(Geraldo Borges)
“Compreender que a
linguagem da Bíblia é fluida, corrente e literária , não rígida, fixa e
cientifica é o primeiro passo para boa compreensão da Bíblia.”
Matthew Arnold
A
Bíblia entrou em minha vida pelo portal
da religiosidade. É que a minha família era protestante. E lá em casa, cada um
tinha a sua Bíblia contando toda a
história do povo hebreu, desde a criação de Adão e Eva, passando pelos
patriarcas, Moisés Josué , os juízes, os
reis, os profetas. A derrubada do Templo. A escravidão no cativeiro da Babilônia.
A subordinação aos gregos, aos romanos. E em fim o nascimento de Cristo em
Belém dando uma nova esperança ao povo judeu que, agora, conforme a profecia, ia ter um rei Jesus
Cristo, da raiz da casa de Davi.
Em
casa, menino, inocente, eu lia a Bíblia ao pé da letra, com o instinto
religioso. Descobri que a palavra
milagre é aquilo que você não põe em duvida, não discute. E como os crentes
diziam que a Bíblia era a palavra de Deus, eu passei a acreditar e tudo que ela
contava. Trombetas derrubando os muros da cidade de Jerico, Moisés abrindo o
mar Vermelho. Fazendo água jorrar das rochas, Josué ordenando ao sol que parasse, Jonas sendo
tragado pelo ventre da Baleia e muitas
outras peripécias e proezas.
Ora,
aconteceu que comecei a ver as histórias da Bíblia no cinema E em casa
entusiasmado recontava os episódios. E via que havia muito mais cenas
recriadas, que extrapolavam o texto original. Então, comecei a pensar, se a
Bíblia pode ser filmada, pode se adaptar a um roteiro, e se a base da literatura
de ficção é a narrativa, nada nos impede
de reconhecer a Bíblia como um grande mural da literatura hebraica.
Já
por esse tempo, notei que a minha leitura da Bíblia tinha mudado de tom, de
perspectiva. Já não lia mais a Bíblia com o instinto religioso, em busca de
receber a graça do senhor. A Bíblia continuou sendo o meu livro de
cabeceira. Mas, como eu tinha abandonado a religião, já não era um homem de um
livro só. E na leitura de outros livro foi observando o sinal estilístico, que
acredito seja uma redundância,, ou temático da Bíblia.
Machado
de Assis, por exemplo, matou sua sede de leitura nos livros da Bíblia. Pode-se
observar isto muito bem em sua narração. No romance Memórias Póstumas de
Brás Cubas Logo no começo, na apresentação do livro,
podemos ler. “ Moisés que também contou
a sua morte, não a pós no introito, mas ao cabo: diferença radical entre esse livro e o Pentateuco.” Isto é apenas um exemplo, e
em verdade vós digo, que estiver interessado em aprofundar a questão e só
manusear a obra do bruxo do Cosme Velho. E para ventilar a memória do leitor, Machado escreveu um romance com um titulo que foi pescar em Genesis. Trata-se de Esaú e Jacó, onde
coloca o conflito do ciúme entre irmãos.
Temos
também, ainda no livro de Genesis, a história de Jacó que trabalhou para o seu
tio Labão para conquistar o amor de
Raquel e o finório do tio lhe deu a Lia. Teve que trabalhar mais sete anos.
Desse pequeno episodio da história ficcional do povo hebreu nasceu um dos mais
belos sonetos da língua portuguesa, e que começa assim. Sete anos de pastor
Jacó servia\ Labão pai de Raquel serra bela\ Mas não servia ao pai servia a ela...
É
inumerável a influencia da literatura hebraica, como fonte de inspiração, tanto
para os clássicos como para os modernos. Se eu ficasse aqui citando exemplos
teria que fazer um livro. Mas para citar o livro de Genesis de novo, apresento
ao leitor a obra prima de Milton, o Paraíso Perdido. Só muita imaginação e
genialidade pode construir uma obra
mitológica como essa.. Podemos citar ainda José e seus irmãos, baseado na história
de José do Egito, da autoria de Tomas Mann.
O
Novo Testamento também é fonte de inspiração para muitos autores. Todo mundo
conhece. Força de expressão, é claro, o romance Evangelho segundo o Filho de
Norman Mailer, redigido na primeira pessoa. E Barrabas, de Pär Legerkvist; quem
não o conhece, esta figura simbólica, que é trocada por Jesus, e que sai das
profundezas da prisão atordoado e termina se tornando cristão. Nada se sabe de
Barrabas no texto do Novo Testamento. Mesmo assim o autor do romance constrói
uma história dramática com um pequeno episódio do julgamento de Cristo. O romance
foi filmado.
Eu
acredito que a Bíblia toda já foi filmada, todo o seu texto narrativo, e
também, se a memória não me engana impressa em quadrinho. Seus heróis me foram
apresentados, na infância, como super-heróis. Figuras mitológicas. Verdadeiros
deuses. E na verdade vos digo meu caro eleitor, a Bíblia continua sendo meu
livro de cabeceira. Primeiro me foi
apresentado como um livro religioso, e finalmente o redescobrir como um grande marco da
literatura que não deixa de ser também uma espécie de
religião.
Um comentário:
Eu já li a Bíblia muito "tarde", até porque a igreja católica da minha mãe tem um pavor deste livro,do tamanho do Vaticano, maior do que as multidões de evangélicos em torno de um espertalhão televisivo da moda...E aí, averso a compromisso com religiões, por curiosidades, comecei a ler, porque vi muita "gente boa" e até ateus fazendo referências: "vou ler esse livrão, parece que é bom". Booom! É incrível!...E foi aí que eu distanciei mais ainda dessas crenças, qualquer uma, que assola o comércio mundial....As referências a quase tudo são de arrepiar os cabelos do "franzido"... E olha que já se vão uns 3 mil anos... A porra da hermenêutica é que astravanca o progresso...E aqueles malditos catecismos que os católicos encontram "dibuiados" em riba do banco da igreja antes de começar a missa... "Não leiam a Bíblia, o panfletinho tem tudo que é do nosso milenar interesse", diz o cenário do palco do templo decadente.
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