Garrincha e Nicinha |
Quando penso em Carnaval, a primeira lembrança alegre é a do corso, que arrastava os blocos de rua, os homens vestidos de mulher e, principalmente, o caminhão das raparigas, o Bernardo Cruz e a Nicinha. Eram as três atrações mais esperadas, embora algumas senhoras fechassem a cara e fingissem não ver as mulheres com suas saias brilhantes, enfeitando o caminhão.
Bernardo Cruz era alfaiate e foi o primeiro homossexual assumido de Teresina, pelo menos de meu tempo. Desfilava no corso, vestido de baiana, com uma saia longa e um sutiã, enfeitados de renda. Na cabeça trazia um adorno com balangandãs e, no pescoço, vários colares coloridos. Dançava todo o corso, e girava sua saia, para alegria de quem assistia ao espetáculo. Bernardo, em paz e feliz, soltava a baiana que morava dentro dele.
Nicinha era pobre, vivia de favores e ninguém sabia muita coisa sobre ela. Com seu passinho miúdo, espalhava alegria pelas ruas e dançava como se estivesse num salão de festa. Por não ser mais jovem, sua resistência era motivo de admiração, um milagre que se repetia todos os anos. Não usava fantasia, mas um vestido que, muitas vezes, parecia de festa, enfeitado com rendas e babados. Prendia os cabelos com uma fita de seda, ou apenas usava uma flor. Mas quem a conheceu nunca esquecerá o seu batom vermelho, sempre borrado, os óculos com lentes “fundo de garrafa” e a bolsa a tiracolo.
Depois do carnaval, todos voltavam para seus devidos lugares: as raparigas para os cabarés da Paissandu, Bernardo para a seriedade de sua alfaiataria e Nicinha talvez se encantasse, pois também ninguém sabia onde ela morava.
Por três dias, a “alta sociedade” contaminada pela alegria do momento, esquecia a pobreza de Nicinha, os trejeitos homossexuais de Bernardo e a libidinagem animada, que emanava do caminhão das raparigas. O próprio Carnaval criava seu espaço, sem regras, onde tudo era possível, até sonhar com a liberdade, num momento mágico sem exclusão.
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