segue, na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia.

Êh, bumba-iê-iê-iê! E olha que já vai longe o tempo em que não se distinguia informação de opinião, não se sabia onde terminava a redação e onde começava o departamento comercial. Avançamos muito. Já escrevemos “Informe Publicitário” pra dizer que não se trata de notícia, mas de propaganda. Já publicamos (!) a notícia positiva sobre o inimigo do dono do jornal e, lá dentro, no editorial, espinaframos com ele. É, aprendemos a separar as coisas. Já abrimos espaço para o direito de resposta (reconheçamos: espacinho raquítico, sovinado e mofino, reduzido a toscas e choradas linhas, sem destaque algum, lá no meio da seção de Cartas dos Leitores, mas, vá lá, pelo menos ele existe, o que não é pouca coisa). Vez por outra até reconhecemos que erramos, e nos corrigimos. Acredite: estamos nos tornando civilizados. Nos cortes das entrevistas, já não colocamos um contraplano (imagem do entrevistador ou da mão do entrevistado, para dissimular a existência do corte que caracteriza a edição de uma fala). Hoje usamos um flash. Resolveu? Será que o respeitável público sabe que aquela piscada significa que ali houve a intervenção do editor? Talvez não. Mas já é um avanço.

Ainda assim, o que não falta é chão pra andar quando se trata de ser transparente com nosso leitor, nosso ouvinte, nosso telespectador. Igualmente sobram artifícios para nos passar pelo que não somos, ou enganar os pobres diabos que nos lêem, nos ouvem ou nos assistem.

Vamos começar pelos impressos. Aposto que, se for feita uma pesquisa, raríssimos serão os leitores que conseguirão traduzir a expressão “Da Redação”. Provavelmente dirão que é texto escrito por algum jornalista do jornal ou da revista, que não quis se identificar. Poucos imaginarão que se trata de uma notícia que da redação não têm nadica de nadinha. Desinformado, o público leitor jamais suspeitará que, muitas vezes, a notícia “Da Redação” que está lendo é apenas a transcrição ipisis literis do texto que uma agência de notícias despejou via internet (antigamente chegava por telex) na redação. E aí, magicamente, em vez de ser da autoria da agência tal ou qual, transformou-se em notícia “Da Redação”. A prática lembra um pouco aquelas mulheres que botam um balde de silicone nos peitos e se orgulham de dizer: “São meus. Paguei uma baba por eles”.

Nos veículos audiovisuais o truque é feito, digamos, com mais “catiguría”, mas a desfaçatez é a mesma. Em pouquíssimos casos, as matérias dos correspondentes internacionais são o resultado de produção própria. Na maioria das vezes, resultam da "cozinha" do material recebido de agências internacionais. Só que as emissoras de tv não revelam isso, não dão crédito às agências que as produziram nem naquelas letrinhas, que correm lá no final do telejornal. Se for feita uma pesquisa, o povão vai responder que as imagens internacionais que assiste foram produzidas pela emissora que os veicula. Nunca desconfiará que as emissoras alugam o trabalho de agências que lhes fornecem diariamente o material de que seus correspondentes se servem para fechar suas matérias. Com uma “discreta” agravante: quando um correspondente estrangeiro apresenta, de Londres, uma matéria sobre a explosão de um carro-bomba no Iraque, pouca gente sabe que, na verdade, a matéria poderia ter sido fechada ali na esquina que não faria a menor diferença. Apenas o destinatário das imagens das agências foi Londres e não Quixeramobim. Como dá mais charme escrever debaixo do nome do repórter: “Londres” do que “Quixeramobim”, a matéria é fechada pelo escritório de Londres. Vira "internacional"...

Outra enganação freqüente e pouco percebida é a da conversão da enquête em pesquisa, quando se sabe perfeitamente que uma coisa não tem rigorosamente nada a ver com a outra. É comum um repórter ouvir três ou quatro pessoas sobre qualquer tema e depois afirmar, como se fosse a verdade mais absoluta, que a população está a favor disso ou daquilo, seguido de três ou quatro opiniões no mesmo sentido. Base científica para fazer tal afirmação? Nenhuma. Mas quem se importa com isso?

No dia em que os jornais voltarem a dizer (sim, no passado eles diziam ao leitor que a matéria que iriam ler era da Associated Press ou da France Press) a origem da informação hoje escondida atrás do rótulo “Da Redação” retomaremos o caminho que um dia nos permitiu separar notícia de publicidade. No dia em que as emissoras de televisão creditarem a origem das imagens que o distinto público está assistindo, ele poderá pelo menos saber o viés ideológico de quem as captou (o ângulo editorial de uma matéria da Fox não tem nada a ver com a mesma matéria feita pela BBC ou pela CNN). Historinha rápida: durante a invasão do Iraque, Ana Paula Padrão mostrou no “Jornal da Globo” cenas de soldados norte-americanos ajoelhados em sinal de boa vontade para reduzir a ira dos religiosos que temiam a depredação de uma mesquita em Bagdá. Cenas que algumas agências distribuíram, outras não, por temer que fossem traduzidas como um ato de submissão das tropas norte-americanas ao inimigo. Ou seja: existem agências e agências. Como existem padarias e padarias.

Convém saber e dar a saber a procedência do pão. E das notícias.

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(*) Estudei com Paulo José Cunha em 1970. Fizemos algumas coisas na imprensa do Piauí (depois eu falo). Mas o homem sumiu. Diziam estar em Brasília em órbita das esculturas do Niemeyer. Depois o vi na tela da Globo. Hoje apresenta um programa na TV Câmara (todo dia cedinho) e é professor da UnB. Escreveu livro, virou famoso e dá as caras aqui no espaço infinito.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

PIAUINAUTA

Edmar Oliveira


Quando era pequeno, começando a me entender por gente - como se diz no Piauí - ficava à noite olhando o céu na esperança de ver o satélite russo que rodeava a terra, lá longe no espaço. Depois, não entendi porque o Gagarin declarou que a terra era azul. Só mais tarde, vendo a terra em fotografias coloridas, compreendi o ponto de vista do Yuri, o que considerei, a princípio, uma ironia. Mas da real ironia do Ari Toledo, me lembro bem. Para os que chegaram recentemente ao planeta, o artista estava no auge, com canções picantes e debochadas. A melodia invade a memória, mas não posso dividir com vocês. A letra da canção, não sei toda. Me parece que uns versos diziam assim:

“O progresso nordestino
Esse menino já tem fama mundial
Se é foguete lá num falta
Um piauinauta
Foi ao espaço sideral.
Americano quando chega no espaço
Toma uma pílula, mode jantar
Mas lá no norte nós num faz economia
É melancia, rapadura com jabá...”


O mundo deu suas voltas, o foguete também, e, cinco anos depois do Yuri, Armstrong pisou na lua. A frenética corrida invadiu o satélite. Logo depois se descobriu que não valia tanto a pena os vôos para o belo astro dos seresteiros, da famosa canção do Gil. A lua não tinha nada que interessasse à economia, só aos poetas. E estes voam sem necessidade de naves espaciais. As assas da imaginação podem levar a qualquer lugar. Mesmo aos enxeridos, como sou, que escreve sem ser convocado.

Isto me ocorre porque danei a escrever croniquinhas ordinárias, que só satisfazem a mim, mas que, aproveitando o fenômeno da internet, divido com as vítimas da minha caixa postal. E alguns de vocês têm me perguntado a razão de tanta conversa jogada fora. Eu também me pergunto e não sei bem a resposta.

Tendo a achar que me sinto como um piauinauta. Saído do sertão, vivendo no sul maravilha, me sinto perdido no espaço tentando entender a modernidade do planeta. As voltas que ele faz neste início de século me tornaram um estranho no ninho. Meu cordão umbilical me prende à nave mãe do sertão. Mas estou girando sem entender muito bem os acontecimentos. Alguém já disse que a crônica trata como banalidade as coisas sérias ou trata com seriedade as coisas aparentemente banais. Na modernidade, que determina o lugar das coisas sem questionamentos, para entender um pouco os acontecimentos atuais esta estranheza da crônica me é necessária... Preciso conversar comigo mesmo. Mando pra vocês porque falar sozinho é sintoma de loucura!
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UMA REPÚBLICA NO MERCADO

Geraldo Borges (*)


Declaro a quem interessar possa que comprei uma república. Os vendedores disseram que a província tinha futuro. Muito bem. Dei uma nota preta por ela, libras esterlinas. Os ex-donos meteram os cobres nas algibeiras, e foram se divertir nos balneários europeus, com mulheres de luxo, e apostar alto nos cassinos.
Quando comecei a visitar os territórios da minha recém comprada república fui me dando conta que eu tinha feito uma tremenda burrada, para bem dizer, caído no conto do vigário Mesmo assim os governadores dos meus territórios tentaram me passar gato por lebre. Eu era recebido com fanfarras em cima dos coretos, pelotões de crianças fardadas, com bandeiras verde e amarelas tremulando. Embora os professores estivessem com seus salários atrasados. Comecei a ficar vexado. E a desconfiar do futuro de minha república.
A realidade era outra. Era preciso que eu fizesse alguma coisa o quanto antes. Pelo que eu estava vendo a minha república encontrava-se à beira do abismo. O que é uma república com escolas caindo aos pedaços, meninos analfabetos, professores com salários de fome? Uma caricatura. Uma monstruosidade. Descobri que a minha república estava cheia de aventureiros, piratas, novos ricos. Corruptos. Era preciso que se fizesse alguma coisa, urgente, para salvar o meu patrimônio, quer dizer, o patrimônio do povo.
O Congresso parecia um poleiro entregue as raposas, se bem que seus tapetes vermelhos, lustrosos, refletiam o exterior da falsidade. E o presidente da minha república? Um cara bonachão. Mas toda vez que eu o procurava, para conversarmos sob o destino do nosso país, ele estava voando, por alguma terra estrangeira. E pelo que observo pensa que é dono da minha republica, da nossa república, meu caro leitor..Precisamos fazer um monte de reformas, mudanças verdadeiras, estruturais, não só esse negócio de baixar juros, que é ficção. Não adianta ficar remendando aqui e ali em pano velho. Precisamos de odres novos.
. Estou sabendo que minha república está com suas estradas em petição de miséria, pontes danificadas, asfaltos cheios de buracos, forças armadas na pindaíba, quem quiser saber mais é só ler os jornais, as manchetes são de arrepiar. Ninguém está seguro, quem saí à rua não sabe se volta para casa, quem sobe o morro não sabe se desce...
Fui enganado. Disseram-me que eu ia comprar a mais rica república do hemisfério sul. Minha república tem muita abundancia, mas para a maior parte da sua população não abunda nada. Estou pensando que a melhor coisa que eu faço é passar essa república para frente.
Vou botar um anúncio de venda para me livrar de minha velha república. Mais ou menos assim: vende-se uma república, bem localizada, perto da linha do Equador, também conhecida como país do futuro.
Não demorou muito apareceu um comprador, vários compradores, era um pessoal do Norte, de fala esquisita, pareciam uns bárbaros, fiz um leilão. Eles tinham muito dinheiro. O último lance foi astronômico. Bati o martelo. E investi a bolada na bolsa.
Continuo morando por aqui, na minha casa de praia. Vou ficar observando os gráficos econômicos e sociais do desenvolvimento da minha ex – república.
Por enquanto ainda não descartaram o atual presidente, estão se dando bem com ele. É um homem simples, mas está ficando sofisticado, e parece que se dá bem com gregos e troianos. Mas todo mundo está vendo o seu calcanhar de Aquiles, e também sabem que ele está nu. Mas ninguém diz nada. Eu também vou me calar, antes que pisem nos meus calos..
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(*)pra quem é do planeta, Geraldo Borges é nome reconhecido. Pelo menos pelos astronautas da periferia. Geraldinho - “o professor”- é contista, poeta, amante das letras e perdido no espaço. Foi encontrado como um “piauinauta” em órbita do pantanal. Fizemos contato com ele em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul

BILHETINHOS PERDIDOS

Edmar Oliveira

Também tive meus segredos e escrevi bilhetinhos. Aliás, mandei-os aos quatro ventos. Não tenho nenhuma preocupação de alguém os achar, pois, na insignificância da minha existência, não interessa a ninguém. Talvez nem a quem foram endereçados. Se, nesta vida, não tenho uma preocupação é com a descoberta de qualquer coisa que escrevi em segredo. Talvez, tal descoberta só alegraria (ou envergonharia) a mim.
Mas não sei se vocês sabem que a iconografia histórica é feita de bilhetinhos e fofoquinhas. Aí é que o malandro, se personagem pública da história, é pego com as calças na mão. Joaquim Nabuco, que nos daria a melhor biografia de Pedro II não escrita, segundo José Murilo de Carvalho, desistiu porque não teve acesso aos segredos dos bilhetinhos, apesar de grande conhecedor da figura histórica. Até parece que na história, bilhetes, cartas e fofocas são mais constituintes de biografias do que a vida pública do personagem edificado.
Claro que vocês suspeitam que estou escrevendo após a leitura de Pedro II, do José Murilo . E se você não foi até lá, não tenho como encorajá-lo. A leitura é fácil, mansa e agradável. Mas o personagem é que não ajuda. Um cara legal, o imperador. Muito do camarada. Mas que se coloca na história muito “vai com as outras”. Mesmo que “as outras” sejam os inevitáveis fatos históricos. Você simpatiza com Pedro d’Alcântara, concorda que o Imperador era muito mais liberal que os republicanos, mas fica faltando algo. Como se o personagem fosse tão igual a você e por isso não se merecesse falar dele. Pronto, acho que achei o ponto principal do livro: mostra um Pedro tão igual a qualquer um de nós. Triste descoberta para quem gosta de heróis...
O extraordinário, e porque leituras precisam de um marco extra, fica por conta dos bilhetinhos do Imperador à condessa de Barral, amor que sobrevive a viuvez dos dois. E ficamos nos aquietando nas cadeiras para imaginarmos os velhos amantes discutirem a História do Brasil entre juras ultramontanas e liberais por onde o desejo possa ser colocado.
Só agora me ocorre que este lado da história fica prejudicado para sempre. Quem vai guardar os bilhetinhos mandados por e-mails entre os biografados do futuro? Precisamos dos serviços dos hackers, agora, sob pena da história não ser contada no futuro...

23/09/2007

NOBEL SERTANEJO

Edmar Oliveira

Quem, como eu, não resiste às abobrinhas do noticiário, ficou sabendo dos motivos da indicação de três economistas para o Prêmio Nobel deste ano. O feito dos ilustres homens da ciência econômica: descobrir os mecanismos das relações individuais que fazem o mercado funcionar bem ou mal. A relação entre dois indivíduos que negociam pode resultar em equações que maximinize (o neologismo é do economês) o bem-estar de um e o lucro do outro. Confesso que, agora, a minha ignorância em economia - que já era enorme, se maximizou de forma infinita, com profunda baixa no meu bem-estar. Como pode, numa negociação comercial, os dois ganharem o máximo?
Isto me faz lembrar um coronel do agreste alagoano, famoso na região por guardar dinheiro debaixo do colchão. Um novo gerente do Banco do Brasil, chegado à cidade, soube da história do coronel. Foi a ele fazer uma visita de cortesia e propor um serviço bancário. Contou ao velho sertanejo as vantagens do sistema bancário no mundo moderno. Uma conta no banco, com aplicações simples, geraria um lucro razoável ao correntista. Fez loas às vantagens que o coronel teria com o serviço bancário. O sertanejo perguntou ao gerente quanto o banco perderia com isto. O gerente disse que o banco ganharia e por isso ele estava ali a fazer o seu trabalho. Desconfiado, o caipira cofia a barba por fazer e pergunta quanto ele perderia. O gerente diz que o correntista não tinha nada a perder. Por fim, o coronel pergunta se ele o banco e o gerente teriam vantagens no negócio. Na afirmativa do gerente, o coronel se levanta encerrando a visita, dizendo que de acordo com a sua matemática, nos negócios alguém tinha que perder para alguém ganhar. Pensando com seus botões, achava que o homem da cidade estava querendo lhe passar a perna e no seu jeito rude sentenciou, porque não acreditava na proposta do banqueiro: “Nunca vi dinheiro trepar com dinheiro pra dar cria”. No seu raciocínio desconfiado, o interesse do gerente denunciava, com certeza, que ele é quem sairia no prejuízo. Negócio recusado.
Nessa história, podemos achar que o sertanejo poderia ter protegido seu patrimônio com a conta bancária oferecida, principalmente para quem tem memória do período inflacionário ainda recente e depois do causo narrado. Assim, o coronel estava errado. Mas, se lemos nos jornais o recorde de lucros alcançados pelo sistema bancário nacional, com certeza tirado de operações como a que foi oferecida na história, certamente o coronel estava certo quanto à cria fornecida por moedas. É patente que o banco fica com a parte de quem ganha, oferecendo uma pequena migalha desses ganhos ao correntista (que perde, pois o ganho do banco foi com o dinheiro da conta-corrente). Portanto, o coronel aparentemente errado por não aceitar o lucro do patrimônio na micro-economia, estava perfeitamente certo quanto a quem ganha na macro-economia. Em negócios, um perde mais e o outro ganha mais. Ou um perde menos e o outro ganha menos. Mas, tirando a relatividade, um ganha - o outro perde até a inversão da relação para um perde - o outro ganha, recomeçando a escala relativa.
No entanto, este raciocínio só vale até a descoberta das equações dos ganhadores do Nobel de economia deste ano. Vamos à explicação do raciocínio dos mestres: suponhamos que, num serviço oferecido, o preço cobrado é de 150; mas, seria viável o serviço custar até 120 para o vendedor. Por outro lado, o comprador oferece 100, mas, secretamente, acha que pode pagar até 130. Assim, um valor negociado entre 120 e 130 seria a maximização do lucro do vendedor e do bem-estar do comprador. As equações e fórmulas matemáticas dos economistas facilitariam esta negociação.
Não sei não, mas desconfio destas equações, como o coronel desconfiou da proposta do gerente do banco. Na minha santa ignorância e maléfica desconfiança, que fazem o nordestino sobreviver, estas equações e fórmulas são afetadas por estados emocionais e relações sociais que favorecem a saúde da economia capitalista, com o fortalecimento da parte mais forte da equação. E a parte mais fraca está enfraquecendo nas artimanhas dos jogos de armar mantidos por estas fórmulas matemáticas. Fico aqui pensando se quem deveria ganhar o Nobel de economia não era o caipira da história, que descobriu que dinheiro não trepa com dinheiro pra fazer a economia crescer...

18/10/2007

AQUECIMENTO GLOBAL

Edmar Oliveira

São assustadoras as previsões da ciência para o futuro do planeta. Se nada for feito para minorar os efeitos nocivos da civilização em pouco tempo teremos um planeta desolador. E quente. Geleiras do tamanho do Estado de Sergipe se desprendem do Ártico congelado e derretem como cubo de gelo nos oceanos. Se estiver certa a previsão, várias ilhas desaparecerão e o mar invadirá praias e arredores, refazendo a cartografia dos continentes. Montanhas geladas, como os Andes e Himalaia, já começam a derreter como nunca aconteceu, ameaçando os mananciais de água potável do planeta. E águas doces serão produtos de disputa entre nações. Metade da Amazônia terá virado cerrado com um crescimento do Nordeste rumo a oeste. As caatingas do Piauí invadirão o verde do Maranhão e uns dois Cearás brotarão depois do Pará. Neve em São Joaquim ficará tão difícil quanto em Teresina, que se destina a emprestar seu calor a outras paragens.
E assim sendo, parece que os líderes das nações ainda não sentiram a devastação por vir. A América se recusou a assinar o protocolo de Kioto, para não renunciar ao crescimento econômico desenfreado, que faz do tio Sam o dono do mundo. Deliberações climáticas, como a ECO 92, não deram resultados práticos para deter o aquecimento global.
Creio na dificuldade que os homens têm de evitar uma situação se não estão diretamente afetados por ela. Nada de cidades da Europa, do Japão ou mesmo aqui no Rio de Janeiro para se discutir o aquecimento global. Acho que se fizessem uma reunião de líderes mundiais para discutir este assunto em Teresina, num dos meses do b-r-o-bró (de setembro a dezembro), num centro de convenções sem ar condicionado, os resultados poderiam ser diferentes. Ninguém ia querer que o calor de Teresina chegasse nas suas cidades. E antes que me digam que estou “tirando onda” com minha cidade ou falando mal, posso afirmar o bairrismo contido nesta proposta. Defendo minha cidade, pois, se o aquecimento global vencer, Teresina sairá do mapa de locais habitáveis e leva consigo mais da metade do sertão...

20/11/2007