domingo, 16 de março de 2014

A Bíblia como fonte literária


(Geraldo Borges)  

“Compreender que a linguagem da Bíblia é fluida, corrente e literária , não rígida, fixa e cientifica é o primeiro passo  para  boa compreensão da Bíblia.”
                                                                                 Matthew Arnold
                    

                     A Bíblia entrou  em minha vida pelo portal da religiosidade. É que a minha família era protestante. E lá em casa, cada um tinha a sua Bíblia  contando toda a história do povo hebreu, desde a criação de Adão e Eva, passando pelos patriarcas, Moisés Josué ,  os juízes, os reis, os profetas. A derrubada do Templo. A escravidão no cativeiro da Babilônia. A subordinação aos gregos, aos romanos. E em fim o nascimento de Cristo em Belém dando uma nova esperança ao povo judeu que, agora,  conforme a profecia, ia ter um rei Jesus Cristo, da raiz da casa de Davi.

                     Em casa, menino, inocente, eu lia a Bíblia ao pé da letra, com o instinto religioso. Descobri  que a palavra milagre é aquilo que você não põe em duvida, não discute. E como os crentes diziam que a Bíblia era a palavra de Deus, eu passei a acreditar e tudo que ela contava. Trombetas derrubando os muros da cidade de Jerico, Moisés abrindo o mar Vermelho. Fazendo água jorrar das rochas, Josué  ordenando ao sol que parasse, Jonas sendo tragado pelo ventre da Baleia e muitas  outras peripécias e proezas.

                     Ora, aconteceu que comecei a ver as histórias da Bíblia no cinema E em casa entusiasmado recontava os episódios. E via que havia muito mais cenas recriadas, que extrapolavam o texto original. Então, comecei a pensar, se a Bíblia pode ser filmada, pode se adaptar a um roteiro, e se a base da literatura de ficção é a narrativa,  nada nos impede de reconhecer a Bíblia como um grande mural da literatura hebraica.

                     Já por esse tempo, notei que a minha leitura da Bíblia tinha mudado de tom, de perspectiva. Já não lia mais a Bíblia com o instinto religioso, em busca de receber a graça do senhor. A Bíblia continuou sendo o meu livro de cabeceira. Mas, como eu tinha abandonado a religião, já não era um homem de um livro só. E na leitura de outros livro foi observando o sinal estilístico, que acredito seja uma redundância,, ou temático da Bíblia.

                     Machado de Assis, por exemplo, matou sua sede de leitura nos livros da Bíblia. Pode-se observar isto muito bem em sua narração. No romance Memórias Póstumas de Brás  Cubas  Logo no começo, na apresentação do livro, podemos ler. “ Moisés que também contou  a sua morte, não a pós no introito, mas ao cabo: diferença  radical entre esse livro  e o Pentateuco.” Isto é apenas um exemplo, e em verdade vós digo, que estiver interessado em aprofundar a questão e só manusear a obra do bruxo do Cosme Velho. E para ventilar  a memória do leitor, Machado  escreveu um romance com um titulo que foi pescar  em Genesis. Trata-se de Esaú e Jacó, onde coloca o conflito do ciúme entre irmãos.

                     Temos também, ainda no livro de Genesis, a história de Jacó que trabalhou para o seu tio Labão  para conquistar o amor de Raquel e o finório do tio lhe deu a Lia. Teve que trabalhar mais sete anos. Desse pequeno episodio da história ficcional do povo hebreu nasceu um dos mais belos sonetos da língua portuguesa, e que começa assim. Sete anos de pastor Jacó servia\ Labão pai de Raquel serra bela\ Mas não servia ao pai servia a ela...

                     É inumerável a influencia da literatura hebraica, como fonte de inspiração, tanto para os clássicos como para os modernos. Se eu ficasse aqui citando exemplos teria que fazer um livro. Mas para citar o livro de Genesis de novo, apresento ao leitor a obra prima de Milton, o Paraíso Perdido. Só muita imaginação e genialidade  pode construir uma obra mitológica como essa.. Podemos citar ainda José e seus irmãos, baseado na história de José do Egito, da autoria de Tomas Mann.  

                     O Novo Testamento também é fonte de inspiração para muitos autores. Todo mundo conhece. Força de expressão, é claro, o romance Evangelho segundo o Filho de Norman Mailer, redigido na primeira pessoa. E Barrabas, de Pär Legerkvist; quem não o conhece, esta figura simbólica, que é trocada por Jesus, e que sai das profundezas da prisão atordoado e termina se tornando cristão. Nada se sabe de Barrabas no texto do Novo Testamento. Mesmo assim o autor do romance constrói uma história dramática com um pequeno episódio do julgamento de Cristo. O romance foi filmado.

                     Eu acredito que a Bíblia toda já foi filmada, todo o seu texto narrativo, e também, se a memória não me engana impressa em quadrinho. Seus heróis me foram apresentados, na infância, como super-heróis. Figuras mitológicas. Verdadeiros deuses. E na verdade vos digo meu caro eleitor, a Bíblia continua sendo meu livro de cabeceira. Primeiro  me foi apresentado como um livro religioso, e finalmente  o redescobrir como um grande marco da literatura   que  não deixa de ser também uma espécie de religião.

Um comentário:

João Grillo disse...

Eu já li a Bíblia muito "tarde", até porque a igreja católica da minha mãe tem um pavor deste livro,do tamanho do Vaticano, maior do que as multidões de evangélicos em torno de um espertalhão televisivo da moda...E aí, averso a compromisso com religiões, por curiosidades, comecei a ler, porque vi muita "gente boa" e até ateus fazendo referências: "vou ler esse livrão, parece que é bom". Booom! É incrível!...E foi aí que eu distanciei mais ainda dessas crenças, qualquer uma, que assola o comércio mundial....As referências a quase tudo são de arrepiar os cabelos do "franzido"... E olha que já se vão uns 3 mil anos... A porra da hermenêutica é que astravanca o progresso...E aqueles malditos catecismos que os católicos encontram "dibuiados" em riba do banco da igreja antes de começar a missa... "Não leiam a Bíblia, o panfletinho tem tudo que é do nosso milenar interesse", diz o cenário do palco do templo decadente.