sábado, 8 de dezembro de 2007

AINDA TERESINA

Cinéas Santos(*)



Ainda não é uma grande cidade, graças a Deus! Ainda há quintais, mangueiras, passarinhos e meninos para persegui-los. Ainda se vêem pipas bailando no azul das tardes de maio e, nas manhãs de agosto, ipês derramam ouro no chão. Ainda persiste o costume antigo da cadeira nas calçadas e a conversa espichada de quem espera a brisa que ficou de vir lá do litoral... O Mercado Central, com seu cheiro inconfundível, resiste. Lá onde ainda se pode comer uma autêntica dobradinha, tomar uma talagada de cana com casca de angico preto, remédio para os males do corpo e da alma. Sem gastar um tostão, pode-se consultar um raizeiro, especialista em “doenças em geral”. Os mais apressados podem “tirar um retrato” num lambe-lambe e voltarem para casa”documentados”. Um pouco mais adiante, impera o Troca-Troca onde, com paciência e jeito, pode-se trocar quase tudo, inclusive uma de 40 por duas de 20, desde que, na transação, entrem alguns caraminguás de troco. A máxima é: “Eu vivo da troca e como da volta”.
A cidade ainda é reconhecível apesar dos esforços dos que tudo fazem para desfigurá-la. Ainda existem os dois rios e os que vivem dos rios: pescadores, lavadeiras, canoeiros, vazanteiros... No Encontro das Águas, moleques entanguidos recontam, à sua maneira, a famigerada lenda do Cabeça de Cuia, nunca se esquecendo de trocar o verbo comer por devorar: “comer virgem é prosa”, garantem. Ainda persistem nos subúrbios a prática bem nossa de afixar, na parede frontal da bodeguinha, a placa com o letreiro: É AQUI O FULANO, como se a simples menção ao nome do dono da birosca fosse garantia de qualidade do que se vende ali. Nos letreiros da cidade, como bem observou o poeta Dobal, escancara-se a megalomania enrustida. Há “reis” para todos os gostos: REI DO FRANGO, REI DOS FREIOS, REI DOS ESTOFADOS, REI DOS PARAFUSOS, REI DO TUCUNARÉ e até um inusitado REI DO TAMBAQUI ASSADO.
É certo que o espectro da violência já ronda a cidade, mudando hábitos antigos. Mas ainda persiste o costume - tão nosso – de pedir “emprestado” uma colher de pó de café, dois dentes de alho, uma xícara de açúcar, com o compromisso tácito de nunca devolver... Ainda há fuxicos, brigas de vizinhos, grandes cumplicidades, gestos de solidariedade e toda essa tênue teia que dá consistência ao tecido comunitário. Graças ao Pai Celeste, ainda há um jeito teresinense de ser. Ainda somos reconhecíveis.
Mas há outra cidade que desponta veloz, que se verticaliza como se buscasse distanciar-se de tudo o que lembre a província pacata e hospitaleira. É a cidade dos edifícios modernosos onde o principal atrativo é a “segurança”. É a cidade dos que têm os pés na província e a cabeça em Miami; dos que não vivem sem o chocalho do celular; dos que só circulam à noite; dos que fazem grandes transações; dos que nada temem; dos que metem medo; dos que, tendo nascido aqui, não sabem onde fica Teresina.
Impedir que essa nova cidade, veloz e voraz, engula a cidadezinha que se fez com trabalho, suor, dedicação e carinho dos mais humildes é tarefa de todos nós.É preciso (e urgente) mostrar aos bem-nascidos que há espaço para todos; para o Teresina Shopping e para o Mercado do Mafuá; para o Tarrafa’s e para o Restaurante da Tijubina; para o Garden e para o Cabaré da Pretinha; para o Ensaio Vocal e para a dona Maria da Inglaterra, com seu famoso “Estrela de Luzilândia”, o único conjunto do mundo capaz de acompanhá-la, ou melhor, de “persegui-la”.
Que a cidade cresça e prospere, que se modernize, mas sem abrir mão do que tem de melhor: a generosidade com que acolhe a todos, como acolheu, numa remota manhã de maio de 65, este cronista de meia-tigela, que está fazendo todo esse volteio apenas para dizer o óbvio:TE AMO, TERESINA.
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(*) Pra quem é do planeta não preciso apresentar. É ele mesmo, o Imperador de Caracol que fez contato aqui no espaço sideral. Pro pessoal de fora digo o quê? O homem é um vaqueiro grande, cabeça branca, zói azul, sotaque da peste. A obra é maior que ele. Quando abre a boca solta um aboio. E escreve numa beleza da gota serena. Vamos nos encontrar mais vezes, com certeza.

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